terça-feira, 13 de setembro de 2011

Pessoa jurídica e os direitos da personalidade

Diferentemente das pessoas físicas que já possuem ao nascer com vida de personalidade jurídica, as pessoas jurídicas adquirem essa personalidade, essa condição de poder ser sujeito de direitos e obrigações, a partir do momento em que são criadas, desde que preencham alguns requisitos, tais quais, vontade humana criadora, que o objeto da sua finalidade seja lícito e esta criação aconteça de acordo com forma prescrita em lei, referindo-se este último pressuposto à necessidade que seja a nova pessoa jurídica registrada em cartório competente. É exatamente este registro que confere ao novo ente criado a aferição da personalidade jurídica.

A pessoa jurídica, ao longo da sua história, vem sendo vista por alguns como uma prolongação apenas daqueles que a compõem, enquanto outros entendem que ela é um sujeito de direito autônomo em relação a estes. São muitas as teorias que abraçam uma ou outra corrente. A Teoria da Ficção, por exemplo, aduz que a pessoa jurídica é um ente abstrato, criado pela lei, não possui projeção no mundo concreto, apenas no mundo jurídico. Uma segunda teoria a ser citada é a Teoria da Realidade Objetiva que defende a própria personalização do ente moral, ou seja, equipara a existência das pessoas jurídica à existência das pessoas físicas. Existe, também, uma corrente, baseada na Teoria da Realidade Técnica, que não nega, admite a existência autônoma e fática da pessoa jurídica, todavia, desde que preenchidos os requisitos que lhe concedem personalidade jurídica. Esta última teoria alberga simpatia da doutrina moderna e parece ser a mais conforme com os ditames adotados pelo nosso Código Civil.

A par dessa discussão se é a pessoa jurídica um ente com personalidade jurídica independente ou não das pessoas naturais que a compõem, existe outra polêmica, que reside na dúvida delas serem titulares de direitos da personalidade ou não. Diante do que já foi aqui exposto e pela própria posição dos dispositivos que tratam dos direitos da personalidade no Código Civil (estão no Capítulo II do título DAS PESSOAS NATURAIS, a partir do art. 11), percebem-se os direitos da personalidade como cláusula geral de tutela da pessoa humana, como direitos exclusivos destes. Assim afirma Júlio César Franceschet (2008, p.117):

Há, portanto, duas correntes diametralmente opostas sobre o tema em análise. Para uma delas, os direitos da personalidade são atributos exclusivos da pessoa humana e não podem ser estendidos às pessoas jurídicas, cuja estrutura não permite este tipo de proteção. Do outro lado, estão aqueles que vêem a pessoa jurídica como titular de certas emanações próprias, indissociáveis, em outras palavras, direitos personalíssimos.
Grassava deste entendimento O Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica na transcrição do resumo estruturado de um acórdão proferido por este Tribunal:
CABIMENTO, INDENIZAÇÃO, DANO MORAL, PESSOA JURIDICA, HIPOTESE, IRREGULARIDADE, PROTESTO DE TITULO, DUPLICATA, OCORRENCIA, DANO A IMAGEM, EMPRESA COMERCIAL, CARACTERIZAÇÃO, OFENSA, HONRA OBJETIVA. (RESSALVA ENTENDIMENTO DO RELATOR), DESCABIMENTO, INDENIZAÇÃO, DANO MORAL, PESSOA JURIDICA, DECORRENCIA, VITIMA, DANO MORAL, EXCLUSIVIDADE, PESSOA FISICA. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1998/0072240-8, Brasília, DF, 06 de dezembro de 1999)
Sabe-se que, hoje, a aplicação do Direito como um todo deve respeitar os princípios e valores constitucionais, e de forma mais especial a Dignidade da Pessoa Humana. Uma vez que os direitos da personalidade, que são inerentes à pessoa humana, têm como principal objetivo tutelar uma vida digna aos seus titulares, verifica-se que existe uma ligação direta entre o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e os direitos da personalidade. Sendo assim, pode-se afirmar que pessoa jurídica não pode ser titular de direitos personalíssimos, pois que estes são exclusivos da pessoa humana.

A contrário senso, o próprio Código Civil traz, em seu art. 52, que se aplicará à pessoa jurídica a proteção dos direitos da personalidade no que couber. Diante da expressão "no que couber", boa parte da doutrina e jurisprudência passou a aceitar que sejam conferidos direitos da personalidade, pelo menos alguns deles, às pessoas jurídicas. Além disso, os incisos V e X do art. 5º da Constituição Federal tratam da garantia de indenização por dano moral e não mencionam que esta garantia seja restrita às pessoas físicas. Por outro lado, o inciso X determina expressamente como direitos a serem tutelados a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem. A honra, neste caso a objetiva, e a imagem traduzem a reputação e o bom nome de que gozam o titular do direito perante a coletividade. Destaque-se que o legislador, em verdade, não conferiu direitos personalíssimos às pessoas jurídicas, apenas permitiu sua aplicação por empréstimo e no que couber. Assim, doutrina majoritária e jurisprudência passaram a admitir a aplicação de alguns desses direitos às pessoas jurídicas, tais quais, imagem-atributo, honra objetiva, nome, privacidade (privacidade entendida como direito a segredo, a exemplo de segredo industrial). Alterando entendimento anterior sobre a matéria, o STJ consolidou esta nova forma de pensar através da Súmula 227 do STJ que diz ser a pessoa jurídica passível de sofrer dano moral (sendo dano moral a lesão sofrida por esses direitos personalíssimos, direitos extrapatrimoniais). A fim de exemplificar essa mudança de entendimento por parte do STJ interessante transcrever ementa de um de seus julgados:
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. PESSOA JURÍDICA. PROTESTO INDEVIDO DE TÍTULOS. DANOS MORAIS. CABIMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SÚMULA 7/STJ. VALOR EXCESSIVO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
I - O enunciado 227 da Súmula desta Corte encerrou a controvérsia a fim de reconhecer a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral.
II - Rever os fundamentos do acórdão quanto à responsabilidade dos réus e à existência de danos morais encontra óbice nesta instância especial, à luz do enunciado 7 da Súmula deste Tribunal Superior. III - É entendimento uníssono nesta Corte que "o valor do dano moral (...) deve ser fixado com moderação, considerando a realidade de cada caso, cabível a intervenção da Corte quando exagerado, absurdo, causador de enriquecimento ilícito" (REsp nº 255.056/RJ, DJ de 30/10/2000).
IV- No caso em apreço, mostrando-se excessivo o valor fixado nas instâncias ordinárias, a redução se faz necessária. Recurso especial provido. (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 2006/0163229-4, Brasília, DF, 18 de dezembro de 2006).

BRITO, Mirella Barros Conceição. O direito à imagem da pessoa jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2788, 18 fev. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18520>. Acesso em: 12 set. 2011.

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