domingo, 11 de dezembro de 2011

A atuação do Senado Federal para suspender a execução de lei declarada inconstitucional

Outro ponto que merece análise é o referente à atuação do Senado Federal, para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, em sede de controle difuso, de acordo com o disposto no inciso X, do art. 52 da Constituição Federal.
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
[...]
X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
Em primeiro lugar, vale lembrar que se trata de uma faculdade atribuída ao Senado Federal, ou seja, sujeita a um juízo discricionário, de acordo com a teoria predominante. A discricionariedade corresponde à possibilidade de o Senado decidir se suspende ou não a execução da lei, a fim de que a decisão do Pretório Excelso produza efeitos erga omnes.

A intervenção do Senado surgiu com a Constituição Federal de 1934, a fim de atribuir eficácia geral às decisões proferidas no caso concreto, que, como regra geral, produzem efeitos apenas entre as partes do processo. O sistema constitucional brasileiro difere do sistema norte-americano em que "as decisões dos tribunais são vinculantes para os demais órgãos judiciais sujeitos à sua competência revisional. Isso é válido inclusive e, especialmente, para os julgados da Suprema Corte [13]".

A discussão que se apresenta diz respeito à permanência ou não da atribuição conferida ao Senado. É que no bojo da Reclamação n. 4.335-5/AC [14], o Ministro Gilmar Mendes, seguido pelo Min. Eros Grau, propôs uma revisão da atuação do Senado para a simples função de dar publicidade à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Importante ressaltar que até a finalização deste trabalho a mencionada reclamação ainda não havia sido definitivamente julgada.

Segue trecho elucidativo do voto do Min. Gilmar Mendes, constante do Informativo n. 454 do STF:
Aduziu que, de acordo com a doutrina tradicional, a suspensão da execução pelo Senado do ato declarado inconstitucional pelo STF seria ato político que empresta eficácia erga omnes às decisões definitivas sobre inconstitucionalidade proferidas em caso concreto. Asseverou, no entanto, que a amplitude conferida ao controle abstrato de normas e a possibilidade de se suspender, liminarmente, a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, no contexto da CF/88, concorreram para infirmar a crença na própria justificativa do instituto da suspensão da execução do ato pelo Senado, inspirado numa concepção de separação de poderes que hoje estaria ultrapassada. Ressaltou, ademais, que ao alargar, de forma significativa, o rol de entes e órgãos legitimados a provocar o STF, no processo de controle abstrato de normas, o constituinte restringiu a amplitude do controle difuso de constitucionalidade.
Considerou o relator que, em razão disso, bem como da multiplicação de decisões dotadas de eficácia geral e do advento da Lei 9.882/99, alterou-se de forma radical a concepção que dominava sobre a divisão de poderes, tornando comum no sistema a decisão com eficácia geral, que era excepcional sob a EC 16/65 e a CF 67/69. Salientou serem inevitáveis, portanto, as reinterpretações dos institutos vinculados ao controle incidental de inconstitucionalidade, notadamente o da exigência da maioria absoluta para declaração de inconstitucionalidade e o da suspensão de execução da lei pelo Senado Federal. Reputou ser legítimo entender que, atualmente, a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela Casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso. Concluiu, assim, que as decisões proferidas pelo juízo reclamado desrespeitaram a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão do STF no HC 82959/SP. Após, pediu vista o Min. Eros Grau.
Rcl 4335/AC, rel. Min. Gilmar Mendes, 1º.2.2007.
Luís Roberto Barroso [15] defende que a competência atribuída ao Senado Federal não encontra mais justificativa para ser mantida.

A verdade é que, com a criação da ação genérica de inconstitucionalidade, pela EC n. 16/65, e com o contorno dado à ação direta pela Constituição de 1988, essa competência atribuída ao Senado tornou-se um anacronismo. Uma decisão do Pleno do STF, seja em controle incidental ou em ação direta, deve ter o mesmo alcance e produzir os mesmos efeitos. Respeitada a razão histórica da previsão constitucional, quando de sua instituição em 1934, já não há lógica razoável em sua manutenção. Também não parece razoável e lógica, com a vênia devida aos ilustres autores que professam entendimento diverso, a negativa de efeitos retroativos à decisão plenário do Supremo Tribunal Federal que reconheça a inconstitucionalidade de uma lei. Seria uma demasia, uma violação ao princípio da economia processual, obrigar um dos legitimados do art. 103 a propor a ação direta para produzir uma decisão que já se sabe qual é.

