domingo, 30 de dezembro de 2012

A impenhorabilidade do bem de família dado em hipoteca

A priori, é de se salientar que, como é sabido, existem dois tipos de bem de família: o bem de família voluntário e o bem de família legal.
O primeiro, disciplinado pelo Código Civil nos seus artigos 1.711 a 1.722, depende de ato de vontade do proprietário interessado para sua instituição, que será realizada mediante escritura pública devidamente registrada, ao passo que, o segundo, disciplinado pela Lei 8.009/90, independe de manifestação de vontade do beneficiário para sua caracterização como bem de família, ocorrendo de forma involuntária.
Isto posto chega o momento da indagação: caso o bem de família legal seja oferecido em hipoteca, por seu titular, deixa de existir a proteção legal e o bem torna-se penhorável?
Em que pese a existência de respeitáveis opiniões em contrário, acreditamos que não.
Os que defendem a penhorabilidade do bem de família argumentam que o bem não é retirado da esfera de indisponibilidade de seu proprietário, e que, se o bem pode ser alienado por ele livremente, pode ser dado em hipoteca, o que implicaria na renúncia à impenhorabilidade.
Há de se ter em mente, porém, que o bem de família legal, instituto incorporado ao direito pátrio pela Lei 8.009/90, busca proteger prioritariamente não a propriedade em si, mas sim o direito fundamental da pessoa humana à moradia. Ao tornar este bem impenhorável a Lei estabelece um princípio de ordem pública, que visa garantir a preservação do direito à moradia em detrimento da garantia patrimonial que estes mesmos bens oferecem aos credores. Uma vez que mencionada Lei não busca resguardar o devedor, mas sim sua família, assegurando-lhe uma vida digna, em conformidade com o que reza a Constituição Federal, a garantia legal não pode ser afastada, sendo irrenunciável.
Ademais, de acordo com o a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei 8009/90, não pode ser afastada por renúncia do devedor ao privilégio, pois é princípio de ordem pública e prevalece sobre a vontade manifestada. Incidência da Súmula n. 168/STJ” (AgRg nos EREsp 888654/ES – AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL 2007/0212009-6; Ac. 2ª Seção; Rel. Min. João Otávio de Noronha; inDJe 18.3.2011).
“O bem de família, tal como estabelecido em nosso sistema pela Lei 8.009/90, surgiu em razão da necessidade de aumento da proteção legal aos devedores, em momento de grande atribulação econômica decorrente do malogro de sucessivos planos governamentais. A norma é de ordem pública, de cunho eminentemente social, e tem por escopo resguardar o direito à residência aodevedor e sua família, assegurando-lhes condições dignas de moradia, indispensáveis à manutenção e à sobrevivência da célula familiar.” (REsp 715259/SP RECURSO ESPECIAL 2005/0000624-9; Ac. 4ª Turma; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; in DJe 9.9.2010).
Insista que o devedor, quando da tomada de crédito que exige a oferta de sua moradia, de seu bem de família em garantia, não encontrar-se-á em momento de manifestação totalmente livre de vontade. Do contrário, estará ele constrangido à oferta do bem de família em hipoteca, o fazendo porque já não dispõe de outro patrimônio, e necessita, urgentemente, de dinheiro.
Ora, a moradia vem sendo reiteradamente resguardada no nosso ordenamento jurídico, e é justamente esta inviolabilidade do lar que constitui a primordial característica do bem de família, fazendo com que a penhora, mesmo quando dado o bem em garantia hipotecária, ofenda o disposto na Lei Federal 8.009/90.
O direito à moradia é considerado como uma categoria de Direito Fundamental Social, elevado a este patamar pela Constituição da República de 1988, sendo considerado uma diretriz para o Estado, que deve protegê-lo eimplementá-lo. A habitação configura uma das necessidades mais básicas do ser humano e a entidade familiar um dos pilares da sociedade.
Ademais, sabemos que o direito à vida, disposto no art. 5º caput da Constituição Federal, implica no direito a uma vida digna, e, logo, o direito à moradia. Este vem consagrado no art. 6º da Constituição, devendo ser interpretado juntamente com os demais fundamentos da República, presentes no art. 1º, III.
Ora, tendo a Constituição Federal adotado o principio fundamental da dignidade da pessoa humana como pilar de todo o ordenamento jurídico brasileiro, não somente a legislação infraconstitucional, mas também as decisões decorrentes da aplicação do direito material aos casos concretos, deve amoldar-se e delimitar-se aos perímetros impostos por mencionado princípio.
A Lei 8.009/90 não busca proteger somente o bem de família, mas realizar a dignidade da pessoa humana, dando plena e ampla eficácia aos princípios constitucionais acima citados. Essa proteção éestendida à família, cumprindo exatamente o imperativo constitucional, fazendo cair por terra todo e qualquer argumento contra a impossibilidade de constrição do bem de família.
 E é ratificando o todo acima exposto que citamos o seguinte julgado, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em que os grifos são nossos:
Processo: 2004.018881-1 (Acórdão)
Relator: Lédio Rosa de Andrade
Origem: Trombudo Central
Órgão Julgador: Quarta Câmara de Direito Comercial
Julgado em: 04/08/2009
Juiz Prolator: Adriana Lisboa
Classe: Apelação Cível
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIROS. IMÓVEL PENHORADO EM AUTOS DE EXECUÇÃO DE CÉDULA DE CRÉDITO RURAL HIPOTECÁRIO. IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA MESMO DADO EM HIPOTECA. PROTEÇÃO À DIGNIDADE DO SER HUMANO SUPERIOR AO DIREITO DE PROPRIEDADE. RECURSO IMPROVIDO. Afronta os objetivos elencados no art. 3º da Constituição Federal retirar o único bem imóvel de uma família de agricultores para saldar dívida de instituição financeira.
Vale ressaltar, também, o recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, em que os grifos são nossos:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.035.636 – PR (2008/0045445-9)
Relator: Ministro Aldir Passarinho Junior
Recorrente: Jose Chotguis e outro
Advogado: Didio Mauro Marchesini
Recorrido: Banco do Brasil S/A
Advogados: Carlos Jose Marcieri
 Nelson Buganza Junior
Luciele Corrêa Lima Romano e outro(s)
Ementa: CIVIL E PROCESSUAL. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. ALEGAÇÃO. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. IMÓVEL DOS SÓCIOS DADO EM GARANTIA DE DÍVIDA CONSTITUÍDA POR EMPRESA. ART. 3º, V, DA LEI 8009/90. EXEGESE. PRECEDENTES.
I. Nos termos da jurisprudência do STJ, não há que se falar em preclusão da invocação de bem de família se realizada antes mesmo das praças designadas para a alienação do bem. Precedentes.
II. A exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, inciso V, da Lei n. 8009/90, não se aplica à hipótese em que a hipoteca foi dada para garantia de empréstimo contraído pela empresa, da qual é sócio o titular do bem. Precedentes.
III. Atribuição, contudo, aos executados, das despesas e custas já realizadas atinentes à praça, excluída a comissão.
IV. Recurso especial provido para afastar a constrição.
Diante do exposto, resta demonstrado que o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família, ainda que ofertado em garantia, é, não só o caminho mais justo, mas também dever incontestável de todo jurista, ante o escopo da Constituição da república de 1988 e da proteção especial garantida à família, base da sociedade, pelo Estado. 

FERREIRA, Rodrigo Emiliano; NAVA, Roberta Lima. A impenhorabilidade do bem de família dado em hipoteca. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3467, 28 dez. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23338>. Acesso em: 30 dez. 2012.

