segunda-feira, 21 de novembro de 2011

STJ muda entendimento sobre Ações Civis Públicas

[Editorial publicado no jornal O Estado de S. Paulo, nesta segunda-feira (14/11)]

Formada pelos 15 ministros mais antigos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça tomou uma importante decisão, reconhecendo o caráter coletivo de determinados litígios judiciais - principalmente nos casos dos conflitos de massa, que envolvem questões relativas à saúde, meio ambiente e consumo. Pela decisão, as sentenças e acórdãos nas ações civis públicas - que são usadas para defender direitos comuns a um grupo, num único processo - agora valerão para todo o País, não tendo mais sua execução limitada ao município onde foram proferidas.

Pela nova sistemática, quando um direito coletivo for reconhecido pela Justiça, quem se julgar beneficiado terá apenas de entrar com uma petição judicial informando que foi favorecido por essa decisão. O beneficiário também poderá ajuizar o pedido na cidade onde mora ou no local onde a sentença ou o acórdão foi proferido, conforme sua conveniência. Até recentemente, o STJ entendia que essas sentenças e acórdãos só tinham validade na jurisdição da Corte que os proferiu. Uma sentença do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região, por exemplo, teria efeitos apenas em São Paulo e Mato Grosso do Sul, área de sua abrangência.

A decisão do STJ - que é a última instância da Justiça Federal - representa mais um golpe na tradição do direito processual brasileiro que, durante um século, valorizou a solução de conflitos de forma individual. Segundo essa tradição, que foi fortemente influenciada pelo liberalismo jurídico, cada cidadão só pode defender seus direitos por meio de ações específicas. Mas, com o avanço da industrialização e a subsequente urbanização do País, a partir da década de 1970 os movimentos sociais e as ONGs se multiplicaram, exigindo a democratização do acesso ao Judiciário e discutindo nos tribunais questões de interesse comunitário e corporativo.

Isso provocou importantes mudanças na legislação processual civil. Primeiro, vieram os direitos que protegem os chamados interesses difusos, envolvendo a defesa do patrimônio histórico e o meio ambiente. Em seguida, vieram os direitos que defendem interesses coletivos, e que podem ser pleiteados por órgãos representativos. A ação civil pública foi introduzida em 1985 e tem sido utilizada desde então por Procuradorias de Justiça, Defensorias Públicas e associações dedicadas à proteção de direitos coletivos para proibir o fumo em aviões, coibir aumentos abusivos de planos de saúde e obrigar a União a atualizar a lista de remédios distribuídos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Apesar disso, o uso das ações civis públicas ainda gerava dúvidas no que se refere à abrangência das decisões judiciais, o local de cumprimento e a prescrição individual de execução. Para esclarecê-las, a Corte Especial do STJ aproveitou o julgamento de um recurso de um poupador de Londrina que tenta receber a diferença na correção da inflação referente aos Planos Bresser e Verão. Como noticiou o jornal Valor, o direito à correção foi reconhecido pela comarca de Curitiba, numa ação civil pública movida pela Associação Paranaense de Defesa do Consumidor. Quando tomou ciência da decisão, o poupador de Londrina entrou com ação na sua comarca, reivindicando o mesmo benefício, mas o banco alegou que a ação só poderia ser protocolada onde a sentença foi proferida. Alegando que o objetivo da ação civil pública é facilitar o cumprimento dos direitos coletivos, o relator Luís Felipe Salomão rejeitou o recurso do banco.

