domingo, 13 de novembro de 2011

Possibilidade Jurídica da Separação após a Emenda Constitucional 66

Não há grandes dificuldades em se depreender dos termos do artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, com a redação determinada pela Emenda Constitucional 66, de julho de 2010, que se passou a admitir o divórcio direto – tanto pela via consensual, quanto pela litigiosa – independentemente da observância de um prévio período de separação judicial ou de fato.

Instalou-se, contudo, desde o advento da referida Emenda Constitucional, uma relevante controvérsia doutrinária, no que diz respeito à possibilidade jurídica de se formular em juízo um pedido de simples separação, e não de divórcio.

A mesma controvérsia atinge os casos em que se admitia a realização de separação por escritura pública, na forma do art. 1.124-A, introduzido no Código de Processo Civil por força da Lei 11.441, de janeiro de 2007.

Assim, por exemplo, Gagliano (2010, p. 9) entende que
"[...] a partir da promulgação da Emenda, desapareceria de nosso sistema o instituto da separação judicial e toda a legislação, que o regulava, sucumbiria, por conseqüência, sem eficácia, por conta de uma inequívoca não-recepção ou inconstitucionalidade superveniente", e chega a afirmar que "se, por equívoco ou desconhecimento, após o advento da nova Emenda, um tabelião lavrar escritura de separação, esta não terá validade jurídica, por conta da supressão do instituto em nosso ordenamento, configurando nítida hipótese de nulidade absoluta do acordo por impossibilidade jurídica do objeto [...]" (GAGLIANO, 2010, p. 12).
A mesma opinião é partilhada por Traldi (2010), para quem "[...] a Emenda Constitucional nº 66/2010 suprimiu do nosso sistema jurídico o instituto da separação (judicial e extrajudicial)".

Para uma primeira corrente doutrinária, assim, os dispositivos legais que tratam da separação teriam sido, com o advento da Emenda Constitucional 66, automaticamente revogados, passando a vigorar um cenário em que alguém que formula em juízo uma pretensão de simples separação é carecedor de ação, por impossibilidade jurídica do pedido.

Destaque-se, aliás, que parte da doutrina já propalava, mesmo antes do advento da Emenda Constitucional em questão que seria, supostamente, injustificada a manutenção do instituto da separação no sistema jurídico (ARAUJO JÚNIOR, 2008, p. 54).

Nunca é demais, todavia, ressaltar que não se pode confundir a análise jurídica do ordenamento jurídico em vigor com a avaliação política desse mesmo ordenamento (ANTUNES, 2009) – tema de destacada importância, mas que fica excluído dos limites deste resumido estudo.

É importante salientar, de qualquer forma, que para uma segunda corrente doutrinária, a Emenda Constitucional em questão não teria, absolutamente, revogado os dispositivos legais que tratam da separação, e, assim, o instituto continuaria em pleno vigor.

Na síntese feliz de Marques (2010), a este respeito,
"[...] a reforma em tela nada mais fez do que facilitar a dissolução do matrimônio, deixando de condicionar o divórcio à prévia separação judicial ou de fato.
O constituinte reformador nada disse sobre a dissolução da sociedade conjugal – matéria, aliás, estranha ao texto constitucional desde sempre, pois, como visto, as Constituições limitaram-se a disciplinar a (in)dissolubilidade do casamento. Com isso, não se pode dizer que a supressão dos requisitos do divórcio venha a afetar a coexistência da separação judicial.
Em outras palavras, a Emenda nº 66 não excluiu a possibilidade de separação judicial (litigiosa ou consensual); apenas – e isso resta claro da redação de sua epígrafe - disciplinou de forma diversa o instituto do divórcio.
E não poderia ser diferente, visto que se trata de dois institutos diversos, sendo um equívoco, data venia, tratar a separação judicial como um minus em relação ao divórcio. Tanto é assim que os referidos institutos sempre foram independentes um do outro – admitindo-se, outrora, haver separação judicial sem divórcio e divórcio sem a prévia separação judicial.
Com isso, não se pode dizer que a abolição dos requisitos temporais do divórcio, de modo a facilitá-lo, tenha posto fim à separação judicial".
Em suma, afirma o autor que "permanece o regramento infraconstitucional da separação judicial, quer por não haver incompatibilidade, quer por se vislumbrar perfeitamente possível que um casal pretenda dissolver o vínculo matrimonial, sem colocar fim, definitivamente, ao casamento" (MARQUES, 2010).

