quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Guarda compartilhada (Luiz Fernando Valladão)

A guarda compartilhada, embora já admitida por parte da doutrina e jurisprudência, só foi incluída em nosso direito positivo com o advento da lei 11.698/08. Esta norma incluiu no Código Civil o referido instituto, estabelecendo que "quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada".

Na interpretação deste dispositivo, prevalecia, até então, o entendimento jurisprudencial no sentido de repudiar a divisão da custódia física do filho. Em outras palavras, entendia-se que, inexistindo uma verdadeira harmonia entre os pais, ficaria inviabilizada a divisão igualitária do tempo da criança entre os mesmos. Isto se justificava porque, sem esta harmonia, o filho, ao passar metade da semana com um genitor e a outra metade com outro, ficaria sujeito às influências e interferências negativas decorrentes do conflito.

De fato, o bem estar da criança sempre foi a bússola que deveria orientar qualquer decisão judicial acerca da guarda da mesma. Neste contexto, configura-se agressivo ao equilíbrio do filho sujeitá-lo às constantes divisões na sua custódia física.

Na verdade, passou-se a sustentar que a guarda compartilhada não importava, necessariamente, na divisão igualitária desta custódia física entre os pais. O objetivo da guarda compartilhada - sustenta autorizada doutrina e jurisprudência - seria, em especial, o de dividir responsabilidades relacionadas à criação do filho, como, por exemplo, escolha de escola, interferência na formação religiosa e nas atividades esportivas, etc.

Todavia, recentemente, o STJ proferiu decisão que estabeleceu um novo paradigma. Com efeito, ao julgar determinado recurso especial, relatado pela eminente Ministra Nancy Andrigy, a Corte reafirmou que a regra geral deve ser a guarda compartilhada, inclusive com o compartilhamento da custódia física do filho. Destaque-se daquele acórdão a afirmativa no sentido de que "reputa-se como princípios inafastáveis a adoção da guarda compartilhada como regra, e a custódia física conjunta como sua efetiva expressão".

Pois bem, tal decisão mostra o quanto é importante que os filhos convivam com os pais. As crianças devem curtir o convívio do pai e da mãe, independentemente de estarem em litígio ou em desarmonia. Trata-se de um novo referencial, a funcionar como uma provocação aos que tiveram a infelicidade de ver naufragar uma relação afetiva, mas que não deixaram de ser os genitores.

Penso que, embora se trate de uma posição louvável do STJ, deve-se interpretá-la com o cuidado que todo conflito familiar exige. Ora, existem casos em que o longo tempo vivido sob a guarda unilateral pode tornar inviável a guarda compartilhada com a custódia física conjunta. De igual forma, outras situações em que características específicas do pai ou da mãe podem não recomendar esta divisão igualitária no contato físico, sob pena de graves e prejudiciais interferências na criação do filho.

Enfim, como toda novidade, esta decisão deve ser aplicada no futuro em casos concretos. Porém, isto deve ocorrer com parcimônia e com a observância, sempre, da opinião de profissionais que detêm o conhecimento necessário para o estudo social ao redor dos personagens envolvidos nestes episódios.
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Luiz Fernando Valladão é advogado e diretor do IAMG- Instituto dos Advogados de Minas Gerais

Filhos da mãe, até quando? (Maria Berenice Dias)

Os números mais do que impressionam. Assustam. No registro de nascimento de quase cinco milhões de crianças e adolescentes matriculados nas escolas brasileiras, consta somente o nome da mãe.

Diante desse dado, de pouco adianta o ECA (26) e o Código Civil (1.609) admitirem que o reconhecimento dos filhos não ocorra somente por ocasião do registro do nascimento. Vale tanto escritura pública como escrito particular e até testamento. Também pode ser feito perante o juiz, e isso em qualquer demanda judicial (CC 1.609 IV).

Do mesmo modo, absolutamente ineficaz o procedimento criado pela lei 8.560/92, chamado de averiguação oficiosamente da paternidade. Por ocasião do registro do nascimento, o Oficial do Registro Civil tem o dever de questionar a genitora e comunicar ao juiz sobre a identidade do suposto pai. O magistrado, depois de ouvir a mãe deve notificar o genitor. Sempre que houver silêncio, omissão ou negativa, ao Ministério Público cabe propor ação investigatória de paternidade.

Sequer a presunção de paternidade – gerada pela lei 12.004/2009, quando há recusa do réu em se submeter ao exame de DNA – conseguiu reverter o número dos chamados "filhos de pais desconhecidos". As consequências dessa omissão são severas. Subtrai do filho o direito à identidade, o mais significativo atributos da personalidade. Também afeta o seu pleno desenvolvimento, pois deixa de contar com o auxílio de quem deveria assumir as responsabilidades parentais. Claro que a mãe acaba onerada por assumir sozinha um encargo que não é só seu.

Visando reverter esta realidade o Conselho Nacional de Justiça – CNJ instituiu o "Programa Pai Presente", por meio do Provimento 12/2010, determinando às Corregedorias de Justiça dos Tribunais de todos os Estados que encaminhem aos juízes os nomes dos alunos matriculados sem o nome do pai, para que deem início ao procedimento de averiguação da paternidade.

Agora, o CNJ, por meio do Provimento 16, de 17/2/2012, faculta tanto à mãe, como ao próprio filho maior de idade, comparecerem perante qualquer Cartório do Registro Civil apontando o suposto pai. O Oficial lavra um termo e o encaminha ao juiz que ouve a mãe e notifica o genitor. Não havendo o reconhecimento espontâneo o Ministério Público ou a Defensoria Pública propõe ação investigatória de paternidade.

Ainda que reste evidenciado o esforço de reverter o número de "filhos da mãe", absurdamente é assegurado que a notificação ao pai seja feita em segredo de justiça.

Ao depois, de forma mais do que injustificada, é determinada a propositura de uma ação investigatória de paternidade. Mesmo que tenha sido notificado judicialmente, o indigitado pai deverá ser citado, podendo fazer uso de todas as manobras para procrastinar o fim da demanda. Enquanto isso o filho fica sem alimentos, sem nome e sem identidade. Sabe-se lá por quanto tempo!

Mais uma vez evidencia-se o exacerbado protecionismo ao homem, que acaba sendo o grande beneficiado.

Afinal, sempre teve direito ao livre exercício da sexualidade, como prova de virilidade, alvo da admiração e inveja de todos. Ou seja, a sociedade é conivente com sua postura irresponsável, pela qual paga o próprio Estado que precisa cumprir o comando constitucional de assegurar a crianças e adolescentes, com absoluta prioridade, todos os direitos inerentes à cidadania.
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* Maria Berenice Dias é advogada do escritório Maria Berenice Dias Advogados

Fonte: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI150688,61044-Filhos+da+mae++ate+quando?

Má qualidade de pacote turístico

Em razão de cinzas vulcânicas o voo atrasou. Passageiros foram colocados em ônibus sujos, sem calefação no inverno. Faltou comida.

