terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Nem todo magistrado contra os poderes do CNJ é corrupto

Saiu no Valor Econômico do último dia 07/02/12:
Judiciário é pouco honesto para 67% da população, diz FGV
Duas em cada três pessoas consideram o Judiciário pouco ou nada honesto e sem independência. Mais da metade da população (55%) questiona a competência desse Poder. A má avaliação do Judiciário como prestador de serviço piorou ainda mais ao longo dos últimos três anos segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (...)
Ao comparar a confiança no Judiciário com outras instituições, a pesquisa mostra esse Poder atrás das Forças Armadas, da Igreja Católica, do Ministério Público, das grandes empresas e da imprensa escrita. Na sexta colocação, o Judiciário aparece como mais confiável do que a polícia, o governo federal, as emissoras de TV, o Congresso e os partidos políticos.


Quando ouvimos falar que alguns juízes são contra os poderes do CNJ, nossa primeira impressão é que eles têm medo da transparência ou têm ‘rabos presos’. Alguns realmente são contra porque fizeram algo errado, mas outros são contra porque têm medo de perderem sua independência.

Durante a maior parte da história humana (pense nos faraós ou nos imperadores romanos, por exemplo), a vontade do líder era a única vontade válida. E os juízes serviam para julgar de acordo com a vontade dos soberanos. Se a vontade do subalterno se opunha à do líder, ele tinha três opções: tentar tomar o poder do rei, fugir ou mudar de opinião.

Essas, obviamente, não são soluções eficientes do ponto de vista social e econômico porque nem sempre o líder está certo e essas três opções privam o resto da sociedade de um mecanismo de correção.

No século 17 a Inglaterra encontrou uma primeira solução (copiando algo que existiu por um breve período em algumas cidades gregas milênios antes): dar o poder a um grupo maior: a vontade válida era a vontade do Parlamento, e não a do rei. Entre 1642 e 1649, a Inglaterra passou por duas guerras civis entre o Parlamento e o rei Charles II. Ele perdeu ambas e no final da segunda acabou decapitado. O poder passou a ser exercido soberanamente pelo Parlamento.

Mas as coisas não deram certo. Durante a década seguinte (1649-1660) o país tentou ser uma república, mas acabou descobrindo que o simples fato de ser uma república não garante prosperidade e muito menos democracia. O resultado foi que voltaram a ser uma monarquia e mergulharam em uma nova guerra civil em 1688 (Revolução Gloriosa), que terminou com um novo rei, mas desprovido de qualquer poder. A solução – que até hoje está parcialmente em vigor – dizia que o Parlamento era supremo, e exerceria tanto o papel de Legislativo quanto o de Executivo (gabinete do primeiro ministro), e o órgão máximo do Judiciário também seria do Parlamento (os Lordes da Justiça existiram até Dezembro de 2009).

O francês Montesquieu, estudando os acontecimentos na Inglaterra, percebeu que o sistema inglês apenas transferiu o poder absoluto de um Poder (Executivo) para outro (Legislativo). O problema, segundo ele, não era onde estava o poder absoluto, mas que sempre havia uma concentração de poder nas mãos de uma única instituição. A democracia seria muito mais forte se, em vez de concentrar o poder em uma instituição, os três poderes – Judiciário, Executivo e Legislativo – fossem repartidos e se controlassem.

Hoje essa ideia pode parecer lugar comum, mas para a época representava uma mudança enorme. O Judiciário já não julgaria – como fazia (e às vezes ainda faz) na Inglaterra – baseado no que o juiz considera justo (equidade), mas no que as leis determinam.

Foi esse modelo de tripartição de poderes que o Brasil implantou. Mas nem sempre com sucesso.

No golpe de 1964, o Executivo impôs o Ato Institucional 1, que suspendeu as garantias constitucionais e legais da vitaliciedade e estabilidade dos magistrados, que servem para garantir a independência e a imparcialidade dos juízes.

Essas medidas duraram quase duas décadas (até 1977), quando foram substituídas por outras (o chamado Pacote de Abril), que previam a criação do Conselho Nacional da Magistratura para fiscalizar a conduta dos juízes e a atribuição de competência para o Supremo Tribunal Federal para interpretar as leis em abstrato, vinculando a decisão de todos os demais juízes a essa interpretação. Essas novas medidas duraram até 1988.


Desde 1988, depois dos traumas da ditadura, o Judiciário tentou se manter isolado de qualquer influência externa. E isso inclui controle externo. 

Como qualquer outra instituição com poder, o Judiciário tem pessoas corruptas, despreparadas, etc. Mas há setores dentro do Judiciário que não são nem um nem outro e que ainda assim são contra o controle externo porque da última vez que tiveram tal controle, ele não funcionou. A implantação do controle pelo CNJ é uma grande mudança cultural, e essas são sempre as que sofrem maior resistência.

O problema é que nós, do lado de fora, não temos como saber quem é contra por questões culturais, e quem é contra porque tem o rabo preso.
 

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