Condomínio edilício e o envidraçamento das sacadas

O Envidraçamento das Sacadas em Condomínios Edilícios

A primeira questão que surge quando o tema envidraçamento das sacadas em condomínio edilício é abordado é se há permissão legal para tal, bem como o posicionamento da jurisprudência sobre o tema. De fato uma questão de difícil resposta haja vista, em primeira análise a alteração de fachada, segundo a legislação vigente, ser totalmente vedada. Não Obstante, não há como negar que a pratica do envidraçamento das sacadas em condomínios edilícios é uma realidade; estariam todos infringindo a legislação?
O condomínio edilício ou condomínio em plano horizontal é atualmente regido pelo código civil, Lei 10.406 de 10 de Janeiro de 2002, em seus artigos 1331 a 1358, e pela a Lei 4591/64, no que couber, haja vista, conforme entendemos, a revogação tácita de alguns de seus artigos pelo Novo Código Civil.

O Envidraçamento das Sacadas e a Legislação

O artigo 1.336 do CC dispõe sobre os deveres dos condôminos; dentre estes destacamos o de não realizar obras que comprometam a segurança da edificação, previsto no inciso II do referido artigo e o de não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas, disposto inciso III do mesmo.
Além dos deveres previstos no artigo 1.336, estão os condôminos também sujeitos às regras do direito de vizinhanças, estas previstas nos artigos 1.277 a 1.313 do Código Civil.
Dentre o direito de vizinhança, destacamos os artigos 1277, 1.306, 1.308 e 1.312 do CC, reproduzidos a seguir in verbis:
Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.
À luz do artigo 1277, admitida a possibilidade de envidraçamento das sacadas em condomínios edilícios, qualquer condômino poderia, a qualquer tempo, exercer o direito de cessar as interferências à sua segurança e a dos que habitam o condomínio, desta forma, podendo exigir a cessação ou desfazimento da obra de envidraçamento de sacadas se esta trouxer qualquer perigo aos que lá habitam; vide também o artigo 1312 infra, seja pela possibilidade do desprendimento dos vidros ou comprometimento da estrutura da edificação, tais como vigas, colunas, pisos de concreto armado, notadamente o piso da sacada, parapeito da sacada em que se apoiará a obra de envidraçamento e assim por diante.
Art. 1.306. O condômino da parede-meia pode utilizá-la até ao meio da espessura, não pondo em risco a segurança ou a separação dos dois prédios, e avisando previamente o outro condômino das obras que ali tenciona fazer; não pode sem consentimento do outro, fazer, na parede-meia, armários, ou obras semelhantes, correspondendo a outras, da mesma natureza, já feitas do lado oposto.
Em relação ao artigo 1306, o condômino que pretendesse realizar obra de envidraçamento de sacada, na hipótese de ser permitida, teria a obrigação de obter autorização do vizinho de parede-meia, caso houvesse a necessidade de utilizá-la para suporte das esquadrias, ou qualquer outro equipamento de sustentação da obra de envidraçamento, não o fazendo, poderia o vizinho de parede-meia invocar o artigo 1277 supra e 1312 infra e exigir a cessação ou desfazimento da obra.
Art. 1.308. Não é lícito encostar à parede divisória chaminés, fogões, fornos ou quaisquer aparelhos ou depósitos suscetíveis de produzir infiltrações ou interferências prejudiciais ao vizinho.
Se além do envidraçamento das sacadas, tivesse o condômino o interesse em instalar churrasqueiras e seus acessórios, tal pretensão encontraria óbice no artigo 1308, pois, expressamente proibido em lei, sendo, portanto, objeto de desfazimento ou cessação da obra por exigência do vizinho de parede-meia, ou mesmo, segundo nosso entendimento, de qualquer condômino do edifício, bastando para isto invocar o artigo 1277 supra e o 1312 infra.
Art. 1.312. Todo aquele que violar as proibições estabelecidas nesta Seção[1] é obrigado a demolir as construções feitas, respondendo por perdas e danos.
Importante observar que, de acordo com inciso I, do artigo 10 da Lei 4591/64, in verbis,
Art. 10. É defeso a qualquer condômino:
I – alterar a forma externa da fachada;
Em primeira análise, sob a luz do Código Civil e da Lei 4591/64, pode-se dizer que o envidraçamento de sacadas em edifícios edilícios não é permitido, isto porque, é inegável que a obra altera as características marcantes e a unidade estética da fachada do edifício, bem como trazer risco a edificação ou mesmo dissabores ao vizinho de parede-meia e demais condôminos, trata-se, portanto, de uma obrigação negativa do condômino, isto é, obrigação de não fazer.
No entanto, o mesmo artigo 10 da Lei 4591/64, que proíbe a alteração de fachada, também a flexibiliza, especificamente em seu parágrafo § 2º, in verbis:
§ 2º O proprietário ou titular de direito à aquisição de unidade poderá fazer obra que (VETADO) ou modifique sua fachada, se obtiver a aquiescência da unanimidade dos condôminos.
Além disso, ainda poder-se-á contrapor a proibição expressa no inciso I do artigo 10 da Lei 4591/64, alegando-se que o envidraçamento da sacada, desde que transparente, não afetaria propriamente a harmonia da fachada, portanto, tal restrição não se aplicaria a estes casos.
Admitindo-se a tese, outros fatores haveriam de ser levados em consideração, isto é, o risco à segurança e a possível dano a edificação como um todo em razão da obra de envidraçamento, pois, há que se prever que todos os condôminos a desejem, neste sentido, haveria a necessidade da análise e perícia técnica do projeto de envidraçamento pretendido, como também a análise e perícia técnica estrutural da edificação como um todo, a fim de se obter o dimensionamento do peso do envidraçamento, bem como dos objetos e coisas que poderiam lá ser dispostas, de modo a ser afastado todo e qualquer risco a edificação e consequentemente dos condôminos, empregados, como também a vizinhança do entorno.
Além disso, não havendo pretensão unânime para tal feito, em observância ao direito de vizinhança, o condômino que pretendesse envidraçar sua sacada haveria de informar seu vizinho de parede-meia, as demais obras que pretende ou necessita realizar concomitantemente ao pretendido envidraçamento da sua sacada, observando-se que independentemente do envidraçamento ou não da sacada, é dever do condômino o pedido de autorização ao seu vizinho para a construção de armários e assemelhados que se utilize da parede-meia, conforme artigo 1.306; estando vedados, mesmo que autorizados, a construção de fornos, churrasqueiras ou quaisquer aparelhos suscetíveis de produzir interferências prejudiciais ao vizinho, conforme artigo 1.308 do Código Civil. Neste sentido, haveria também de observar o regramento interno do condomínio, isto é, a convenção condominial, bem como informar e solicitar autorização ao grupo gestor do condomínio.
A não observância dos regramentos ora expostos dá ao vizinho de parede-meia e demais condôminos prejudicados, incluindo-se os vizinhos do entorno, isto é, os vizinhos extracondomínio, o direito de cessar as interferências prejudiciais à segurança, conforme dispõe o artigo 1277 do Código Civil; bem como a obrigação daquele que os violou de demolir as construções feitas, respondendo ainda pelas perdas e os danos causados, artigo 1.312.  Há sempre que se levar em consideração, repetimos, que a realização de obras que acrescentem carga, ou alterem a sua distribuição à estrutura da edificação, deve ser muito bem avaliada, haja vista o risco do comprometimento das estruturas ou mesmo o desabamento do edifício, não devem faltar exemplos de danos causados pela inobservância do exposto.
Acresçam-se as regras da convenção condominial, as quais podem proibir de forma expressa ou exigir quorum específico para a realização de mudanças que importem, por exemplo, na alteração externa das fachadas, seja ela qual for; mais ainda se tal mudança implicar em agravamento das cotas condominiais.
Neste sentido, mesmo que a convenção condominial permita o envidraçamento da fachada mediante a aprovação em assembléia, a sua aprovação só será inquestionável se a mesma for dada por todos os condôminos e de forma unânime, § 2º do art. 10 da Lei 4591/64, incluindo-se aí – entendemos - mesmo aqueles que não estão em dia com suas obrigações condominiais, sejam elas quais forem, haja vista o caráter de alteração permanente da fachada que tal iniciativa tende a produzir, aplicando-se tal entendimento mesmo que a convenção preveja, por exemplo, quorum igual a 2/3, como é usualmente previsto nas convenções condominiais para a tomada de decisões de grande relevância, como é o caso.
Encerradas as considerações relativas à legislação a respeito do tema, passemos então a análise da jurisprudência.