Um casal de Porto Alegre obteve no TJRS a confirmação do direito à indenização em razão da péssima qualidade da parte terrestre de um pacote turístico com destino a Bariloche. A decisão da 11ª Câmara Cível do TJRS confirmou a sentença e manteve em R$ 4 mil, corrigidos monetariamente, o valor a ser pago.

Osvaldo Biz e Célia Regina Biz ingressaram com ação de reparação ação por danos morais depois de contratar pacote de serviços com a empresa Beth Turismo e Viagens Ltda., para Bariloche, na Argentina. A empresa - com endereço no Shopping Praia de Belas, em Porto Alegre, é franqueada da CVC Viagens.

Em razão de cinzas vulcânicas o voo atrasou, sendo posteriormente transferido para outro aeroporto, que não o de Bariloche, de onde os turistas seguiram de ônibus até o destino final. Porém, o serviço terrestre prestado foi de péssima qualidade.

Osvaldo e Célia narraram - e testemunha que passou pelos mesmos transtornos confirmou - que ficaram sem água e comida suficientes, os banheiros do coletivo eram sujos e infectos. As bagagens ficaram expostas em piso de terra e o trajeto e condições do ônibus foram lamentáveis, pois o veículo sequer possuía calefação diante das baixas temperaturas e o piso era repleto de furos. Soma-se a isso o fato de os lanches estarem frios e duros e a fruta oferecida, imprópria para o consumo.

A sentença, proferida em primeiro grau pela juíza Elisabete Corrêa Hoeveler, foi pela procedência do pedido principal, condenando a agência de turismo ao pagamento da indenização. A denunciação à lide da Tam foi negada.

Irresignada com a decisão, a empresa Beth Turismo recorreu ao TJRS, preliminarmente contra o indeferimento da denunciação à lide. No mérito, alegou ter apenas efetivado a venda do pacote de viagem, não sendo responsável pela parte terrestre do transporte. Ressaltou que o voo atrasou por conta de um fenômeno meteorológico, a respeito do qual os passageiros foram informados, sendo que os autores não deixaram de usufruir do pacote turístico.

No entendimento do relator, desembargador Bayard Ney de Freitas Barcellos, a agência de viagens que vendeu o pacote turístico é responsável por ser prestadora de serviços, conforme disposto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, descabe a denunciação à lide da empresa aérea, uma vez que a inconformidade não diz respeito ao atraso do voo, sendo incontroversa a presença de cinzas vulcânicas.

O pedido dos autores diz respeito à falta de atenção e consideração dada aos passageiros durante a realização do pacote turístico, diz o voto do relator. O total descaso para com os passageiros restou incontroverso: "o defeito na prestação do serviço ficou demonstrado porque o contrato não foi devidamente cumprido".

Em nome dos autores atuaram os advogados Fabio Gustavo Biz e Luis Henrique Guarda. (Proc. nº 70040601643 - com informações do TJRS e da redação do Espaço Vital).

Fonte: JUSBRASIL

O "grito" do usuário de planos de saúde

"A palavra mais importante para as operadoras ainda é o lucro. Isso é inadmissível quando o objeto do contrato é a prestação do serviço em saúde, essencial na preservação da dignidade humana". Análise feita pela advogada Sandra Franco. Por Sandra Franco,advogada (OAB/SP nº 161.660), membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB/SP

O artigo da Lei nº 9.656/98 traz a definição de Plano Privado de Assistência à Saúde como aquele que se caracteriza pela prestação continuada de serviços, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde.

As operadoras dos planos de saúde, portanto, jamais poderiam alegar desconhecimento em relação ao objeto dos serviços oferecidos em seus contratados, sendo qualquer determinação contrária à definição legal passível de ser questionada perante a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANS) ou, ainda, perante o Poder Judiciário.

Como precedente para a garantia dos direitos de 47 milhões de cidadãos, usuários do sistema privado de saúde, a 4ª Turma do STJ entendeu, ao julgar um recurso especial contra decisão do TJ-SP, ser abusiva a cláusula limitativa de custos presente nos contratos das operadoras.

As situações em que as cláusulas de um contrato são consideradas abusivas estão no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. O item IV, por exemplo, traduz exatamente a situação em que se vê o usuário quando seu direito ao tratamento de uma enfermidade está limitado, impossibilitando-lhe o exercício de seu direito à saúde. Ao fixar um montante ínfimo quando se fala em internação em UTI", como afirmou o ministro do STJ, Raul Araújo, o plano de saúde colocou o consumidor em desvantagem incompatível com a boa-fé ou a equidade.

Por evidente, a operadora de saúde que recusa a cobertura para a permanência de paciente internado em UTI (Unidade de Terapia Intensiva), provoca frustração e coloca paciente e família na situação aflitiva quanto ao pagamento das despesas. Tais sentimentos ultrapassam o chamado mero aborrecimento e caracterizam um dano moral que deve ser indenizado.

Proporcionalmente ao crescimento de usuários da saúde privada, em 2011, aumentaram em 40% as queixas contra as operadoras de saúde junto aos órgãos de defesa do consumidor, a ANS ou judicialmente. Preocupante!

A ANS mantém uma Central de Atendimento ao Consumidor pelo qual a informação mais acessada é a que apresenta o que o plano de saúde pode restringir. De forma clara, a ANS apresenta as portas de entrada, ou seja, as formas como as operadoras de saúde podem controlar o acesso do usuário aos seus serviços. A diretriz essencial está em consonância com os princípios constitucionais das garantias individuais, bem como com os enunciados do Código de Defesa do Consumidor: as operadoras não podem restringir, dificultar ou impedir qualquer tipo de atendimento ou procedimento que constar no contrato.

É fato que o consumidor, por vezes, é passivo quanto aos contratos chamados de adesão: quer pela impossibilidade de alterá-los de imediato, quer pelo desconhecimento dos termos expostos ou ainda pelo desconhecimento de seus direitos ao que parece, as operadoras de saúde têm-se aproveitado economicamente dessa aparente vantagem.

No entanto, no momento em que o usuário do plano de saúde é confrontado com uma negativa dos serviços que entende serem devidos, e após se cansar das inúmeras solicitações sem respostas feitas à operadora, o caminho do Judiciário é sua última esperança. As operadoras sabem disso; mas sabem também que nem todo consumidor irá esgotar os recursos.

A ANS está se esforçando em seu papel de reguladora. Porém, ainda falta muito para que os regulados cumpram suas obrigações sem que estejam a todo tempo sob o poder coercitivo da lei. Na prática, o consumidor que grita mais alto tem seu direito garantido. O consumidor que busca o Judiciário tem seus direitos amparados. A palavra mais importante para as operadoras ainda é o lucro, todavia isso é inadmissível quando o objeto do contrato é a prestação do serviço em saúde, esta sem dúvida, essencial na preservação da dignidade humana.

drasandra@sfranconsultoria.com.br
Fonte: JUSBRASIL

Culpa in eligendo e in vigilando: por que os pais pagam pelo bullying das filhas?

