sábado, 29 de outubro de 2011

Teoria do erro

         Defendida por Achille Giovènne, esta teoria tem como fundamento o vício da vontade. Desenvolve a linha de raciocínio pela qual é possível a anulação do negócio jurídico, quando o agente havia representado uma situação de fato em desacordo com a realidade, pois que teria, assim, incidido em erro.

           Na hipótese de divergência entre a suposição ensejadora da determinação da vontade e a realidade contemporânea à época da realização do comportamento prometido, face à superveniência do evento imprevisto e imprevisível, haveria erro daquele que se obrigou, e o contrato poderia ser anulado por vício de consentimento.

           Segundo Nelson Borges, "existe um argumento definitivo, no sentido de rejeição da teoria de Giovènne, surge quando se atenta para a exata noção de erro. Ao se falar em vício do consentimento, ou erro, a primeira idéia que nos surge é o integral reconhecimento desse defeito do ato jurídico. Dito de outro modo: o que uma das partes contratantes supunha verdadeiro, no instante vinculativo, correspondia exatamente aquele que ela pensava que era. Como o acontecimento anormal, alterador das circunstâncias em que as partes manifestaram a decisão de se vincular, ocorrerá no futuro, de forma totalmente imprevista é imprevisível - uma vez que é um acontecimento anormal na vida do contrato - fica difícil, senão impossível, alicerçar a teoria da imprevisão no erro, como pretendeu Giovènne".(Nelson Borges, ob. Cit., pág.48).
(...)

           Exemplificadamente , veremos sob forma de jurisprudência o entendimento acerca desse tópico:
          
          "APELAÇÃO CÍVEL Nº 8.809, DA COMARCA DE ARARANGUÁ - Relator: Des. Eduardo Luz. Ato jurídico - Silêncio - Vício de consentimento na formação do contrato. Não merece vingar o apelo. De fato, o mencionado contrato de venda da linha de ônibus não teria sido celebrado, se conhecido dos autores, homens rústicos e afastados do trato de negócios desta natureza, a circunstância de que a linha de ônibus não podia funcionar porque era irregular e que os réus notificados pela municipalidade para regularizar o serviço nada fizeram, deixando escoar o prazo para tanto. Não resta dúvida de que a ocultação deste fato constitui omissão dolosa, viciando o consentimento dos contratantes lesados com o negócio.(Art. 94 do Código Civil). Houve desprezo ao princípio da boa fé e silêncio sobre circunstância que a natureza do negócio exigia conhecida. Escreveu Josserand; "Sem dúvida, uma simples reticência, sem circunstância agravante, não basta para estabelecer uma manobra ilícita, constitutiva do dolo; porém não ocorre assim no caso de quem guardou o silêncio tinha a obrigação, o dever, de falar, hera em virtude do texto legal, bem por razão das circunstâncias da causa ou da natureza do contrato que supunha entre as partes relações de confiança recíproca (Direito Civil, ;vol. I, t. II, ed. Buenos Aires, pág. 72). Deste modo, impunha-se a procedência da ação, anulando-se o contrato de compra e venda e notas promissórias a ele vinculadas, como fez a respeitável sentença que é confirmada integralmente inclusive na parte relativa a perdas e danos.   
           

SANTOS, Luiz Wanderley dos. Erro nos negócios jurídicos, vícios do consentimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/642>.

Do conceito de negócio e ato jurídico

           É pertinente, antes de mais nada, conceituarmos criteriosamente ato e negócio jurídicos, assim como distingui-los.

           No campo dos atos humanos, há os que são voluntários e os que independem do querer individual. Os primeiros, caracterizando-se por serem ações resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos, quando revestirem certas condições impostas pelo direito positivo. Não são todas as ações humanas que constituem atos jurídicos, porém apenas as que traduzem conformidades com a ordem jurídica, uma vez que as contravenientes às determinações legais vão integrar a categoria dos atos ilícitos, de que o direito toma conhecimento, tanto quanto dos atos lícitos, para regular-lhes os efeitos, que divergem, entretanto, dos destes, em que os atos jurídicos produzem resultados consoantes com a vontade do agente, e os atos ilícitos sujeitam a pessoa que os comete a consequências que a ordem legal lhes impõe (deveres ou penalidades). Na mesma valoração ontológica da lei, como dos atos jurisdicionais, a vontade individual tem o poder de instituir resultados ou gerar efeitos jurídicos, e, então, à manifestação volitiva do homem, com o nome genérico de ato jurídico, enquadra-se entre as fontes criadoras de direitos . É a noção do ato jurídico "lato sensu" que abrange as ações humanas, tanto aquelas que são meramente obedientes à ordem constituída, determinantes de consequências jurídicas ex lege, independentemente de serem ou não queridas (1) como aquelas outras declarações de vontade, polarizadas no sentido de uma finalidade, hábeis a produzir efeitos jurídicos queridos.