Por outro lado, há a corrente daqueles que defendem, como Lênio Streck [16], que a competência do Senado para suspender a execução da lei ou ato normativo continua em vigor, haja vista que não houve modificação do texto constitucional. E que se o STF pretende conferir efeito erga omnes às decisões proferidas em controle difuso de constitucionalidade deve fazê-lo por meio da edição de uma súmula ou por meio da resolução expedida pelo Senado. Destaca, o mencionado autor, que a Constituição Federal, por meio do poder constituinte originário estabeleceu diferenças entre o controle concentrado e o controle difuso que não podem ser simplesmente esquecidas, ou desrespeitadas pelo Judiciário, pois isto enfraqueceria a força normativa da Constituição. Segue trecho elucidativo:
Mas o modelo de participação democrática no controle difuso também se dá, de forma indireta, pela atribuição constitucional deixada ao Senado Federal. Excluir a competência do Senado Federal – ou conferir-lhe apenas um caráter de tornar público o entendimento do Supremo Tribunal Federal – significa reduzir as atribuições do Senado Federal à de uma secretaria de divulgação intra-legistativa das decisões do Supremo Tribunal Federal; significa, por fim, retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988.
Como se não bastasse reduzir a competência do Senado Federal à de um órgão de imprensa, há também uma conseqüência grave para o sistema de direitos e de garantias fundamentais. Dito de outro modo, atribuir eficácia erga onmes e efeito vinculante às decisões do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade é ferir os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (art. 5.º, LIV e LV, da Constituição da República), pois assim se pretende atingir aqueles que não tiveram garantido o seu direito constitucional de participação nos processos de tomada da decisão que os afetará. Não estamos em sede de controle concentrado! Tal decisão aqui terá, na verdade, efeitos avocatórios. Afinal, não é à toa que se construiu ao longo do século que os efeitos da retirada pelo Senado Federal do quadro das leis aquela definitivamente declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal são efeitos ex nunc e não ex tunc. Eis, portanto, um problema central: a lesão a direitos fundamentais. (grifos do original)

Pedro Lenza [17] também defende a necessidade de reforma constitucional, a fim de alterar o disposto no inciso X do art. 52 da CF, para que seja possível assegurar a constitucionalidade da nova tendência de prescindir da atuação do Senado como órgão competente para suspender a execução do ato normativo, declarado inconstitucional pelo STF, no âmbito do controle difuso.

A proposta apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes e seguida pelo Ministro Eros Grau já encontrava guarida nos ensinamentos de Lúcio Bittencourt [18], para quem, caso o Senado não exercesse o seu mister de suspender a execução do ato normativo, a eficácia da decisão, segundo o autor, não seria afetada. Pelo contrário, os efeitos regulares da decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal independem da colaboração de qualquer dos outros poderes. A função do art. 45, IV (referência à Constituição de 1967), para Bittencourt, era "apenas tornar pública a decisão do tribunal, levando-a ao conhecimento de todos os cidadãos". Assim, considerar que o Senado suspende a execução de lei inconstitucional é uma "[...] impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo inexistente ou ineficaz, não poder ter suspensa a sua execução."

A adoção dessa tese evidencia o papel do STF como Corte Constitucional, no exercício do controle de constitucionalidade, "enaltecendo a jurisdição constitucional no Brasil e reforçando o sistema de defesa da Constituição [19]."

Gilmar Mendes refere-se à alteração do papel do Senado como caso de "autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988, [...] poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto [20]".

A Constituição Federal de 1988, ao ampliar consideravelmente o rol dos legitimados para propositura de ação direta de inconstitucionalidade, reduziu a importância do controle difuso, uma vez que permitiu que praticamente todas as demandas constitucionais de maior relevância sejam submetidas ao Pretório Excelso, por meio do controle concentrado de constitucionalidade. Além disso, a possibilidade de suspensão da eficácia do ato normativo impugnado por meio de medida cautelar agregou celeridade e presteza ao modelo concentrado de controle de constitucionalidade.

Por conseguinte, embora o sistema brasileiro continue adotando um sistema misto de controle de constitucionalidade, o destaque passou do sistema difuso, para o concentrado.

E a propositura de um novo papel para o Senado Federal em sede de controle difuso, cuja função passa a ser de conferir publicidade à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle incidental de constitucionalidade, reflete, mais uma vez, a tendência de "abstrativização" deste modelo.

Vale frisar que o entendimento professado pelo Min. Gilmar Mendes, corroborado pelo Min. Eros Grau, e adotado por parcela da doutrina, ainda não foi objeto de decisão definitiva pela Suprema Corte no bojo da Reclamação 4.335-5/AC.

Contudo, a aproximação do controle difuso em direção ao controle concentrado, é inegável.

 ROSA, Michele Franco Rosa . A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3082, 9 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20586>.

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