terça-feira, 11 de outubro de 2011

Alguns apontamentos a respeito dos recursos extraordinário e especial - parte II

Ademais, ao ângulo prático, surgem corolários de extrema gravidade, como por exemplo o que ocorre quando tenha havido adesão. Se o Supremo Tribunal Federal, resolvendo a questão federal em sentido contrário ao pleiteado pelo recorrente principal, disser (com locução imprópria) que não conhece do recurso, ficará impedido, no rigor da lógica, de apreciar o recurso extraordinário adesivo. Ora, a não ser que faltasse a este mesmo algum requisito de admissibilidade, o recorrente adesivo tinha o direito de ver julgado no mérito o seu recurso, desde que admissível (embora não necessariamente fundado) o do litigante adverso. Da forma como se expressa a Corte, uma de duas: ou se prejudica o recorrente adesivo, deixando de conhecer-se do seu recurso em casos em que todos os pressupostos do conhecimento estarão satisfeitos, ou então, para evitar prejuízo, terá de conhecer-se do principal, sempre que essa decisão de não conhecimento (ou antes, sempre que essa decisão dita inadequadamente de não conhecimento) haja apreciado a federal question que o recorrente principal suscitara. Em mais de um julgamento, buscando apoio em suposta distinção entre não conhecimento por motivo de ordem processual e não conhecimento por motivo de mérito. Menos mal para o recorrente adesivo; mas a construção padece de clamoroso artificialismo: por definição, "não conhecer" de um recurso significa, nada mais, nada menos, que abster-se de examinar-lhe o mérito, de sorte que ‘não conhecimento por motivo de mérito’ constitui pura contradição nos termos, em que é constrangedor ver incidir a mais alta corte judiciária do país.

O certo é que, mesmo se tivesse mantida a praxis, o STF sempre pode negar provimento a recurso com fundamento constitucional estranho aos autos. Concluiu o relator:
Constituiria paradoxo verdadeiramente "kafkaniano" que, diferentemente, ao STF – guarda da Constituição – não fosse dado, no julgamento do RE, declarar que a lei questionada é, sim, inconstitucional, embora por fundamento diverso do acolhido pelo acórdão recorrido, e, em conseqüência, estivesse vinculado a aplicar a norma legal que considera incompatível com a Carta Magna.
Sendo assim, o conhecimento (juízo de admissibilidade) do RE/REsp pela alínea "a" reclama adequada alegação sobre a contrariedade do acórdão recorrido a dispositivos da Constituição ou do direito federal, respectivamente, nele prequestionados.