2.2.            O Envidraçamento das Sacadas e a Jurisprudência

A jurisprudência tem entendido ser possível o envidraçamento de sacadas, desde que aprovada, como já mencionado, por unanimemente pelos condôminos, vejamos então:
9092886-94.2002.8.26.0000   Apelação
Relator(a): Luiz Antonio de Godoy
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 18/10/2011
Data de registro: 19/10/2011
Outros números: 2343024500
Ementa: OBRIGAÇÃO DE FAZER Condomínio Pretensão ao envidraçamento de sacada Hipótese em que seria alterada a forma externa da fachada do edifício Não aprovação da modificação pela unanimidade dos condôminos Sentença mantida Inteligência do art. 252, do RITJSP/2009 Recurso desprovido.
9204662-65.2003.8.26.0000   Apelação / Condomínio   
Relator(a): Fábio Quadros
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado
Data do julgamento: 21/01/2010
Data de registro: 09/02/2010
Outros números: 0330130.4/0-00, 994.03.022030-1
Ementa: Demolitória. Alteração da fachada, por meio de envidraçamento da sacada. Preliminar afastada. Medida não autorizada pela Assembléia Gerai Alteração promovida por conta e risco da apelante. Decisão acertada. Recurso desprovido.
0118629-55.2008.8.26.0000   Agravo de Instrumento / Obrigação de Fazer / Não Fazer   
Relator(a): Paulo Alcides
Comarca: São Paulo
Órgão julgador: 1ª Câmara de Direito Privado A
Data do julgamento: 15/07/2008
Data de registro: 23/07/2008
Outros números: 5553134600, 994.08.118629-6
Ementa: OBRIGAÇÃO DE FAZER consistente em desfazimento de envidraçamento de sacada em unidade autônoma. Perícia técnica determinada pelo Juízo. Pretensão de obter o sobrestamento do feito e, conseqüentemente, a suspensão da prova técnica, até julgamento da ação de anulação de assembléia. Desnecessidade. Prejudicialidade não reconhecida. Realização da perícia recomendável para auxiliar na formação do convencimento do Juiz. Recurso desprovido
Do exposto, não há que se cogitar o envidraçamento de sacada sem o consentimento de uma assembléia de condôminos, além disso, a aprovação não unânime pode acarretar a obrigação do desfazimento da obra, pois, não há como negar que houve alteração da fachada; além disso, viola o disposto no §2º, do artigo 10 da Lei 4591/64.
Neste sentido, entende-se que o tipo de material utilizado, isto é, vidros transparentes, como mencionado supra, não teria o condão de amenizar as exigências convencionais e, sobretudo, as legais, isto é, aprovação da totalidade dos condôminos, donde se entende, independentemente destes estarem ou não em dia com suas obrigações condominiais, pois, o estado de inadimplemento das obrigações invariavelmente possui caráter transitório e o envidraçamento da sacada, contrariamente, possui caráter de permanência, perenidade.

2.3.            O Envidraçamento das Sacadas, as Despesas Derivadas e o Condomínio Edilício

Até este ponto, discutiu-se a possibilidade legal do envidraçamento da sacada, possibilidade esta que segundo a legislação e jurisprudência, pode ser entendida como possível. No entanto, na hipótese do envidraçamento ser aprovado pela unanimidade dos condôminos, estariam todos obrigados a contribuir para eventuais obras de reforço do solo, pisos de concreto armado, vigas, colunas e demais obras que se fizerem necessárias para tal intento? Entendemos que não, vejamos então.
O artigo 1340 é muito claro a respeito do agravamento das despesas condominiais quando estas beneficiam apenas àqueles que dela se servem, in verbis,
  Art. 1.340. As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve.
O envidraçamento de sacada é de caráter voluptuário, ou, se preferível, destinado ao deleite daquele que a executa, não se configurando, portanto, em despesas para conservação e manutenção do condomínio, logo não obrigatória aos demais, não há como exigir que condôminos que não queiram envidraçar suas sacadas arquem com as despesas, sejam elas quais forem, para deleite de terceiro, a autorização neste caso não significa anuência com as despesas que dela será originem, restringe-se a permitir que a fachada do prédio seja alterada, à custa com perícias técnicas, obras de reforços das estruturas, vigas, pisos, lajes, solo, projetos arquitônicos e demais obras correlatas devem recair somente sobre aqueles que dela se beneficiarão, no caso, recaírem sobre as cotas condominiais dos que pretendam envidraçar sua sacada, pois desta pretensão podem surgir tais gastos.

Conclusão

Do exposto, entendemos ser possível o envidraçamento de sacadas em condomínios edilícios, desde que com vidros transparentes, sendo, no entanto, imprescindível à aprovação da obra por todos os condôminos e de forma unanime, incluindo-se aí também os inadimplentes com suas obrigações e contribuições condominiais. 
Sendo aprovado o envidraçamento, nos termos supraexpostos, deverá o projeto ser objeto de análise e perícia técnica com o intuito de afastar qualquer dano ou risco a segurança dos condôminos e do condomínio como um todo, obtendo-se também a avaliação estrutural do edifício, dos pisos e parapeitos das sacadas, bem como da carga máxima permitida, ou seja, o peso máximo permitido para objetos e coisas que poderão ser acomodados sobre o piso da sacada após o envidraçamento desta, haja vista o próprio envidraçamento atribuir carga considerável sobre o piso e parapeito da sacada que o acomoda.
Apesar da aprovação do envidraçamento de sacada estar condicionada, segundo nosso entendimento, à totalidade dos condôminos nos termos supracitados, as despesas, no entanto, haverão de ser suportadas somente por àqueles que a pretendam; notadamente as despesas com contratação de peritos, arquitetos e engenheiros, empreiteiros, bem como as acessórias e derivadas para tal intento, conforme disposto no artigo 1340 do Código Civil, in verbis:
  Art. 1.340. As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve.
Tendo em vista tal obra ser de caráter voluptuário, ou, se preferível, destinado ao deleite daquele que a executa, não se configurando, portanto, em despesas para conservação e manutenção do condomínio, logo não obrigatória aos demais.
Por fim, admitida à possibilidade do envidraçamento das sacadas, além da observância do exposto, entende-se necessário à submissão do projeto de envidraçamento e respectivos laudos periciais e técnicos para aprovação pela prefeitura local e demais órgão competentes.

RAYMUNDO, Carlos Antonio Bueno. Condomínio edilício e o envidraçamento das sacadas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3467, 28 dez. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23333>. Acesso em: 30 dez. 2012.

