domingo, 15 de janeiro de 2012

A perspectiva civil-constitucional

O fenômeno da constitucionalização do Direito Civil ensejou profunda modificação nos métodos de interpretação do Direito Privado (TEPEDINO, 2003, p.115). Tal fato ocorreu devido à modificação do centro fundamental principiológico do Direito Civil, que passou a nortear-se por valores sociais e princípios consagrados na Constituição da República de 1988.
A esse novo sistema de normas e princípios, reguladores da vida privada, relativos à proteção da pessoa, nas suas mais diferentes dimensões fundamentais (desde os valores existenciais até os interesses patrimoniais), integrados pela Constituição, define-se como Direito Civil Constitucional (ou Direito Civil constitucionalizado).
(FARIAS; ROSENVALD, 2007a, p.25, grifos no original). [01]
Paulo Luiz Netto Lôbo preleciona que a constitucionalização do Direito Civil "é o processo de elevação ao plano constitucional dos princípios fundamentais do direito civil, que passam a condicionar a observância pelos cidadãos, e a aplicação pelos tribunais, da legislação infraconstitucional." (LÔBO 2003, p.199; LÔBO, 2005, p.3).

Esta mudança de paradigma deu-se em face da inserção de valores inerentes à pessoa humana, que passaram a orientar a interpretação dos institutos do Direito Civil, precipuamente, por meio da observância aos ditames do princípio da dignidade da pessoa humana, esculpido no artigo 1º, III da Constituição da República de 1988.

A expressão Direito Civil Constitucional quer apenas realçar a necessária releitura do Direito Civil, redefinindo as categorias jurídicas civilistas a partir dos fundamentos principiológicos constitucionais, da nova tábua axiológica fundada na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), solidariedade social (art. 3º, III) e na igualdade substancial (arts. 3º e 5º). Ou seja, a Constituição promoveu uma alteração interna, modificando a estrutura, o conteúdo, das categorias jurídicas civis e não apenas impondo limites externos. (FARIAS; ROSENVALD, 2007a, p.27).

Destarte, a releitura do Código Civil à luz da Constituição da República de 1988, redefiniu o conteúdo de seus institutos, no sentido de funcionalizar as relações jurídicas privadas patrimoniais e adequá-las à nova ordem jurídica constitucional, fundada em valores extrapatrimoniais, visando à promoção do bem comum e o interesse coletivo.

Nessa esteira, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, expõem com brilhantismo que "O Estado Democrático de Direito centrado na especial dignidade humana proclama a despatrimonialização e a personalização do direito privado." (FARIAS; ROSENVALD, 2007b, p.3). [02]

Assim, o caráter individualista, egoístico e patrimonialista, que permeou o Código de 1916, fora substituído pela inserção de valores e normas (princípios e regras) constitucionais, tendo por arcabouço a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República.

Nesse contexto, Gustavo Tepedino preleciona ser "imprescindível e urgente uma releitura do Código Civil e das leis especiais à luz da Constituição." (TEPEDINO, 2004, p.1). [03]

Paulo Luiz Netto Lôbo assevera ainda que "[...] os valores decorrentes da mudança da realidade social, convertidos em princípios e regras constitucionais, devem direcionar a realização do direito civil, em seus variados planos." (LÔBO, 2003, p.216).

Esta modificação no critério hermenêutico que perpassa o Direito Civil, segundo preceitos constitucionais, consagrados na Constituição da República de 1988, importa em:
[...] estabelecer novos parâmetros para a definição de ordem pública, relendo o direito civil à luz da Constituição, de maneira a privilegiar, insista-se ainda uma vez, os valores não patrimoniais e, em particular, a dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento de sua personalidade, os direitos sociais e a justiça distributiva, para cujo atendimento deve se voltar a iniciativa econômica privada e as situações jurídicas patrimoniais. (TEPEDINO, 2004, p.22).
Deste modo, o Direito Civil constitucionalizado busca compatibilizar, através da hermenêutica [04], os institutos de Direito Civil aos preceitos constitucionais, reinterpretando seu conteúdo normativo à luz dos referidos preceitos, os quais passam a nortear as relações jurídicas privadas, funcionalizando-as a valores extrapatrimoniais, tendo por fundamento a promoção da dignidade da pessoa humana.
Gustavo Tepedino sintetiza com precisão o referido contexto ao preconizar que:
[...] Socialização, despatrimonialização, repersonalização, constitucionalização do direito civil, em seus diversos matizes, tendem a significar que as relações patrimoniais deixam de ter justificativa e legitimidade em si mesmas, devendo ser funcionalizadas a interesses existenciais e sociais, previstos pela própria Constituição no ápice da hierarquia normativa, integrantes, portanto, da nova ordem pública, que tem na dignidade da pessoa humana o seu valor maior. (TEPEDINO, 2003, p.119, grifos no original).
Portanto, o esforço hermenêutico no qual se funda a releitura principiológica do Direito Civil na contemporaneidade, notadamente, no Direito Contratual, pautado na prevalência dos princípios e regras consagrados na Constituição da República de 1988, impõe a despatrimonialização e personalização nas relações jurídicas privadas, e, por conseguinte, novos contornos à liberdade contratual, buscando consagrar a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III CR/88), a solidariedade social (artigo 3º, III CR/88) e a igualdade em sentido amplo (artigo 5º, caput, CR/88).

SILVA, Michael César; MATOS, Vanessa Santiago Fernandes de. Lineamentos do princípio da boa-fé objetiva no Direito Contratual contemporâneo. Uma releitura na perspectiva civil-constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3118, 14 jan. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20862/lineamentos-do-principio-da-boa-fe-objetiva-no-direito-contratual-contemporaneo>.

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