sábado, 17 de dezembro de 2011

O que é um ser humano?

Saiu na Folha de 20/4/11:
Ao final, os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Rio decidiram ontem que chimpanzé não é gente, apesar de seu DNA ser 99,4% igual ao dos humanos, segundo o relator do processo, e negaram pedido de habeas corpus a Jimmy, um chimpanzé de 27 anos.
O primata vive há cerca de 12 anos no Zoológico de Niterói. A intenção dos ambientalistas que entraram com o pedido é transferir Jimmy para um santuário em Sorocaba (99 km de SP).
Os 30 autores do pedido - quatro professores universitários dos EUA, um representante do Greenpeace, entre outros- argumentavam que, vivendo em uma jaula com pouco mais de 60 m2, o Jimmy estava privado de seu direito à liberdade de locomoção e à vida digna.
No entender do relator do processo, desembargador José Muiños Piñeiro, 'chimpanzé não é alguém'. '[Norberto] Bobbio escreveu que uma tendência de evolução pode nos levar a reconhecer os animais como titulares desse direito, mas por enquanto temos que seguir o que diz a Constituição', disse.
Defensor de Jimmy, o advogado Daniel Braga Lourenço afirmou que negar seu direito é fazê-lo passar pela 'mesma discriminação que índios, negros e mulheres já sofreram'.
Já o advogado Fernando Fragoso, representante do zoológico, argumentou que, se tivessem o direito a habeas corpus, os animais deveriam ter deveres também. 'Então poderíamos criar o crime do 'macaquicídio', caso um deles matasse alguém', disse.
Os advogados de Jimmy, que vai continuar no zoológico, vão recorrer ao STF
.”

Já vimos aqui por que macaco não tem direito a habeas corpus. E também já falamos sobre como os animais são vistos do ponto de vista legal. Hoje vamos usar a matéria acima para falar de dois outros assuntos correlatos:

Primeiro, se o DNA do chimpanzé é tão parecido com o do ser humano, por que ele não é tratado como um ser humano? Afinal, 99,4% ou 99,5% é quase 100%, não?

Não. Existem dois pontos aqui. Primeiro, 0,01% já faz uma diferença enorme. Mas, mais importante, os outros primatas não são humanos porque não descendem de humanos. Esse é um ponto crucial. Um gorila, um chimpanzé ou um orangotango (nossos parentes biológicos mais próximos), por mais similares que sejam geneticamente de um ser humano, não são humanos porque eles não descendem de um ancestral humano. A divisão evolucionária aconteceu antes de haver o ser humano. Se no futuro os seres humanos derem ensejo a novas sub-espécies, estes, sim, serão considerados humanos, já que terão um ancestral humano. Somos da mesma família e tribo biológica (hominidae e hominini, respectivamente) dos chimpanzés, mas de gêneros diferentes:
Classificação biológica de humanos, chimpanzés, orangotangos e gorilas
As espécies (sapiens, neandhertalensis, heidelbergensis erectus, ergaster etc) vêm depois (abaixo) disso, e como somos a única espécie restante do gênero ‘homo’, não dá para saber se um neandertal surgisse do nada ele seria considerado um ‘ser humano’. Provavelmente não, já que ser humano é o 'homo sapiens sapiens', onde o primeiro 'sapiens' se refere à espécie e o segundo se refere à sub-espécie.

Portanto, a questão não é matemática. Se algum cientista conseguisse fabricar um ser geneticamente idêntico a nós usando garrafas plásticas, esse ser, embora com um DNA 100% idêntico, ainda assim não seria um ser humano pois ele descenderia de garrafas plásticas e não de outros seres humanos. Já um clone seria ser humano porque ele descenderia de outro ser humano (aliás, usando o exemplo do clone: a prova de que DNA não é a base para a definição é que um animal clonado - ou seja, cujo DNA é 100% igual ao de sua 'mãe' - é um ente juridicamente diferente de sua 'mãe'. Caso contrário, quem comprasse a 'mãe' estaria automaticamente comprando o animal clonado).

É exatamente esse princípio que faz com que aqueles que dizem que as diferentes raças humanas – arianos, negros, etc – devem ser tratadas de formas diferentes pela lei acabam tropeçando em seu raciocínio jurídico: todos nós, independente de nossas raças, cores ou credos, descendemos de outros seres humanos.

O segundo ponto importante é que o chimpanzé não tem um advogado, da mesma forma como uma cadeira não tem um advogado. Se lembrarmos das aulas de gramática, vamos ver que 'objeto' não possui algo, apenas o 'sujeito'. Em direito ocorre a mesma coisa: os animais, como já vimos aqui, são objetos de direito e não sujeitos de direito. Logo o advogado acima defende não os direitos do chimpanzé, mas os interesses próprios dele (advogado), de alguma associação que o contratou ou mesmo da sociedade como um todo. O chimpanzé (ou o tratamento dele, para ser específico) é o cerne do interesse de quem quer que ele represente.

Fonte: http://direito.folha.com.br/1/post/2011/04/o-que-um-ser-humano.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário