terça-feira, 29 de novembro de 2011

Novo CPC: O método na previsão de sanções pecuniárias - parte 1

A sanção punitiva estudada neste comentário, com base no projeto do legislativo para um novo Código de Processo Civil, ora em discussão na Câmara dos Deputados (PL 8.046/2010), não desconsidera o entendimento doutrinário de que nem sempre a ameaça de agravamento da situação do executado com a previsão de sanções patrimoniais leva à obediência da determinação judicial, seja porque o executado não possui condições efetivas de cumprir o comando, seja porque não foi suficientemente estimulado a cumpri-lo. Não ingressei no campo da denominada sanção premiativa ou sanção premial — da qual a dispensa de custas e honorários de advogado pelo pagamento espontâneo na Ação Monitória é, no diploma vigente, o exemplo clássico — embora reconheça a importância de aprofundamento futuro do exame prático sobre o tema.

As ciências humanas têm métodos de compreensão e de interpretação do sentido das ações, das práticas, dos comportamentos, das políticas, pois, sendo o homem objeto dessas ciências, é um ser histórico cultural que produz as instituições e o sentido delas. Tal sentido é o que precisa ser conhecido. Assim, os atos processuais que a legislação pune devem resultar de uniformidade no método adotado para conceituá-los, sob pena de só se tornarem sancionáveis quando literalmente descritos, o que prejudica a amplitude que a medida deve ter para garantir a eficácia da decisão até então descumprida, objetivo principal a ser alcançado.

Cabe ao juiz prevenir e reprimir os atos atentatórios, aplicar medidas que assegurem o rigoroso cumprimento de ordem judicial e determinar o pagamento da multa cominada, mas a legislação precisa definir com clareza o campo da liberdade de atuação das partes interessadas e dos demais operadores do Direito envolvidos, para que o jurisdicionado possa perceber em que momento sua ação ou omissão constitui regular exercício do direito de resistir; ou prejudica a eficiência da Justiça; ou, apenas, descumpre determinação judicial não mandamental. Não podemos esquecer que atitudes processuais exercidas de boa-fé podem estar inseridas na liberdade constitucional de fazer alguma coisa que independa de previsão legal, como por exemplo o descumprimento de decisão evidentemente nula.

A sanção civil destina-se a obter, através da punição patrimonial, um caminho curto para o cumprimento da decisão e para o ressarcimento de perdas e danos causados à parte contrária pelo litigante de má-fé. São distintas, portanto, as situações em que a desobediência constitui crime (tipicidade e culpabilidade), daquelas em que configurado ato ilícito civil ou, finalmente, em que o descumprimento pode ser classificado como resistência lícita. Esta avaliação preliminar precisa ser feita pelo juiz do Cível, pois importa saber, também, se o dever descumprido coube à parte ou dependia da atuação do advogado. Este, embora sujeito exclusivamente aos estatutos da OAB, não se encontra isento de prejudicar interesse confiado ao seu patrocínio. No dizer de Michel Foucault ao descrever a Regra da Certeza Perfeita que, embora destinada ao Direito Penal, aplica-se aqui ao ilícito processual civil: “Que as leis que definem os crimes e prescrevem as penas sejam perfeitamente claras, a fim de que cada membro da sociedade possa distinguir as ações criminosas das ações virtuosas.”

Que razões preliminares distinguem os atos processuais que ensejam sanções civis, daqueles que sugerem instauração de processo de outra natureza?
O qualificativo dado a determinados atos processuais considerando-os como atentatórios à dignidade da Justiça e a outros como atentatórios ao exercício da jurisdição, não é suficiente para evidenciar a natureza jurídica da sanção admissível. Considere-se a diversidade das situações objetivas que podem ocorrer em um processo civil e perceberemos que as locuções qualificativas acolhidas pelo Projeto são imprecisas:

a) Atos graves que revelam o desapreço à autoridade, a indiferença ou, mais especificamente, o desacato, cometidos em qualquer fase do processo;
b) Descumprimento de Sentenças Mandamentais, em que o juiz manda e não simplesmente declara ou condena;
c) Atos de má-fé que visem impedir a efetivação de Sentenças já proferidas, e restritos, portanto, à fase de cumprimento ou de execução das Sentenças Declarativas, Constitutivas ou Condenatórias;
d) Atos de má-fé, ou indiferentes, em que demonstrada a intenção de obstruir o andamento do processo;
e) Atos praticados no exercício abusivo das próprias razões, ainda inexistente Sentença, e, por isto, propriamente prejudiciais ao exercício da jurisdição, como o obstáculo criado às citações ou a retenção de documentos de interesse de ambas as partes.
f) Atos omissivos que configurem resistência ao dever de boa-fé processual;
g) Comportamentos que ferem a ética em geral e os de desrespeito à liturgia processual, como a cota indevida nos autos.

