quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A tutela inibitória do ilícito

A tutela inibitória ou preventiva não encontrou terreno fértil para o seu desenvolvimento à luz do processo civil clássico, deparando-se diante de empeços de toda ordem a sua concretização. O antigo artigo 287 do Código de Processo Civil – CPC – fundamento para a vetusta ação cominatória, revelou-se deveras inócuo à prestação da tutela jurisdicional inibitória, por não permitir a cobrança da multa senão após o trânsito em julgado da sentença ou decisão que a impusesse, bem assim por não dispor dos contornos atuais do instituto enquanto gênero de tutela específica.

O magistrado não detinha, assim, mecanismos coercitivos capazes de prestar com eficácia a tutela inibitória, ressalvados os casos específicos de tutela inibitória típica (v.g., mandado de segurança preventivo; ação de interdito proibitório; ação de nunciação de obra nova).

Por conta da impropriedade da ação cominatória, à luz da antiga redação do artigo 287 do CPC, criou-se no meio jurídico a necessidade de buscar-se uma solução alternativa, em especial para a tutela de direitos não patrimoniais, a qual veio através do desenvolvimento da ação cautelar inominada e da utilização do interdito proibitório o que, ver-se-á, revela-se hodiernamente inapropriado.

A tutela inibitória do ilícito somente passou a ecoar seu verdadeiro viés preventivo mediante a alteração do artigos 287 e 461 do CPC - fundamentos legais da tutela inibitória individual do ilícito, e mediante a superveniência do artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor – CDC, fundamento legal da tutela inibitória coletiva do ilícito. Ambas as disposições permitiram o desenvolvimento de "[...] uma ação inibitória autônoma e atípica, capaz de tutelar preventivamente todas as situações de direito material dela carecedoras de proteção."

1.1.Conceito de ilícito e sua problemática à luz da doutrina clássica civilista.

A compreensão do conceito do ilícito é fundamental para a delimitação do objeto da tutela inibitória e sua problemática. É dizer, o ilícito deve ser entendido como o ato contrário ao direito, independentemente da ocorrência de resultado lesivo e da presença dos elementos subjetivos culpa ou dolo.

Nessa senda, é erro limitar a concepção da tutela inibitória ou preventiva do ilícito ao conceito de dano, como se o objetivo desta tutela fosse evitar o dano e não o ato contrário ao direito.

Por certo que à doutrina civilista clássica não interessava o ilícito que não resultasse em prejuízo, conforme se infere da leitura do seguinte excerto de Orlando Gomes citado porLuiz Guilerme Marinoni:
"Não interessa ao Direito Civil a atividade ilícita de que não resulte prejuízo. Por isso, o dano integra-se na própria estrutura do ilícito civil. Não é de boa lógica, seguramente, introduzir a função no conceito. Talvez fosse preferível dizer que a produção do dano é, antes, um requisito da responsabilidade, do que do ato ilícito. Seria este simplesmente a conduta contra jus, numa palvra, a injúria, fosse qual fosse a conseqüência. Mas, em verdade, o Direito perderia seu sentido prático se tivesse de ater-se a conceitos puros. O ilícito civil só adquire substantividade se é fato danoso." [02]
Tal vetusto entendimento não se sustenta, sobretudo à luz de uma teoria contemporânea do processo civil brasileiro. Quer-se dizer que, em verdade, o simples ato ilícito, independentemente da ocorrência de resultado naturalístico no mundo ôntico dos fatos, é merecedor da tutela jurisdicional, revelando-se errôneo entendimento contrário, sob pena de fazer-se tábula rasa ao princípio geral de prevenção. Aliás, um dos motivos pelos quais tardou entre nós o desenvolvimento da tutela inibitória e/ou preventiva do ilícito é, justamente, esta concepção clássica do ilícito civil, atrelada ao dano em si, vale dizer, engessada à concretude do dano.

Consequencia direta desta revisão conceitual do ato ilícito é que não é necessária a prova do elemento subjetivo (dano ou culpa) para justificar-se a deflagração da tutela inibitória e/ou preventiva do ilícito, bastando um juízo de plausibilidade da futura ocorrência do ilícito em si mesmo.

Portanto, o ilícito deve ser entendido como o ato contrário ao direito, independentemente da ocorrência de resultado lesivo e da presença dos elementos subjetivos culpa ou dolo, o que é de curial importância para a assimilação da tutela inibitória como uma tutela voltada para o futuro e visando à proteção da integridade do direito substancial.
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KERN, Ricardo Alessandro. A tutela inibitória do ilícito: apontamentos doutrinários. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21025/a-tutela-inibitoria-do-ilicito-apontamentos-doutrinarios>.

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