domingo, 11 de dezembro de 2011

Efeito transcendental dos motivos determinantes da decisão

Outro indicativo da "abstrativização" do controle incidental é o reconhecimento pelo STF de efeito vinculante não apenas à parte dispositiva, mas também aos fundamentos da decisão proferida em controle difuso. Trata-se do denominado efeito transcendental dos motivos determinantes da decisão.

No controle difuso, a arguição da inconstitucionalidade ocorre de forma incidental, como questão prejudicial.

A decisão proferida acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do ato normativo produz efeitos, em regra, inter partes.

Entretanto, alguns julgados do Supremo Tribunal Federal [07] defendem a extensão dos efeitos da inconstitucionalidade declarada pelo Supremo em sede de controle difuso.

Na ADI 3.345 o Supremo Tribunal Federal reconheceu a aplicação da teoria dos efeitos transcendentes da decisão proferida no RE 197.917/SP:
E M E N T A: FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA - PROCESSO DE CARÁTER OBJETIVO - LEGITIMIDADE DA PARTICIPAÇÃO DE MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (QUE ATUOU NO TSE) NO JULGAMENTO DE AÇÃO DIRETA AJUIZADA CONTRA ATO EMANADO DAQUELA ALTA CORTE ELEITORAL - INAPLICABILIDADE, EM REGRA, DOS INSTITUTOS DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO AO PROCESSO DE CONTROLE CONCENTRADO, RESSALVADA A POSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, POR QUALQUER MINISTRO DO STF, DE RAZÕES DE FORO ÍNTIMO. 
[...]
CONSAGRAÇÃO, PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, COM A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO Nº 21.702/2004, DOS POSTULADOS DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA SEGURANÇA JURÍDICA. - O Tribunal Superior Eleitoral, ao editar a Resolução nº 21.702/2004, consubstanciadora de mera explicitação de anterior julgamento do Supremo Tribunal (RE 197.917/SP), limitou-se a agir em função de postulado essencial à valorização da própria ordem constitucional, cuja observância fez prevalecer, no plano do ordenamento positivo, a força normativa, a unidade e a supremacia da Lei Fundamental da República. EFEITO TRANSCENDENTE DOS FUNDAMENTOS DETERMINANTES DO JULGAMENTO DO RE 197.917/SP - INTERPRETAÇÃO DO INCISO IV DO ART. 29 DA CONSTITUIÇÃO. - O Tribunal Superior Eleitoral, expondo-se à eficácia irradiante dos motivos determinantes que fundamentaram o julgamento plenário do RE 197.917/SP, submeteu-se, na elaboração da Resolução nº 21.702/2004, ao princípio da força normativa da Constituição, que representa diretriz relevante no processo de interpretação concretizante do texto constitucional. - O TSE, ao assim proceder, adotou solução, que, legitimada pelo postulado da força normativa da Constituição, destinava-se a prevenir e a neutralizar situações que poderiam comprometer a correta composição das Câmaras Municipais brasileiras, considerada a existência, na matéria, de grave controvérsia jurídica resultante do ajuizamento, pelo Ministério Público, de inúmeras ações civis públicas em que se questionava a interpretação da cláusula de proporcionalidade inscrita no inciso IV do art. 29 da Lei Fundamental da República. A FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E O MONOPÓLIO DA ÚLTIMA PALAVRA, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM MATÉRIA DE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL. - O exercício da jurisdição constitucional - que tem por objetivo preservar a supremacia da Constituição - põe em evidência a dimensão essencialmente política em que se projeta a atividade institucional do Supremo Tribunal Federal, pois, no processo de indagação constitucional, assenta-se a magna prerrogativa de decidir, em última análise, sobre a própria substância do poder. No poder de interpretar a Lei Fundamental, reside a prerrogativa extraordinária de (re)formulá-la, eis que a interpretação judicial acha-se compreendida entre os processos informais de mutação constitucional, a significar, portanto, que "A Constituição está em elaboração permanente nos Tribunais incumbidos de aplicá-la". Doutrina. Precedentes. A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal - a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição" (CF, art. 102, "caput") - assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político- -jurídico vigente em nosso País confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental. (ADI 3345, Relator(a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2005, DJe-154 Divulg 19-08-2010 public 20-08-2010 ement vol-02411-01 PP-00110) (grifos nossos)
Há também inúmeros casos na Corte Constitucional [08], em que foi reconhecida a inconstitucionalidade de lei municipal pelo STF, em sede de controle difuso, e cujos fundamentos foram utilizados como razão de decidir em outros recursos extraordinários.