Destaque-se que além dos parâmetros genéricos, outros critérios precisam ser levados em conta no exame da sanção aplicável pelo Juiz do Cível e dizem respeito à espécie da determinação a ser cumprida pela parte: se pagamento de quantia certa (juros de mora); obrigação de fazer infungível; obrigação de fazer fungível; obrigação de não fazer; interrupção de atividade nociva; entrega de coisa determinada, ressarcimento de danos processuais efetivamente causados à parte credora.

Portanto, cabe ao juiz do feito avaliar cada caso, independentemente de provocação da parte, tomando providências ou dando conhecimento à autoridade competente, ao constatar prática criminal.

Sobre os atos processuais definidos no Projeto como atentatórios à dignidade da Justiça.O cidadão encontra-se diante de novos princípios destinados a fortalecer a efetividade do Processo Civil brasileiro, princípios estes que, no dizer do ministro Luiz Fux na apresentação do projeto elaborado pela Comissão, devem resgatar a crença no Judiciário e tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere.

O dispositivo abrangente que define atos atentatórios à dignidade da Justiça repete o parágrafo único do artigo 14 do CPC em vigor, que prevê, desde 2001, a aplicação de sanções penais, às partes que não cumpram com exatidão os provimentos mandamentais ou criem embaraços à efetivação de provimentos judiciais de natureza antecipatória ou final. Voltada agora para fortalecimento da tutela antecipada, a regra foi mantida no artigo 80 do PL 8.046/2010.

Dentro do conceito de que só se podem considerar como atentatórios à dignidade da Justiça aqueles atos que revelem má-fé e manifesto desapreço à autoridade em qualquer fase do processo e os praticados já na fase de cumprimento e execução das Sentenças, mas tendentes à obstar-lhes a efetividade, temos, no atual artigo 600 do CPC o dispositivo que pune hipóteses mais representativas da resistência à execução. A omissão no cumprimento do dever, uma vez intimado o devedor, é punida com multa não superior a 20% do valor atualizado do débito em execução, e o dispositivo ressalva o cabimento de outras sanções de natureza processual ou material. A multa reverte em favor do credor e pode ser exigida na própria execução.

O artigo 733 do PL 8.046/2010 reproduz por inteiro o artigo 600 e incisos vigentes, renumerando-os e acrescentando o novo inciso III relativo aos embaraços criados pelo devedor à realização da penhora. A inserção deste inciso está ligada à configuração inovadora do parágrafo 6º do artigo 857 do PL 8.046/2011 que considera expressamente ato atentatório à dignidade da Justiça a suscitação infundada de vício do bem em leilão com o objetivo de ensejar a desistência do arrematante. Ao contrário da sistemática adotada nas demais sanções, o dispositivo não estabelece critérios percentuais nem sobre a destinação da multa.

Finalmente, o artigo 736 do PL 8.046/2010, estabelece que a cobrança de multa ou indenização decorrentes da litigância de má-fé ou de prática de ato atentatório à dignidade da Justiça será promovida no próprio processo de execução, em autos apensos, fórmula que, certamente, complicará quando se tratar da multa em favor da União ou do Estado como terceiro destinatário. Silencia sobre a cobrança de multa nos atos atentatórios ao exercício da jurisdição.

Outras sanções dependem de promoção do MP a quem, habitualmente, os pedidos em sede processual civil deverão ser encaminhados. Não se tem notícia de decretação da prisão no juízo cível — como sugerem alguns doutrinadores — pelo fato de a desobediência constituir crime continuado, em flagrante permanente.
(...)

Carlos Vaz Gomes Corrêa é consultor jurídico da Associação de Proteção e Defesa do Crédito do Consumidor (Prodeccon-RJ).
Revista Consultor Jurídico

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