quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Os contratos de locação em shopping center

Os contratos de locação em shopping center prevêm três modalidades de prestação pecuniária a serem suportadas pelo lojista: aluguel mínimo, aluguel percentual e aluguel dobrado no mês de dezembro, cada qual com suas características.

2.2.1. Aluguel mínimo

O aluguel mínimo é a “prestação pecuniária reajustável periodicamente com indexação preestabelecida, a ser cumprida independentemente de qualquer outra circunstância”, na lição de Orlando Gomes (1984, p. 90). Não há qualquer controvérsia doutrinária sobre o estabelecimento da renda fixa, nem tampouco do “critério contratual de actualização da renda”,  nas palavras de Jorge Pinto Furtado (1998, p. 46).

O aluguel mínimo tem por finalidade assegurar ao empreendedor a renda do empreendimento, na hipótese de ser baixo o movimento das lojas locadas, segundo Rubens Requião (1984, p. 141).

2.2.2.  Aluguel percentual

O aluguel percentual – ou renda variável – é uma percentagem calculada sobre o faturamento bruto do lojista[11]. Tal renda somente é devida quando exceder o aluguel mínimo e na parte que o ultrapassar. Ana Afonso (2003, p. 327) expõe que a renda variável é referida em alguns contratos como sendo “a contrapartida dos serviços de gestão prestados”, explicando, mais à frente, que tal forma de remuneração não encontra qualquer obstáculo frente à legislação portuguesa[12].

Gladston Mamede (2000, p. 96-97) alerta para abusos encontrados em alguns contratos: a cobrança do aluguel percentual sobre o faturamento bruto, mesmo no caso de vendas a prazo, entendendo que o lojista deverá ter direito a crédito em valores futuros, no caso de inadimplência do consumidor ou de cancelamento da venda.

2.2.3. Aluguel em dobro no mês de dezembro

Outra cláusula típica dos contratos de locação em centros comerciais é a que prevê o pagamento de aluguel em dobro no mês de dezembro. O montante devido pelo lojista é o dobro do aluguel mínimo, na hipótese de o aluguel percentual não ultrapassar essa quantia.

A doutrina brasileira, no geral, entende pela legalidade desta cláusula, ante o permissivo previsto no art. 54 da Lei de Locações (Lei n° 8.245/1991). Nesse sentido está a posição de Guilherme Gama (2008, p. 90):
“Tem-se considerado válida tal cláusula, sendo freqüente em shopping center, porquanto exatamente no mês de dezembro há maiores despesas com a administração do empreendimento a cargo do locador, como as decorrentes de contratação de alguns empregados temporários para exercerem funções de limpeza, de segurança, de organização e de bom funcionamento do empreendimento, o pagamento de décimo-terceiro salário aos empregados permanentes da empresa administradora, e maiores despesas com promoções das festividades de final de ano, além daquelas inerentes ao maior número de consumidores nas suas dependências”.
Em sentido contrário, posiciona-se Gladston Mamede (2000, p. 54), entendendo que o décimo-terceiro salário é “ônus do próprio empreendimento e não um serviço extra: todo e qualquer empregador, em virtude da legislação trabalhista, está a ele obrigado, constituindo parte de seus custos”; igualmente com relação às verbas de publicidade, na medida em que estas “provêm de um fundo específico, o fundo de promoção, como se verá, para o qual contribuem todos os lojistas”.

2.3.  Fiscalização da contabilidade

Admitindo-se como válida a cláusula de aluguel percentual, é de ser considerada legítima, também, a fiscalização da contabilidade do lojista pelo empreendedor. Mamede entende que tal cláusula é perfeitamente válida, “constituindo mecanismo que visa a preservar os interesses do empreendedor; sem ele, o organizador ficaria à mercê do lojista”. Como afirma Darcy Lemke (1999, p. 137-138), a fiscalização é “decorrência normal da fixação do aluguel num percentual do faturamento bruto”. Ainda segundo o autor,
“poderá o empreendedor controlar a entrada e saída de mercadorias do estabelecimento comercial do locatário, colocar alguém de sua confiança junto ao caixa, controlar as fitas da caixa registradora da empresa, conferir a extração de notas fiscais, examinar livros contábeis e fiscais de qualquer natureza”.
Guilherme Gama (2008, p. 89-90) considera razoável e justificável “a cláusula de fiscalização das contas do lojista, desde que não se causem embaraços à atividade do lojista”, apontando, mais à frente um caso em que a fiscalização por parte do empreendedor somente teve início após o lojista ter promovido ação renovatória de locação, caracterizando-se como “medida de retaliação, injustificável e abusiva a ensejar reprimenda e correção”.

2.4. Imutabilidade do ramo de comércio

É bastante comum a inserção de cláusula, nos contratos de locação, que proíba ao lojista a mudança do ramo de comércio ou prestação de serviços explorado ou, ainda, que condicione a alteração de atividade à prévia anuência do empreendedor. Justifica-se tal cláusula pela manutenção do tenant mix desenvolvido pelo empreendedor.

A doutrina amplamente majoritária entende que essa disposição é perfeitamente válida. Rubens Requião (1984, p. 153-154) explica que se “houvesse a possibilidade de determinação autônoma de cada um dos locatários lojistas no destino da loja locada, haveria logo o desfalque da atividade integrativa, quebrando a unidade desejada pelo ‘centro’”[14], concluindo, mais à frente, que tal cláusula “é perfeitamente lícita e se compreende integralmente na planificação e organização do centro”[15].

Nos contratos em haja cláusula que preveja a prévia anuência do empreendedor, a solução é basicamente a mesma: a cláusula é perfeitamente válida; segundo Mamede (2000, p. 109), contudo, eventual “recusa por parte do empreendedor deve ser motivada, listando todas as razões que justificam o impedimento da mudança ou da inclusão de um outro produto ou serviço”, cabendo ao lojista, discordando da decisão, recorrer ao judiciário.

2.5.  Proibição da cessão

Existem contratos que prevêm a proibição da sublocação, da transferência do estabelecimento empresarial (trespasse) ou, ainda, da cessão da participação societária da pessoa jurídica, sem anuência do empreendedor. A análise deve ser feita separadamente, em virtude da diversidade desses institutos.

2.5.1.  Sublocação

A proibição da sublocação encontra respaldo no Código Civil Português. A Lei brasileira de locações (Lei n° 8.245/1991), contudo, prevê a necessidade de anuência do locador para que a sublocação produza efeitos, devendo “ser considerada inválida cláusula que proíba a cessão do contrato de locação”, segundo Guilherme Gama (2008, p. 94). Apesar de art. 54 da Lei de Locações prever que existe liberdade de pactuação nos contratos de locação em shopping center, a cláusula proibitiva da sublocação contrariaria, diretamente, o disposto no art. 45 e, implicitamente, o estabelecido no art. 13.

Comentando o art. 54 da Lei de Locações, Gladston Mamede (2007, p. 304) esclarece que a liberdade de pactuação prevista no dispositivo refere-se apenas à prestação de serviços mercadológicos, não à locação da loja.

Eventual recusa por parte do empreendedor na sublocação, contudo, deve ser motivada e baseada em inidoneidade do sublocatário ou motivo relevante para o desenvolvimento da atividade do centro comercial, não sendo admissível a simples recusa com base no arbítrio do locador.
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CASTRO JÚNIOR, Armindo de. Shopping center - o contrato entre empreendedor e lojistas: natureza jurídica e cláusulas polêmicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3156, 21 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21114/shopping-center-o-contrato-entre-empreendedor-e-lojistas-natureza-juridica-e-clausulas-polemicas>.

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