quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O shopping center e a cláusula res sperata

É comum, nos contratos entre o empreendedor e o futuro lojista, a inserção de uma cláusula denominada res sperata (coisa esperada), em que o segundo se compromete a pagar, periodicamente, uma quantia ao primeiro, durante o período de construção do edifício, “como retribuição das vantagens de participação no centro comercial, dele usufruindo e participando de sua estrutura, enquanto durar seu contrato”, nas palavras de Álvaro Villaça Azevedo (1991, p. 29).

Em Portugal, tal cláusula é chamada de chave[5] ou valor de ingresso e significa, nas palavras de Ana Afonso (2003, p. 332),
“o pagamento de uma quantia inicial, de montante elevado, a título de remuneração pelo ‘acesso à estrutura técnica adequada ao funcionamento do centro comercial, desenvolvida pela gestora do centro’ e/ou pela ‘reserva de localização da loja’”.
A doutrina divide-se sobre a natureza jurídica da res sperata. Caio Mário da Silva Pereira (1984, p. 76) entende que a cláusula nada mais é que “‘direito de reserva’ de localização ou ‘garantia’ de entrega do local, como contraprestação pelos benefícios do futuro shopping center”[6].

Analisando de forma mais profunda o fundo de comércio – ou fundo de empresa, como prefere a moderna doutrina comercialista –, Ives Gandra da Silva Martins (1991, p. 83) entende que existem, no shopping center, dois fundos de comércios que se integram: o do lojista e o do próprio shopping center, que o autor denomina “sobrefundo de comércio”[7]. A res sperata teria, então, a natureza de luvas, na medida em que seria a retribuição paga pelo lojista pela cessão do sobrefundo de comércio colocado à sua disposição[8]. A doutrina brasileira rejeitou, a princípio, a natureza de luvas, uma vez que sua cobrança estava proibida pelo artigo 29[9] do Decreto n° 24.150/1934, que regulava as renovações dos contratos de locação comercial. Com a edição da Lei n° 8.245/1991, que revogou o citado decreto, o obstáculo legal à cobrança das luvas foi removido.

Esse entendimento merece críticas, especialmente por parte da doutrina portuguesa, pela existência da figura da cessão da exploração de estabelecimento comercial, prevista nos artigos 1.108° e seguintes do Código Civil, com redação dada pela Lei nº 6/2006, que institui o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). Inocêncio Galvão Telles (1991, p. 525) é dessa posição, na medida em que não existe estabelecimento comercial a ser cedido. O autor assim fundamenta seu entendimento:
“Nesse espaço existe apenas uma loja, nua, vazia, local físico demarcado por paredes, sem qualquer recheio ou qualquer vida. O contrato faz-se precisamente para facultar a outra entidade a utilização do local com fins mercantis e assim permitir-lhe montar aí um estabelecimento.
Não há que confundir loja e estabelecimento comercial. A loja é apenas um lugar. O estabelecimento é muito mais do que isso. [...]”
Galvão Telles (1991, p. 525-526) admite que a cessão de exploração possa recair sobre um futuro estabelecimento, na medida em que o Código Civil Português assim o prevê, em seus artigos 399° e 880°, desde que “o futuro estabelecimento fosse criado e montado por conta do dono da loja, que dele ficasse titular”, o que não ocorre, como bem expõe Ana Afonso (2003, p. 119-121):
“O lojista é apenas cessionário de um espaço vazio, cabendo-lhe proceder, por sua própria conta e risco, à criação e manutenção do estabelecimento. O dono do centro comercial não criou, e nem sequer se vincula a criar ou a montar, um estabelecimento comercial, cuja exploração possa temporariamente ser cedida a outrem, que, por seu turno, ficaria obrigado à restituição do estabelecimento no fim do contrato”.
Certo é que a res sperata não é apenas um mero direito de reserva de localização, devendo ser levada em consideração a futura clientela[10] posta à disposição do lojista quando este se instalar no shopping center. A clientela é um dos elementos materiais do estabelecimento comercial mas, de per si, não caracteriza o contrato como de cessão de estabelecimento comercial, nem mesmo incompleto ou em formação, como sugere Pedro Malta da Silveira (1999, p. 185), na medida em que quem irá criar o estabelecimento e fazê-lo funcionar será o lojista.

Pode-se, por exclusão, definir a res sperata como sendo uma compensação paga pelo lojista ao empreendedor, por sua atividade de organização e planejamento, não tendo o locatário que formar, conseqüentemente e por si só, a clientela, como ocorre no comércio tradicional.
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CASTRO JÚNIOR, Armindo de. Shopping center - o contrato entre empreendedor e lojistas: natureza jurídica e cláusulas polêmicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3156, 21 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21114/shopping-center-o-contrato-entre-empreendedor-e-lojistas-natureza-juridica-e-clausulas-polemicas>.

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