Saiu na Folha de hoje (29/02/12):
"Pais terão que pagar R$ 15 mil por bullying praticado por filhas
Os pais de duas adolescentes de Ponta Grossa (PR) foram condenados pela Justiça a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais pela prática de bullying cometida por suas filhas em 2010.
Segundo o processo, as amigas - que tinham entre 12 e 13 anos- invadiram a conta do Orkut de uma colega de sala e mudaram senha, fotos e descrições da garota, fazendo comentários de cunho sexual.
"


Se as filhas tivessem matado a outra adolescente, eles não iriam para a prisão no lugar delas. Então por que eles são obrigados a repararem o dano causado por elas?

Porque em direito civil temos o que se chama de culpa in vigilando: aqueles que têm obrigação de vigiar tornam-se civilmente responsáveis pelos atos daqueles que deixam de vigiar adequadamente. Se as filhas causam o dano, os pais pagam pelo dano. É o que diz o art. 932, inciso I de nosso Código Civil: "São também responsáveis pela reparação civil (...) os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia"

Um outro instituto jurídico muito parecido é chamado culpa in eligendo. 
Cachorra morre após ser agredida em pet shop
Uma cadela yorkshire morreu após um funcionário de um pet shop de Curitiba acertar sua cabeça com um instrumento para tosa, no dia 17 (…) O funcionário alegou que a cadela tentou mordê-lo. A yorkshire media cerca de 30 centímetros e pesava 2 quilos (…) A loja Petshow demitiu o funcionário, doou uma yorkshire para Santos e pagou a cremação de Mia.
O gerente, Luciano Mafra, diz que a loja não se eximiu da culpa
” (Folha de S.Paulo, 27/09/11)

Quando sua empresa contrata um funcionário e esse funcionário age em seu nome, sua empresa se torna responsável pelas ações desse funcionário. Se ele errar, a empresa é responsável pelo erro dele. É o que os juristas chamam de culpa in eligendo, ou culpa por ter escolhido a pessoa (funcionário) errado. Isso está no art. 932, III de nosso Código Civil, diz que “são (…) responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Além disso, a Súmula 341 do STF diz que “é presumível a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

Mas existe um detalhe muito interessante aqui:

Se a pessoa é um funcionário de uma empresa privada, a vítima precisa provar que sofreu um dano e que esse dano foi originado pela ação do funcionário. Além disso, ela precisa provar que quem errou o fez com culpa (foi negligente ou imprudente) ou dolosamente (fez de propósito ou assumiu o risco de causar aquele dano).

Mas se a pessoa é um servidor do governo, a vítima só precisa provar que sofreu um dano e que esse dano foi originado pela ação do funcionário. A vítima não precisa provar a culpa ou dolo do servidor público. Ou seja, ele não precisa provar o que se passava pela cabeça do servidor público. Ainda que tenha sido um mero acidente, o governo continua responsável pela dano causado por seu servidor. Ele é responsável pela indenização, independente da culpa de seu servidor: dano e causalidade são suficientes.

Mas a história não termina aqui. Quem errou deve pagar por seu erro se extrapolou a permissão que tinha de sua empresa ou governo. Se Zezinho, pedreiro de uma grande empreiteira, tinha autorização para usar uma picareta e decidiu por conta própria usar uma britadeira hidráulica, ele é responsável pela escolha que fez se essa escolha causar algum dano a uma terceira pessoa.

A terceira pessoa que sofreu o dano vai poder obter indenização da empreiteira (porque Zezinho era seu funcionário, causou um dano, e agiu com negligência, e a empresa é responsável por ter escolhido/contratado um funcionário ruim). Mas depois de pagar pelo dano, a empreiteira tem o direito de tentar recuperar o prejuízo: para isso, ela pode processar Zezinho. A mesma coisa se foi um servidor público quem causou um dano pelo qual o governo teve de pagar.

A maior parte das empresas prefere simplesmente demitir o funcionário, mas isso não quer dizer que elas não possam processar quem lhes causou um dano. Esse direito do patrão – chamado de direito de regresso pelos juristas – está no artigo 934 de nosso Código Civil, que diz que quem “ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou”. Mas para que ela possa processar o agora ex-funcionário, ela terá de provar não só culpa e causa, mas também que o servidor agiu de forma voluntária ou foi negligente, ou imprudente. E o mesmo vale para o governo contra o servidor público.


Já os pais da primeira matéria não têm esse direito. Isso porque o mesmo art. 934 diz que o ascendente (os pais, por exemplo) não têm direito de ser ressarcido pelo dano causado pelo descendente (as filhas, no caso acima). O mesmo vale se quem causou dano era incapaz. No caso do pet shop, se a vendedora era menor de idade, o pet shop teria que pagar pelo dano à dona do cão, mas não teria direito de ser ressarcido pela empregada menor de idade.
http://direito.folha.com.br/1/post/2012/02/culpa-in-eligendo-e-in-vigilando-por-que-os-pais-pagam-pelo-bullying-das-filhas.html

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Exercício 4 sobre Sucessão do cônjuge e do companheiro

DIREITO DAS SUCESSÕES – PROF.ª PATRÍCIA DONZELE CIELO
Exercício 4 sobre Sucessão do cônjuge e do companheiro

1 – Quando Gonzaga e Bete se casaram ele era viúvo e tinha 4 filhos e 2 netos. Falecendo Gonzaga, como fica o quinhão de cada herdeiro nas seguintes situações:

a) Estão vivos Bete e os 4 filhos de Gonzaga.

b) Estão vivos Bete e 3 filhos de Gonzaga. O filho pré-morto deixou dois netos.

c) Estão vivos Bete e os dois netos.

2 – Telma e Carlos se casaram e tiveram 1 filho, sendo que ela já tinha 1 filho antes do casamento com outro homem. Com a morte de Telma, como fica o quinhão de cada herdeiro?

3 – Roger e Adriane tiveram 4 filhos. Com a morte de Roger, como fica o quinhão de cada herdeiro?

3º Exercício sobre Sucessão de colaterais

DIREITO DAS SUCESSÕES – PROF.ª PATRÍCIA DONZELE CIELO
3º Exercício sobre Sucessão de colaterais

1. Ângelo falece deixando como herdeiros seus irmãos Teobaldo (com 3 filhos) e Francisco (com um filho). Analise de acordo com as situações abaixo e responda como ficarão os quinhões de cada herdeiro.

a) Teobaldo é pré-morto em relação a Ângelo.

b) ) Teobaldo e Francisco faleceram antes do irmão.

c) Teobado e seus 3 filhos faleceram antes do irmão, mas um de seus filhos deixou um neto vivo.

2. Rosinha têm como herdeiros apenas seus 4 irmãos, sendo dois deles bilaterais e dois unilaterais.
Como fica a divisão da sua herança?

3. Matheus falece e deixa 1 sobrinho e 1 tio.  Qual é o grau de parentesco destes para com Matheus? Como fica a divisão da sua herança?

2 ºExercício sobre Sucessão em linha reta

DIREITO DAS SUCESSÕES – PROF.ª PATRÍCIA DONZELE CIELO
2 ºExercício sobre Sucessão em linha reta

1. Renata têm 4 filhos e 5 netos, sendo 2 de uma filha e 3 de outra. Ao falecer Renata, constata-se que 3 de seus filhos são pré-mortos, tendo sobrevivido 1 filho que não lhe deixou netos. Qual será o quinhão de cada herdeiro?

