sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Abandono afetivo - Tese não é tão descabida como acreditaram juristas

por Adriano Rodrigo Ponce de Oliveira
Os tribunais têm decidido que o abandono afetivo não gera direito à indenização. Em suma, têm deliberado que ninguém pode ser obrigado a gostar de ninguém.
Recentemente, por exemplo, o desembargador Fernando Carioni, da 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, negou pedido de reparação de dano moral feito por um filho abandonado, contra seu pai. O julgador alegou que a indenização seria pior para a relação, diminuiria ainda mais a chance de o filho reaver o afeto do pai.
Eis um trecho da decisão: "Não se nega a dor tolerada por um filho que cresce sem o afeto do pai, bem como o abalo que o abandono causa ao infante; porém a reparação pecuniária além de não acalentar o sofrimento do filho ou suprir a falta de amor paterno, poderá provocar um abismo entre pai e filho, na medida em que o genitor, após a determinação judicial de reparar o filho por não lhe ter prestado auxílio afetivo, talvez não mais encontre ambiente para reconstruir o relacionamento". O entendimento foi acolhido por unanimidade.1
O objetivo deste artigo não é aprofundar a discussão jurídica e nem fixar posicionamento, mas apenas comentar situações especialmente desagradáveis constatadas no cotidiano forense e instigar reflexão.
Certa vez fiquei estremecido durante audiência sobre pensão alimentícia. Normalmente depois que a questão financeira é resolvida, costumo perguntar para o pai, na maioria das vezes ele é o devedor, se tem tido contato com o filho e etc. Também procuro ressaltar que mais do que discutir valores, o importante é existir boa convivência entre as partes.
Em determinada oportunidade, o pai teve a ousadia de me responder, questionado sobre se mantinha contato com o filho de sete anos: “Nem quero”. Ele tinha acabado de se separar da mulher. Ela começou a chorar e eu tentava acalmá-la. Já não havia mais o que deliberar naquele processo, pois restava apenas homologar o acordo sobre a pensão alimentícia. Pensei comigo que era melhor que aquele indivíduo realmente se mantivesse distante do seu filho, pois nada teria a contribuir para a formação da criança. Internamente orei para que alguém fosse colocado no caminho daquela mulher, a fim de que o garoto viesse a ter um verdadeiro “pai”.
As surpresas negativas não pararam por aí. Algum tempo depois a audiência versava um pedido de pensão formulado contra a mãe, já que o garoto estava sob a guarda do pai. Ela, relativamente jovem, demonstrava preocupação acima da média com a hipótese de ter de pagar pensão. O acordo estava emperrado por causas até então desconhecidas. Como a mulher estava acompanhada do seu pai, avô do garoto, este foi convidado a adentrar na sala. Achei que a mulher indecisa precisava do apoio do seu genitor para que o acordo fosse feito. Acabei descobrindo que ele, o avô materno do garoto, em verdade criava obstáculos entre as partes, e o fazia porque temia que o seu próprio patrimônio fosse envolvido. Somente depois de muita conversa e de ter assegurado ao tal senhor que a obrigação era da sua filha e que a ela incumbiria os pagamentos, sem que ele tivesse de desembolsar, pelo menos naquele processo, um centavo sequer, é que o acordo foi assinado.
Como de costume, perguntei ao idoso se ele tinha contato com o neto. Ele me disse que ninguém levava o menino no seu sítio etc. Eu prossegui dizendo que ele, o avô, é quem deveria se interessar em procurar o neto. Ele insistiu com evasivas e arrematou: “Doutor, para falar a verdade, se a minha filha tivesse me ouvido, não teria engravidado”. De início, fiquei sem reação com o desdém com que o idoso se referiu ao neto, mas com a mesma rapidez que o havia convidado a entrar da sala, determinei que dela se retirasse para que não dissesse outras bobagens. O idoso estava mais preocupado com o seu patrimônio do que com o ser humano de sua descendência.
Um sentimento de indignação tomou conta de todos e a situação foi daquelas que a gente costuma dizer que “estragam o dia”. Não posso deixar de mencionar que nas audiências do Projeto Paternidade Responsável os pais até aceitam reconhecer os filhos, mas em alguns casos evitam até olhar para as crianças, o que é lamentável.
Pensando sobre os fatos narrados eu logo concluí que a tese do abandono afetivo não é tão descabida quanto pareceu para alguns juristas e que merece pelo menos o respeito de todos os operadores do Direito. Isso porque a fixação de indenização nem sempre estará relacionada à intenção de enriquecimento dessas pobres crianças que têm de conviver com um dos mais repugnantes dos sentimentos: o desprezo. Em muitos casos, o comportamento do ascendente vai além da inércia, “machuca de verdade”, assume a forma ativa de ofensa, o que talvez justificasse o desfalque no patrimônio para educar o faltoso e como forma de curativo para a ferida aberta. Afinal, o desprezo silencioso não pode ser equiparado ao desprezo declarado. É coisa para se pensar.
Notas de rodapé
1. http://www.conjur.com.br/static/text/71782,1 — Revista Consultor Jurídico de 17/11/ 2008.
Fonte: Consultor Jurídico

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