Prodigalidade e o fim do patrimonialismo civil na perspectiva neoconstitucionalista

(...) 
Na época clássica, a noção de prodigalidade foi aprofundada. Sendo elucidada por Amaral Gurgel (1939, p. 128):
(...) a incapacidade do pródigo tem por causa, não mais o princípio da conservação dos bens patrimoniais na família, mas razões de interesse público e privado. Há interesse público em que o indivíduo não faça mau uso de sua fortuna, pois é de temer que, uma vez arruinado, torne-se um perturbador da ordem social. Há interesse de família, que impõem o amparo ao pródigo, que se conduz como um insensato, quanto à administração de seus bens.
Temos realmente um caso muito polêmico a ser estudado, pois, ao passo que isto poderia ferir a sua dignidade como pessoa humana, também poderia ferir a dignidade e o direito de outros, inclusive dele mesmo, se não fosse devidamente interditado. Como ficaria a família desta pessoa se ela viesse a dilapidar todo o seu patrimônio? E o próprio pródigo, como se encontraria após a perda de tudo o que possuía por erro seu? Por fim, como seria também a situação do Estado, pois este tem por obrigação dar sustento a todos as pessoas indigentes, assim, seria mais um no enorme contingente.
São inúmeras as polêmicas travadas no tocante à prodigalidade, inclusive nas mais variadas áreas do conhecimento. Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento (1981, p. 26 e 27) explicita o pensamento de economistas a respeito da prodigalidade:
A prodigalidade é, a um só tempo, problema econômico, psiquiátrico e jurídico, apresentando muitas controvérsias; os economistas dividem-se quanto à conveniência de interditá-los; uns julgam-nos inofensivos e mesmo úteis, tendo em vista a acelerada circulação de riquezas; outros, crêem serem eles perniciosos ao bem-estar social, por lhes faltar suporte para acumular a riqueza em suas mãos, fixando o pressuposto de que uma sociedade só é rica quando o são seus integrantes.
O Ordenamento Jurídico após a Constituição de 1988 atribuiu ao instituto da prodigalidade uma justificativa mais ligada à família do possível interditado. Sendo assim, enfatiza Júlio Aguiar de Oliveira (2010):
Manifestação de prodigalidade em sentido comum, ou seja, a conduta perdulária de indivíduo não vinculado a uma família, não é causa de processo de interdição por prodigalidade. O pródigo, em sentido jurídico, não existe senão como membro integrante de uma família, responsável ou co-responsável pela sua manutenção. Família, por outro lado, não se define pela comunidade de hipotéticos herdeiros de hipotética herança comum. Família, no contexto da Constituição da República de 1988, é a comunidade formada pelos cônjuges ou por qualquer dos pais e seus descendentes.
É uma situação bastante complicada e contraditória. Vivenciamos o fim de uma sociedade patrimonialista (pelo menos juridicamente falando), porém ainda contemplamos algumas controvérsias legais. (...)

ALMEIDA, Allan Christyan Sousa de; SILVA, Lucas Evaldo Marinho da. Prodigalidade e o fim do patrimonialismo civil na perspectiva neoconstitucionalista. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3468, 29 dez. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23346>. Acesso em: 30 dez. 2012.

Existe um limite máximo para execução das astreintes?

