sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Efeitos não patrimoniais da ausência: dissolução do casamento


Destas situações que a legislação anterior esquivou-se, encontra-se a questão do cônjuge do ausente. Percebeu-se, portanto, que o código de 1916 mantinha o mesmo em uma situação de "prisão" conjugal de forma a manter os impedimentos legais para contrair novo casamento, visto considerar a ausência como uma incapacidade e não reconhecer o divórcio, ainda não permitindo o status de viuvez, enquanto não fosse aberta a sucessão definitiva e a declaração da morte presumida, cabendo ainda preferencialmente ao supérstite a administração dos bens durante todas as fases da ausência (curadoria dos bens do ausente, sucessão provisória e definitiva). Em outras palavras, o código anterior apenas levava em consideração o patrimônio como tutela exclusiva do procedimento de ausência.

Não obstante, existiram algumas tentativas legislativas para positivar outras situações não patrimoniais antes da atual conjectura. Neste sentido, de acordo com Pereira (2009, p.192) o projeto do Código Civil de 1965 (Comissão revisora composta por Orozimbo Nonato, Orlando Gomes, Caio Mário) levantou o impedimento matrimonial, mas previa a nulidade do segundo matrimônio se reaparecesse o ausente, sendo portanto insuficiente.

Outrossim, com as mudanças sociais e desenvolvimento histórico do Divórcio (iniciado a partir da Lei 6.515 de 1977, absorvendo hoje a recentíssima Emenda Constitucional nº 66 de 2010, Art. 226, § 6º, da Constituição Federal de 1988) e a já prevista dissolução do matrimônio pelo fim real da pessoa natural, não poderia permanecer a legislação indiferente sobre o status indefinido que permanecia o cônjuge de ausente. Observa-se aqui uma situação que fere garantias individuais, a luz da atual Constituição, e a própria segurança jurídica, justamente por não ser salutar qualquer indefinição por tempo indeterminado, salvo se a pessoa abrisse mão de seus direitos sucessórios recorrendo ao divórcio a partir de 1977, caminho este não permitido na vigência do Código de 1916.

Apenas a partir do novo Código Civil passou ser possível a dissolução do matrimônio pela morte presumida.

A simples ausência da pessoa, ainda que prolongada, não tem, por si só, repercussão jurídica. O desaparecimento da pessoa sem notícia, não tendo deixado representante ou procurador, por outro lado, autoriza a declaração judicial de ausência, com nomeação de curador (Art. 22 do atual código). O decurso de tempo de ausência mais ou menos longo induzirá a possibilidade de morte da pessoa. Em matéria de direito patrimonial o simples desaparecimento ou ausência decretada não rompe o vínculo do casamento, o que ocorrerá somente pelo divórcio ou com a certeza ou reconhecimento presumido da morte (VENOSA, 2008, p.154).

Oportuniza-se, então, ao cônjuge sobrevivente o direito de escolha entre divorcia-se, abrindo mão de seus direitos sucessórios para contrair novo casamento sem impedimentos legais, ou esperar a decretação da morte presumida, com declaração de ausência ou não, permanecendo-se sucessora legítima do "de cujus", podendo contrair novo matrimônio sem impedimentos legais, atendendo somente certas exigências suspensivas (Art. 1.523, NCC).
... o novo Código Civil altera esta situação, decretando, no art. 1.571, § 1º, a dissolução do casamento pela ausência do outro cônjuge em decisão judicial transitada em julgado. Pode agora, o cônjuge do ausente, optar entre pedir o divórcio para se casar novamente ou esperar pela presunção de morte, que se dá com a conversão da sucessão provisória em definitiva. O divórcio, embora mais rápido, tem a desvantagem de fazer o cônjuge perder o direito à sucessão. Com efeito, sendo o cônjuge herdeiro ainda que haja descendentes ou ascendentes do de cujus (ou, no caso, do ausente), nos termos do art. 1.829 do novo Código, precisará, não obstante, conservar a posição de cônjuge até a conversão da sucessão provisória em definitiva, quando, só então, haverá realmente a vocação hereditária. Se se divorciar antes, embora tendo a vantagem de poder se casar novamente desde logo, terá a desvantagem de perder a capacidade sucessória do ausente (NETO, 2004, p.1).
Posiciona-se Gagliano e Filho (2010, p.176): "talvez a principal destas inovações seja a possibilidade de dissolução do matrimônio a partir da declaração do estado de ausência do cônjuge". Ademais, os mesmos autores destacam:
Esta forma de extinção não existia na codificação anterior, e restou bem observada pelo inteligente professor e amigo CRISTIANO FARIAS: "A grande novidade da Codificação quanto à disciplina jurídica do ausente é o reconhecimento de efeitos pessoais decorrentes da ausência, ao lado da tradicional proteção patrimonial"... Em nosso sentir, o reconhecimento da dissolução do vínculo por essa forma somente se dará após a abertura da sucessão definitiva do ausente, por força da última parte do supratranscrito § 1º, que faz referência à "presunção estabelecida por este Código para o ausente".
Outra inovação infere-se do fato de a codificação atual permitir que a morte presumida seja declarada antes mesmo de aberta a sucessão definitiva do procedimento da ausência em casos especiais, permitindo que certos efeitos entrem em vigor com a certeza ou extrema probabilidade do não retorno do ausente, como bem explica Maria Berenice Dias (2007, p.273):
Não só a morte efetiva, mas também a morte presumida (CC 6º e 7º) e a Declaração de Ausência (CC 22 a 39) dissolvem o casamento. A declaração de morte presumida sem a decretação de ausência pode ocorrer em duas hipóteses: quando for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida ou, no caso do desaparecimento em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra. Assim, depois de esgotadas buscas e averiguações, é possível a declaração da morte presumida, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento (CC 7º, parágrafo único). Obtida tal manifestação, é permito ao "viúvo presumido" casar.
Para Venosa (2008, p.156), embora aparente estar resolvida a questão da dissolução do matrimônio pela ausência, a legislação brasileira ainda não se preocupou com a hipótese do regresso do morto que encontra seu cônjuge casado com terceiro, destacando que isso deverá ocorrer cedo ou tarde. Ademais, o mesmo autor aponta que no direito argentino já se encontra positivado que o segundo matrimônio, desfeito o primeiro, deve prevalecer, "tanto mais quanto é possível que a novo matrimônio haja gerado filhos, que, de plano, ver-se-ão em dolorosa situação de ver destruído seu lar" (VENOSA apud GUILLERMO BORDA, 2008, p.155).

Por outro lado, Maria Berenice Dias aponta a solução "em face do silêncio da lei", em favor da prevalência do presente matrimônio, embora seja objeto de divergência doutrinária:
Em face do silêncio da lei, tem-se questionada o que ocorrer se o desaparecido aparece. A doutrina diverge mas, afirmando a lei que a morte presumida do ausente dissolve o vínculo matrimonial (CC 1.571, § 1º), não há que falar em bigamia. O novo casamento do cônjuge do ausente não poderá ser tido por inexistente, ou nulo, pois em matéria de casamento, não há nulidade sem previsão legal (DIAS, 2007, p.274).



RAMOS, Luiz Gustavo de Oliveira. Efeitos não patrimoniais da ausência. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3144, 9 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21052/efeitos-nao-patrimoniais-da-ausencia>

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