2. Se o autor da herança teve dois filhos (F1 e F2), com, respectivamente, dois e um filho (N1F1, N2F1, N3F2, três netos do de cujus), responda qual será o quinhão de cada herdeiro nos seguintes casos:

a) Se pré-morto o primeiro filho e vivo o segundo.

b) Se vivo o primeiro e pré-morto o segundo.

c) Na falta de ambos os filhos.

3. Na questão anterior qual será a melhor sucessão para os dois primeiros netos comparando com o terceiro neto? Por cabeça ou por representação?

4. Cleusa falece sem deixar descendentes ou progenitores vivos. Qual será o quinhão de cada herdeiro se:

a) Estiverem vivos seus avós paternos e a avó materna.

b) Estiverem vivos a avó materna e um bisavô paterno.

c) Estiverem vivos todos os bisavôs maternos e um bisavô paterno.

Exercício 1 sobre Sucessão em linha reta

DIREITO DAS SUCESSÕES – PROF.ª PATRÍCIA DONZELE CIELO
Exercício 1 sobre Sucessão em linha reta

1. Ana é viúva e tem duas filhas, Paula e Tônia. Elas vivem no único bem que Ana possui, junto com os dois netos filhos de Paula. Analise de acordo com as situações abaixo e responda como ficarão os quinhões de cada herdeiro.

a) Em julho deste ano Paula falece em um acidente de carro e, com a notícia da morte, Ana não resiste e tem uma parada cardíaca que a leva a óbito.

b) Em uma briga, Paula fica com tamanha raiva que desfere um golpe de facão em sua mãe, matando-a. Tônia entra com processo e consegue a declaração de indignidade da irmã.

c) Ana falece e Paula renuncia a herança.

d) Ana falece e suas filhas renunciam a herança.

e) Paula foi condenada penalmente por ter cometido injúria grave contra a sua mãe, que por este motivo validamente a deserdou em testamento. Dois meses após a deserdação, Ana vem a falecer.

2. Totonho mora em uma fazenda de sua propriedade com seus 4 netos órfãos, sendo 3 deles irmãos. Falecendo Totonho, qual será o quinhão de cada neto?

Club Athletico Paulistano terá que incluir companheiro de sócio como dependente

O juiz de Direito Dimitrios Zarvos Varellis, da 11ª vara Cível de SP, determinou que o cirurgião plástico Mario Warde Filho e a filha dele sejam incluídos como dependentes do médico infectologista Ricardo Tapajós, sócio do clube Club Athletico Paulistano.

Em agosto de 2010, o Conselho Deliberativo do Paulistano não acolheu pedido do sócio que queria ter como co-titular o companheiro. O clube que aceita um casal, mesmo não casado no papel, tenha título dependente, não permitiu que isso acontecesse com casais do mesmo sexo.
Em outubro do mesmo ano, a Comissão Jurídica do Clube elaborou um parecer favorável ao pedido do sócio. O texto, assinado pelo jurista Euclides Benedito de Oliveira, traz que "os pontos distintivos das uniões de cunho afetivo - familiar, em especial a união estável, conquanto não haja previsão legal específica ou estatutária de determinada instituição particular, abona a tutela jurídica ao ente familiar no seu mais alargado conceito, de modo atender com efetividade aos anseios de garantia do bem-estar da comunidade social que se instale a partir do relacionamento humano".
Mesmo assim, o pedido de Ricardo não foi atendido e ele ingressou com medida judicial contra o clube. O magistrado Dimitrios Zarvos Varellis julgou a ação procedente.
Veja abaixo a íntegra da decisão.
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Vistos.
RICARDO TAPAJÓS MARTINS COELHO PEREIRA, devidamente qualificado nos autos, propôs a presente AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER em face de CLUBE ATHLÉTICO PAULISTANO, alegando, em síntese, viver em união estável com Mário Jorge Warde Filho e ter tentado incluí-lo junto com sua filha, Mariana Francischini Warde, como dependentes em seu título familiar do clube réu.
Entretanto, seu pedido foi indeferido.
Após sustentar o direito que entendia aplicável ao caso, requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que o réu fosse obrigado a incluí-los como dependentes do título familiar, e a procedência da ação com a confirmação da antecipação pretendida. Com a inicial vieram documentos. A antecipação dos efeitos da tutela foi indeferida.
Devidamente citado, o réu apresentou contestação acompanhada de documentos, na qual argüiu carência de ação por falta de interesse processual. Quanto ao mérito, sustentou a impossibilidade da inclusão, conforme artigo 21, §2º, de seu estatuto. Pleiteou a improcedência da ação.
A réplica veio aos autos.
É o relatório.
Fundamento e decido.
A ação comporta julgamento antecipado nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil, uma vez que, sendo de fato e de direito a questão de mérito, não há necessidade da produção de outras provas em Juízo. A preliminar de carência de ação fica rejeitada, na medida exata em que não existe a falta de interesse processual referida pelo réu em sua contestação.
O interesse processual é aquele que a parte tem ao ajuizamento da ação na qual, pelo meio processual adequado, busca uma prestação jurisdicional que, em tese, lhe é útil e necessária. É evidente que, no caso dos autos, o requerente possui o interesse processual ao ajuizamento desta ação, na medida exata em que o pedido por ele formulado na esfera administrativa foi indeferido por decisão proferida pelo Conselho Deliberativo do réu, decisão esta sem possibilidade de recurso, como se observa as fls.81.
Observe-se, ainda, que a discussão sobre o acerto, ou não, da referida decisão proferida pelo Conselho Deliberativo do réu não encontra qualquer espaço na preliminar argüida, porque tema próprio do mérito da ação.
Por fim, é imperioso ressaltar que a necessidade de esgotamento da via administrativa à modificação do estatuto do clube pelo autor de forma prévia ao ajuizamento desta ação, tal qual referida em preliminar de contestação, não existe. Tal reconhecimento decorre de um aspecto de natureza estritamente jurídica, a saber, a interpretação do Areópago Supremo Tribunal Federal aos artigos 226, § 3º, da Constituição Federal, e 1.723, “caput”, do Código Civil, ainda que esta interpretação tenha sido consubstanciada no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 – Rio de Janeiro, ocorrido quando já ajuizada esta ação. Quanto ao mérito, a ação é procedente. A negativa administrativa ao pedido formulado pelo requerente, por parte do Conselho Deliberativo do réu, baseada no parágrafo segundo do artigo 21 do estatuto do clube (fls.81), não mais se sustenta após a interpretação do Areópago Supremo Tribunal Federal aos artigos 226, § 3º, da Constituição Federal, e 1.723, “caput”, do Código Civil, ainda que esta interpretação tenha sido consubstanciada no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 – Rio de Janeiro, ocorrido quando já ajuizada esta ação. O artigo 21, “caput”, e seu § 1º, do estatuto do réu, dizem que, “in verbis”:
“Artigo 21 – A classe Familiar é representada pelo associado e seus dependentes. São considerados dependentes da família:
§ 1º - O cônjuge, o (a) companheiro (a) em união estável, nos termos dos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil, os filhos e enteados menores de dezoito anos”.
Pois bem. Como dito acima, após a definitiva interpretação do Areópago Supremo Tribunal Federal aos artigos 226, § 3º, da Constituição Federal, e 1.723, “caput”, do Código Civil, consubstanciada no julgamento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 – Rio de Janeiro, a entidade familiar pode ser constituída da união estável entre pessoas do mesmo sexo, o que torna letra morta a parte inicial do parágrafo segundo do artigo 21 do estatuto do clube, que tem a seguinte redação, “in verbis”:
“§ 2º - A união estável entre o homem e a mulher não impedidos de contrair matrimônio, nos termos da lei civil, é reconhecida como entidade familiar, comprovada com a apresentação da escritura pública e demais meios de prova”.
Confira-se a ementa do julgamento proferido pelo Areópago Supremo Tribunal Federal na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 – Rio de Janeiro, “in verbis”:
“1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO.
Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir "interpretação conforme à Constituição" ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.
2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA.
O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de "promover o bem de todos". Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana "norma geral negativa", segundo a qual "o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido".
Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da "dignidade da pessoa humana": direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual.
O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea.