A multa processual, também conhecida como astreinte[1], tem a finalidade de incentivar o cumprimento de decisão judicial que estabelece obrigação de fazer ou não fazer. Está prevista nos artigos 461, §§ 4º., 5º. e 6º.[2], e 461-A, § 3º., do CPC[3] e, por meio dela, o Juiz procura coagir o obrigado a cumprir a determinação judicial[4]. Não se confunde com as multas indenizatórias, isto é, não busca recompor um prejuízo causado ao patrimônio do lesado por ato de alguém. Conforme ensina Candido Dinamarco sobre as atreintes, “elas miram o futuro, querendo promover a efetividade dos direitos, e não o passado em que alguém haja cometido alguma infração merecedora de repulsa”. “Concebidas como meio de promover a efetividade dos direitos, elas são impostas para pressionar a cumprir, não para substituir o adimplemento. Consequência óbvia: o pagamento das multas periódicas não extingue a obrigação descumprida e nem dispensa o obrigado de cumpri-la. As multas periódicas são, portanto, cumuláveis com a obrigação principal e também o cumprimento desta não extingue a obrigação pelas multas vencidas”, completa o doutrinador[5].
O legislador concedeu ao Juiz a prerrogativa não somente de impor multa diária ao destinatário da ordem para cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer (§ 4º. do art. 461), mas também de alterá-la, independentemente de pedido da parte interessada, quando se tornar insuficiente ou excessiva. Tal faculdade está predisposta no § 6º. do art. 461 do CPC (incluído pela Lei n. 10.444, de 2002), verbis:
“§ 6º O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva.”
Não há dúvida, portanto, quanto ao poder complementar do magistrado, para redução ou aumento da multa que se torna insuficiente ou excessiva. Quer tenha sido fixada na decisão ou sentença de conhecimento (art. 461, §§ 3º. e 4º.), quer no processo de execução (art. 644, caput), o valor da multa pode ser modificado. A jurisprudência proporcionou a compreensão exata desse dispositivo (§ 6º. do art. 461), estabelecendo que essa faculdade do Juiz, de alteração da multa, pode ser exercida a qualquer tempo, “mesmo depois de transitada em julgado a sentença, não se observando a preclusão[6]. Isso porque a multa do art. 461, § 6º., “não faz coisa julgada material, podendo ter seu valor alterado pelo Juiz a qualquer tempo, desde que se tenha tornado insuficiente ou excessivo”[7].
Posteriormente, a jurisprudência evoluiu, para exigir também uma adequação, indicando que deve haver um controle quando o valor da multa diária, acumulada, atinge quantia exagerada. Se o destinatário da ordem não a cumpre em tempo oportuno ou retarda o seu cumprimento, causando, assim, a acumulação diária do valor da dívida originalmente arbitrada, nem por isso se deve permitir a execução do valor acumulado sem qualquer limite. A exigência da multa fica adstrita aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade[8], no sentido de que se deve adequá-la ou torná-la compatível com a obrigação.
Essa exigência de adequação visa a, em primeiro lugar, preservar a natureza coercitiva da multa e, em um segundo momento, evitar enriquecimento sem causa da parte beneficiada com a sua imposição. Com efeito, a multa cominatória (astreinte), enquanto instituto de direito processual, serve como meio de coerção patrimonial para que o obrigado faça ou deixe de fazer algo, em virtude do comando judicial. Não tem caráter compensatório, indenizatório ou sancionatório, limitando-se a influenciar o cumprimento da ordem judicial. Por isso, deve ser suficientemente adequada e proporcional à sua finalidade intimidatória, de modo que não se torne insignificante a ponto de não criar no obrigado qualquer receio quanto às consequências de seu não acatamento, bem como não pode, de outro lado, ser desproporcional ou desarrazoada a ponto de proporcionar ao exequente um enriquecimento sem causa.
  O nosso Código Civil veda o enriquecimento sem causa, ao dizer que “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários” (art. 884). Portanto, a multa não pode servir para dar causa a enriquecimento injusto da parte beneficiada pela decisão judicial, com o que ficaria com sua natureza desnaturada, tornando-se mais desejável ao credor do que a satisfação da obrigação principal, como alertou o Min. Luis Felipe Salomão, ao julgar recurso especial que resultou com a seguinte ementa:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. EXCLUSÃO DO CADASTRO DE PROTEÇÃO DE CRÉDITO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA JULGANDO IMPROCEDENTE O PEDIDO E REVOGANDO A MEDIDA ANTECIPATÓRIA. MULTA COMINATÓRIA APLICADA PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO APÓS O RECEBIMENTO DA APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE.
(...)
A partir do momento que a fixação das astreintes atinge o ponto de ser mais interessante à parte que a própria tutela jurisdicional do direito material em disputa, há uma total inversão da instrumentalidade caracterizadora do processo. Este não pode ser um fim em si mesmo, deve ser encarado por seu viés teleológico, sendo impregnado de funcionalidade. Não é a toa que um dos princípios do direito processual é a efetividade do processo. Quando o juiz fixa multa em caso de descumprimento de determinada obrigação de fazer, o que se tem em mente é que sua imposição sirva como meio coativo para cumprimento das obrigações para que a parte adversa obtenha efetivamente a tutela jurisdicional pretendida, não podendo servir como enriquecimento sem causa” (REsp 661.683-SP).
Ainda no mesmo sentido de que a multa não seja cobrada em valores exorbitantes, para não permitir a descaracterização de sua instrumentalidade e o enriquecimento sem causa da parte beneficiada, advertiu a Mininstra Nancy Andrighi em acórdão assim ementado:
“PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. ASTREINTES. POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA MULTA COM BASE NOS CRITÉRIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRAZO INICIAL PARA A CONTAGEM DOS JUROS MORATÓRIOS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO.
- É lícito ao julgador, a qualquer tempo, modificar o valor e a periodicidade da multa (art. 461, parágrafo 4º. c/c parágrafo 6º. do CPC), conforme se mostre insuficiente ou excessiva. Precedentes.
(...)
A finalidade da multa é compelir o devedor ao efetivo cumprimento da obrigação de fazer. Nesse sentido, a multa não pode se tornar mais desejável ao credor do que a satisfação da prestação principal, a ponto de ensejar o enriquecimento sem causa. O processo deve ser um instrumento ético para a efetivação da garantia constitucional de acesso à justiça, sendo vedado às partes utilizá-lo para obter pretensão manifestamente abusiva, a enriquecer indevidamente o postulante” (REsp 1.060.293-RS).
No mesmo sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. EXCESSO. REDUÇÃO.
A multa pelo descumprimento de decisão judicial não pode ensejar o enriquecimento sem causa da parte a quem favorece, como no caso, devendo ser reduzida a patamares razoáveis” (REsp 793491-RN, rel. Min. César Asfor Rocha, 4ª. Turma, DJ de 06.11.06).    
Fica evidenciada, portanto, a necessidade de uma relação de proporcionalidade entre o valor da multa e a obrigação principal que se pretende seja cumprida através de sua aplicação. A multa tem caráter acessório, não podendo se tornar mais interessante para o credor do que a prestação do próprio direito material em disputa[9]. Nesse diapasão, também a esse instituto de natureza processual deve ser observado um princípio básico do Direito: de que “o acessório segue o principal”, no sentido de que o que é acessório existe em razão e gravita em torno do bem ou valor principal.
É importante ressaltar que a relação de compatibilidade e adequação entre a multa e a obrigação principal não somente deve ser observada no momento de sua fixação. Ao estabelecer o valor da multa diária em decisão liminar ou na sentença, o Juiz deve arbitrá-la em patamar “suficiente ou compatível com a obrigação”, diz o parágrafo 4º. do art. 461 do CPC. Essa relação de compatibilidade deve também ser perseguida na hipótese de execução do valor acumulado da multa em determinado período, em caso de inobservância (parcial ou total) pelo obrigado. Na cobrança da multa acumulada deve ser tomado como parâmetro ou limite, quando possível, o valor da obrigação principal ou bem material que se procura preservar. Se a decisão judicial que fixa originalmente a multa tem por escopo a garantia ou preservação de um determinado bem jurídico, é indispensável que, na execução do valor acumulado, se preserve uma relação de proporcionalidade com esse bem que constitui o objetivo da prestação jurisdicional.
Essa advertência já vem sendo feita há algum tempo pelo STJ, deixando claro que, além da possibilidade de se reduzir a multa, quando exorbitante, deve ser observada uma limitação para a cobrança da multa, um teto máximo para execução do seu valor acumulado, conforme arestos abaixo:
“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃOASTREINTESOBSERVÂNCIA DA RAZOABILIDADE.
A multa imposta pelo Juízo, com vencimento diário, para prevenir descumprimento de determinação judicial (astreintes), deve ser reduzida, se verificada discrepância injustificável entre o patamar estabelecido e o montante da obrigação principal. Agravo regimental improvido” (AgRg no Ag 896430-RS, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 23.09.08).      
“CIVIL E PROCESSUAL. (...). MULTA DIÁRIA. CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. CABIMENTO. EXCESSO. REDUÇÃO E LIMITAÇÃO.
(...)
III. Dado às peculiaridades da espécie, possível a imposição de penalidade para que a ré cautelar efetue o depósito judicial da importância garantida por fiança, desde que fixada em valor razoável e limitada ao montante da obrigação em discussão, podado o excesso aqui identificado.
IV. Recurso especial parcialmente conhecido e provido em parte, extinta a Medida Cautelar n. 5.406/PR, por superveniente perda do seu objeto.” (STJ-4ª. Turma, REsp 685.984/PR, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 06/04/2010, DJe 26/08/2010).
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES . FIXAÇÃO EM VALOR ELEVADO. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO AO VALOR DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL. SÚMULA 83 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS LEGAIS EM SEDE DE AGRAVO
1. É possível a redução das astreintes fixadas fora dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, fixada a sua limitação ao valor do bem da obrigação principal, evitando-se o enriquecimento sem causa" (REsp 947.466/PR, DJ de 13.10.2009). Incidência da súmula 83 do Superior Tribunal de Justiça.
(...)
3. Agravo regimental desprovido.” (STJ-4ª. Turma, AgRg no REsp 541.105/PR, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 4/2/2010, DJe 08/03/2010).
“CIVIL E PROCESSUAL. AUTOMÓVEL. DEFEITO DE FABRICAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO. EXECUÇÃO DE ASTREINTES . PENALIDADE ELEVADA. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO AO VALOR DO BEM PERSEGUIDO NA AÇÃO DE CONHECIMENTO.
I. É possível a redução das astreintes fixadas fora dos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, fixada a sua limitação ao valor do bem da obrigação principal, evitando-se o enriquecimento sem causa.
II. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido.
(STJ-4ª. Turma, REsp 947.466-PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. em 17/9/2009, DJe 13/10/2009)
   Mais recentemente, o Ministro Luis Felipe Salomão proferiu decisão terminativa no REsp 1.284.683-BA, deixando assente que a execução da multa cominatória deve observar como teto máximo o valor da obrigação principal, ao dizer o seguinte:
“Esta Corte entende que, em regra, tanto para se atender ao princípio da proporcionalidade quanto para se evitar o enriquecimento ilícito, o teto do valor fixado a título de astreintes não deve ultrapassar o valor do bem da obrigação principal”.
    A decisão mencionada portou a seguinte ementa: 
“RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. DANOS MORAIS. VALOR DA CONDENAÇÃO. REDUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. SUMULA 362/STJ. JUROS DE MORA. SÚMULA 54/STJ. APLICAÇÃO DA MULTA DO ART. 461, § 4º, DO CPC. VALOR TOTAL. LIMITAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
(...)
3. Em princípio, o valor das astreintes não pode ser revisto em sede de recurso especial, em face do óbice da Súmula 7/STJ. Contudo, em situações excepcionais, nas quais o exagero na fixação configura desrespeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a jurisprudência deste Tribunal afasta a vedação da Súmula 7/STJ para reduzir e adequar a multa diária.
4. No caso, o valor da multa, por si só, não se mostra elevado, ante a capacidade de solvência do agravado, sendo, ao mesmo tempo, o suficiente a compeli-lo a manter-se obediente à ordem judicial.
5. Todavia, cabe fixar um teto máximo para a cobrança da multa, pois o total devido a esse título não deve distanciar-se do valor da obrigação principal.
Precedentes.
6. Recurso especial conhecido e parcialmente provido” (decisão publicada no DJe em 04.09.12).
   Em conclusão, deve ser dito que na execução da multa (astreinte), quando acumulada em razão do descumprimento (total ou parcial) do obrigado, o Juiz pode observar como limite o valor da obrigação principal, quando esta puder ser estimada em termos monetários e, em não sendo isso possível, pode se ater ao valor da causa no processo de conhecimento ou a qualquer outro critério que torne compatível a cobrança com o direito material disputado. Se a decisão judicial que fixa originalmente a multa tem por escopo a garantia ou preservação de um determinado bem jurídico, é indispensável que se guarde uma relação de proporcionalidade com esse bem que constitui o objetivo da prestação jurisdicional. O que importa é que o magistrado se atenha a padrões de proporcionalidade e razoabilidade, para não permitir que o instituto da multa coercitiva (astreintes) perca seu caráter instrumental e se transforme em fonte de enriquecimento ilícito.
É importante deixar claro que a limitação do valor da multa, quando exigida diante do descumprimento de ordem judicial, não deve ser tomada como princípio absoluto, mas depender do exame das circunstâncias do caso concreto. Se o único obstáculo ao cumprimento da decisão judicial é a resistência ou descaso da parte condenada, que age com completa ausência de boa-fé e de forma maliciosa, o valor acumulado da multa não deve ser reduzido ou limitado. A limitação ou adequação do valor da multa acumulada deve ser reconhecida somente como uma potencialidade do sistema ou faculdade do julgador[10], sob pena de destituí-la de sua função intimidatória. Em situações de resistência injustificável, limitar a cobrança da astreinte “sinalizaria às partes que as multas fixadas não são sérias, mas apenas figuras que não necessariamente se tornam realidades”, adverte a Ministra Nancy Andrighi. A procrastinação sempre poderia acontecer “sob a crença de que, caso o valor da multa se torne elevado, o inadimplente a poderá reduzir no futuro, contando com a complacência do Poder Judiciário”[11].    

