sábado, 21 de janeiro de 2012

Legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade

Preliminarmente, deve-se consignar, de plano, que a práxis do STF refere-se a requerente e requerido, respectivamente, para designar o autor do pedido e o órgão do qual emanou o ato impugnado.

A legitimação passiva, na ação direta de inconstitucionalidade, não apresenta maior dificuldade: recai sobre os órgãos ou autoridades responsáveis pela lei ou ato normativo objeto da ação, aos quais caberá prestar informações ao relator do processo (art. 6º da Lei nº 9.868/99). Segundo já decidiu o STF, entidades meramente privadas, porque destituídas de qualquer coeficiente de estatalidade, não podem figurar como litisconsortes passivos necessários em sede de ação direta de inconstitucionalidade [14].

Foi no tocante à legitimação ativa para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade que se operou a maior transformação no exercício da jurisdição constitucional no Brasil. Desde a criação da ação genérica, em 1965, até a Constituição de 1988, a deflagração do controle abstrato e concentrado de constitucionalidade era privativa do Procurador-Geral da República, submetida ao seu juízo de discricionariedade.

Com a Constituição de 1988, ampliou-se expressivamente o elenco de legitimados ativos para a propositura da ação direta, enunciados nos nove incisos do art. 103, suprimindo-se o monopólio do Procurador-Geral da República.

A jurisprudência do STF consolidou uma distinção entre duas categorias de legitimados: os universais, que são aqueles cujo papel institucional autoriza a defesa da Constituição em qualquer hipótese; e os especiais, que são os órgãos e entidades cuja atuação é restrita às questões que repercutem diretamente sobre sua esfera jurídica ou de seus filiados e em relação às quais possam atuar com representatividade adequada.

O Governador de Estado, a Mesa de Assembléia Legislativa, confederação sindical e entidade de classe de âmbito nacional são considerados legitimados especiais, ou seja, devem comprovar a pertinência temática, consistente na relação de interesse entre o objeto da ação e a classe profissional, social, econômica ou política por eles representada.

Os demais são considerados universais e, portanto, a pertinência temática é dispensada.

No que se refere ao Conselho Federal da OAB, sua colocação no elenco do art. 103 da CF em inciso diverso das demais entidades de classe de âmbito nacional, deve ser interpretada, segundo entendeu o Pretório Excelso, de modo a permitir a propositura de ação direta de inconstitucionalidade contra qualquer ato normativo, independentemente do requisito da pertinência temática entre o seu conteúdo e o interesse dos advogados.

Os partidos políticos devem estar representados por seus diretórios nacionais e ainda ter representação no Congresso Nacional, em pelo menos uma das casas, aferida no momento da propositura. A perda da representação no curso da ação não gera a extinção do feito sem julgamento do mérito, tendo em vista a matéria de ordem pública objeto da ação [16].

As confederações sindicais devem ser constituídas na forma do art. 535 da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo formadas por pelo menos 3 federações. O STF não reconhece a legitimidade às federações e aos sindicatos nacionais, fazendo uma interpretação estrita do dispositivo constitucional [17].

As entidades de classe, por seu turno, devem ter representação em pelo menos 9 estados da federação, adotando-se por analogia o art. 8º da Lei nº 9.096/95, para que se lhes reconheça o caráter nacional.

Ademais, exige-se, ainda no que se refere a essas entidades, que os seus filiados estejam ligados entre si pelo exercício da mesma atividade econômica ou profissional. Com base nesse entendimento, o STF negou legitimidade à União Nacional dos Estudantes (UNE) [18].

Por outro lado, o STF tem entendido que a entidade postulante deve representar a integralidade da categoria econômica em questão, e não apenas uma parcela setorizada dessa [19].

De outro giro, a jurisprudência antes dominante no STF exigia que a entidade tivesse como membros os próprios integrantes da classe, sem intermediação de qualquer outro ente que os representasse. Assim, as associações de associações, também denominadas associações de segundo grau, não podiam propor ADI. Entretanto, essa orientação foi revista no julgamento da ADI 3153 [20], passando-se a reconhecer o caráter de entidade de classe de âmbito nacional àquela constituída por associações estaduais cujo objeto seja a defesa de uma mesma categoria social.

Por fim, cumpre assinalar que na ADI 127 [21], ficou consignado que os partidos políticos, as confederações sindicais e as entidades de classe precisam de advogado para propor ADI, dispensada essa representação para os demais legitimados, que possuem capacidade processual plena e dispõem, ex vi da própria norma constitucional, de capacidade postulatória.

Participação do AGU e do PGR

A defesa, propriamente dita, da norma impugnada, seja ela federal ou estadual, cabe ao Advogado-Geral da União (art. 103, §3º, da CF), que funciona como uma espécie de curador especial da presunção de constitucionalidade dos atos emanados do Poder Público.

Contudo, desde o julgamento da ADI 1616 [22], o STF vem atenuando essa obrigatoriedade. Entendeu-se que, se já houvesse precedente do STF pela inconstitucionalidade da lei no controle difuso, o AGU não precisaria defender o ato normativo impugnado.

Em 2009, no julgamento da ADI 3916 [23], o STF firmou entendimento no sentido de que o AGU tem a faculdade de escolher como se manifestar, conforme a sua convicção jurídica, não sendo obrigado a necessariamente defender o ato normativo impugnado.

No que se refere ao Procurador-Geral da República, de acordo com o art. 103, §1º, da CF, atuará como fiscal da lei em todas as ações que tramitam perante o STF. Exara parecer, inclusive, nas ações por ele propostas, não se vinculando ao posicionamento inicialmente manifestado na ação.

Ressalte-se que a mudança de entendimento não equivale à desistência da ação, pois nenhuma das ações do controle concentrado de constitucionalidade permite desistência do pedido (art. 5º da Lei nº 9.88/99), haja vista versarem sobre matéria de ordem pública.

Amicus curiae
No controle concentrado de constitucionalidade, o ordenamento jurídico pátrio não prevê legitimidade popular. Para que as decisões estejam interpenetradas com a realidade do país, foi introduzida formalmente no ordenamento brasileiro a figura do amicus curiae, prevista agora no art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99.

A expressão significa literalmente "amigo da corte", designação dada a pessoas ou organizações distintas das partes do processo, admitidas a apresentar suas razões, por terem interesse jurídico, econômico ou político no desfecho do processo.

Tal inovação é reconhecida como fator de legitimação das decisões do Supremo Tribunal Federal, em sua atuação como tribunal constitucional.

Observe-se que o amicus curiae não é parte formal no processo, mas um colaborador. Mesmo porque a ADI não admite intervenção de terceiros (Lei nº 9.868/99, art. 7º). Não tem, destarte, interesse recursal.
O pedido de participação é dirigido ao relator da ação. O despacho que defere a manifestação do amicus curiae é irrecorrível (art. 7º, §2º, da Lei nº 9.868/99). Alguns autores e o próprio STF admitem agravo interno nos casos de indeferimento.

Na ADI 4071 [24], o STF, por maioria, afirmou que a possibilidade de intervenção do amicus curiae está limitada à data da remessa dos autos à mesa para julgamento. Logicamente, sua participação não constitui direito subjetivo, ficando a critério do relator, mas uma vez admitida inclui também o direito de sustentação oral [25], oferecimento de memoriais e requerimento de perícias.




GOMES, William Akerman. Ação direta de inconstitucionalidade: principais aspectos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20894/acao-direta-de-inconstitucionalidade-principais-aspectos>.

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