3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO "FAMÍLIA" NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA.
O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos.
A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão "família", não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica.
Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por "intimidade e vida privada" (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família.
Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes.
Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.
4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE "ENTIDADE FAMILIAR" E "FAMÍLIA".
A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas.
Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969.
Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia "entidade familiar", não pretendeu diferenciá-la da "família". Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado "entidade familiar" como sinônimo perfeito de família.
A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice.
Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem "do regime e dos princípios por ela adotados", verbis: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".
5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO.
Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição.
6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA "INTERPRETAÇÃO CONFORME"). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES.
Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de "interpretação conforme à Constituição". Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva” (grifos nossos).

Por fim, é bom observar não haver nos autos questionamento algum do requerido em relação à união estável referida em inicial, que, de resto, foi plenamente comprovada pelo autor com os documentos que instruem a inicial.
Ante o exposto, e de tudo o mais que dos autos consta, julgo procedente a presente ação determinando ao réu a inclusão de Mário Jorge Warde Filho e de sua filha Mariana Francischini Warde como dependentes do requerente em seu título de classe familiar do clube.
Condeno o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, devidamente atualizadas a partir do desembolso pelo autor, e de honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.500,00, o que faço com amparo no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil.
P.R.I.C São Paulo, 15 de fevereiro de 2.012.
MITRIOS ZARVOS VARELLIS
Juiz de Direito
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Houaiss e os ciganos: sobre liberdades de expressão e de imprensa

Saiu na Folha de hoje (28/02/12):
Promotoria [sic] vê preconceito em dicionário Houaiss
O Ministério Público Federal quer retirar de circulação exemplares do dicionário Houaiss, sob alegação de que a obra contém referências ‘preconceituosas’ e ‘racistas’ contra ciganos.
Em versões eletrônicas, o Houaiss chega a definir a palavra ‘cigano’ como ‘aquele que faz barganha’, ‘esperto ao negociar’ e ‘apegado ao dinheiro, agiota, sovina’.
A ação, proposta pela Procuradoria em Uberlândia (MG), pede a supressão dos termos e o pagamento, pela editora Objetiva e Instituto Antônio Houaiss, de R$ 200 mil de indenização por dano moral coletivo.
Segundo a Procuradoria, a significação atribuída violaria o artigo 20 da Lei 7.716/89, que tipifica o crime de racismo


Essa matéria é interessante para entendermos como a Justiça lida (ou deveria lidar) com duas normas válidas, mas antagônicas.

Nossa Constituição diz que todos devem ser tratados de forma digna e proíbe qualquer forma de preconceito ou negativa de discriminação. Isso inclui o direito de não ser chamado de “agiota, ou sovina” só por ser cigano.

Mas a mesma Constituição garante as liberdades de expressão e de imprensa. Se eu quiser escrever um texto sem pé nem cabeça, posso. É meu direito falar bobagem (e direito do leitor de não ler meu texto).

Mas o que acontece se eu escrevo um dicionário informando que a palavra ‘cigano’ tem, entre outras conotações, a de velhaco, trapaceiro ou sovina? Estou ferindo a dignidade dos ciganos ou estou apenas expressando minha opinião? Ou estou ferindo a dignidade mas meu direito de expressar minha opinião é mais importante (ou o contrário)? Faz diferença se o texto é informativo (um dicionário), opinativo (um editorial de um jornal) ou ficcional (um romance)?

Por exemplo, se eu digo que alguém de uma determinada religião é pilantra em um romance, eu posso estar simplesmente contando um drama. Eu não estou concordando com isso. Se coloco isso em um dicionário, estou explicando que aquele termo pode ser utilizado naquele contexto em determinado círculos. E se coloco em um editorial, aí sim, estou expressando meu acordo ou desacordo com tal uso.

E o que a Justiça faz ou deveria fazer para resolver a questão?

Se há uma hierarquia entre normas – por exemplo, uma norma está na Constituição e outra em uma lei – não há problema: a que está na norma superior sempre prevalece e a que está abaixo é declarada inconstitucional.

Mas se estão no mesmo nível – como no caso da matéria acima – a Justiça precisa olhar qual decisão causa piores consequências a longo prazo.

Em casos como o acima, a solução mais comum nas democracias é que proteja-se a liberdade de expressão. A razão é simples: quem se sentir ofendido pode sempre processar quem ofendeu, mas o contrário obrigaria os magistrados a passarem a decidir o que a sociedade quer e o que ela não quer, e esse é um papel que não cabe ao Judiciário. A vontade da sociedade é expressa nas eleições do Legislativo e do Executivo. Dos três poderes, o Judiciário é o único que não possui qualquer legitimidade de representação porque os magistrados não são eleitos.

Tente imaginar, por exemplo se o Judiciário se desse a prerrogativa de dizer o que pode ou não ser publicado: ele passaria a ter de ler todos os editoriais de todos os jornais antes da publicação, todos os livros antes de chegarem às bancas, todos os programas de TV antes de irem ao ar etc. Não daria certo.

Mas no caso da matéria acima o problema é mais complicado: o livro já foi publicado e o MP está processando a editora por conta disso. O que fazer nesse caso?

De fato cabe ao MP proteger os direitos difusos, incluindo os das minorias culturais, como os ciganos. Mas há mais um detalhe que a Justiça deve levar em conta antes de dizer que o MP tem razão: a definição do dicionário é meramente informativa ou tem o intuito de ofender?

Se você procurar no dicionário, verá que centenas de termos têm conotações negativas em determinados contextos: negro, crente, judeu, turco, bedel etc. Óbvio que esses usos têm conotações preconceituosas. Mas se a Justiça passa a proibir um dicionário de dizer que em determinados contextos essas palavras têm conotações negativas, ela se dá o direito de dizer o que entra e o que não entra na cultura de um país, e voltamos ao mesmo problema anterior: ela é o único Poder que não tem legitimidade democrática para tal. Seria a mesma coisa de ela começar a determinar o que um jornal pode e não pode reportar.

