quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O que se deve entender por tempo razoável na duração do processo?

Como dito mais acima, a Emenda Constitucional no. 45, de 2004, cujo texto foi promulgado em 08.12.2004, expressamente passou a tratar da razoável duração temporal do processo. Ocorre que malgrado tenha sido uma providência legislativa da mais alta relevância; entrementes, o legislador constituinte derivado não se ocupou em traçar o alcance do que venha a ser o prazo razoável para a duração dos processos. [05]

Portanto, fica uma pergunta: o que se deve entender por 'razoável duração do processo'? Um mês? Seis meses? Um ano? E por aí vai... Vejamos, dessa forma, o se pode entender por 'razoável duração do processo', apenas sob o enfoque de alguns doutrinadores.

Temos um tema que envolve um conceito indeterminado. Trata-se, por conseguinte, de um problema de difícil solução. Basta recordarmos que Karl Larenz, ao enfrentar a questão relativa a utilização de conceitos indeterminados, lembra que se trata de um tema que oferece vasto campo de discussão entre os doutrinadores, de difícil solução. [06]

O problema assume uma proporção ainda maior se apercebe que o tema tem seu ponto de partida na Constituição Federal. Mas não é só. Trata-se de um Direito Fundamental! Portanto, a matéria não pode deixar de ser vista através de seu viés político. Aliás, o conteúdo político de uma Constituição deve ser visto não só pelo seu sentido vernacular, mas também com a observância das peculiaridades da linguagem técnica. [07]

Agustín Gordillo esclarece que a interpretação e a aplicação dos conceitos indeterminados, em função dos argumentos desenvolvidos pelas diversas teorias, culminam por transformar-se em atividade vinculada à lei, inclusive para perquerir, em determinadas ocasiões, a vontade do legislador. As condições de fato, como o fim, são sempre postuladas pela norma (implícita ou explicitamente) esão descobertas mediante interpretação; só há exceção quando a condição de fato vem enunciada como condição prática ou de valor [08].

Mauro Cappelletti, a seu turno, lembra que o conceito de tempo razoável pode variar de um lugar para o outro, pois 'em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exequível. Os feitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. (...) A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6o., parágrafo primeiro, que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível.' [09]

Mauro Cappelletti lembra que na Itália os processos chegam a ficar apenas na primeira instância por 566 (quinhentos e sessenta e seis) dias; ao chegarem aos Tribunais de primeira instância tomam 944 (novecentos e quarenta e quatro) dias e na Corte de Apelação levam 769 (setecentos e sessenta e nove) dias. No Tribunal de Grande Instância da França, lembrando o Professor kohl, o processo chega a demorar 1,9 anos; e 2,33 anos perante o Tribunal de Primeira Instância da Bélgica. [10]

(...)
Há também uma pesquisa feita pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual demonstra que um processo, em média, demora de 10 (dez) a 20 (vinte) meses, na primeira instância, de 20 (vinte) a 40 (quarenta) meses, na segunda e de 20 (vinte) a 40 (quarenta) meses nas instâncias superiores. [15] [16]
(...)
Ao fazer uma pesquisa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, também pude observar que os julgados que tratam do tempo razoável de duração do processo, não explicitam qualquer conceito acerca da matéria. Foi o caso por exemplo do RE no. 00432-1-SP, tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes, tendo como tema de fundo a questão relativa a repercussão geral acerca do cabimento de juros de mora, no período compreendido entre a data da conta de liquidação e da expedição da requisição de pequeno valor ou do precatório, menciona a necessidade de se decidir em observância com o tempo de razoável a matéria, sem, contudo, dizer especificamente o que seria este 'tempo razoável'. [19]
(...)
O Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em encontro com o Presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, realizado no dia 26 de maio de 2011, que teve como escopo requerer agilidade na tramitação do projeto de novo Código de Processo Civil, demonstrou o Ministro ao Parlamentar que a maior preocupação do projeto de CPC é fazer com que o processo judicial tenha uma duração razoável. Na saída do encontro, disse o Ministro aos jornalistas que 'a proposta do Código é desformalizar o processo de tal maneira que haja uma redução de 50% na duração dos processos, até que se obtenha uma resposta definitiva do Judiciário. A agilidade na prestação da justiça é um anseio nacional, é um interesse de todos'.' [30] Não há dúvida de que agilidade nos julgamentos e deixar o processo menos formal são elementos da mais alta relevância em um Estado Democrático de Direito. Todavia, como se pode depreender, em nenhum momento disse o Ministro, inclusive na qualidade de Presidente do anteprojeto de novo Código de Processo Civil, o que se poderia estabelecer como sendo um prazo razoável de duração do processo. [31]

Por sua vez, Lênio Luiz Streck em palestra proferida na TV Justiça, no programa intitulado 'Aula Magna', ao tratar da falta de definição do que seria o tempo razoável de duração do processo, chega a dizer, em tom jocoso, que o legislador deveria, juntamente com a referida expressão, ter criado a possibilidade de se construir um aparelho que resolveu chamar de 'razoavelômetro'! [32]

Só para se ter uma idéia de como é complicado estabelecer um limite temporal ao conceito constitucional de razoabilidade temporal na duração do processo, a Comissão Européia para a Eficiência da Justiça, através de uma Comissão criada, no ano de 2002, apenas e tão somente para tentar saber o tempo médio de duração dos processos nos países membros, até hoje ainda não conseguiu alcançar os seus objetivos [33].

Como se pode depreender ninguém arriscou a estabelecer um conceito temporal para o que venha ser tempo razoável de duração do processo. Seria esta expressão tão enigmática assim? E há uma explicação para isso. Isto se dá pelo simples fato de que ninguém, até o momento, se dispôs a categorizar as ações e formular dados estatísticos, acerca do tempo médio de duração de cada uma, considerando-se a matéria de fundo. Por conseguinte, enquanto isso não for feito, a questão não sairá do campo do sentimento do que cada um acha o que é o tempo razoável.

Nenhum doutrinador ou julgador que, de alguma forma, menciona o tempo razoável de duração do processo, se arrisca a dizer o que vem a ser, objetivamente, este tempo!

Para piorar ainda mais a vida do cidadão, como o conceito tempo razoável de duração do processo é indeterminado, favorece a ingerência das mais diversas teorias de hermenêutica sobre o tema, culminando num manancial de idéias que se espraiam pelos julgamentos, sem trazer qualquer segurança jurídica. Assim, em termos práticos, não será desarrazoado que aconteça que magistrados, de acordo com o caso concreto, 'entendam' que o tempo razoável foi ou não observado. Enfim...
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BORGES, Leonardo Dias. A garantia da razoável duração do processo do trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3009, 27 set. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20080>. Acesso em: 28 set. 2011.

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