REINALDO FILHO, Demócrito. Existe um limite máximo para execução das astreintes? A evolução da jurisprudência do STJ quanto à matéria. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3466, 27 dez. 2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23312>. Acesso em: 30 dez. 2012.


 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Vacância

Os bens serão declarados vacantes os bens da herança jacente se, após a realização de todas as diligências legais, não forem encontrados herdeiros sucessíveis. “Entretanto, essa declaração não será feita senão um ano depois da primeira publicação do edital convocatório dos interessados, desde que não haja herdeiro habilitado ou habilitação pendente”[28]. Desta feita, a herança jacente que aguardava herdeiro conhecido passa a ser vacante, em razão da ausência de herdeiro sucessível, que seria o titular do acervo hereditário. Pendendo habilitação, a vacância será declarada pela mesma sentença que a julgar improcedente. Sendo diversas as habilitações, o julgamento da última será aguardada, consoante aduz o parágrafo único do artigo 1.157 do Código de Processo Civil[29].
Se todos os chamados a suceder renunciarem à herança, será esta declarada vacante desde logo declarada vacante, com as correspondentes consequências jurídicas, não havendo, desta feita, a fase da jacência. “A herança vacante é a que é devolvida ao poder público por não haver herdeiros que se habilitassem no período da jacência, sendo, quase sempre, o estado definitivo da herança que foi jacente. Ou melhor, é o resultado da jacência”[30]. Averbe-se, por carecido, que a devolução dos bens ao Município ou ao Distrito Federal, se localizados em suas respectivas circunscrições, ou à União, desde que situados em Território Federal, com a declaração da vacância, não tem o condão de incorporar a herança de maneira definitiva ao patrimônio público, o que só ocorre com o decurso de cinco anos, a contar da abertura da sucessão. Deste modo, a sentença que declara a herança vacante transfere ao poder público a propriedade dos bens arrecadados. Gize-se que a propriedade transferida será resolúvel, em consonância com os termos do artigo 1.359 do Código Civil[31], eis que “mesma vaga a herança permanecerá algum tempo aguardando o aparecimento e a habilitação do herdeiro sucessível”[32]. Em mesmo sentido leciona Orlando Gomes, “a declaração judicial da vacância defere a propriedade dos bens arrecadados ao ente público designado em lei, mas ainda não em caráter definitivo”[33].

Efeitos da Vacância

Com destaque, a sentença que declara a vacância produz consequências na órbita jurídica, dentre as quais se pode destacar a cessação dos deveres de guarda, conservação e administração do curador. A devolução da herança é feita à União caso os bens se encontrem situados em Território Federal, aos Municípios e Distrito Federal, denominados sucessores irregulares, se alocados nas respectivas circunscrições, conferindo-lhe propriedade resolúvel, como bem pondera o artigo 1.822 do Código Civil[34]. Não se pode esquecer, por imperioso, que os direitos dessas entidades públicas têm como fundamento precípuo a vida social politicamente organizada.
Os herdeiros têm a possibilidade de reclamarem os bens vagos, devendo, para tanto, promover em suas habilitações no prazo de cinco (05) anos da abertura da sucessão, findo o qual o acervo hereditário será incorporado ao patrimônio público definitivamente, não sendo possível a nenhum herdeiro pleiteá-lo. O lapso temporal concedido pelo ordenamento pátrio é período de carência. “Antes de perfazer o quinquênio, contado da data do falecimento do de cujus, o cônjuge, ou companheiro, sobrevivente, os descendentes e ascendentes do finado, após o trânsito em julgado que declarou a vacância”[35].  Os herdeiros só poderão reclamar os seus direitos por ação direta, isto é, deverão aforar ação de petição de herança.
Em consonância com o artigo 1.821 do Código Civil[36], aos credores é assegurado o direito de pedir o pagamento das dívidas reconhecidas, nos limites das forças da herança, habilitando-se ao inventário ou por meio do ajuizamento da ação ordinária de cobrança. Prescreve ainda o parágrafo único do artigo 1.822 da Lei Substantiva Civil[37] que os herdeiros colaterais restarão excluídos da sucessão legítima, se não promoverem suas habilitações até que sobrevenha a declaração de vacância, passando a ser considerados como renunciantes. Desta feita, o direito dos herdeiros colaterais estará precluso com a sentença que declara a vacância, enquanto o efeito preclusivo do direito sucessório dos demais herdeiros (cônjuge, companheiro, descendente ou ascendente) do auctor successionis foi deferido para o termo final do prazo de cinco anos, cujo lapso temporal inicia sua contagem com a data da abertura da sucessão. Aos colaterais será possível a reclamação de seu direito por meio do aforamento da ação direta de petição de herança, como espanca o artigo 1.824 da Lei Substantiva Civil[38].
Desta feita, para que haja a exclusão do herdeiro colateral, como afiança Maria Helena Diniz, “basta seu desinteresse em habilitar-se a decretação da vacância, passando a ser considerado como renunciante. Logo, pune-se o seu desinteresse, com a exclusão da herança”[39]. A sentença que declara a vacância obriga ao poder público, que adquiriu o domínio dos bens arrecadados, de aplicá-los em fundações destinadas ao desenvolvimento do ensino universitário, sob fiscalização do Ministério Público, nos termos em que salienta o artigo 3º do Decreto-Lei 8.207/1945[40]. Quando o bem vago for insuficiente para constituir fundação, tal acervo será convertido em títulos da dívida pública, até que, aumentados com os rendimentos ou novas arrecadações, perfaçam capital bastante.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/23207/o-ente-estatal-na-vocacao-sucessoria-notas-acerca-da-heranca-jacente-e-a-heranca-vacante/2#ixzz2EzJumcGh

Condições da Jacência

Com arrimo no arcabouço normativo em vigor, a herança será considerada jacente, ficando sob a guarda, conservação e administração de um curador quando, em não existindo cédula testamento ou mesmo quando se tratar de sucessão legítima, se o extinto não deixar consorte, ou companheiro, nem herdeiro descendente ou ascendente, nem colateral até o quarto grau, notoriamente conhecido. Por imperioso, com supedâneo no artigo 1.829 da Lei Substantiva Civil, a sucessão será deferida aos descendentes em concorrência com o consorte sobrevivente, nas hipóteses admitidas no ordenamento pátrio; em sua ausência, aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge supérstite; na inexistência desses, ao cônjuge sobrevivo e, se este não existir, aos colaterais sucessíveis. Há que se frisar que, em inexistindo qualquer parente sucessível, dentre aqueles nominados alhures, ao companheiro será entregue a totalidade da herança.