A segunda etapa – juízo de mérito – envolve a verificação da compatibilidade ou não entre a decisão recorrida e a Constituição/direito federal, ainda que sob prisma diverso daquele em que se hajam baseado o Tribunal a quo e o recurso extraordinário/especial. Em suma, o Tribunal Superior aplica o direito à espécie.
Esse pensamento está cristalizado na Súmula 456 do STF, e repetido no art. 257 do Regimento Interno do STJ:
Súmula 456 do STF: O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.
Art. 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á, preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.
O que se observa é que as Cortes Superiores não estão jungidas às alegações e fundamentos suscitados durante o processo na sua fase ordinária. Conhecido o recurso, é possível julgar o caso com liberdade argumentativa, tendo em vista (I) a ampla extensão do efeito devolutivo do RE/REsp, de modo a apreciar diretamente questões que sequer foram ventiladas nos recursos, (II) os Tribunais Superiores serem Cortes de revisão, e não de cassação [02], (III) e o princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5°, LXXVIII, da CRFB):
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. ART. 257 DO RISTJ. INEXISTÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PREQUESTIONAMENTO. MITIGAÇÃO. CELERIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. 1. Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, o que implica o julgamento da causa e a aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, que procura dar efetividade à prestação jurisdicional, sem deixar de atender para o devido processo legal. 2. Precedentes: AgRg no REsp 1.065.763/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 10.3.2009, DJe 14.4.2009; REsp 1.080.808/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12.5.2009, DJe 3.6.2009; AgRg no Ag 1.195.857/MG, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 9.3.2010, DJe 12.4.2010. 3. "Na aplicação do direito à espécie o STJ poderá mitigar o requisito do prequestionamento, valendo-se de questões não apreciadas diretamente pelo 1º e 2º grau de jurisdição, tampouco ventiladas no recurso especial. Não há como limitar as funções deste Tribunal aos termos de um modelo restritivo de prestação jurisdicional, compatível apenas com uma eventual Corte de Cassação." (EREsp 41614/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, DJe 30.11.2009). 4. A aplicação do direito à espécie constitui-se instrumento de celeridade na prestação jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, da CF/88), não sendo incompatível com o requisito do prequestionamento, tampouco atentando contra o duplo grau de jurisdição ou o devido processo legal. Ação rescisória improcedente. (STJ, AR 4373/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 27/04/2011, DJe 06/05/2011)
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. ART. 257 DO RISTJ. CELERIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PREQUESTIONAMENTO. MITIGAÇÃO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. HARMONIA ENTRE DECISÃO EMBARGADA E ACÓRDÃOS PARADIGMAS. NÃO CONHECIMENTO. - Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, o que implica o julgamento da causa e a aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, que procura dar efetividade à prestação jurisdicional, sem deixar de atender para o devido processo legal. - Na aplicação do direito à espécie o STJ poderá mitigar o requisito do prequestionamento, valendo-se de questões não apreciadas diretamente pelo 1º e 2º grau de jurisdição, tampouco ventiladas no recurso especial. Não há como limitar as funções deste Tribunal aos termos de um modelo restritivo de prestação jurisdicional, compatível apenas com uma eventual Corte de Cassação. - A aplicação do direito à espécie também atende os ditames do art. 5º, LXXVIII, da CF, acelerando a outorga da tutela jurisdicional. - Não há como conhecer dos embargos de divergência quando a decisão embargada encontra-se em harmonia com o entendimento contido nos acórdãos alçados a paradigma. Embargos de divergência não conhecidos. (STJ, EREsp 41614/SP, Segunda Seção, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 28/10/2009, DJe 30/11/2009)
Por fim, deixe-se clara a desnecessidade de o acórdão recorrido fazer expressa alusão ao artigo da CRFB/Lei federal/Tratado, por ventura, contrariado ou cuja vigência foi negada. O essencial é ter discorrido de forma inequívoca sobre o tema objeto da norma:
Recurso extraordinário: prequestionamento: irrelevância da ausência de menção dos dispositivos constitucionais atinentes aos temas versados. 1. O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão, mas, sim, que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha. [...] (STF, RE 141788, Tribunal Pleno, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 06/05/1993, DJ 18/06/1993)
PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. DESNECESSÁRIA A REFERÊNCIA AOS NÚMEROS QUE IDENTIFICAM AS NORMAS LEGAIS, DESDE DE QUE TENHA OCORRIDO O DEBATE SOBRE O TEMA JURÍDICO NO ACÓRDÃO. DIVERGÊNCIA NÃO CONSTATADA. 1. Para efeito de prequestionamento, não há necessidade que o Acórdão recorrido tenha citado expressamente os dispositivos legais tidos por violados, sendo suficiente o debate da matéria jurídica neles contida. 2. Embargos de Divergência não conhecidos. (STJ, EREsp 129856/DF, Corte Especial, Rel. Ministro Edson Vidigal, julgado em 25/03/2004, DJ 03/05/2004)
Delineado esse quadro, é possível interpor RE/REsp (alínea "a"), apesar de nem todos os temas ventilados na apelação tenham sido objeto de juízo de valor pelo Poder Judiciário nas instâncias ordinárias.

Por todas essas razões, é extremamente necessária a formulação de um capítulo nos recursos extraordinários (lato sensu) sobre o cabimento, no qual se demonstre o acórdão recorrido ter se manifestado sobre a norma violada ou discutido a matéria jurídica nela contida (prequestionamento), ou, ainda, as hipóteses do artigo 102, III, "b", "c" e "d" ou artigo 105, III, "b" e "c", ambos da CRFB, e de um segundo a respeito do direito aplicável à espécie, cujo conteúdo pode ser livremente desenvolvido pelo advogado, em razão de a superação da fase de conhecimento da insurreição extraordinária permitir a incidência do direito sobre o caso concreto, sem restar qualquer submissão aos debates anteriores.

Ficam, assim, fornecidos argumentos a quem cuja irresignação recursal extraordinária não tenha sido apreciada por questões de ordem processual, bem como desmistificar a necessidade irrestrita de oposição de embargos de declaração antes do manejo dos recursos extraordinário e especial.


CRUZ, Henrique Jorge Dantas da. Alguns apontamentos a respeito dos recursos extraordinário e especial. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3022, 10 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20171>

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