           A esta segunda categoria, constituída de uma declaração de vontade dirigida no sentido da obtenção de um resultado, é que a doutrina tradicional denominava ato jurídico (stricto sensu), e a moderna denomina negócio jurídico.

           Observa-se, então, que se distinguem o "negócio jurídico" e o "ato jurídico". Aquele é a declaração de vontade, em que o agente persegue o efeito jurídico; No ato jurídico "stricto sensu" ocorre manifestação volitiva também, mas os efeitos jurídicos são gerados independentemente de serem perseguidos diretamente pelo agente. Sobre esta distinção, lembram-se, entre outros, Windscheid, Stolfi, Trabucchi, Scognamilio, Santoro Passarelli; Serpa Lopes, Silvio Rodrigues, Vicente Ráo, Torquato Castro, Soriano Neto, Paulo Barbosa de Campos Filho, Alberto Muniz da Rocha Barros, Fabio de Matiá. Todos eles são fatos humanos voluntários. Os "negócios jurídicos" são, portanto, declarações de vontade destinadas à produção de efeitos jurídicos queridos pelo agente; os atos jurídicos "stricto sensu" são manifestações de vontade, obedientes à lei, porém geradoras de efeitos que nascem da própria lei. Dentre os atos lícitos estão os atos que não são negócios jurídicos (Código Civil português, art. 295; Projeto de Código Civil brasileiro de 1975, art. 185), bem como os negócios jurídicos. Todos, porém, compreendidos na categoria mais ampla de "atos lícitos", que se distinguem, na sua etiologia e nos seus efeitos dos "atos ilícitos".

           Foi a doutrina alemã que elaborou o conceito do negócio jurídico (Rechtsgeschäft), encarecido pelos escritores tedescos como dos mais importantes da moderna ciência do direito, e imaginou-o como um pressuposto de fato, querido ou posto em jogo pela vontade, e reconhecido como base do efeito jurídico perseguido (3). O fundamento e os efeitos do negócio jurídico assentam então na vontade, não uma vontade qualquer, mas aquela que atua em conformidade com os preceitos ditados pela ordem legal. E tão relevante é o papel da vontade na etiologia do negócio jurídico, que se procura identificar a sua própria ideia conceitual com a declaração de vontade, constituindo-se desta forma a sua definição.

           O ato jurídico, tal como entendido e estruturado na sistemática do Código Civil de 1916, art. 81, também conceitualmente se funda na declaração de vontade, uma vez que, analisado em seus elementos, acusa a existência de uma emissão volitiva, em conformidade com a ordem legal, e tendente à produção de efeitos jurídicos. E isto leva a admitir que o legislador brasileiro identificou as duas noções - ato jurídico e negócio jurídico - cujos extremos coincidem (3). Como, porém, a expressão ato jurídico é um valor semântico abrangente de um conceito jurídico mais amplo, compreensivo de qualquer declaração de vontade, individual ou coletiva, do particular ou do Estado, destinada à produção de efeitos, o negócio jurídico deve ser compreendido como uma espécie dentro do gênero ato jurídico.

           A aproximação das noções do ato jurídico, tal como extremado na sistemática brasileira, e do negócio jurídico, da concepção tedesca, facilmente ressalta do confronto da definição, calcada no art. 81 do Código Civil e a que se oferece do negócio jurídico. Pelo nosso Código, de 1916, ato jurídico seria todo ato lícito que tenha por fim imediato adquirir, resguardar transferir, modificar ou extinguir direitos, em que todos os autores ressaltam a presença do fator vontade. O negócio jurídico, no dizer de Enneccerus, citado linhas acima, é um pressuposto de fato, que contém uma ou várias declarações de vontade, como base para a produção de efeitos jurídicos queridos. No dizer de Oertmann,(introducción, § 35) é o fato produzido dentro do ordenamento jurídico, que com relação à vontade dos interessados, nele manifestada deve provocar determinados efeitos jurídicos.

           Orlando Gomes também nos dá uma esclarecedora noção de negócio jurídico: " Para a aquisição, transferência, modificação ou extinção de um direito, não basta a manifestação da vontade do sujeito de direitos. É preciso que seja intencional e conforme a lei."

           O direito positivo reconhece às pessoas o poder de provocar efeitos jurídicos por meio de certos atos. Tal é o território da autonomia privada. O particular o exerce para concretizar a hipótese prevista na lei, especificando-a.

           Na conceituação da autonomia privada reúnem-se os dois institutos centrais do direito privado: a propriedade e o contrato ou o negócio jurídico que, sendo mais amplo, a este abrange.