Tendo o auctor successionis qualquer um dos sucessores legítimos, sua herança não será considerada jacente. Entrementes, se os herdeiros, cônjuge, ou companheiro, descendentes, ascendentes ou colateral sucessível renunciarem à herança, será esta declarada, desde logo, vacante, caso haja renúncia da herança pelos herdeiros, nos termos do artigo 1.823 do Código Civil[18]. Destarte, a herança ab intestato se materializa, ergo, com a inexistência de herdeiros legítimos conhecidos, e a vacância será desde logo declarada, em caso de renúncia da herança por parte dos herdeiros. Depreende-se que o Código Civil silenciou no que se refere à questão da jacência, na hipótese de o auctor successionis ter deixado cédula testamentária, eis que deveria proclamar jacente a herança quando o herdeiro nomeado não existir ou ainda renunciar à herança, além da inexistência de cônjuge, descendente ou ascendente e colaterais sucessíveis, notoriamente conhecido.

Frisar se faz carecido que inexistindo herdeiro nem testamenteiro, será jacente, em razão da ausência de herdeiro e não de testamenteiro. Em havendo herdeiro testamentário e não houver testamenteiro, não há que se falar em herança jacente, eis que aquele não deixa de herdar em razão da ausência desse. Ao fim, em havendo testamenteiro nomeado pelo autor da sucessão e inexistindo herdeiro, a herança será considerada como jacente, ainda que haja testamenteiro, eis que, com a ausência de herdeiro testamentário, o testamenteiro não teria a fazer.



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Aspecto Conceitual e Natureza Jurídica da Herança Jacente

Em havendo o óbito de alguém, de maneira comum seu cônjuge, ou mesmo herdeiro descendente ou ascendente, ou até um herdeiro colateral sucessível passa a administrar sua herança, assumindo no início do procedimento de inventário, perante o magistrado, o encargo de descrever e partilha o acervo hereditário, tornando-se, desta feita, o representante do espólio em juízo ou fora dele, ativa ou passivamente. Contudo, “podem ocorrer casos em que, relativamente a herança, inexiste quem a represente e delibere em seu interesse, configurando-se a jacência”[5], que pode se materializar tanto com o espólio de quem faleceu ab intestato, como o de quem deixou cédula testamentária refletindo os atos de última vontade do extinto.

Em se tratando de sucessão legal, a jacência decorre da premissa do de cujus não deixar herdeiro legítimo conhecido notoriamente ou, se o deixando, renuncie este à herança, sendo o último da cadeia sucessória. Orlando Gomes acrescenta, com ênfase, que “na sucessão testamentária, se o falecido não deixar cônjuge, descendente, ou ascendente, se o herdeiro instituído não existir ou não aceitar a herança e não houver parente colateral sucessível conhecido ou companheiro”[6]. Segundo Gama salienta, a herança jacente consiste no “patrimônio deixado por quem faleceu e cujos herdeiros não são conhecidos, por essa razão fica sob a conservação e administração de um curador até a identificação do herdeiro hábil”[7].

Desta sorte, a herança jacente restará configurada quando não houver herdeiro, legítimo ou testamentário, conhecido. Na situação em que houver o repúdio por todas as pessoas sucessíveis, ter-se-á a declaração de vacância, sem que haja a necessidade de providências atinentes à arrecadação e a jacência, e consequentemente a produção de seus efeitos jurídicos. “Ocorre somente quando todos os herdeiros chamados a suceder renunciarem à herança. Nesse caso, será a herança desde logo declarada vacante”[8], nos termo em que dicciona o artigo 1.823 do Código Civil[9]. Com efeito, nesta circunstância, não há dono aparente da herança, logo, em razão da inexistência de pessoas que alegam a titularidade dos bens integrantes do espólio, o Estado, objetivando obstar o perecimento ou mesmo a ruína da riqueza representada pelo conjunto partível, promove sua arrecadação, com o intuito de conservá-lo e, posteriormente, realizar a sua entrega aos herdeiros legítimos ou testamentários que aparecerem e lograrem êxito em provar sua qualidade de herdeiro. De igual forma, em não havendo a apresentação de qualquer herdeiro, o bem arrecadado será declarado vacante, com o fito de transferi-lo para o patrimônio do poder público. Segundo Maria Helena Diniz:
Infere-se daí que a jacência é tão somente uma fase do processo que visa declarar a vacância da herança; daí ser um estado de fato meramente transitório que perdura até o momento da entrega da herança aos herdeiros, que comprovarem sua condição, ou da declaração judicial da vacância[10].
Não discrepam do expendido Tartuce e Simão que, com bastante ênfase, assinalam que “importante frisar que a jacência é provisória, pois terminará com a entrega da herança aos herdeiros ou com a declaração de vacância. Em síntese, trata-se de uma situação que logo se findará”[11]. Em consonância com os entendimentos doutrinários modernos, a herança jacente não representa a pessoa do auctor successionis e muito menos o lastro sucessório do extinto, não podendo sequer ser considerada pessoa jurídica. Trata-se, com destaque, de ente despersonalizado que, em razão da possibilidade de atuar em juízo, ativo e passivamente, devidamente representado por curador, nos termos previstos no artigo 12, inciso IV, do Código de Processo Civil[12], sendo considerada uma massa patrimonial com personalidade judiciária. “Constitui, apenas, um acervo dos bens arrecadados por morte do de cujus sujeito à administração e representação, judicial ou extrajudicial, de um curador, a quem incumbem os atos conservatórios”[13], cuja fiscalização será exercida por lapso temporal determinado até que seja efetivada a sua entrega a sucessor devidamente habilitado ou ainda quando sobrevier ato decisório declarando a vacância do bem, nos termos estatuídos no artigo 1.819 do Código Civil[14].

Durante o lapso temporal em que é exercida a curatela da herança jacente são praticadas diligências legais para o aparecimento de exequíveis herdeiros até a determinação de seu estado definitivo, isto é, a materialização da vacância, que se caracteriza pela devolução dos bens vagos à Fazenda Pública, em razão da inocorrência da habilitação de herdeiros, eis que inexiste motivo para não se receber à herança. Em substancializada a jacência, restará produzida uma das duas consequências: “a entrega posterior dos bens aos herdeiros que se habilitarem, ou a decretação da vacância, se, decorrido o prazo legal, não aparecerem herdeiros”[15]. É denotável, desta maneira, que a característica principal da jacência está abalizada na transitoriedade da situação em que os bens se encontram.

