terça-feira, 29 de novembro de 2011

Novo CPC: O método na previsão de sanções pecuniárias - parte 2

A estranha qualificação como atentatório à dignidade da Justiça de um ato destituído de ofensividade.

O anteprojeto aprovado pela Comissão de Juristas estabeleceu procedimento inovador determinando que, antes de apresentada a contestação, deva ser realizada uma audiência em que o juiz tentará fazer com que autor e réu cheguem a um acordo. Dessa audiência poderão participar conciliadores ou mediadores e, obrigatoriamente, o réu, cuja ausência injustificada qualificava como ato atentatório à dignidade da Justiça. Não concluído acordo começará a correr o prazo para contestação. A disposição inscrita no artigo 333 do PL 166 do Senado estabelecia no parágrafo 5º que o não comparecimento injustificado do réu seria considerado ato atentatório à dignidade da Justiça, passível de sanção processual.

Posteriormente o PL 8.046/2010, fazendo readaptação do texto no art. 323, tornou o procedimento em audiência minucioso, e estendeu o conceito de ato atentatório também à hipótese de ausência do autor, passando o  § 6º ao seguinte teor: “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento do valor da causa ou da vantagem econômica objetivada, revertida em favor da União ou do Estado.”

A consideração das ausências como ato atentatório à dignidade da Justiça deve ter tido por objetivo enfatizar a importância da realização de audiência prévia.

Mas este  § 6º do artigo 323 contém disposições impróprias. Primeiro, ao fazer reverter a multa, indeterminadamente, em favor da União ou do Estado, pois sempre que o legislador pretender que determinada matéria seja regulada por disposição complementar, expressamente assim o requererá. Depois, ao incluir o autor no ato suscetível de multa, dando prosseguimento ao processo. Ora, se para propor a ação é necessário ter legítimo interesse — como destacam a doutrina e o artigo 17 do PL 8.046/2010 — a ausência injustificada do autor à audiência de conciliação repercute na avaliação do seu interesse processual e, portanto, uma vez reconhecida a ausência injustificada, deveria ser decretado o indeferimento da inicial como estabelece o inciso III do artigo 305 do PL 8.046/2010. Importante destacar que se trata de ausência imotivada, sendo necessária, portanto, a abertura de prazo para justificação.

Sobre os descumprimentos a comandos judiciais definidos como atos atentatórios ao exercício da jurisdição.
Os atos e as omissões de má-fé, ou indiferentes, em que evidente o sentido de obstrução ao andamento do processo ou o exercício abusivo das próprias razões inserem-se na previsão do artigo 14 do CPC vigente e encontram-se sancionados no artigo 80 parágrafo 1º do PL 8.046/2010, sob denominação de atos atentatórios ao exercício da jurisdição. A recomendação, hoje vigente, do simples poder de o Juiz aplicar a multa, passa a ser um dever expresso, quando a parte não cumprir com exatidão as decisões de carater executivo ou mandamental ou criar embaraços à efetivação de pronunciamentos judiciais de natureza antecipatória ou final. Nada foi disposto, entretanto, sobre a gradação de aplicação da multa e sobre avaliação da gravidade ou não do descumprimento, mas apenas traçados limites gerais. Perdeu-se, neste ponto, a oportunidade de instrumentar o Juiz de forma clara quanto ao andamento dos processos.

Outros atos que possam revelar afronta à ética em geral ou simples desrespeito à liturgia processual mereceram medidas específicas como a intimação para devolução dos autos por excesso de prazo ou por retirada indevida no curso de prazo comum e a eliminação de anotações impróprias. Também reprimidos, embora não tenham sido classificados como configuradores de atentado ao exercício da jurisdição, o recurso ou a ação rescisória manifestamente incabíveis.

O quadro das demais sanções pecuniárias específicas no PL 8.046/2010
O projeto posto em discussão na Câmara dos Deputados com vistas à revogação do CPC vigente ― elaborado por um Comissão de Juristas e rediscutido pelo Senado, onde recebeu o substitutivo ora em discussão na Câmara sob o número PL 8.046/2010 ― mantém um total desapreço à adoção de um método para definição e subsequente sanção processual ou material das ilicitudes ocorridas no curso do processo civil.

A dispersão se torna ainda mais evidente na fixação de valor das multas, indo da vinculação ao salário mínimo — vedada pelo artigo 7, IV da Constituição Federal — à sanção, sem valor definido, quando se trata de determinar a exibição de documento pela parte contrária (art. 386) ou por terceiro (art. 366 § ún.).
Com multas vinculadas ao salário mínimo são punidos o lançamento indevido de cotas marginais nos autos (art. 169); a retenção injustificada do processo após intimação (art. 202 §1º); o pedido indevido de citação por edital (art. 227) e a litigância de má-fé nas causas de valor irrisório ou inestimável (art. 84, § 3º).