A decisão da Corte Especial do STJ foi bem recebida por ONGs e entidades comunitárias, mas não pelas empresas. Na medida em que as ações civis públicas passam a valer no País inteiro, bancos, concessionárias de telefonia e energia e fabricantes de medicamentos terão de ficar atentos a elas, o que os obrigará a aumentar seus departamentos jurídicos e ampliar as provisões nos balanços, para pagar eventuais condenações. Para a Justiça, a decisão do STJ diminui o número de ações repetitivas. Para os cidadãos, reduz custos e burocracia - principalmente para quem mora no interior, longe dos tribunais de segunda e terceira instâncias. No conjunto, o saldo é positivo, pois o STJ assumiu um balizamento claro, que reforça a segurança do direito no País. 
Revista Consultor Jurídico

Proposta cria recurso para decisões do MP em inquérito civil público

A Câmara analisa o Projeto de Lei 1611/11, do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que permite a interposição de recursos às decisões do Ministério Público no curso do inquérito civil público. Esses inquéritos buscam averiguar ameaças contra o meio ambiente, patrimônio público, direitos do consumidor e outros direitos coletivos, com o objetivo de iniciar uma ação civil pública para resguardar esses direitos.

A proposta altera a regulamentação da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e estabelece a apresentação de recursos ou reclamações contra decisões ou atos do Ministério Público no inquérito civil público, que deverão ser resolvidos pelo órgão superior da instituição em 45 dias.

Assim, pelo texto, determinado órgão público ou particular poderá, por exemplo, recorrer contra pedidos de informações, perícias ou certidões feitos pelo MP.

Bonifácio de Andrada argumenta que o objetivo é manter, no curso do inquérito civil público, o respeito aos princípios do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa. Esta iniciativa vai evitar o questionamento judicial de questões que podem ser sanadas no âmbito do próprio Ministério Público, pela ação de seus órgãos superiores colegiados, argumenta.

Tramitação
A proposta, que tramita em caráter conclusivo, será analisada pela comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: JUSBRASIL

Furto em estacionamento gratuito de mercado gera direito a indenização

Adalberto Pedro Moura teve o carro furtado dentro do estacionamento do mercado Comercial de Alimentos Poffo, de nome fantasia Mini Preço, em Itajaí. O autor não conseguiu reaver o veículo, mas teve a indenização material garantida pelo TJ. O consumidor ajuizou ação de reparação do prejuízo com danos morais. Em 1º grau o pedido foi julgado totalmente improcedente, entretanto a 4ª Câmara de Direito Civil entendeu que houve responsabilidade do supermercado e reformou a sentença.

Conforme os autos, o autor foi até o estabelecimento realizar compras e, ao sair, não localizou mais o veículo. O mercado, em defesa, argumentou que seu estacionamento é aberto ao público, sem controle de entrada e saída. Sustentou, ainda, que o autor não comprovou que fora com o carro até o mercado. Por fim, afirmou não haver a obrigação de reparar, pois há placas indicativas a informar que o estabelecimento não se responsabiliza por furtos ou roubos.

Para a câmara, ficou clara a relação de consumo entre as partes, já que o autor comprovou ter efetuado suas compras naquele dia. A gratuidade do serviço oferecido não arreda a responsabilidade da ré, por constituir acessório que tem por finalidade incrementar o volume de vendas, em razão da facilidade de acesso e comodidade que representa aos clientes, afirmou o relator da matéria, desembargador Victor Ferreira.

A indenização por danos morais, contudo, não foi concedida ao autor. Segundo os desembargadores, a subtração do automóvel não implica abalo psicológico passível de reparação. O dano moral exige algo mais agressivo ao indivíduo, algo que vá além dos incômodos diários previsíveis, atingindo a dignidade e honra, bens jurídicos que não foram atingidos no caso em discussão, finalizaram os julgadores. A decisão foi unânime. (Apelação Cível n. 2009.055943-8).

A Constitucionalização da Responsabilidade Civil

Afirmar que a Constituição serve de critério hermenêutico na interpretação e aplicação das normas da Responsabilidade Civil é insuficiente, simplista e excessivamente sucinto. Mais que isso, no âmbito do Direito dos Danos, três valores ficam consubstanciados, pela operação da constitucionalização. Para Paulo Luiz Netto Lôbo, são eles: "a primazia do interesse da vítima, a máxima reparação do dano e a solidariedade social" [09].