Neste sentido, pronuncia-se, também, Pinto (2010), que salienta, ainda, que a separação:
"[...] a) nunca foi tratada na constituição, salvo como mera referência ao prazo de um ano do divórcio conversão, tanto antes quanto após a EC 66/2010; b) não põe fim ao casamento, mas apenas à sociedade conjugal, e c) permite o restabelecimento da união conjugal rompida, sem necessidade de novo casamento".
Assim também entende Rosa (2010), para quem,
"[...] a separação não constitui mais condição para a realização do divórcio. Contudo, a separação permanece no ordenamento jurídico, como opção aos cônjuges que não têm interesse na manutenção da sociedade conjugal, mas que por qualquer razão também não desejam dissolver o vínculo matrimonial pelo divórcio".
O cerne da questão parece estar na definição dos limites da própria Emenda Constitucional, quando alterou a redação do art. 226, § 6º, da Constituição Federal, para fazer com que a separação deixasse de ser requisito geral para a concessão do divórcio – e os limites na interpretação do texto constitucional são tema de destacada importância (ANTUNES e BELLINETTI, 2009), cujo tratamento em profundidade também fica excluído dos estreitos limites do estudo que ora se apresenta.

De qualquer forma, parece possível distinguir que, se, de um lado, é bem verdade que a justificativa do Projeto de Emenda Constitucional – da lavra do Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia, ainda em 2005 – fez referência clara à sugestão do Instituto Brasileiro de Direito de Família de que não mais se justificaria a sobrevivência do instituto da separação; de outro, é também verdade que o próprio texto da Emenda Constitucional em questão não fez qualquer alusão, ainda que indireta, à extinção do referido instituto.

Como as justificativas de projetos de leis, em geral, e de emendas constitucionais, em particular, não têm caráter normativo, não se poderia concluir, assim, salvo melhor juízo, em uma análise estritamente jurídica do ordenamento jurídico, que a Emenda Constitucional 66 teria retirado o instituto da separação do sistema.

Assim, sob o prisma estritamente jurídico, continuaria plenamente possível a formulação, em juízo, do pedido de separação – e continuaria igualmente possível a realização de separação por escritura pública, nos moldes do art. 1.124-A, do Código de Processo Civil.

Sob o prisma político, também, parece possível afirmar que haveria boas razões para manutenção do instituto da separação.

Destaque-se, por exemplo, conforme observa Câmara (2008, p. 503), que a "[...] reconciliação sumária não será possível se os cônjuges já se tiverem divorciado, caso em que o vínculo matrimonial já não mais existirá, e a única forma de as partes voltarem a se vincular matrimonialmente é casando-se novamente".

Se um determinado casal pretende, simplesmente, suspender, por algum tempo, os deveres conjugais, formalizando as condições de tal suspensão, sem, todavia, romper definitivamente o vínculo conjugal, parece que é a separação o único meio hábil a viabilizar a pacificação social, em tal situação.

É, sob o ponto de vista político, salutar que a Emenda Constitucional 66 tenha vindo viabilizar o divórcio direto, sem a necessidade de prévia separação; mas parece igualmente salutar que não tenha extinguido o instituto da separação – como, aliás, efetivamente não fez.

ANTUNES, Thiago Caversan. A separação judicial após a Emenda Constitucional nº 66. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3052, 9 nov. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20390>.

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