domingo, 9 de outubro de 2011

Se os gays podem ter união estável, por que querem casar?











O Globo de ontem, 29 de junho: “Juizes autorizam dois casamentos gays mas as uniões podem ser contestadas. Decisão do STF tratou apenas de direito à união homoafetiva estável”.

A notícia deve ter deixado os leitores confusos. Afinal, a novidade envolve uma área em que a lei e os tribunais vêm constantemente evoluindo.

Um pouco de história ajuda a compreensão. O Brasil foi um dos últimos países do ocidente a aceitar o divórcio. Hoje, comparado com a maioria, está mais liberal em matéria de direito de família.

O Código Civil de 2002 assegura ao homem e mulher que formam uma união estável, quase os mesmos direitos que prevê para marido e mulher.

Diz o artigo 1.723 de nosso Código Civil que “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida, com o objetivo de constituir família”.

Esse artigo, por sua vez, deriva do § 3º. do artigo 226 da Constituição Federal que diz que “para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Foi esse o artigo julgado recentemente pelo STF.

A dúvida que havia é se seria possível estender essa regras a uniões entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que os textos citados falam expressamente de homem e mulher.

O STF entendeu que sim. Para isso, construiu um raciocínio que tem por base a igualdade constitucional e a proibição de preconceitos (aliás, esse foi o mesmo raciocínio usado em outros países. Por exemplo, foi esse o raciocínio que levou a Inglaterra a também reconhecer a união entre homossexuais depois de ter ingressado na União Européia, em 1973).

Mas os homossexuais agora reivindicam mais. Querem que lhes seja reconhecido não apenas os direitos e deveres, mas o status de casado. A diferença é pequena mas existe. Caso contrário, não lutariam pelo casamento.

Primeiro, o estado civil: duas pessoas que entram em uma união estável, sejam homem e mulher ou duas pessoas do mesmo sexo, não mudam o seu estado civil anterior. Se eram solteiras, continuam oficialmente solteiras. E mais: o casamento se prova simplesmente com uma certidão emitida pelo Registro Civil. Já a união estável precisa ser provada, mostrando um documento que, mesmo que esteja registrado em cartório, pode ser contestado. E, na falta desse documento, precisa ser provada mostrando que as duas pessoas não só estavam juntas, mas que queriam permanecer juntas. E isso, muitas vezes, é difícil de provar.

Além disso, ninguém pode dizer que uma viúva que pede uma pensão por morte de seu marido não era casada. Mas, no caso de união estável, existe em tese a possibilidade que outras pessoas aleguem que a união não era verdadeira, que o respectivo documento foi forjado etc.

Do ponto de vista da herança há também diferenças importantes entre um companheiro (união estável) e um cônjuge (casamento):
  • Na união estável, o companheiro recebe a mesma parcela de um dos filhos, se teve filhos com o morto, não importando o número de filhos. Isso é diferente do casamento, onde o cônjuge recebe a mesma coisa que os filhos, mas se houver mais de 3 filhos, o cônjuge ainda assim receberá no mínimo 25% da herança (por exemplo, se tiveram 5 filhos juntos, um cônjuge receberia 25%, por causa da cota mínima, mas um companheiro receberia apenas 16,7% da herança, pois não há uma quota mínima).
  • Se os companheiros não tiveram filhos juntos, a situação do companheiro que sobreviveu fica ainda pior, no caso da união estável: receberá apenas a metade do que cada um dos filhos do morto receber. No exemplo acima dos cincos filhos acima, receberia 9,1%, a metade de cada um dos filhos do outro casamento.
  • E se o morto não tiver nenhum filho, mas seus pais estavam vivos, o companheiro terá direito apenas a um terço da herança. Se fosse casado, teria direito à mesma coisa. Mas se apenas o pai ou a mãe estiver vivo, o companheiro ainda terá direito apenas a um terço, mas se fosse casado, teria direito à metade da herança.
  • E é aí é que as coisas se complicam ainda mais para o companheiro. Se não houver ascendentes ou descendentes, em um casamento o cônjuge herda tudo. Mas em uma união estável, ele só herda tudo se o morto não houver deixado irmãos, tios, primos, sobrinhos, tios-avôs e sobrinho-netos. Se houver qualquer um desses, o companheiro só tem direito a um terço.
E mais: uma união estável se faz com um mínimo de formalidade. Basta assinar um contrato e registrá-lo em cartório. O casamento requer um processo, uma habilitação prévia, uma solenidade, diante de um juiz. Por isso, aliás, é que a Constituição mandou que a lei facilitasse a conversão da união estável em casamento. Duas pessoas em união estável podem simplesmente requerer ao juiz e este, se estiver tudo em ordem, manda o registro civil fazer o devido assentamento dando a elas o status de casadas.

Foi isto, aliás, o que aconteceu no caso citado na notícia. Duas pessoas do mesmo sexo, em união estável, requereram a um juiz de família a conversão de sua união em casamento e o juiz autorizou. É, porém, possível e provável, que essa decisão seja contestada. É possível também que outro juiz a quem seja feito o mesmo pedido não o aceite, porque também quanto a casamento a lei se refere a homem e mulher. De um jeito ou de outro, como se trata de assunto que envolve afinal a interpretação da Constituição Federal, a questão deverá ser resolvida afinal no Supremo Tribunal Federal.

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