Essa imprescindível aproximação ético-ideológica da responsabilidade civil com a Constituição acresce em relevância quando facilmente verificamos que a nova codificação civil foi bastante tímida em inovações no campo do direito obrigacional (...). [10]

A nosso ver, primazia do interesse da vítima e máxima reparação do dano consubstanciam um mesmo resultado, qual seja, a máxima satisfação possível da vítima. Prevalecer seu interesse e reparar ao máximo, em verdade, são projeções da satisfação do lesado – a máxima possível. Satisfazer a vítima pode simbolizar tanto a reparação de um dano sofrido quanto prevenir contra danos futuros. Este é, pois, interesse de qualquer vítima, virtual ou real.

A solidariedade social é corolário do princípio da socialidade, basilar na atual codificação. Há autores que cogitam a função social da Responsabilidade Civil [11], não é equivocado. Todavia, é assentado na doutrina a coletivização da Responsabilidade Civil. Aliás, a socialização dos riscos fez surgir, em países como a Nova Zelândia e a França, seguros públicos, os quais seriam encarregados de ressarcir danos pessoais, alimentados por receitas parafiscais e impostos [12]. Sua primeira manifestação é o seguro de Responsabilidade Civil, o qual garante "melhor a reparação do dano sofrido pelo lesado, ao mesmo tempo que alivia o ônus incidente sobre o responsável" [13], pois cabe a uma coletividade a reparação. Além disso, manifesta-se na seguridade social, que encarrega a toda a coletividade a indenização por um dano corpóreo sofrido – dano de cunho material, ou seja, envolve os danos emergentes e os lucros cessantes [14]. A coletivização também se manifesta na "responsabilidade grupal, ou seja, a responsabilidade de todos os integrantes de um grupo por danos causados por um seu membro não identificado" [15]. Por fim, faz surgir danos transindividuais, ou seja, de caráter coletivo.

Em resumo, a constitucionalização do Direito Civil apresenta dois grandes resultados. O primeiro é a máxima satisfação possível da vítima, que simboliza a primazia do seu interesse a máxima reparação do dano sofrido. O segundo resultado é a coletivização da responsabilidade civil, já delineada. Além, logicamente, da aplicabilidade direta das normas constitucionais e de a Constituição funcionar como critério hermenêutico das normas civis no Direito dos Danos. Nasce a Responsabilidade Constitucional [16].

MANASSÉS, Diogo Rodrigues. Reflexos das tendências do Direito Civil na responsabilidade civil: apontamentos para uma nova teoria do Direito dos Danos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3036, 24 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20266>.

Idoso: prioridade do transporte coletivo

Conquistas do Estatuto do idoso

A coisa julgada material

Ao seu turno, a coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito, não importando se a sentença foi procedente ou improcedente, se constitutiva, condenatória ou declaratória, pois no momento em que não for mais possível a interposição de recursos, entre as partes que tiveram seu litígio julgado, surge uma situação de grande firmeza quanto aos direitos e obrigações envolvidos no litígio. Esse status transcende o próprio processo, atingindo as pessoas e sua realidade [29].

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SILVA, Maria Angélica Moraes da. Execução civil da sentença penal condenatória. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3042, 30 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20335>.
Esta questão não se trata de imunizar a sentença como ato jurisdicional, mas seus efeitos que se projetam para fora do processo e atingem as pessoas em suas relações – Candido Rangel acrescenta que daí advém à grande relevância social do instituto da coisa julgada material que a lei constitucional e processual civil protege [30].

Tanto é verdade de que a coisa julgada material transcende para fora do processo, que nenhuma lei posterior tem o condão de modificar aquilo que ficou decidido e que por ela foi acobertado, por representar um núcleo imodificável, ou imutável segundo doutrina Liebman [31].

