terça-feira, 20 de março de 2012

A aplicação do CDC nas relações jurídicas regidas por normas específicas

A Constituição Federal de 1988 é expressiva e consistente na tutela dos direitos do consumidor. O art. 5º, XXXII, dispõe: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. No art. 24, VIII, atribui-se competência concorrente para legislar sobre danos ao consumidor. O art. 170, V, dá à defesa do consumidor a condição de princípio da ordem econômica. E, por fim, o art. 48 da ADCT determinou a edição de um Código de Defesa do Consumidor, do que resultou a promulgação da lei 8.078, em setembro de 1990.
O Código de Defesa do Consumidor – CDC, lei 8.078/90, constitui-se como estatuto regulador das relações de consumo, isto é, relações entre um fornecedor de produtos ou serviços e um consumidor, na qual é conferida ampla proteção jurídica ao consumidor. Há, pois, um consenso inatacável sobre a vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, CDC) em relação ao fornecedor, o que significa, portanto, uma exceção ao princípio da presunção de igualdade das partes no direito privado. Logo, este conceito de vulnerabilidade é o fio condutor de toda a teoria do direito consumerista, e de sua interpretação e aplicação.
Entretanto, algumas situações revelam-se particularmente controversas no que se refere à aplicação do CDC, sobretudo em razão da existência de inúmeras normas especiais em nosso ordenamento jurídico, o que conduz a insistentes argumentações centradas no denominado “princípio” da especialidade, pelas quais se busca excluir a aplicação do CDC em determinadas relações jurídicas regidas por leis específicas. Dentre tais situações, tem-se como emblemática a dos contratos de locação de bens imóveis, que são regulados pela lei 8.245/91, também conhecida como lei do inquilinato.
Nesse âmbito conflituoso, o Superior Tribunal de Justiça – STJ – firmou entendimento quanto à inaplicabilidade do CDC aos contratos de locação de bens imóveis, vale citar: “Consoante entendimento desta Corte é inaplicável o Código de Defesa do Consumidor aos contratos locativos, tendo em vista que são estes regulados por lei específica, apta a suprir as pendências decorrentes das relações locatícias” - AgRg no Ag 636897/SP (BRASIL, 2005) – cf. outros julgados: REsp 689266/SC; REsp 575020/RS; REsp 485664/MG; REsp 605.295/MG; AgRg no Ag 363679/MG. Assim, o STJ firmou entendimento, amparado no critério de especialidade, de que o CDC seria uma norma geral reguladora de relações de consumo, enquanto a lei 8.245/91 é a norma especial a ser aplicada aos contratos de locação de bens imóveis, ainda que se trate de relação de consumo.
Com isso, considerando o entendimento firmado pelo STJ, que parece estar significativamente difundido no Direito pátrio, pergunta-se, então: pode-se excluir a aplicação de todo o CDC a uma determinada relação jurídica em razão do critério de especialidade? E, havendo antinomia, o CDC seria uma norma geral ou especial, em relação à lei 8.245/91? E ainda, no caso de se identificarem duas normas especiais, em tese, aplicáveis ao mesmo caso, qual seria a solução para o conflito? São, portanto, as questões sobre as quais propomos uma discussão, com o propósito de contribuir para um adequado entendimento sobre a questão das regras especiais nas relações de consumo.

COSTA, Luis Alberto da. Normas especiais e antinomias nas relações de consumo. Os critérios tradicionais e a perspectiva constitucional contemporânea de interpretação e aplicação do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3179, 15 mar. 2012. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/21293.

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