domingo, 15 de janeiro de 2012

Acepções da boa-fé

A boa-fé é delineada no ordenamento jurídico por meio de duas acepções, quais sejam: a boa-fé subjetiva (estado psicológico) e a boa-fé objetiva (princípio).

Inicialmente, a boa-fé foi esculpida sobre seu aspecto subjetivo. Contudo, posteriormente, sobre a influência da doutrina e jurisprudência, principalmente a germânica, passou a ser concebida em seu aspecto objetivo, sendo inserida nos ordenamentos jurídicos contemporâneos, através do sistema aberto das cláusulas gerais [16].

Fernando Noronha explicita a distinção necessária, que se deve haver entre as duas espécies da boa-fé, a subjetiva e a objetiva, in verbis:
[...] A primeira diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito; a segunda a elementos externos, a normas de conduta que determinam como ele deve agir. Num caso está de boa-fé quem ignora a real situação jurídica; no outro, está de boa-fé quem tem motivos para confiar na contraparte. Uma é boa-fé estado, a outra boa-fé princípio. (NORONHA, 1994, p.132, grifos no original). [17]
A boa-fé subjetiva caracteriza-se pelo caráter subjetivo dado à boa-fé, o qual se verifica na consideração do fator psicológico, anímico, de ignorância do agente, na existência de uma determinada situação regular na relação jurídica.

Consiste a acepção supra numa "análise subjetiva do estado de consciência do agente por ocasião da avaliação de um dado comportamento." (NEGREIROS, 2006, p.119-120; GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2006, p.65). Deste modo, a apuração da boa-fé subjetiva dá-se através da análise das reais intenções que o contratante possuía, para verificar se o mesmo agiu de boa-fé ou má-fé na relação contratual. [18]

Destarte, impõe-se ao intérprete a compreensão de que se deve "[...] considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva, está a má-fé, também vista, subjetivamente, como a intenção de lesar a outrem." (MARTINS-COSTA, 2000, p.411; NORONHA, 1994, p.133).

Lado outro, a boa-fé objetiva, traduz-se numa regra de conduta (CORDEIRO, 2007, p.632), que qualifica uma norma de comportamento leal, ético, segundo o qual, o que importa, é a apuração do comportamento das partes conforme os padrões estabelecidos pela boa-fé. (NEGREIROS, 2006, p.142; MARTINS-COSTA, 2000, p.412).

A boa-fé objetiva funda-se na necessidade das partes atuarem reciprocamente com cooperação, lealdade, honestidade e confiança (FIUZA, 2006, p.410-411; HIRONAKA, 2003, p.112-113), no intuito de concretizar a diretriz da eticidade preconizada no Código Civil.

É a chamada boa-fé princípio, a qual se impõe aos contratantes, visando a não frustrar a legítima expectativa da outra parte. É essencial entender que a boa-fé objetiva pressupõe sua análise externamente (e não internamente), para aferir-se a retidão da conduta, do comportamento, perpetrado pelas partes, diante das circunstâncias do caso concreto.

Portanto, a convicção do agente, seu estado psicológico, deixa de ser relevante na relação jurídica contratual, apenas sendo primordial, a avaliação da conformidade ou não do comportamento das partes com os padrões éticos e sociais vigentes na sociedade. Isto porque, o descumprimento da boa-fé objetiva não denota má-fé do agente, mas, tão somente, quebra ou simplesmente ausência da boa-fé. (FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.41).

A referida distinção é fundamental, pois, a boa-fé que se introjeta no Direito Contratual contemporâneo é a de égide objetiva, sendo o Direito Contratual, campo fecundo e primordial, no tocante à sua aplicação, denotando assim sua relevância diante dos novos contornos do contrato, na contemporaneidade.

SILVA, Michael César; MATOS, Vanessa Santiago Fernandes de. Lineamentos do princípio da boa-fé objetiva no Direito Contratual contemporâneo. Uma releitura na perspectiva civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3118, 14 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20862/lineamentos-do-principio-da-boa-fe-objetiva-no-direito-contratual-contemporaneo>.

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