domingo, 11 de dezembro de 2011

Princípio da fungibilidade recursal

O sistema processual atual, por sua vez, não trouxe dispositivo expresso admitindo a aplicação da fungibilidade recursal. Isso porque, conforme afirmou Buzaid na Exposição de Motivos do Código, sua existência era absolutamente dispensável em face da correlação minuciosamente estabelecida para a escolha do recurso cabível, eliminando a possibilidade de dúvidas.

Nesse sentido, esclarece Nelson Nery Jr a lógica então instituída:
"Se da sentença cabe apelação, se da decisão interlocutória cabe agravo, se os despachos são irrecorríveis, não haveria motivo suficiente para prever a existência desse princípio, pois, o recorrente não teria qualquer dúvida quanto ao cabimento do recurso correto para aquela decisão impugnada" [09].
De fato, o notório avanço em simplicidade levou, principalmente no início da vigência do Novo Código, boa parte da doutrina a admitir que o princípio fora revogado. Assim entendeu Pontes de Miranda e Arruda Alvim, p.ex.
"O CPC/73 eliminou a regra jurídica que se concebera em 1939. dela não precisava mais porque a redução do número de recursos simplificou o problema. Não há mais dúvida quanto ao cabimento de recurso, como poderia ocorrer sob o Código de 1939 e o direito anterior". [10]
Destarte essa aparente e teórica perfeição em operar os recursos, a prática forense mostrou que ainda assim havia casos em que doutrina e jurisprudência debatiam arduamente sobre qual recurso seria adequado.

Exemplos são pródigos: atos que rejeitam liminarmente a reconvenção (art. 325: cabe agravo de instrumento ou apelação?); provimento que exclui remove inventariante (art. 997: cabe agravo de instrumento ou apelação?); decisão que exclui herdeiro do processo de inventário (agravo de instrumento ou apelação?); ato que decide o pedido de remição de bens na execução (art. 790 utiliza indevidamente "sentença" para caracterizá-lo, embora seja decisão interlocutória); ato que julga o incidente de falsidade documental (art. 395 afirma, erroneamente, tratar-se de sentença). Todas essas hipóteses não são respondidas pela simples correlação característica do CPC, gerando divergência entre os profissionais do direito.

A polêmica quanto à aplicabilidade do instituto durou até o início dos anos 80, quando o STF firmou o entendimento de que o princípio subsistia no sistema processual de maneira implícita (decorrente da natureza instrumental das leis processuais), a despeito de não haver sido reproduzido. No entanto, sua aplicação só poderia ser aceita em casos de fundada dúvida. Esta ideia está consolidada em dois recursos extraordinários: RE 92.314; rel. Min. Thompson Flores (1980) e RE 99.334; rel. Min. Francisco Rezek (1893).

Resolvido o primeiro problema (a saber, o princípio ainda existe?), a polêmica deslocou-se para a seguinte questão: em quais situações se admitia a troca? Permanecem os requisitos do CPC/39? A tarefa de responder essas questões foi incumbida à doutrina e jurisprudência, que passaram a se dedicar para teorizar o tema.

Longe estão a doutrina e a jurisprudência de chegarem a um consenso. Parte notória [11] da doutrina entende que o único pressuposto de sua aplicação é a dúvida objetivo, dispensada investigação de outros critérios (em especial, a tão polêmica "má-fé"). Outra parte respeitável defende sua aplicação ampla, objetivando a mitigação do formalismo em nome da instrumentalidade das formas e economia processual [12]. A jurisprudência majoritária do STJ, por sua vez, entende como pressupostos a existência de dúvida objetiva, a ausência de erro grosseiro e a interposição tempestiva [13].

CRESPO, Victor Hugo Marcão. Princípio da fungibilidade recursal. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3082, 9 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20601>.

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