Aos graves descumprimentos das decisões mandamentais nas execuções de entrega de coisa certa (art. 763), de devolução de objeto custodiado na tutela de evidência (art. 278) são atribuídas multas diárias, até que se efetive o cumprimento, mas quando se trata de execução da obrigação de fazer ou não fazer fundada em título judicial (art. 780) está prevista uma multa periódica que significa não ser, necessariamente, diária. Do mesmo modo, é periódica a multa pelo não cumprimento espontâneo das Sentenças de fazer, não entregar e não fazer (art. 522 § 1º), mas será percentual no não cumprimento espontâneo, ou cumprimento insuficiente, das Sentenças de pagar quantia certa (art. 509 § 1º e 512).

Em limites percentuais “sobre o valor da causa” foram estabelecidas sanções pelos embargos declaratórios manifestamente protelatórios (art. 980); pela litigância de má-fé (art. 84); pela falta à audiência inicial de conciliação (art. 323 § 6º); no comando genérico sobre o descumprimento das decisões executivas ou mandamentais (art. 803 §§ 1º e 2º); o reembolso de despesas e honorários pagos pelo réu excluído por ser parte ilegítima (art. 328) e mais, sem qualquer justificativa, o depósito em caução pela interposição da Ação Rescisória (art. 921). Destaque-se que a multa pela interposição manifestamente inadmissível do Agravo Interno havia sido prevista inicialmente no Senado, mas foi excluída na redação final do substitutivo.

Multa percentual, também, foi estabelecida para suprir a mora do pagamento parcelado concedido nos embargos do devedor (art. 872)

Conclusão
É indiscutível que o aperfeiçoamento dos controles da administração pública criou novas oportunidades e meios facilitadores da efetividade da tutela civil, tais como, as informações autorizadas na internet ou privativas dos juízes; a penhora online; o acesso aos registros de propriedades móveis e às declarações de renda; os arquivos judiciais disponibilizados, mas é sobretudo através do conhecimento e do uso adequado de instrumentos processuais que a comunidade jurídica alcançará não somente a desejável presteza, mas a efetividade desta tutela.

Merece destaque, neste ponto, a pertinente observação do perfil traçado por Luís Roberto Barroso em O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas onde o autor comenta que, mesmo diante dos amplos poderes conferidos ao julgador no exercício da jurisdição civil ordinária, o típico juiz brasileiro, sem que isto importe em desmerecimento, acomoda-se no princípio da iniciativa da parte, descurando do impulso oficial que lhe cabe dar.

O princípio do impulso processual está preservado no artigo 2º do PL 8.046 aqui comentado. O doutrinador ainda aprofunda a observação ao lembrar que mesmo quando da produção de provas úteis ou indispensáveis à demonstração dos fatos é comum constatar-se inocultável descompromisso com o resultado final do processo e a realização efetiva de justiça. A crítica aqui exposta comprova a outra face da mesma moeda: se de um lado se exige um método coerente na lei para que o jurisdicionado cumpra com pontualidade as decisões judiciais; de outro há que se esperar que os julgadores mantenham o foco no impulso oficial que lhes cabe exercer e que tais objetivos permaneçam claros em seus provimentos.

Cabe, portanto, ao novo regime processual adotar um método fundamentado de sanção pecuniária, organizando o sistema e evitando que se tenha um conjunto de punições dispersas, ora em favor das partes, ora em favor do Estado, começando por:

1. Eliminar as qualificações irrelevantes e indiscriminadas de atos atentatórios à dignidade da justiça e atos atentatórios ao exercício da jurisdição;
2. Determinar expressamente que o juiz do cível encaminhe ao MP, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, os atos processuais onde configuradas infrações penais permanentes;
3. Estabelecer sanções punitivas de multa diária enquanto não cumprida a determinação judicial de fazer infungível ou não fazer, ou de entregar coisa determinada, em qualquer fase do processo, sempre ouvida antes a parte obrigada;
4. Deixar ao arbítrio do juiz e à construção da jurisprudência a fixação das sanções punitivas ou uso de meios que obtenham o mesmo resultado pretendido, quando comprovadas a má-fé, o dolo processual, o descumprimento da obrigação de fazer fungível e o não cumprimento espontâneo de obrigação de pagar, independentemente da apuração conexa dos prejuízos causados à parte contrária;
5. Transferir às entidades competentes aplicação de sanções administrativas aos atos dos procuradores praticados no processo em desacordo com a legislação própria;
6. Desenvolver, juntamente com estudos de outras áreas do conhecimento especializado, uma avaliação mais ampla sobre a eficiência da sanção premiada ou sanção premial, ampliando-a se positiva.
7. Tornar obrigatória a aplicação da pena acessória (astreinte) incorporada à Sentença e consistente na fixação da multa por dia de atraso no atendimento da condenação principal transitada em julgado.

Carlos Vaz Gomes Corrêa é consultor jurídico da Associação de Proteção e Defesa do Crédito do Consumidor (Prodeccon-RJ).
Revista Consultor Jurídico

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