sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Jornalistas e o dano moral

Duas materias de ontem (23/02/12):

Estado de S.Paulo
Jornalista perde recurso no STJ e desiste de recurso

Um dos mais estranhos e polêmicos processos contra a imprensa, na história recente do País, está prestes a ser decidido - e contra o jornalista. Na terça-feira, 28, vence o prazo do recurso que o ex-correspondente do jornal O Estado de S. Paulo Lúcio Flávio Pinto, de Belém do Pará, poderia apresentar junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no processo em que um grande empresário lhe cobra uma indenização ‘por dano moral’. Cansado de brigar, sem recursos, sob o peso de 33 processos em duas décadas, o jornalista decidiu que não vai mais recorrer (…)
O empresário que o processou era Cecílio do Rego Monteiro, dono de uma grande construtora e morto em 2008. Em uma reportagem, em 1999, Lúcio Flávio o chamou de ‘pirata fundiário’ por se apossar de imensa área de terras do Vale do Rio Xingu - que, segundo a própria Justiça Federal, pertencem à União


Folha de S.Paulo:
Paulo Henrique Amorim pagará R$ 30 mil por ofensa a apresentador da Globo

Paulo Henrique Amorim, da Record, terá de pagar uma indenização de R$ 30 mil por conta de ofensas proferidas em seu blog contra o colega Heraldo Pereira, da Globo (...)
Pelo combinado, Paulo Henrique terá de publicar nos próximos dias uma nota de retratação nos jornais Folha de S.Paulo e ‘Correio Braziliense’.
Ele também terá de fazer uma doação de R$ 30 mil a uma instituição de caridade indicada por Heraldo (…)
No texto publicado em seu blog, Paulo Henrique Amorim dizia que Heraldo Pereira fazia bico na Globo e era um ‘negro de alma branca’, além de questionar sua ética e dizer que ele trabalhava para o então presidente do STF, Gilmar Mendes


As duas matérias falam de jornalistas condenados por causar danos a outra pessoa no exercício da profissão.

Quando alguém ofende uma pessoa, a primeira coisa na qual pensamos é que houve um crime. Normalmente, de fato houve, no mínimo, o crime de injúria. Mas os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) têm penas pequenas o que quer dizer, na prática, que acabam sendo convertidos em prestação de serviço à comunidade ou mesmo prescritos.

Mas onde a porca torce o rabo é que uma ofensa também gera a possibilidade de reparação civil. Quem se sentiu ofendido pode processar tanto por danos morais (o abalo emocional que a ofensa indevida causou) como material (afinal, a sua reputação tem um valor e quem a ataca indevidamente está diminuindo o valor dessa parte de seu ‘patrimônio’. No caso da Escola Base, por exemplo, houve dano material porque a escola foi fechada).

A antiga Lei de Imprensa estabelecia limites de 20 e 200 salários mínimos contra o jornalista que causasse o dano e contra o veículo no qual ele trabalhasse, respectivamente. Mas essa regra já não era aplicada desde 2004.

Embora ainda haja controvérsia entre os juristas sobre se deve haver um limite ao valor, a prática tem sido que jornalista e jornal devem restaurar o dano causado. Se o dano for muito alto, o valor da reparação será proporcionalmente alto.

E como um veículo de imprensa tem a capacidade de causar danos grandes por causa do tamanho de sua audiência, jornais e jornalistas estão particularmente vulneráveis a valores de reparação acima da média.

Quem se sentiu ofendido pode processar tanto o jornalista quanto o jornal, ou ambos. Do ponto de vista econômico, vale muito mais a pena processar o veículo de imprensa, porque ele terá mais possibilidade de pagar. Mas há algumas classes de pessoas  - como políticos e empresários - que não querem se indispor contra um veículo de imprensa, e acabam processando apenas o jornalista.

Existe mais um detalhe que dificulta bastante a vida dos jornalistas: o prazo para a propositura da ação é de três anos. Isso quer dizer não só que uma ação pode demorar ano, mas que também a defesa do jornalista pode se tornar mais complicada. É difícil, por exemplo, lembrar de detalhes com o passar do tempo, potenciais provas que poderiam ser usadas na defesa são perdidas ou mesmo jogadas fora etc.

O que fazer, então? Evitar a possibilidade de um processo.

A profissão de jornalista envolve, quase sempre, escrever ou falar com veemência. Ninguém quer ler algo sem emoção ou que pareça ‘imprensa oficial’. Mas há limites do que pode ser considerado meramente analítico, investigativo ou opinativo, e aquilo que é meramente ofensivo. Esses são critérios totalmente subjetivos e juízes diferentes terão interpretações diferentes. Na dúvida, é melhor deixar uma certa margem de segurança.

Duas regras simples de senso comum ajudam: coloque-se no lugar da pessoa retratada na matéria e imagine o que você sentiria se fosse ela e fosse inocente. E tente sempre se perguntar se você está escrevendo para seu leitor ou apenas extravasando sua própria raiva.

E nunca se esqueça da regra mais importante: dê espaço para o outro lado. Até o pior e mais corrupto dos criminosos tem direito a dar sua versão dos fatos.

http://direito.folha.com.br/1/post/2012/02/jornalistas-e-o-dano-moral.html

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