domingo, 15 de janeiro de 2012

O princípio da boa-fé objetiva - Escorço Histórico

A boa-fé possui suas raízes históricas no Direito Romano. Inicialmente, exsurge através da chamada fides, espécie de preceito ético pautado na confiança, ligada à idéia de garantia de cumprimento dos pactos celebrados, com base na própria fé, ao respeito das convenções pactuadas. Possuía, assim, a função de garantia de respeito à palavra dada nas relações negociais. (CORDEIRO, 2005, p.399-400; CORDEIRO, 2007, p.53-70 e 83; MARTINS-COSTA, 2000, p.113).

Posteriormente, "com a substituição do fundamento de validade das relações contratuais da forma para o consentimento" (ROSENVALD, 2005, p.76), à fides se acrescenta o qualitativo bona, passando a fides bona,inicialmente ligada ao aspecto objetivo.

Em seguida, transmuta-se definitivamente em bona fides, pela qual se constringe a quem prometeu a manter a promessa realizada, não pelo contexto verbal da promessa, mas segundo seu espírito, passando assim a boa-fé a ser entendida como um estado psicológico (aspecto subjetivo). No contexto exposto, a boa-fé assume a acepção subjetiva, sendo considerada como intenção ou o estado de ignorância do próprio sujeito, sendo que aquele que estivesse de boa-fé beneficiar-se-ia de regras mais favoráveis. (CORDEIRO, 2005, p.401; MARTINS-COSTA, 2000, p.123; NEGREIROS, 1998, p.29).

Nesse processo evolutivo, no interesse de tutelar os interesses envolvidos na relação negocial, a bona fides transmuta-se nos chamados bonae fidei iudicia, os quais consistiam em procedimentos técnicos e precisos perante o juiz, o qual sentenciava os casos com base na boa-fé, e conforme as circunstâncias concretas. (CORDEIRO, 2007, p.89-105; MARTINS-COSTA, 2000, p.117 e 120-122; LEWICKI, 2001, p.57-59).

Esses atribuíam "ao juiz uma grande margem de apreciação discricionária, isto é, o poder de estabelecer, a seu critério, tudo quanto o demandado devesse dar ou fazer com base no princípio da boa-fé." (AMARAL, 1995, p.42).

Na evolução do instituto, a boa-fé torna-se integrante do pensamento da igreja, por meio do Direito Canônico, onde estava ligada à idéia de ausência de pecado, com fundamento nos valores cristãos. Nesse contexto, a boa-fé adquire dimensão ética e axiológica por traduzir-se na concretização da lei divina, mantendo seu aspecto subjetivo. (ROSENVALD, 2005, p.77; MARTINS-COSTA, 2000, p.124).

No Código Civil Francês de 1804 (Code Napoléon) a boa-fé assentou-se em duas acepções. A subjetiva ligada ao estado de ignorância do sujeito e a objetiva ligada ao reforço do vínculo contratual. Porém, essa não obteve o desenvolvimento satisfatório (conteúdo útil), dado à influência da Escola da Exegese e observância ao rigor do método da exegese. (CORDEIRO, 2005, p.402; CORDEIRO, 2007, p.247, 253 e 265). Assim, apenas a boa-fé de caráter subjetivo desenvolve-se em França.

É no Direito Germânico que a boa-fé desenvolve os contornos do princípio, como se conhece na contemporaneidade. Inicialmente, constrói seu arcabouço jurídico a partir do § 242 do BGB (1900) [06], ainda dentro do sistema fechado da codificação alemã, fundado, na acepção subjetiva (Guter Glauben). Esse tratava de mero reforço do §157, [07] que determinava a regra tradicional de interpretação dos negócios jurídicos segundo a boa-fé. (MOTA, 2001, p.190). Até então, não se pensava em atribuir ao juiz à função fundamental de criar o Direito, por meio da aplicação.

É cunhada a expressão Treu und Glauben (lealdade e crença/confiança à palavra dada) consagrada na doutrina germânica, indicativa da boa-fé obrigacional (MARTINS-COSTA, 2000, p.124; CORDEIRO, 2005, p.401-402), de acepção objetiva, a qual deve presidir às relações negociais, sendo corporificada numa regra de conduta a ser observada pelas partes no cumprimento das suas obrigações.

Porém, somente após a 1ª guerra mundial, a doutrina e jurisprudência alemã, devido aos conflitos surgidos a partir das transformações sociais e econômicas provocadas pela guerra, deram nova guinada ao princípio, em suas atuais feições, de acepção objetiva, no sentido de poder-se preencher e sistematizar o princípio pela atuação criativa dos tribunais. (ROSENVALD, 2005, p.77; NEGREIROS, 1998, p.48-49).

Na contemporaneidade, o princípio da boa-fé objetiva, devido a sua importância e aplicabilidade, é previsto como cláusula geral em diversos outros países.

SILVA, Michael César; MATOS, Vanessa Santiago Fernandes de. Lineamentos do princípio da boa-fé objetiva no Direito Contratual contemporâneo. Uma releitura na perspectiva civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3118, 14 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20862/lineamentos-do-principio-da-boa-fe-objetiva-no-direito-contratual-contemporaneo>.

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