Se quisermos banir o uso de um termo ou usar leis para moldar a cultura, devemos fazer isso através de leis elaboradas pelo Legislativo. Por exemplo, em alguns países democráticos é proibido, por lei, negar o holocausto ou mesmo comprar o Main Kaumpf, o livro escrito por Hitler. Cabe ao Legislativo, como órgão mais próximo da vontade da sociedade, determinar se algo é tão ofensivo que sequer deve ser dito ou publicado.

Doadora de óvulo não é parente

Fertilização.blog.br Ex-par de lésbicas, que viveu junto por seis anos, se desentendeu no começo da gravidez. Filho está com a mãe que gestou o bebê; demanda judicial já dura três anos.
Duas enfermeiras - Gisele, 46 de idade e Amanda 42 - (*) , viveram juntas durante seis anos. No terceiro ano de união, decidiram ter um bebê por meio da fertilização in vitro.
Gisele cedeu os óvulos, que foram fecundados com espermatozoides de um doador anônimo e, depois, transferidos para o útero de Amanda. Na primeira tentativa, o tratamento não deu certo. Na segunda, a receptora engravidou de um menino.
O caso agora está em Juízo, onde uma decisão de primeiro grau afirmou que "doadora de óvulo não é parente da criança gestada".
As informações são do jornal Folha de S. Paulo, em sua edição de ontem. A matéria é assinada pela jornalista Claudia Collucci.
"Ouvir o coraçãozinho dele foi muito emocionante. Desde aquele momento, ele é a pessoa mais importante da minha vida", diz Gisele, com os olhos marejados.
Durante a gravidez, o par de lésbicas começou a se desentender. Gisele queria que seu nome também figurasse no registro de nascimento do filho; Amanda rejeitou a ideia. "Ela alegava que ele sofreria discriminação", diz Gisele.
Em 2008, o par de lésbicas se separou e Amanda ficou com a guarda do menino. "Cedi a todas exigências dela; deixei carro, deixei apartamento; saí com a roupa do corpo."
Segundo Gisele, a ex-companheira tornou-se evangélica e passou a negar a homossexualidade. "Ela escondia meu filho de mim. Sentia prazer em ver meu desespero."
Gisele entrou com uma ação pedindo o reconhecimento de maternidade, mas a sentença foi de improcedência do pedido.
Ao assumir o caso, a advogada Patrícia Panisa mudou de estratégia. "Naquele momento, os direitos dos casais homoafetivos ainda não estavam tão definidos e não adiantava insistir no reconhecimento da maternidade" - diz a profissional da Advocacia.
Patrícia optou por entrar com uma ação pedindo a guarda compartilhada da criança e visitas regulares. As visitas foram autorizadas, mas o pedido de guarda ainda não foi julgado.
Novos desdobramentos
Em dezembro passado, a relação do ex-par azedou ainda mais. "Eu iria passar o Natal e metade das férias com meu filho. Mas, novamente, ela escondeu ele e só consegui encontrá-lo com um mandado de busca e apreensão."
A advogada de Gisele entrou então com um pedido de reversão de guarda, sem desistir do pedido da ação principal ainda não julgada.
"A juíza negou a reversão de guarda, alegando que não tenho parentesco com ele. Fiquei indignada. Ele tem os meus genes, é a minha cara", diz Gisele. Sua advogada recorreu da decisão.
Gisele afirma que reúne provas de que Amanda negligencia nos cuidados do filho. "É comum ela deixá-lo trancado em casa sozinho. Já dei um celular com crédito para ele me ligar quando isso acontecer, mas ela fica com o aparelho. Eu me desespero pensando: e se ele passa mal? E se a casa pega fogo?"
Contraponto
A Folha de SP tentou falar com Amanda, mas, segundo seu advogado, ela não foi encontrada.

(*) Nota do editor - Os nomes usados são fictícios; o caso corre em segredo de Justiça.
Fonte: JUSBRASIL

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A prisão civil do alimentante inadimplente

(...) A indagação que aqui se apresenta, objeto de séria controvérsia no meio jurídico, causando dúvidas aos operadores do Direito, é: pode o credor, desde logo, optar pela prisão civil do alimentante relapso, ou deve primeiro exaurir as outras medidas executórias disponíveis? O tema é complexo e delicado, haja vista que envolve de um lado, a sobrevivência do alimentando, e de outro, o direito de ir e vir do alimentante devedor.

Todavia, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias oferecem resposta num e noutro sentido: há aqueles que sustentam a necessidade do esgotamento de todas as vias executórias comuns, para que se possa requerer a prisão do devedor irresponsável; outros entendem que não sendo possível a constrição pelos meios mencionados nos arts. 16 e 17 da Lei nº 5.478/68, o credor poderá utilizar-se de dois outros caminhos para fazer cumprir as obrigações alimentícias, estes de sua livre escolha e conveniência: o do art. 732 e do art. 733, ambos do CPC. Há ainda decisão judicial no sentido de que a ação executiva se processa pelo rito do art. 733, quanto às prestações recentemente vencidas (as seis últimas parcelas),³ visto que tais créditos perdem, com o tempo, o caráter alimentar, adquirindo feição meramente indenizatória, e na forma do art. 732, quanto às vencidas anteriormente.

Neste ponto, deve ser registrado, a título de atualização do texto, que após diversos julgamentos no Superior Tribunal de Justiça, em sede de habeas corpus e recurso especial tratando do mesmo tema, isto é, em que momento deve ser decretada a prisão do alimentante inadimplente, decidiu a Segunda Seção do STJ, em 27.04.2005,4 sumular a matéria, elaborando o Enunciado nº 309, que restou redigido, inicialmente, nos seguintes termos:
“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo.”
Posteriormente, o STJ julgando o HC 53.068-MS, na sessão de 22/03/2006,5  a Segunda Seção deliberou pela alteração da aludida súmula, cujo verbete nº 309 passou a ter a seguinte redação, in litteris:
“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.”
Na verdade, muitas discussões ocorreram nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial sobre qual deveria ser o marco inicial para o pagamento das parcelas atrasadas visando impedir a prisão, ou seja, até quantas parcelas deveriam ser quitadas pelo alimentante devedor para que não fosse preso, antes da elaboração, publicação e modificação da referida súmula. Finalmente, o STJ debruçou-se sobre a divergência que vinha se instalando e, espera-se, colocou uma pá de cal sobre a questão, atendendo, assim, aos anseios dos jurisdicionados.

Por conseguinte, com a nova orientação sumulada, fica patente o entendimento final no sentido de que a ação executiva se processa pela regra do art. 733 do CPC, quanto às prestações vencidas até três meses antes da sua propositura e na forma do art. 732 do mesmo diploma legal, quanto às vencidas anteriormente.

