quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A Cessão de direito hereditário

Autor: Zeno Veloso

O leitor Jones Magalhães apresenta fatos e pede a minha opinião. O pai dele, já viúvo, morreu, ano passado, e deixou diversos imóveis, que deverão caber a ele, Jones, e a três irmãos. O consulente foi procurado por um amigo, interessado em adquirir os seus direitos hereditários sobre um apartamento, oferecendo-lhe R$200.000 pelo imóvel. Jones contratou um especialista, que o aconselhou a tomar as seguintes providências: 1) oferecer, primeiramente, a quota hereditária que deseja ceder aos outros irmãos, pois o co-herdeiro tem direito de preferência, tanto por tanto, ou seja, pelo mesmo preço, com relação a um estranho à sucessão; 2) se nenhum co-herdeiro quiser adquirir a parte do cedente, este fica livre e pode realizar o negócio com terceiro; 3) a cessão de direitos hereditários tem de ser feita por escritura pública, sob pena de nulidade, isto é, o escrito particular de cessão não vale coisa alguma (e ainda semana passada vi um instrumento desta natureza, e tive de dizer isto à pessoa que me apresentou, que ficou alarmada com a informação).

 Os irmãos de Jones, através de um escrito, informaram que não estavam interessados no negócio, e ele, então, seguindo as instruções que recebeu, celebrou a escritura pública de cessão de direitos hereditários, cedendo a sua quota para o terceiro interessado, que, em conseqüência, ficou no lugar de Jones no processo de inventário do falecido, como se fosse um filho deste.

 Ocorreu que na escritura pública de cessão ficou constando que Jones transferia os seus direitos hereditários sobre um bem determinado, o dito apartamento, que o cessionário desejava adquirir, e pagou por ele. Neste ponto, surgiu o impasse: os irmãos de Jones alegaram em juízo que não concordavam com aquela situação, que tinham interesse em ficar com o apartamento, argumentando que o terceiro havia adquirido direitos hereditários, assumindo, portanto, a posição de Jones, a condição de herdeiros, porém, de uma parte indivisa, de uma quota ideal, e não de um bem determinado, especificado, individuado.

 Um jurista mineiro deu um parecer aos irmãos de Jones, afirmando, com base em doutrina de Francisco Campos, a nulidade da cláusula da escritura pública de cessão, que havia se referido ao aludido apartamento. Acho que não é bem assim, e vou mostrar.

 A cessão de direitos hereditários não pode, realmente, se existem vários herdeiros, individuar o bem sobre o qual recai a cessão. O que o cessionário adquire é a quota hereditária, a parte ideal que cabe ao cedente. Neste momento, a herança é um todo unitário, coisa indivisa. Somente depois, com o ato judicial da partilha, é que se preenche, materialmente, a quota do herdeiro, com a atribuição dos bens, com a individuação dos mesmos, extinguindo-se a indivisão, o condomínio hereditário.

 Mas a cláusula da escritura que estabeleceu que o determinado bem caberia ao cessionário não é nula, mas ineficaz, e alguns juristas ainda muito confundem esses planos do mundo jurídico, o da validade e o da eficácia, e isso acaba determinando grandes equívocos. Explicando melhor: a dita cláusula fica na dependência de o apartamento, na partilha, caber na quota do herdeiro que cedeu os direitos. Portanto, a cláusula não é nula e de nenhum efeito, ficando na dependência de o bem, afinal, ser conferido, ou não, na partilha, ao cessionário. Se não couber, a cláusula não surte efeito, aplicando-se o artigo 1.793, parágrafo 2°, do Código Civil; se couber, a cláusula é eficaz. Simples e fácil; como fáceis e simples, de modo geral, são as soluções jurídicas.

Fonte: Jornal O Liberal - Edição de 04.06.2005