Em revisão sobre a questão temos que: a coisa julgada material é a imunidade dos efeitos da sentença, como já salientado anteriormente, que acompanha as partes interessadas, ainda que findo o processo. Por seu turno, a coisa julgada formal é o fenômeno interno do processo, tendo-se a sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.

Assim, transitada a sentença penal condenatória em julgado fica esta coberta pelo manto da coisa julgada. Entretanto, como já ressalvado, a coisa julgada na esfera penal tem a possibilidade rescindibilidade de Ação de Revisão Criminal, que conforme preceitua o Código de processo Penal, pode ser proposta a qualquer tempo, não sendo considerada por alguns autores como uma coisa julgada soberana.


No processo penal, a doutrina tende a chamar de coisa julgada soberana a que se forma sobre a sentença absolutória, porque esta não pode ser alvo de rescindibilidade após o seu trânsito em julgado em hipótese ou tempo algum; e de coisa julgada "tout court" a que se forma sobre a sentença condenatória, que poderá ser rescindida a qualquer tempo, pela via da revisão criminal [32].

No processo civil, ao seu turno, a sentença, de qualquer espécie, pode sofrer alteração dentro do prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado, nas hipóteses previstas para propositura da Ação Rescisória [33].

Diante dessas constatações, vê-se a distinção de tratamento do instituto da coisa julgada nas duas esferas do direito: a penal e a civil, que mesmo com peculiaridades distintas, possui grande inter-relação, principalmente no que diz respeito à execução civil da sentença penal como título executivo.

O princípio da segurança jurídica

O princípio da segurança jurídica consiste no "conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e seus fatos a luz da liberdade reconhecida". Assim, o valor da segurança jurídica está especialmente relacionado com a necessidade de assegurar a estabilidade dos direitos subjetivos de cada cidadão [11].

Diante destas premissas, podemos afirmar que, quando uma pessoa provoca o Estado-juiz, há a presunção de que o litígio seja analisado e julgado, sendo garantido pela Constituição Federal que o processo será regido com imparcialidade pelo magistrado, que será dado o direito de resposta às ações praticadas pelas partes, e que aquilo que foi determinado, após o trânsito em julgado da decisão, será respeitado [12].

O princípio de proteção à confiança [13], assim, é o mínimo de previsibilidade que o Estado de Direito necessita oferecer ao cidadão, concernente às normas de convivência que este deve observar e qual delas poderá utilizar para travar relações jurídicas válidas e eficazes.

Além disso, o decisum emitido pelo Poder Judiciário deve exprimir confiança a quem o procurar para resolução do litígio, configurando que há a prática do princípio da moralidade, boa-fé e da lealdade [14].

Destarte, a segurança jurídica é o mínimo preciso de previsibilidade que o Estado deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes, de modo a ter garantida a proteção dessa relação [15].

O art. 5º, XXXVI da nossa Carta Magna, que implicitamente contém o princípio da segurança jurídica, protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
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SILVA, Maria Angélica Moraes da. Execução civil da sentença penal condenatória. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3042, 30 out. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20335>.

Falta de data em nota promissória não impede execução

A boa-fé do credor e a função social do contrato nortearam uma decisão recente sobre a exigibilidade de nota promissória sem data de emissão. Nas palavras do juiz substituto Carlos Henrique Abrão, da 37ª Câmara de Direito Privado do TJSP, “a mera irregularidade pautada na falta de datação do título não invalida sua condição de exigibilidade”. Ou seja, notas promissórias sem data de emissão não são nulas. Clique aqui para ler o voto.

No caso concreto, o título foi emitido como garantia pelo empréstimo de um veículo. A indicação da data na nota promissória é um de seus requisitos. Parte da doutrina afirma que o dia de emissão é apenas um requisito acidental. É a visão de que não há nulidade apenas pela ausência da data. O juiz, relator designado do caso, adotou essa corrente para embasar seu voto. Segundo ele, para que seja exigível, basta “existir expresso e inserido no título o aspecto do vencimento para minimizar qualquer irregularidade ou impossibilidade de cobrança”.