           Ao se reunirem, aperta-se o interesse de perquirir os limites do poder de dispor dos bens que a lei assegura a toda pessoa, seja por ato inter vivos, seja mortis causa, seja a título oneroso, seja a título gratuito. Toda vez que se pratica um ato de disposição produz-se determinada modificação, querida pelos praticantes, na relação jurídica preexistente. A modificação deve ser aquela que quiseram os que realizaram o ato, valendo se merecer tutela da lei e se for processada pelo acordo de vontades, nas relações mais simples, a que se denomina contrato "lato sensu", mas podem ser igualmente provocadas pela manifestação de vontade de um só sujeito de direito. Afirma-se, na linha desse pensamento, que o negócio jurídico é o instrumento próprio da circulação dos direitos, isto é, da modificação intencional das relações jurídicas.

           A função mais característica do negócio jurídico é, porém, servir de meio de atuação das pessoas na esfera de sua autonomia. É através dos negócios jurídicos que os particulares auto-regulam seus interesses estatuindo as regras a que voluntariamente quiseram subordinar o próprio comportamento. Domina atualmente o pensamento de que o negócio jurídico exprime o poder de autodeterminação dos sujeitos de direito, notadamente no campo das relações patrimoniais. Encarado esse poder na sua Junção de auto-disciplina das próprias pessoas interessadas na constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica, apresenta-se como expressão da autonomia privada. Salienta-se a correlação entre negócio jurídico e autonomia privada, dizendo-se que se a autonomia privada é o poder de autodeterminação, o negócio jurídico é o instrumento através do qual o poder de autodeterminacão se concretiza" (4).

           Para Santoro Passarelli , "Negócio Jurídico é o ato de autonomia privada com o qual o particular regula por si os próprios interesses (5)."

          "O Negócio Jurídico típico é o contrato" HANS KELSEN Teoria Pura do Direito)

SANTOS, Luiz Wanderley dos. Erro nos negócios jurídicos, vícios do consentimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/642>.

Vício do negócio jurídico

           No campo das ações humanas, interessa muito de perto para o direito, aquelas que se traduzem em atos jurídicos.

           Não obstante, como veremos, nem todas as ações correspondem a um ato jurídico, este último por sua vez só se estabelece mediante a vontade do agente, resguardando-se, obviamente os preceitos legais (ato jurídico stricto senso).

           Já o conceito de ato jurídico lato senso abrange todas as ações humanas, e não só as condiciona à vontade do agente.

           Dessa equação resulta o fato de que quando o agente declara sua vontade e objetiva um efeito jurídico, nasce o chamado negócio jurídico, que na conceituação da autonomia privada tem sua formação através de dois institutos centrais, o saber: a propriedade e o contrato.

           Veremos que os atos e os negócios jurídicos podem estar impregnados de defeitos ou desvios jurídicos e serão objeto de nossa análise.

           Verbaliza o código civil no seu art. 147:
           É anulável o ato jurídico:
           I - Por incapacidade relativa do agente (art.6º)
           II-Por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude.
           O inciso II deste artigo, particularmente nos interessa.

           Inicialmente temos que a vontade é a mola propulsora dos negócios ou atos jurídicos, e assim sendo é de fundamental importância que essa vontade seja manifestada de forma livre e espontânea.

           Todas as vezes que essa vontade não se manifestar fiel aos objetivos intimamente perseguidos, diremos que houve vício, mais precisamente vício do consentimento. Estes por sua vez são produtos da influência dos erros (que são uma falsa noção, juízo ou representação da realidade.) 

           Assim sendo, faz-se necessário o ordenamento jurídico dispor de mecanismos eficazes que visem corrigir essas distorções.

           Como veremos existem situações em que um negócio jurídico é efetuado, dentro da conformidade dos preceitos legais, positivamente falando, e apesar disso, o objetivo perseguido por uma das partes envolvidas era diverso daquele atingido, denotando-se dessa forma um negócio jurídico falho. Isso pode ocorrer por força de fatores subjetivos como a vontade.

           Quando isso ocorre é necessário que o jurista, à luz do ordenamento jurídico, tenha sensibilidade bastante para reconhecer tal desvirtuamento negocial, para salvaguardar os interesses do cidadão que pode estar sendo induzido a erro em um contrato, ou praticando um ato jurídico prejudicial a si próprio por intermédio fraudulento de outrem, sendo urgente a nulidade dessas atividades.

           No tocante aos contratos, o código de defesa do consumidor, virá pormenorizar as obrigações das partes e normatizar a proteção do consumidor sempre que se perceber algum vício na declaração da vontade dos contraentes. No intuito de socorrer a transparência nos negócios jurídicos.

SANTOS, Luiz Wanderley dos. Erro nos negócios jurídicos, vícios do consentimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/642>.