segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

A privacidade do adolescente infrator depois que ele se torna um adulto

Saiu na Folha de 26/8/11:
Polícia identifica PMs envolvidos em gravação de vídeo
O comando da PM disse ontem já ter identificado dez policiais presentes no episódio em que dois suspeitos são filmados após serem baleados.
Nas gravações, reveladas anteontem pela Folha.com, os dois homens cobertos de sangue são xingados e ameaçados. Um deles agoniza.
Pela versão da corporação divulgada ontem, o fato ocorreu em 9 de maio de 2008, na zona leste de São Paulo.
Os dois homens que aparecem feridos são Tiago Silva de Oliveira e um adolescente que à época tinha 16 anos.
A PM diz que eles eram suspeitos de roubar talões de cheques, celulares e R$ 525.
‘Estrebucha, filho da puta’ é uma das frases ditas por policiais enquanto Oliveira permanece caído no chão, com a boca cheia de espuma.
Ainda de acordo com o comando da PM, ele foi levado para o hospital Sapopemba, também na zona leste, mas morreu três dias depois.
O adolescente está vivo. Seu nome não foi divulgado
.”

O adolescente na época tinha 16 anos. ‘Na época’ significa 9 de maio de 2008, segundo a própria matéria. Digamos que aquele era o dia do aniversário dele. Logo, se ele ainda está vivo, ele fez 18 anos em 9 de maio de 2010. Isso significa que ele necessariamente é maior de idade hoje.

Nossa lei proíbe a exposição do menor de 18 anos que tenha cometido um ato infracional. O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que “o direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

A matéria acima expõe um problema interessante: a lei serve para proteger a criança e o adolescente durante aquele período de suas vidas ou a pessoa pelo que fez quando era criança ou adolescente? Explico:

Se a lei serve para proteger a criança e o adolescente, depois que a pessoa deixa de ser um adolescente, o menor infrator da matéria acima poderia ser identificado. Afinal, hoje ele já tem mais de 18 anos. Por outro lado, se a lei serve para proteger a pessoa, o seu direito ao anonimato segue para sempre, e o nome da pessoa que cometeu o ato infracional quando era menor de idade não poderá jamais ser divulgado. Óbvio que, neste caso, se ele viesse a cometer um delito depois de adulto, a lei não serviria para proteger sua privacidade em relação a esse delito.

São, filosoficamente, posições distintas, com consequências práticas distintas, e há bons juristas nos dois campos.

Esse não é um debate único no Brasil. Alguns provavelmente provavelmente se lembram do caso na Inglaterra no qual das duas crianças – Jon Venables e Robert Thompson, ambos então com 10 anos e meio - que sequestraram, torturaram e mataram na linha de trem uma outra criança de dois anos (James Bulger). O caso se tornou mundialmente famoso por dois motivos: primeiro, por causa do grau de violência contra uma criança por outras duas crianças. E, segundo, porque o juiz responsável pelo caso decidiu que as crianças acusadas não tinham direito à privacidade. Tanto o nome quanto a imagem das duas crianças condenadas foi amplamente divulgada pela imprensa, com autorização da justiça.

Em 2000, quando as duas crianças (agora adultos) receberam liberdade condicional, o juiz responsável resolveu fazer o contrário: como as crianças tiveram seus nomes e imagens divulgados na época do crime, elas agora, já adultas, teriam de mudar de nome e a imprensa não poderia divulgar as imagens delas como adultas. A decisão foi para proteger a vida dos dois agora adultos porque o crime gerou tanta exposição que eles poderiam ser perseguidos e mortos se eles não mudassem de nome ou se a imprensa pudesse mostrar suas fotos.

Reparem que na segunda decisão, o juiz estava implicitamente dizendo que, para ele, a lei protege a pessoa.

Tanto lá como aqui, esse é um debate que ainda vai render muito pano para a manga.

No caso da matéria acima, por via das dúvidas, a polícia não divulgou o nome. E o fato de não divulgá-lo teve um segundo motivo muito importante: proteger aquela pessoa contra uma possível revanche por policiais. Como a polícia não consegue controlar o bom senso dos jornalistas, ela simplesmente evitou a exposição acidental (ou intencional) de uma testemunha por parte da imprensa.
http://direito.folha.com.br/1/post/2011/08/a-privacidade-do-adolescente-infrator-depois-que-ele-se-torna-um-adulto.html

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