Feitas essas ponderações, cabe agora dar a minha ligeira opinião sobre o assunto em discussão, qual seja: se há ou não algum critério hierárquico para a utilização das vias judiciais postas à disposição do credor alimentado.

A prestação alimentícia, logicamente, deve ser cumprida espontaneamente, nos moldes da determinação judicial ou convenção das partes.

Contudo, como é cediço, nem sempre o alimentante satisfaz o pagamento do débito, razão pela qual, em assim ocorrendo, o legislador pátrio estabeleceu regras básicas para o procedimento executório, objetivando o cumprimento da obrigação.

Nesse sentido, não obstante os respeitosos entendimentos contrários, a meu ver, a lei não estabelece nenhuma escala hierárquica taxativa para o uso dos meios de cumprimento forçado do débito alimentar, de modo que, em regra, o credor tem o direito de requerer, de pronto, a prisão do alimentante inadimplente.

Entretanto, é evidente que, quando existir possibilidade do desconto em folha de pagamento ou outras rendas, deve-se dar prioridade a esses meios, pois a prisão é sempre uma medida extrema e vexaminosa, repelida pela consciência jurídica.

Com efeito, a liberdade de locomoção é um direito fundamental preservado pela Constituição Federal. Porém, a vida a ela se sobrepõe, como um bem de valor maior.

Assim sendo, vejo como mais adequada a corrente segundo a qual, não sendo possível o adimplemento da obrigação mediante desconto em folha ou expropriação de rendimentos, o credor de alimentos poderá, desde logo, observado o disposto na súmula supracitada, requerer a prisão do devedor relapso, com base no art. 733 do CPC c/c o art. 19 da Lei de Alimentos, o qual será citado para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Não ocorrendo nenhuma dessas hipóteses, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo legal. No entanto, diante dos prazos distintos previstos no CPC (até três meses) e na Lei de Alimentos (até sessenta dias), diverge-se sobre o tempo da prisão.

Em princípio, a disposição do CPC, por ser lei posterior, deveria prevalecer sobre aquela especial. Acontece que, a prisão civil por alimentos não é de natureza punitiva e sim coercitiva, tanto que o seu cumprimento não isenta o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas (art. 733, § 2º do CPC). 

Portanto, data maxima venia das posições opostas, tenho como mais acertada a disposição prevista na lei especial, ou seja, por ser medida severa e excepcional, merece interpretação restritiva, aplicando-se, na espécie, a mais benéfica. Logo, quer nos alimentos provisórios, provisionais ou definitivos, a duração da prisão não deverá ultrapassar 60 (sessenta) dias.

Concluindo, convém lembrar que a prisão civil aqui tratada é cabível tão-somente no caso dos alimentos decorrentes da relação de direito de família. Inadmissível, destarte, sua cominação determinada por inadimplemento de obrigação alimentícia oriunda de responsabilidade civil por ato ilícito.

A matéria é vasta e oferece conotações diversas, motivo pelo qual não comporta aprofundamento maior nesta oportunidade.

MARTINS, Joaquim de Campos. A prisão civil do alimentante inadimplente. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3160, 25 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21157/a-prisao-civil-do-alimentante-inadimplente>

Aula - Pressupostos processuais objetivos

Os pressupostos processuais objetivos, segundo Vicente Greco Filho, "referem-se à regularidade dos atos processuais" . Subdividem-se em intrínsecos e extrínsecos.

2.6.2.1. Pressupostos processuais objetivos intrínsecos
São aqueles que se verificam dentro da relação processual, quais sejam: petição apta e citação válida.
2.6.2.1.1.Petição apta
Como já mencionado alhures, a existência do processo está subordinada à propositura de uma demanda a um órgão investido de jurisdição. A demanda é formulada através de uma petição inicial, ainda que de forma irregular.
Entretanto, para que a relação processual possa se desenvolver de forma regular e válida, é necessário que o pedido endereçado ao órgão jurisdicional seja apto, isto é, preencha determinados requisitos previstos pela lei processual.
Os arts. 282 e 283 do CPC exigem que a petição inicial seja encaminhasa ao juízo competente para o feito, que contenha os fatos e fundamentos jurídicos do pedido (causa de pedir), o pedido que delimita atuação do órgão jurisdicional (art. 128, CPC), as provas que pretende produzir para corroborar suas alegações, o valor da causa e o requerimento de citação do réu.
Na hipótese do autor deixar de atender, quando deduz sua pretensão em juízo, algum requisito do art. 282 do CPC, o juiz, verificando que tal irregularidade é sanável, proferirá um despacho determinando que o autor emende sua petição em certo prazo. Se o vício existente for insanável ou o autor não cumprir o despacho, a conseqüência será a extinção do processo com fundamento no art. 295, I, do CPC.

2.6.2.1.2.Citação válida
Citação é ato pelo qual o demandado toma conhecimento de que contra ele está sendo ajuizada uma demanda. A citação não é necessária para a formação do processo, uma vez que ele já existe antes dela.
Com a propositura da demanda, forma-se uma relação processual, a qual ainda é imperfeita ou anômala, porque constituída apenas de dois sujeitos: autor e juiz. O preenchimento do pólo passivo da relação processual com o ingresso do réu no processo, torna-a completa, isto é, com a citação, a relação jurídica linear torna-se trilateral.
Não basta, porém, como determina grande parte da doutrina, que exista a citação, isto é, o conhecimento do réu de que em face dele move-se uma demanda (conseqüência do princípio do contraditório: ciência e participação), mas é preciso que esta citação seja realizada conforme as regras exigidas pelo CPC. Assim, por exemplo, preceitua o art. 225, II do CPC, que o mandado deve conter o fim da citação, com todas as especificações constantes da petição inicial, bem como a advertência de que, caso o réu não ofereça contestação, haverá presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, se a causa versar sobre direitos disponíveis. Diante disso, se o réu é citado e não contesta no prazo, mas no mandado não consta a advertência prevista nos arts. 285 e 225, II, ambos do CPC, não sofrerá os efeitos da revelia.
Entretanto, a falta de citação nem sempre compromete o desenrolar dos atos processuais, pois é possível que o demandado, de outra forma, tome conhecimento da demanda e compareça para constestar. Nesse sentido, o parágrafo 1º do art. 214, CPC, assevera que "o comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação". Embora o caput do art. 214 preceitue que a citação inicial do réu é indispensável para a validade do processo, a exceção prevista no parágrafo 1º fez com que alguns processualistas não considerassem a citação como pressuposto de validade do processo.

2.6.2.2. Pressupostos processuais objetivos extrínsecos
São fatores externos que influem na formação da relação jurídica processual. São conhecidos também como pressupostos processuais negativos, pois sua "presença impede o julgamento do mérito". Rogério Tucci aduz que os pressupostos processuais objetivos extrínsecos, "referem-se à inexistência de fatos impeditivos de sua formação".

