domingo, 15 de janeiro de 2012

Os deveres anexos de conduta

A partir do princípio da boa-fé objetiva exsurgem os chamados deveres anexos de conduta(laterais, instrumentais, colaterais, dentre outros), os quais se introjetam em toda relação jurídica obrigacional, no intuito de instrumentalizar o correto cumprimento da obrigação principal e a satisfação dos interesses envolvidos no contrato.

Estes deveres de conduta que acompanham as relações contratuais vão ser denominados de deveres anexos (Nebenpflichten), deveres que nasceram da observação da jurisprudência alemã ao visualizar que o contrato, por ser fonte imanente de conflitos de interesses, deveria ser guiado e, mais ainda, guiar a atuação dos contraentes conforme o princípio da boa-fé nas relações. (MARQUES, 2006, p.219, grifos no original).

Destarte, além do dever da prestação (obrigação principal) surgem, também, outros deveres de conduta durante a relação jurídica (obrigação secundária), os quais devem ser observados pelos contratantes, sob pena de quebra, de ofensa a boa-fé objetiva. (COUTO E SILVA, 1976, p.29-30; LÔBO, 2005, p.76; MARTINS-COSTA, 2002, p.634; MARQUES, 2006, p.220; NEGREIROS, 2006, p.150).
[...] o conteúdo do contrato amplia-se, por força da boa-fé, para além das obrigações estritamente contratuais. Ao lado das obrigações que não existiriam fora do contrato, a boa-fé passou a incluir no contexto contratual o dever geral de não causar dano, em todas as suas múltiplas especificações. Este campo de atuação dos deveres instrumentais. (NEGREIROS, 2006, p.155-156).
Os deveres anexos podem ser compreendidos como deveres positivos e negativos, os quais através da sua inserção na relação jurídica, relativizam a autonomia privada, ao estabelecer deveres de comportamento, os quais nortearão a conduta dos contratantes, nas fases pré-contratual, contratual e pós-contratual. (MELLO, 2001, p.316).

Devido à importância concretizada pelos deveres anexos de conduta nas relações jurídicas obrigacionais, a doutrina firmou entendimento no sentido de que, quando se descumpre os deveres anexos de conduta, surge a chamada violação positiva do contrato ou adimplemento ruim (CORDEIRO, 2007, p.594-602; NALIN, 2006, p.226; GARCIA, 2008, p.45 e 192; MARQUES, 2006, p.220; SILVA, 2002, p.82-105), pois a obrigação principal é cumprida, porém, tem-se o descumprimento dos deveres anexos (obrigação secundária). [25]

Portanto, não basta que as partes cumpram apenas a obrigação principal. Os contratantes devem cooperar entre si, agir com lealdade, para que o negócio jurídico obtenha êxito, ou seja, "colaborar durante a execução do contrato, conforme o paradigma da boa-fé objetiva" (MARQUES, 2006, p.233), através do respeito aos deveres anexos, visando ao correto adimplemento da obrigação.

Da consagração da boa-fé objetiva nas relações contratuais decorrem principalmente os deveres de informação, de colaboração e cuidado, somatória que realiza a insofismável verdade de que, em sede contratual, se lida com algo bem maior que o simples sinalagma: lida-se com pressupostos imprescindíveis e socialmente recomendáveis, como a fidelidade, a honestidade, a lealdade, o zelo e a colaboração. Enfim, está presente, também na ambiência contratual, o sentido ético, a tendência socializante e a garantia de dignidade que são, por assim dizer, as marcas ou marcos deste direito que, perpassando os séculos, se apresenta modificado aos primórdios do milênio novo. (HIRONAKA, 2003, p.113).

Desta forma, é imprescindível que as partes atuem nas relações jurídicas obrigacionais firmadas, com observância aos deveres anexos de conduta, os quais impõem para além da obrigação jurídica principal, deveres fiduciários (obrigação complexa), os quais objetivam resguardar a legítima expectativa e a confiança mútua existente entre as partes.

Por fim, assevera-se que a boa-fé objetiva materializa-se através dos deveres anexos de proteção (ou cuidado), cooperação (ou lealdade) e de informação (ou esclarecimento) [26], dentre outros, pois, sua enumeração não pode ser considerada taxativa. [27]

SILVA, Michael César; MATOS, Vanessa Santiago Fernandes de. Lineamentos do princípio da boa-fé objetiva no Direito Contratual contemporâneo. Uma releitura na perspectiva civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3118, 14 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20862/lineamentos-do-principio-da-boa-fe-objetiva-no-direito-contratual-contemporaneo>.

4 comentários:

  1. Muito útil, obrigada pela lição!

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  2. Linda a professora *-*

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  3. O texto, porém, não explicou as consequências do descumprimento dos deveres laterais de conduta.

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