segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A prisão civil do alimentante inadimplente

(...) A indagação que aqui se apresenta, objeto de séria controvérsia no meio jurídico, causando dúvidas aos operadores do Direito, é: pode o credor, desde logo, optar pela prisão civil do alimentante relapso, ou deve primeiro exaurir as outras medidas executórias disponíveis? O tema é complexo e delicado, haja vista que envolve de um lado, a sobrevivência do alimentando, e de outro, o direito de ir e vir do alimentante devedor.

Todavia, tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias oferecem resposta num e noutro sentido: há aqueles que sustentam a necessidade do esgotamento de todas as vias executórias comuns, para que se possa requerer a prisão do devedor irresponsável; outros entendem que não sendo possível a constrição pelos meios mencionados nos arts. 16 e 17 da Lei nº 5.478/68, o credor poderá utilizar-se de dois outros caminhos para fazer cumprir as obrigações alimentícias, estes de sua livre escolha e conveniência: o do art. 732 e do art. 733, ambos do CPC. Há ainda decisão judicial no sentido de que a ação executiva se processa pelo rito do art. 733, quanto às prestações recentemente vencidas (as seis últimas parcelas),³ visto que tais créditos perdem, com o tempo, o caráter alimentar, adquirindo feição meramente indenizatória, e na forma do art. 732, quanto às vencidas anteriormente.

Neste ponto, deve ser registrado, a título de atualização do texto, que após diversos julgamentos no Superior Tribunal de Justiça, em sede de habeas corpus e recurso especial tratando do mesmo tema, isto é, em que momento deve ser decretada a prisão do alimentante inadimplente, decidiu a Segunda Seção do STJ, em 27.04.2005,4 sumular a matéria, elaborando o Enunciado nº 309, que restou redigido, inicialmente, nos seguintes termos:
“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo.”
Posteriormente, o STJ julgando o HC 53.068-MS, na sessão de 22/03/2006,5  a Segunda Seção deliberou pela alteração da aludida súmula, cujo verbete nº 309 passou a ter a seguinte redação, in litteris:
“O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem no curso do processo.”
Na verdade, muitas discussões ocorreram nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial sobre qual deveria ser o marco inicial para o pagamento das parcelas atrasadas visando impedir a prisão, ou seja, até quantas parcelas deveriam ser quitadas pelo alimentante devedor para que não fosse preso, antes da elaboração, publicação e modificação da referida súmula. Finalmente, o STJ debruçou-se sobre a divergência que vinha se instalando e, espera-se, colocou uma pá de cal sobre a questão, atendendo, assim, aos anseios dos jurisdicionados.

Por conseguinte, com a nova orientação sumulada, fica patente o entendimento final no sentido de que a ação executiva se processa pela regra do art. 733 do CPC, quanto às prestações vencidas até três meses antes da sua propositura e na forma do art. 732 do mesmo diploma legal, quanto às vencidas anteriormente.

Feitas essas ponderações, cabe agora dar a minha ligeira opinião sobre o assunto em discussão, qual seja: se há ou não algum critério hierárquico para a utilização das vias judiciais postas à disposição do credor alimentado.

A prestação alimentícia, logicamente, deve ser cumprida espontaneamente, nos moldes da determinação judicial ou convenção das partes.

Contudo, como é cediço, nem sempre o alimentante satisfaz o pagamento do débito, razão pela qual, em assim ocorrendo, o legislador pátrio estabeleceu regras básicas para o procedimento executório, objetivando o cumprimento da obrigação.

Nesse sentido, não obstante os respeitosos entendimentos contrários, a meu ver, a lei não estabelece nenhuma escala hierárquica taxativa para o uso dos meios de cumprimento forçado do débito alimentar, de modo que, em regra, o credor tem o direito de requerer, de pronto, a prisão do alimentante inadimplente.

Entretanto, é evidente que, quando existir possibilidade do desconto em folha de pagamento ou outras rendas, deve-se dar prioridade a esses meios, pois a prisão é sempre uma medida extrema e vexaminosa, repelida pela consciência jurídica.

Com efeito, a liberdade de locomoção é um direito fundamental preservado pela Constituição Federal. Porém, a vida a ela se sobrepõe, como um bem de valor maior.

Assim sendo, vejo como mais adequada a corrente segundo a qual, não sendo possível o adimplemento da obrigação mediante desconto em folha ou expropriação de rendimentos, o credor de alimentos poderá, desde logo, observado o disposto na súmula supracitada, requerer a prisão do devedor relapso, com base no art. 733 do CPC c/c o art. 19 da Lei de Alimentos, o qual será citado para, em três dias, efetuar o pagamento, provar que o fez, ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Não ocorrendo nenhuma dessas hipóteses, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo legal. No entanto, diante dos prazos distintos previstos no CPC (até três meses) e na Lei de Alimentos (até sessenta dias), diverge-se sobre o tempo da prisão.

Em princípio, a disposição do CPC, por ser lei posterior, deveria prevalecer sobre aquela especial. Acontece que, a prisão civil por alimentos não é de natureza punitiva e sim coercitiva, tanto que o seu cumprimento não isenta o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas (art. 733, § 2º do CPC). 

Portanto, data maxima venia das posições opostas, tenho como mais acertada a disposição prevista na lei especial, ou seja, por ser medida severa e excepcional, merece interpretação restritiva, aplicando-se, na espécie, a mais benéfica. Logo, quer nos alimentos provisórios, provisionais ou definitivos, a duração da prisão não deverá ultrapassar 60 (sessenta) dias.

Concluindo, convém lembrar que a prisão civil aqui tratada é cabível tão-somente no caso dos alimentos decorrentes da relação de direito de família. Inadmissível, destarte, sua cominação determinada por inadimplemento de obrigação alimentícia oriunda de responsabilidade civil por ato ilícito.

A matéria é vasta e oferece conotações diversas, motivo pelo qual não comporta aprofundamento maior nesta oportunidade.

MARTINS, Joaquim de Campos. A prisão civil do alimentante inadimplente. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3160, 25 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21157/a-prisao-civil-do-alimentante-inadimplente>

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