2.6.2.2.1. Litispendência
"Do latim litis, de lis, que significa lide, e pendentia, de pendere, que significa pender", o vocábulo litispendência tem duplo sentido. Pode se referir à existência de lide pendente, processo em andamento, como também pode significar o fenômeno de pressuposto processual negativo.
Conforme o disposto no art. 219 do CPC, a citação válida induz litispendência. Nessa hipótese, que representa o sentido originário do vocábulo, a litispendência foi utilizada no sentido de lide pendente, ou seja, para designar a existência de uma ação já em curso em juízo. Portanto, "litispendência, no sentido literal da palavra, é um estado de lide ainda não decidida, achando-se pendente de decisão judicial".
Sob outro aspecto, a expressão litispendência é empregada como pressuposto processual negativo do processo. É o que se deduz do teor do art. 267, V, do CPC, o qual determina que o juiz profira sentença terminativa, quando presente a figura da litispendência. Nesse caso, existem dois ou mais processos idênticos em curso, pois os elementos constitutivos das ações que os instauraram são os mesmos: partes, pedido e causa de pedir (tríplice identidade).
Empregada como pressuposto processual negativo, a litispendência assim é demonstrada, ilustrativamente, por Luiz Rodrigues Wambier:
A existência de um processo pendente entre A e B, baseado numa determinada causa de pedir que resulta no pedido X, desempenha o papel de pressuposto processual negativo para um outro processo entre A e B, que tenha a mesma causa de pedir e em que se formule o mesmo pedido.
Segundo Marcelo Abelha Rodrigues, "havendo tríplice identidade, estaremos diante de ações iguais, devendo ‘sobreviver’ a que primeiro alcançou a prevenção".
O fundamento da litispendência como pressuposto processual negativo está na economia processual e no perigo de decisões conflitantes.

2.6.2.2.2. Coisa julgada
Não obstante o princípio do duplo grau de jurisdição permitir o reexame das decisões dos órgãos jurisdicionais, existe um momento em que, os efeitos da sentença que decide a questão levada a juízo, tornam-se imutáveis, não sendo mais permitida a discussão da causa sentenciada no âmbito de outro processo. É a chamada coisa julgada, que segundo José Frederico Marques, consiste na "imutabilidade que adquire a prestação jurisdicional do Estado, quando entregue definitivamente".
A coisa julgada difere da litispendência, pois esta impede a propositura de uma ação em razão de já existir outra, de elementos idênticos, em curso, aquela impede que se mova uma ação já decidida.
Ressalta-se, entretanto, que há duas espécies de coisa julgada, a formal e a material. Conforme o magistério do professor Elpídio Donizetti Nunes:
Diz-se que há coisa julgada formal quando a sentença terminativa transita em julgado. Nesse caso, em razão da extinção da relação processual, nada mais pode ser discutido naquele processo. Entretanto, como não houve qualquer alteração qualitativa nem repercussão nenhuma na relação (intrínseca) de direito material, nada impede que o autor ajuíze outra ação, instaurando-se novo processo, a fim de que o juiz regule o caso concreto. (grifo nosso)
E prossegue ainda o magistrado mineiro:
Também a coisa julgada material ocorre com o trânsito em julgado da sentença (...). O que a diferencia da coisa julgada formal é que agora a sentença transitada em julgado não só encerra a relação processual, mas, além de por fim ao processo, compõe o litígio, havendo, portanto, uma modificação qualitativa na relação de direito material subjacente ao processo (...). A coisa julgada material pressupõe a coisa julgada formal, mas a recíproca não é verdadeira. A ocorrência da coisa julgada material veda não só a reabertura da relação processual, como qualquer discussão do direito material. A coisa julgada formal veda apenas a discussão do direito material no processo extinto pela sentença. (grifo nosso)
A coisa julgada é pressuposto processual negativo, pois impede a repropositura de nova ação que envolva as mesmas partes, tenha a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

2.6.2.2.3. Perempção
Perempção é a perda do direito de demandar em razão do processo ter sido extinto três vezes por abandono da causa, pelo autor, por mais de trinta dias.
Assim, quando o autor, pela quarta vez deduzir sua pretensão em juízo, o magistrado prolatará uma sentença que extinguirá o processo sem a análise do mérito (art. 267, III, CPC). Embora o autor não possa mais demandar sobre esta pretensão, a lei (art. 268, parágrafo único) permite que ele invoque seu direito em matéria de defesa. Ex.: ação possessória.
A doutrina não é unânime em considerar a perempção como pressuposto processual. Na visão de Luiz Rodrigues Wambier
a doutrina majoritária não relaciona a perempção dentre os pressupostos processuais negativos, por considerá-la fenômeno que atinge apenas o autor, não se constituindo, portanto, em pressuposto negativo para o réu, que poderá ser autor em idêntica ação. Trata-se segundo a doutrina majoritária, de fato impeditivo para a formação da relação processual válida por iniciativa do autor.
Em sentido contrário, obtempera Marcelo Abelha Rodrigues:
Não é o fato de se permitir seja a perempção alegável em matéria de defesa (que não se confunde com a propositura da ação), que sua natureza jurídica de pressuposto processual de validade negativo seja desfigurado. Portanto, existindo o fenômeno da perempção, não deve seguir adiante a relação processual.

2.6.2.2.4. Convenção de arbitragem
Com o escopo de diminuir o número excessivo de demandas judiciais e possibilitar uma solução mais rápida dos litígios, foi instituída pela lei nº 9.307/76 o juízo arbitral.
Na arbitragem, a lide é decidida por um juiz leigo (não togado) ou por uma instituição especializada (Câmara de Arbitragem). Através da convenção de arbitragem, "as partes se recusam a submeter o litígio, para acertamento do direito controvertido, ao Poder Judiciário(...)". A convenção de arbitragem pode ser de duas espécies: cláusula arbitral (antes da propositura da demanda) ou compromisso arbitral (processo já em curso).
A doutrina se divide quanto à convenção de arbitragem ser ou não pressuposto processual.
A Lei de Arbritagem (lei 9.307/96) alterou a redação do inciso VII do art. 267,CPC, substituindo o vocábulo compromisso arbitral pela expressão mais genérica, convenção de arbitragem. Ocorre que, o parágrafo 4º do art. 301, CPC, preceitua que "com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício as matéria enumeradas neste artigo". (grifo nosso)
Um dos entendimentos possíveis é o de que apenas o compromisso arbitral não é pressuposto processual negativo, uma vez que para seu reconhecimento é necessária a argüição da parte.
Digna de aplausos é a posição de Luiz Rodrigues Wambier:
A solução que permite compatibilizar a existência desses dois textos legais (art. 301, IX, e art. 301, parágrafo 4º) é a seguinte: a lei de arbitragem, ao alterar o inciso IX, incluindo a convenção de arbitragem como causa de extinção processo sem julgamento do mérito, teria revogado tacitamente o par. 4º, que é norma anterior à lei 9.307/96.
Se a intenção do legislador foi a de valorizar a arbitragem (equivalente jurisdicional) como meio alternativo de solução de litígios, a melhor interpretação parece ser a de considerar tanto a cláusula arbitral como o compromisso arbitral como pressupostos processuais negativos.
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RAIMUNDO, Leandro Silva. Dos pressupostos processuais e das condições da ação no processo civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 385, 27 jul. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5493>.