O assunto é tratado no caput do artigo 889 do Código Civil, de forma taxativa: “deve o título de crédito conter a data de emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente”. A exigência possui três finalidades: atestar a capacidade do emitente e sua livre manifestação de vontade — requisitos essenciais da formação contratual —, fazer constar o vencimento do título e proteger terceiros.

Como explica o juiz, ao descartar a necessidade, “a cambial exigida não tem qualquer ressalva em relação ao emitente, ato jurídico perfeito, de livre manifestação de vontade e pessoa capaz, não houve lesão a terceiros, e mais, seu vencimento consta registrado”. Por isso, ele afirma que “a tese da nulidade cambial desprovida de data de emissão não pode, sinceramente, prevalecer diante dos elementos probatórios examinados”.

No mesmo sentido, João Eunápio Borges, escreve em seu livro Títulos de Crédito (Forense) que “toda obrigação tem, necessariamente, uma data, que é aquela em que se constitui, mas a declaração desta data não é indispensável à validade da letra de câmbio”.

A Súmula 387, do Supremo Tribunal Federal, prevê a possibilidade de complementação dos dados antes da cobrança ou do protesto. “A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé antes da cobrança ou do protesto”, diz o enunciado.

Segundo o juiz, “não pode mero formalismo que presidia a criação do título ao tempo da Lei de Genebra, no início do século XX, em pleno modelo de economia globalizada, constituir-se em empecilho e nulidade da promissória, simples irregularidade, a qual, cotejada com as demais circunstâncias, favorece o credor”.

E mais: “A evolução do direito empresarial incorpora o meio eletrônico, quando milhares de títulos circulam, em impressão, livres de papéis, com os requisitos mínimos, e, por analogia, a cambial, consubstanciada na promissória, não pode ser descaracterizada”.
Clique aqui para ler o voto.

Marília Scriboni é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico

STF vai decidir se Judiciário pode anular questões de concurso

O Poder Judiciário pode realizar controle jurisdicional sobre ato administrativo que avalia questões em concurso público? Essa questão será discutida no Recurso Extraordinário que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal. O recurso, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, foi interposto pelo Estado do Ceará.

O processo teve origem em ação apresentada por candidatas a concurso público para cargos da área da saúde, no Ceará, que afirmaram ter havido descumprimento do edital por parte da comissão organizadora do certame e suscitaram a nulidade de 10 questões da prova objetiva. Segundo elas, as perguntas conteriam duas assertivas verdadeiras, em vez de uma. O juiz de primeiro grau concedeu parcialmente o pedido, anulando oito das 10 questões. Essa decisão também foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Ceará que apreciou a matéria em julgamento de apelação.

Segundo o entendimento do TJ-CE, o concurso público de provas e títulos deve ser regido pelos princípios da legalidade, da moralidade e da razoabilidade, não sendo razoável que os quesitos da prova apresentem mais de uma resposta como correta. O tribunal estadual assentou que "tal situação malfere o princípio da moralidade pública".

De acordo com o acórdão impugnado, no presente caso, embora o edital do concurso indicasse literatura própria às matérias a serem submetidas aos candidatos, foi desconsiderada a doutrina indicada em prol de pesquisadores diversos. O TJ-CE ressaltou ainda que a questão está sendo discutida sob o aspecto da legalidade, e não no sentido de intrometer-se no critério de correção das questões eleito pela banca examinadora.

No RE, o procurador-geral do estado alega violação aos artigos 2º e 5º, caput, da Constituição, ao argumento de que o Judiciário não pode adentrar o mérito do ato administrativo, sob pena de extrapolar a sua competência constitucionalmente traçada. Caso o fizesse, "estaria substituindo a banca examinadora pelos seus órgãos e consequentemente alterando a condição das candidatas recorridas".

