quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Culpa in eligendo e in vigilando: por que os pais pagam pelo bullying das filhas?

Saiu na Folha de hoje (29/02/12):
"Pais terão que pagar R$ 15 mil por bullying praticado por filhas
Os pais de duas adolescentes de Ponta Grossa (PR) foram condenados pela Justiça a pagar R$ 15 mil de indenização por danos morais pela prática de bullying cometida por suas filhas em 2010.
Segundo o processo, as amigas - que tinham entre 12 e 13 anos- invadiram a conta do Orkut de uma colega de sala e mudaram senha, fotos e descrições da garota, fazendo comentários de cunho sexual.
"


Se as filhas tivessem matado a outra adolescente, eles não iriam para a prisão no lugar delas. Então por que eles são obrigados a repararem o dano causado por elas?

Porque em direito civil temos o que se chama de culpa in vigilando: aqueles que têm obrigação de vigiar tornam-se civilmente responsáveis pelos atos daqueles que deixam de vigiar adequadamente. Se as filhas causam o dano, os pais pagam pelo dano. É o que diz o art. 932, inciso I de nosso Código Civil: "São também responsáveis pela reparação civil (...) os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia"

Um outro instituto jurídico muito parecido é chamado culpa in eligendo. 
Cachorra morre após ser agredida em pet shop
Uma cadela yorkshire morreu após um funcionário de um pet shop de Curitiba acertar sua cabeça com um instrumento para tosa, no dia 17 (…) O funcionário alegou que a cadela tentou mordê-lo. A yorkshire media cerca de 30 centímetros e pesava 2 quilos (…) A loja Petshow demitiu o funcionário, doou uma yorkshire para Santos e pagou a cremação de Mia.
O gerente, Luciano Mafra, diz que a loja não se eximiu da culpa
” (Folha de S.Paulo, 27/09/11)

Quando sua empresa contrata um funcionário e esse funcionário age em seu nome, sua empresa se torna responsável pelas ações desse funcionário. Se ele errar, a empresa é responsável pelo erro dele. É o que os juristas chamam de culpa in eligendo, ou culpa por ter escolhido a pessoa (funcionário) errado. Isso está no art. 932, III de nosso Código Civil, diz que “são (…) responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Além disso, a Súmula 341 do STF diz que “é presumível a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.

Mas existe um detalhe muito interessante aqui:

Se a pessoa é um funcionário de uma empresa privada, a vítima precisa provar que sofreu um dano e que esse dano foi originado pela ação do funcionário. Além disso, ela precisa provar que quem errou o fez com culpa (foi negligente ou imprudente) ou dolosamente (fez de propósito ou assumiu o risco de causar aquele dano).

Mas se a pessoa é um servidor do governo, a vítima só precisa provar que sofreu um dano e que esse dano foi originado pela ação do funcionário. A vítima não precisa provar a culpa ou dolo do servidor público. Ou seja, ele não precisa provar o que se passava pela cabeça do servidor público. Ainda que tenha sido um mero acidente, o governo continua responsável pela dano causado por seu servidor. Ele é responsável pela indenização, independente da culpa de seu servidor: dano e causalidade são suficientes.

Mas a história não termina aqui. Quem errou deve pagar por seu erro se extrapolou a permissão que tinha de sua empresa ou governo. Se Zezinho, pedreiro de uma grande empreiteira, tinha autorização para usar uma picareta e decidiu por conta própria usar uma britadeira hidráulica, ele é responsável pela escolha que fez se essa escolha causar algum dano a uma terceira pessoa.

A terceira pessoa que sofreu o dano vai poder obter indenização da empreiteira (porque Zezinho era seu funcionário, causou um dano, e agiu com negligência, e a empresa é responsável por ter escolhido/contratado um funcionário ruim). Mas depois de pagar pelo dano, a empreiteira tem o direito de tentar recuperar o prejuízo: para isso, ela pode processar Zezinho. A mesma coisa se foi um servidor público quem causou um dano pelo qual o governo teve de pagar.

A maior parte das empresas prefere simplesmente demitir o funcionário, mas isso não quer dizer que elas não possam processar quem lhes causou um dano. Esse direito do patrão – chamado de direito de regresso pelos juristas – está no artigo 934 de nosso Código Civil, que diz que quem “ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou”. Mas para que ela possa processar o agora ex-funcionário, ela terá de provar não só culpa e causa, mas também que o servidor agiu de forma voluntária ou foi negligente, ou imprudente. E o mesmo vale para o governo contra o servidor público.


Já os pais da primeira matéria não têm esse direito. Isso porque o mesmo art. 934 diz que o ascendente (os pais, por exemplo) não têm direito de ser ressarcido pelo dano causado pelo descendente (as filhas, no caso acima). O mesmo vale se quem causou dano era incapaz. No caso do pet shop, se a vendedora era menor de idade, o pet shop teria que pagar pelo dano à dona do cão, mas não teria direito de ser ressarcido pela empregada menor de idade.
http://direito.folha.com.br/1/post/2012/02/culpa-in-eligendo-e-in-vigilando-por-que-os-pais-pagam-pelo-bullying-das-filhas.html

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