A respeito, as lições de Gilmar Mendes [09]:
Observe-se, ainda, que, nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade de leis municipais, o Supremo Tribunal Federal tem adotado uma postura significativamente ousada, conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes. É que são numericamente expressivos os casos em que o Supremo Tribunal tem estendido, com base no art. 557, caput e § 1° -A, do Código de Processo Civil, a decisão do plenário que declara a inconstitucionalidade de norma municipal a outras situações idênticas, oriundas de municípios diversos. Em suma, tem-se considerado dispensável, no caso de modelos legais idênticos, a submissão da questão ao Plenário.
Essa teoria também encontra adeptos na doutrina, como Teori Albino Zavascki [10], que propõe a "projeção expansiva" dos efeitos da decisão para além dos limites do caso concreto.

Assim, põe-se em foco, objetivamente, a questão de como harmonizar a eficácia da decisão sobre a constitucionalidade da norma no caso concreto com as imposições dos princípios constitucionais da isonomia – que é absolutamente incompatível com eventuais tratamentos diferentes em face da mesma lei quanto forem idênticas as situações -, e da segurança jurídica, que recomenda o grau mais elevado possível de certeza e estabilidade dos comandos normativos. Há, ademais, uma razão de ordem prática: se a norma é aplicável a um número indefinido de situações, não faz sentido repetir, para cada uma delas, o mesmo julgamento sobre a questão constitucional já resolvida em oportunidade anterior. Essas são razões a demonstrar que as decisões a respeito da legitimidade das normas têm vocação natural para assumir uma projeção expansiva, para fora dos limites do caso concreto.

Os argumentos utilizados pelos adeptos dessa corrente consistem no risco produzido pela decisão proferida em controle difuso, que ao gerar efeitos apenas entre as partes litigantes, acaba por fragilizar os princípios da isonomia e da segurança jurídica. Esse sistema permite a existência de decisões contraditórias, umas declarando a constitucionalidade, e outras reconhecendo a inconstitucionalidade do mesmo diploma normativo.

A repetição desnecessária do julgamento da mesma questão também resulta por desrespeitar o princípio da economia processual, abarrotando os tribunais com demandas idênticas, que desvirtuam a prestação da função jurisdicional.

Isso decorre do fato de não se adotar, no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, em especial na modalidade incidental, a teoria do stare decisis do direito norte-americano, que consiste no respeito à força do precedente.

Pedro Lenza [11] sistematiza os principais argumentos que justificam a adoção da teoria da transcendência dos motivos determinantes da sentença:

- força normativa da Constituição;
- princípio da supremacia da Constituição e a sua aplicação uniforme a todos os destinatários;
- o STF enquanto guardião da Constituição e seu intérprete máximo;
- dimensão política das decisões do STF.

Por outro lado, há doutrinadores com Pedro Lenza, que defendem que a adoção da teoria da transcendência dos motivos determinantes necessita de reforma constitucional e legal para ser viabilizada.

Por todo o exposto, muito embora a tese da transcendência decorrente do controle difuso pareça sedutora, relevante e eficaz, inclusive em termos de economia processual, de efetividade do processo, de celeridade processual (art. 5°, LXXVIII – Reforma do Judiciário) e de implementação do princípio da força normativa da Constituição (Konrad Hesse), parecem faltar, ao menos em sede de controle difuso, dispositivos e regras, sejam processuais, sejam constitucionais, para a sua implementação. [12] (grifos do original)

Dessa forma, a adoção por parte da doutrina e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal da extensão dos efeitos dos motivos determinantes da decisão proferida em sede de controle incidental, representa uma forma de atenuar a ausência de previsão legal que confira efeitos erga omnes às decisões emanadas do controle de constitucionalidade difuso.

No entanto, e conforme destacado acima, não há previsão legal que legitime essa prática, sendo a mesma criação jurisprudencial, amplamente adotada pelo STF.

 ROSA, Michele Franco Rosa . A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade . Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3082, 9 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20586>.

Um comentário:

  1. Cara, Professora.

    Inicialmente, gostaria de dizer que visito seu blog pela primeira vez, podendo dizer com certeza, mesmo a despeito da rápida "passada de olhos" no portal, tratar-se de instrumento útil aos estudiosos do Direito.

    Se a Sra. permitir, gostaria de tirar uma dúvida(espero que este seja o espaço hábil): No que diz respeito à suspeição/impedimento de Ministro do STF o entendimento continua como acima ementado? Ou é caso de impedimento o fato de o Ministro anteriormente ter-se manifestado a respeito da matéria enquanto AGU ou PGR(v.g. Min Dias Toffoli)?

    Espero que a Sra. possa me ajudar nessa dúvida.

    Sinceros desejos de sorte, saúde e sucesso.

    Victor Macambira.

    Brejo da Madre de Deus, 08 de Maio de 2012.

    ResponderExcluir