sábado, 29 de outubro de 2011

Do conceito de negócio e ato jurídico

           É pertinente, antes de mais nada, conceituarmos criteriosamente ato e negócio jurídicos, assim como distingui-los.

           No campo dos atos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Os primeiros, caracterizando-se por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos, quando revestirem certas condições impostas pelo direito positivo. Não são todas as ações humanas que constituem atos jurídicos, porém apenas as que traduzem conformidades com a ordem jurídica, uma vez que as contravenientes às determinações legais vão integrar a categoria dos atos ilícitos, de que o direito toma conhecimento, tanto quanto dos atos lícitos, para regular-lhes os efeitos, que divergem, entretanto, dos destes, em que os atos jurídicos produzem resultados consoantes com a vontade do agente, e os atos ilícitos sujeitam a pessoa que os comete a consequências que a ordem legal lhes impõe (deveres ou penalidades). Na mesma valoração ontológica da lei, como dos atos jurisdicionais, a vontade individual tem o poder de instituir resultados ou gerar efeitos jurídicos, e, então, à manifestação volitiva do homem, com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as fontes criadoras de direitos . É a noção do ato jurídico "lato sensu" que abrange as ações humanas, tanto aquelas que são meramente obedientes à ordem constituída, determinantes de consequências jurídicas ex lege, independentemente de serem ou não queridas (1) como aquelas outras declarações de vontade, polarizadas no sentido de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos queridos.

           A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que a doutrina tradicional denominava ato jurídico (stricto sensu), e a moderna denomina negócio jurídico.

           Observa-se, então, que se distinguem o "negócio jurídico" e o "ato jurídico". Aquele é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; No ato jurídico "stricto sensu" ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente. Sobre esta distinção, lembram-se, entre outros, Windscheid, Stolfi, Trabucchi, Scognamilio, Santoro Passarelli; Serpa Lopes, Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Torquato Castro, Soriano Neto, Paulo Barbosa de Campos Filho, Alberto Muniz da Rocha Barros, Fabio de Matiá. Todos eles são fatos humanos voluntários. Os "negócios jurídicos" são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os atos jurídicos "stricto sensu" são manifestações de vontade, obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei. Dentre os atos lícitos estão os atos que não são negócios jurídicos (Código Civil português, art. 295; Projeto de Código Civil brasileiro de 1975, art. 185), bem como os negócios jurídicos. Todos, porém, compreendidos na categoria mais ampla de "atos lícitos", que se distinguem, na sua etiologia e nos seus efeitos dos "atos ilícitos".

           Foi a doutrina alemã que elaborou o conceito do negócio jurídico (Rechtsgeschäft), encarecido pelos escritores tedescos como dos mais importantes da moderna ciência do direito, e imaginou-o como um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade, e reconhecido como base do efeito jurídico perseguido (3). O fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentam então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. E tão relevante é o papel da vontade na etiologia do negócio jurídico, que se procura identificar a sua própria ideia conceitual com a declaração de vontade, constituindo-se desta forma a sua definição.

           O ato jurídico, tal como entendido e estruturado na sistemática do Código Civil de 1916, art. 81, também conceitualmente se funda na declaração de vontade, uma vez que, analisado em seus elementos, acusa a existência de uma emissão volitiva, em conformidade com a ordem legal, e tendente à produção de efeitos jurídicos. E isto leva a admitir que o legislador brasileiro identificou as duas noções - ato jurídico e negócio jurídico - cujos extremos coincidem (3). Como, porém, a expressão ato jurídico é um valor semântico abrangente de um conceito jurídico mais amplo, compreensivo de qualquer declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou do Estado, destinada à produção de efeitos, o negócio jurídico deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ato jurídico.

           A aproximação das noções do ato jurídico, tal como extremado na sistemática brasileira, e do negócio jurídico, da concepção tedesca, facilmente ressalta do confronto da definição, calcada no art. 81 do Código Civil e a que se oferece do negócio jurídico. Pelo nosso Código, de 1916, ato jurídico seria todo ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar transferir, modificar ou extinguir direitos, em que todos os autores ressaltam a presença do fator vontade. O negócio jurídico, no dizer de Enneccerus, citado linhas acima, é um pressuposto de fato, que contém uma ou várias declarações de vontade, como base para a produção de efeitos jurídicos queridos. No dizer de Oertmann,(introducción, § 35) é o fato produzido dentro do ordenamento jurídico, que com relação à vontade dos interessados, nele manifestada deve provocar determinados efeitos jurídicos.

           Orlando Gomes também nos dá uma esclarecedora noção de negócio jurídico: " Para a aquisição, transferência, modificação ou extinção de um direito, não basta a manifestação da vontade do sujeito de direitos. É preciso que seja intencional e conforme a lei."

           O direito positivo reconhece às pessoas o poder de provocar efeitos jurídicos por meio de certos atos. Tal é o território da autonomia privada. O particular o exerce para concretizar a hipótese prevista na lei, especificando-a.

           Na conceituação da autonomia privada reúnem-se os dois institutos centrais do direito privado: a propriedade e o contrato ou o negócio jurídico que, sendo mais amplo, a este abrange.

           Ao se reunirem, aperta-se o interesse de perquirir os limites do poder de dispor dos bens que a lei assegura a toda pessoa, seja por ato inter vivos, seja mortis causa, seja a título oneroso, seja a título gratuito. Toda vez que se pratica um ato de disposição produz-se determinada modificação, querida pelos praticantes, na relação jurídica preexistente. A modificação deve ser aquela que quiseram os que realizaram o ato, valendo se merecer tutela da lei e se for processada pelo acordo de vontades, nas relações mais simples, a que se denomina contrato "lato sensu", mas podem ser igualmente provocadas pela manifestação de vontade de um só sujeito de direito. Afirma-se, na linha desse pensamento, que o negócio jurídico é o instrumento próprio da circulação dos direitos, isto é, da modificação intencional das relações jurídicas.

           A função mais característica do negócio jurídico é, porém, servir de meio de atuação das pessoas na esfera de sua autonomia. É através dos negócios jurídicos que os particulares auto-regulam seus interesses estatuindo as regras a que voluntariamente quiseram subordinar o próprio comportamento. Domina atualmente o pensamento de que o negócio jurídico exprime o poder de autodeterminação dos sujeitos de direito, notadamente no campo das relações patrimoniais. Encarado esse poder na sua Junção de auto-disciplina das próprias pessoas interessadas na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, apresenta-se como expressão da autonomia privada. Salienta-se a correlação entre negócio jurídico e autonomia privada, dizendo-se que se a autonomia privada é o poder de autodeterminação, o negócio jurídico é o instrumento através do qual o poder de autodeterminacão se concretiza" (4).

           Para Santoro Passarelli , "Negócio Jurídico é o ato de autonomia privada com o qual o particular regula por si os próprios interesses (5)."

          "O Negócio Jurídico típico é o contrato" HANS KELSEN Teoria Pura do Direito)

SANTOS, Luiz Wanderley dos. Erro nos negócios jurídicos, vícios do consentimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/642>.

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