Ao se manifestar pela existência de repercussão geral da matéria, o ministro Gilmar Mendes explicou que o caso refere-se à possibilidade de o Poder Judiciário realizar o controle jurisdicional sobre o ato administrativo que profere avaliação de questões em concurso público. O relator ressaltou a relevância social e jurídica da matéria, já que ela “ultrapassa os interesses subjetivos da causa”. Por fim, disse que a solução a ser definida pelo STF balizará não apenas este recurso específico, mas todos os processos em que se discute idêntica controvésia. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
RE 632.853
Revista Consultor Jurídico

Recusa ao bafômetro gera presunção de embriaguez

Muito se fala da polêmica sobre o bafômetro: é possível obrigar o bebum a colocar a boca no aparelho? Isso feriria a norma jurídica pela qual ninguém é obrigado a fazer prova contra si? Na verdade, a lei já dá a saída para o caso. O artigo 231, do Código Civil, afirma: “Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa”. Sim, claro: “ninguém tem o direito de se valer da própria torpeza”, princípio forte no meio jurídico.

Ora, se um motorista provoca um acidente, com todas as características de direção misturada com álcool, e a autoridade de trânsito se vê diante de uma recusa a se fazer o teste do bafômetro, tal recusa gera uma presunção juris tantum de que o cidadão estava devidamente calibrado, sob o ponto de vista etílico.

E o que é tal presunção juris tantum? Tal cidadão tem todo direito de apresentar provas de que não estava alcoolizado, ou seja, a presunção não ofende liberdades individuais do motorista, que poderá derrubá-la. Só que o ônus da prova passa a ser dele.

A expressão “exame médico”, do texto da lei, deve ser interpretada de forma extensiva, como explica o doutrinador Paulo Nader: “Embora o texto se refira a exame médico deve-se entender não apenas o realizado diretamente por médico ou sob a sua supervisão, como ainda os exames laboratoriais em geral, inclusive os radiológicos” (Curso de Direito Civil, Parte Geral, Volume I, página 606). Portanto, o teste do bafômetro está abraçado pelo texto do Código Civil.

Um exemplo da aplicação dessa presunção está na negativa do suposto pai a fazer exame de DNA. Aplica-se a presunção juris tantum de paternidade e cabe ao suposto pai aparecer em juízo com as provas de que realmente não foi ele o criador da criança. Algo difícil...

Claro que tal presunção pela recusa ao exame deve ser aplicada em conjunto com outras circunstâncias no caso do teste do bafômetro, principalmente ocorrendo acidente: A batida em outro veículo, um atropelamento, invasão em calçadas... Toda a circunstância deve estar devidamente demonstrada no conjunto probatório para que o juiz aplique o artigo 231, CC. O juiz deve ser criterioso na análise, para evitar abusos.

Mas, enfim, é possível sim a aplicação do art. 231, CC, à recusa do teste do bafômetro.

Há quem diga, porém, que o art. 231, CC, seria apenas para perícias decretadas em juízo. Em primeiro lugar, não é o que está no texto da lei. Tal afirmativa seria restringir o texto legal, interpretando de forma equivocada, a meu ver, a vontade do legislador.

Em segundo lugar, o juiz não está acima das leis. É verdade, não está não, embora alguns acreditem que estejam apenas abaixo de Deus... Assim, o teste do bafômetro está inserido em um arcabouço legal afim à normatização de trânsito. E é esta legislação quem manda aplicar o teste do bafômetro, uma ordem mais forte do que a do juiz em uma ação judicial. Óbvio que isso tudo, do ponto de vista jurídico, é muito polêmico, ainda mais em uma terra onde os juízes, em boa parte, sofrem do mal de regressão de Q.I. após a aprovação na magistratura.
Antônio Rodrigues de Lemos Augusto é advogado, jornalista e professor em Cuiabá
Revista Consultor Jurídico