Com destaque, há que pontuar que a herança jacente não é detentora de personalidade jurídica, eis que materializa uma massa de bens identificada como um núcleo unitário, como bem aduz Orlando Gomes[16]. Nesta senda, “massa de bens, identificável como unidade, não se personifica, por lhe faltarem os pressupostos necessários à subjetivação, tais como objetivo social, caráter permanente, reconhecimento pelo Estado, e por não precisar de personalidade”[17], eis que pode agir por outra via, conquanto não lhe seja outorgada a mesma homogeneidade, lhe viabiliza a ação sem quaisquer empecilhos. Destarte, a herança jacente é uma massa de bens despersonalizada, que, em razão do aspecto patrimonial, não convém ser deixada em abandono.

Convém, por necessário, traçar as linhas diferenciadoras da herança jacente do espólio, que designa a sucessão aberta até que sobrevenha a partilha dos bens, eis que ambos os institutos são ditos entes despersonalizados. Contudo, diferem entre si, já que no espólio os herdeiros legítimos ou testamentários da são conhecidos, já na herança jacente se configura uma situação de fato em que ocorre a abertura da sucessão, todavia não existe quem se intitule como herdeiro.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/23207/o-ente-estatal-na-vocacao-sucessoria-notas-acerca-da-heranca-jacente-e-a-heranca-vacante#ixzz2EzJ6Bgus

Vocação do Ente Estatal no Direito Sucessório

Em uma primeira plana, a guisa de elucidação, cuida arrazoar que o inventário é o processo judicial, de jurisdição contenciosa, destinado a apurar o acervo hereditário e verificar as dívidas deixadas pelo de cujus, bem como as contraídas pelo espólio. Ademais, após o pagamento do passivo, estabelece-se a divisão dos bens deixados entre os herdeiros, consistindo, assim, no procedimento destinado a entregar os bens herdados aos seus titulares, fazendo-os ingressar efetivamente no patrimônio individual dos herdeiros. O processo de inventário e partilha é instrumento que visa, antes de tudo, a reorganização do patrimônio deixado pelo falecido, de modo a que as situações econômico-patrimoniais dos sucessores restem claramente definidas, gerando segurança nas respectivas relações jurídicas.

É cediço que uma das duas formas de aquisição de propriedade, no Ordenamento Pátrio, é pela morte do titular do bem, sendo denominada como transmissão causa mortis, a exemplo do que ocorre no apostilado processual em destaque. Ao lado disso, expressamente, a Constituição da República Federativa do Brasil[1] dicciona que é garantido o direito de herança, nos termos em entalha o artigo 5º, inciso XXX. Em compensação, fica ela sujeita aos impostos previstos no art. 155, I, segundo o qual compete aos Estados e ao Distrito Federal instituírem o imposto sobre transmissão causa mortis e “doação, de quaisquer bens ou direitos”.

A transmissão dos bens ou direitos ocorre de forma automática aos herdeiros ou legatários, com a aceitação da herança, mas há necessidade de realização do processo de inventário ou arrolamento para a verificação do que foi deixado e transmitido e para quem ocorreu a transmissão da herança. Entrementes, “não sobrevindo parente sucessível, ou tendo ele repudiado a herança, devolve-se esta ao Estado”[2]. A devolução, nesta hipótese, se dá para a pessoa jurídica municipal, se o auctor successionis tiver sido domiciliado no respectivo município; para o Distrito Federal, se o extinto tiver domicílio naquele Ente Federativo; para a União, caso o de cujus tiver domicílio em um dos territórios da Federação. Quadra trazer à colação o entendimento jurisprudencial que abaliza as ponderações lançadas:
Ementa: Civil. Vocação hereditária. Legitimidade de município para sucessão de bem vacante. I - A jurisprudência acolhe entendimento no sentido de que o Município tem legitimidade para a sucessão de bem jacente, cuja declaração de vacância deu-se na vigência da lei que alterou dispositivo que, retirando o Estado-Membro, substituiu-o na ordem hereditária. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Seção/ REsp 71.551/SP/ Relator Ministro Waldemar Zveiter/ Julgado em 11.03.1998/ Publicado no DJ em 09.11.1998, p. 6) (destaque nosso)
O Estado também sucederá quando, ainda que existam parentes sucessíveis, deixa este transcorrer o lapso temporal de cinco anos da abertura da sucessão, sem que tenham se habilitado, passando, em consumada tal situação, ao domínio da pessoa jurídica de direito público à qual cabe promover o recolhimento da herança. “É de ser mantida a declaração de vacância se os colaterais, mesmo devidamente citados por edital, somente se habilitaram à sucessão mais de cinco anos após a referida decisão”[3].

Cuida salientar que o ente público não é investido na posse da herança tão logo tenha ocorrido o óbito do autor da sucessão, eis que necessita de sentença que declare vagos os bens do espólio. “Importa, assim, que esteja esgotada a precedente classe de colaterais sucessíveis, não havendo, em consequência, possuidor dos bens hereditários”[4]. Todavia, a mera declaração de vacância não se revela suficiente para que haja a transferência do domínio desses bens, porquanto, em lapso temporal assinalado na lei, pode aparecer algum herdeiro e intentar ação diretamente em face do ente público que recolheu a herança, reclamando-a.

O Estado, no que concerne à vocação sucessória, apresenta uma particularidade, eis que não pode renunciar à herança devolvida, em razão de determinação legal, ao seu patrimônio, podendo, de maneira excepcional, repudiar quando for beneficiário de disposição contida em cédula testamentária, maiormente quando subsistir encargos ou condições que contrariem o interesse público. Os entes federativos são considerados como sucessores universais, por título privado, e não como adquirente originário, em razão de sua soberania territorial. Prima exaltar que o fundamento do direito hereditário dos entes estatais não está jungido ao direito público, mas sim privado, porquanto um bem imóvel não pode ser considerado como res nullius, adquirindo-o, portanto, mediante ocupação (jure occupationis), quando se torna objeto de um direito de desapropriação, conferido a determinado sujeito.

Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/23207/o-ente-estatal-na-vocacao-sucessoria-notas-acerca-da-heranca-jacente-e-a-heranca-vacante#ixzz2EzIizZMg

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Testamento só pode ser anulado por juízo do inventário



Para a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a ação de cumprimento de testamento não causa prevenção em relação à ação anulatória, mas a economia processual e a relação de prejudicialidade entre a anulatória e o inventário determinam que sejam processados pelo mesmo juízo.

A decisão foi proferida em uma ação de abertura, registro e cumprimento do testamento e de inventário referente a uma viúva que morreu. Porém, na ação de inventário, outros herdeiros apontaram incompetência do juízo, pois já tramitava, em Mato Grosso do Sul, o inventário do cônjuge da viúva. Alegou-se, então, que por economia processual, nos termos do artigo 1.043, parágrafo segundo do Código de Processo Civil, deveria haver partilha única dos bens do casal.

A exceção de incompetência foi acolhida. Foi remetido o inventário para o juízo sul-mato-grossense. Foi então proposta, também nesse juízo, ação anulatória de testamento, pelos herdeiros que contestaram a competência da Justiça mineira. Mas os herdeiros que haviam iniciado o inventário em Minas Gerais alegaram incompetência do juízo do Mato Grosso do Sul para o processamento dessa ação. Para eles, o último domicílio da falecida era em Minas e a ação anulatória é de natureza pessoal, devendo ser aplicada a regra geral de competência que determina o processamento da ação no foro dos réus, também em MG.
(...)
Revista Consultor Jurídico, 12 de dezembro de 2012
 Leia a íntegra em http://www.conjur.com.br/2012-dez-12/anulacao-testamento-julgada-juizo-inventario