quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Quando um magistrado deve se declarar suspeito?

Saiu na Folha de 21/12/11:

Ministro do Supremo beneficiou a si próprio ao paralisar inspeção
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), está entre os magistrados que receberam pagamentos investigados pela corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) no Tribunal de Justiça de São Paulo, onde ele foi desembargador antes de ir para o STF (...)
Por meio de sua assessoria, Lewandowski disse que não se considerou impedido de julgar o caso, apesar de ter recebido pagamentos que despertaram as suspeitas da corregedoria, porque não é o relator do processo e não examinou o seu mérito.
A liminar que ele concedeu suspende as inspeções programadas pelo CNJ e permite que o relator do caso, ministro Joaquim Barbosa, volte a examinar a questão em fevereiro, quando o STF voltará do recesso de fim de ano.
A corregedoria do CNJ iniciou em novembro uma devassa no Tribunal de Justiça de São Paulo para investigar pagamentos que alguns magistrados teriam recebido indevidamente junto com seus salários e examinar a evolução patrimonial de alguns deles, que seria incompatível com sua renda.


Segundo nosso Código de Processo Civil, um magistrado deve se declarar suspeito para julgar um caso quando


PS: Se o magistrado não se declara suspeito, qualquer uma das partes pode pedir que ele se declare suspeito na primeira oportunidade ou mesmo pedir que ele seja declarado suspeito por alguém acima dele. Mas isso não ajuda muito quando se trata do STF porque essa é a última corte.
  • ele é amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
  • uma das partes é credora ou devedora do magistrado, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau (tio e sobrinho);
  • ele é herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
  • ele receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
  • ele for interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes;
  • por motivo de foro íntimo.
Reparem que a lei não diz que a pessoa precisa receber um benefício. Basta que ela tenha interesse no julgamento em favor de um das partes. A obtenção de um benefício é meramente incidental: não importa.

Mas o que é ‘interesse’? É aí que está a dificuldade em casos como o descrito acima porque nossa lei é vaga a esse respeito. Interesse é algo subjetivo. O fato de um magistrado ser interessado em futebol não o impede de julgar casos envolvendo futebol. Para tentar ajudar, a  lei diz que é suspeito o juiz que tem interesse no julgamento em favor de uma das partes. Mas isso também é subjetivo. A princípio, todo magistrado tem um interesse em favor de uma das partes: da que está correta. Mas, óbvio, não é disso que a lei está falando. O seu objetivo é mais profundo.

O primeiro e mais óbvio objetivo é impedir que o magistrado se beneficie (ou beneficie alguém que lhe seja próximo) usando-se de seu poder sobre o processo. Ou seja, seu primeiro objetivo é manter a imparcialidade do magistrado e garantir que a justiça seja feita.

O segundo objetivo, e esse é o ponto normalmente esquecido, é preservar a instituição. A Justiça não precisa apenas ser imparcial, ela precisa ser percebida como imparcial. O Judiciário não existe por si. Ele não nasce em árvores. Ele é uma criação social. Ele só existe porque alguém quis que ele existisse. Nas democracias, esse ‘alguém’ são os cidadãos, que escolhem parlamentares, que fazem leis, que criam o Judiciário. Nas democracias, ele existe porque a sociedade quer que ele exista. E da mesma forma como ela o criou, ela pode modifica-lo ou mesmo acabar com ele. Basta fazer uma nova Constituição.

A opinião pública não pode e não deve influenciar um julgamento. Esse deve ser decidido com base nas provas e nos argumentos jurídicos. Mesmo porque a opinião pública muitas vezes é desinformada, manipulada e mesmo levada pelas emoções. Mas a opinião pública é que confere legitimidade à instituição por trás de todos os julgamentos: o Judiciário. Embora ela não possa e não deva influenciar um julgamento, ela pode e deve influenciar as leis que conferem legitimidade à instituição por trás de todos os julgamentos. Se as pessoas deixarem de acreditar na imparcialidade dos magistrados, o Judiciário deixa de ter legitimidade e as pessoas agirão para colocar em seu lugar uma instituição que tenha mais legitimidade. E isso pode acontecer por meios pacíficos (em movimentos nos moldes das Diretas Já, através de uma intervenção federal, ou modificando-se a Constituição/leis); ou através de movimentos violentos, como aconteceu em vários países socialistas em 1989/90 e vem acontecendo em países árabes.

E é esse o segundo objetivo da declaração de suspeição de um magistrado. Ela não serve apenas para o magistrado dizer ‘vou me afastar porque eu não sou totalmente imparcial nessa causa’, mas também para ele dizer ‘é melhor eu me afastar porque embora eu saiba que sou capaz de julgar essa causa com imparcialidade, o resto do mundo suspeita que eu não seja, e isso manchará a credibilidade da instituição que eu represento’.

http://direito.folha.com.br/1/post/2011/12/quando-um-magistrado-deve-se-declarar-suspeito.html

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