sexta-feira, 2 de março de 2012

Contas rejeitadas: para entender a resolução do TSE

Saiu na Folha de hoje (02/03/12):
Político que teve as contas rejeitadas não pode ser eleito
O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu ontem que os candidatos que tiveram rejeitadas as contas da campanha eleitoral de 2010 estão inelegíveis para as eleições municipais deste ano.
A decisão representa importante mudança do entendimento estabelecido pela corte nas eleições passadas, quando os ministros deliberaram que bastava a apresentação das contas, independentemente de sua aprovação, para que o político tivesse o direito de se candidatar.
Os ministros editaram uma resolução que estabelecerá as regras de prestação de contas para as eleições de 2012.
Por 4 votos a 3, a decisão de ontem vale automaticamente para quem teve contas de campanha rejeitadas em 2010, mas poderá alcançar também candidatos que tiveram problemas de campanha em eleições anteriores (…)
Todos os candidatos devem prestar contas de sua campanha. Eles podem receber doações de fontes privadas, mas também recebem verbas públicas, provenientes do Fundo Partidário, dividido entre os partidos


O texto acima diz que o TSE editou uma resolução. Resoluções são normas. Normas partem, primordialmente, do Legislativo e, subsidiariamente, do Executivo. Então como é que um órgão do Judiciário pode editar uma norma que ele mesmo irá julgar mais tarde? Isso não vai contra a separação dos poderes?

As eleições não acontecem nem um dia antes, nem um depois da data marcada. Com sol ou chuva, ela ocorrerá. E seus resultados afetam a vida do país inteiro. Imagine se cada um dos mais de 5.500 prefeitos a serem eleitos em outubro não tivessem segurança jurídica de que ganharam a eleição nas regras estabelecidas. Imagine a confusão se esses prefeitos fossem removidos de seus cargos dois ou três anos depois de eleitos porque a Justiça decidiu interpretar determinada regra de forma diferente.

Para evitar esses dois problemas, há duas soluções jurídicas que são exclusivas da Justiça Eleitoral:

Primeiro, a Justiça Eleitoral (TSE) é um órgão do Judiciário com capacidade de fazer regras que afetam o funcionamento das eleições. O art 23, inciso IX do Código Eleitoral diz que cabe ao TSE “expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código” e o art. 105 da Lei 9.504/97, diz que “até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral (…) poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução (…)”.

Foi isso que ocorreu na matéria acima. O TSE, para evitar qualquer dúvida sobre quais são as regras válidas para a eleição deste ano, editou uma resolução deixando claro qual seu entendimento das regras a serem seguidas. Em outras palavras, ele está organizando as eleições.

É bem verdade que esse é um dever do Legislativo, mas como o Legislativo nem sempre anda com a rapidez necessária, ele mesmo delegou, por meio das duas normas acima, essa função ao TSE que, afinal, é quem teria que lidar com a dor de cabeça causada pela falta de uma regra (isso é mais ou menos a mesma coisa que ele faz ao delegar ao Executivo o poder de editar Medidas Provisórias).

Segundo, o art. 23, inciso XII do Código Eleitoral diz que cabe ao TSE “responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição, federal ou órgão nacional de partido político”.

Normalmente a Justiça só se manifesta depois que o problema ocorre. Imagine a situação absurda de alguém mandar uma pergunta ao juiz do tipo ‘se eu matar minha sogra, a quantos anos de prisão o senhor me condenará?’ e com base na resposta decidir se compensa matar a sogra. Óbvio que isso seria surreal.

Mas porque as decisões da Justiça Eleitoral afetam os pilares da democracia, o TSE possui uma exceção: uma autoridade com jurisdição federal (normalmente o procurador-geral da República) ou um partido político pode perguntar ao TSE como ele julgará determinada questão antes que ela de fato aconteça.

A pergunta deve ser formulada hipoteticamente (‘em tese’). Por exemplo, não se pergunta ‘se o candidato Huguinho mudar do partido A para o B em junho de 2012, sua candidatura será válida?’. A pergunta é feita nos moldes de ‘é válida a candidatura de um candidato que mudar de partido no período inferior a 6 meses antes do pleito?’.

Com base na resposta do TSE, as pessoas sabem se podem ou não mudar de partido, e evitam serem eleitas e depois perderem seus mandatos. O TSE, desse forma, evitar que ocorra uma confusão desnecessária depois da eleição.

A resposta dada pelo TSE não o vincula. Se o caso vier realmente a ocorrer, ele pode julgar de forma diferente. Mas, na prática, ele dificilmente vai julgar de forma diferente porque são os mesmos ministros que responderam a pergunta ‘em tese’ que estarão julgando o caso real.

PS: Já falamos aqui do tal Fundo Partidário mencionado na matéria, e como ele saltou de R$729 mil para RS$301 milhões em apenas 18 anos, uma valorização de quase 40% ao ano. A título de comparação, no mesmo período a Berkshire Hathaway, a empresa de Warren Buffett, considerada um dos melhores investimentos na história da humanidade, aumentou ‘apenas’ 11,5% ao ano. Se o salario mínimo houvesse aumentado no ritmo do Fundo Partidário, hoje estaria em quase R$27 mil.

http://direito.folha.com.br/1/post/2012/03/contas-rejeitadas-para-entender-a-resoluo-do-tse.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário