domingo, 25 de março de 2012

Responsabilidade do profissional liberal: Pessoa jurídica pode ser profissional liberal?




Considerando que o legislador excepcionou a responsabilidade do profissional liberal, assegurando-lhe a teoria subjetiva que não tornará o dever de indenizar direto, automático (como na objetiva) mas, sim, decorrente da apuração da culpa que permite ao magistrado mensurar as facetas desta, para alcançar o valor da indenização ou até mesmo a inexistência do dever de prestá-la. Faz-se necessário, entender, quem é profissional liberal.

Em que pesem vários conceitos e requisitos construídos de diferentes formas na doutrina, ouso, neste momento, limitá-los em apenas dois elementos essenciais que estão presentes na prestação de serviços desses profissionais: pessoalidade e confiança. A partir desses elementos, teço um breve conceito meramente didático: profissional liberal é aquele que exerce uma atividade para qual se habilitou com especificidades, se destacando dos fornecedores de massa, por manter uma relação pessoal e de confiança com o consumidor.

Trata-se de profissionais que não possuem uma atuação competitiva, fomentada por interesses comerciais. Ao contrário, por serem desprovidos desse enfoque, a viabilização de sua atuação é construída ao logo dos anos, de forma íntegra.

Para os militantes assíduos do CDC, a resposta direta e convicta seria o “sim”, sob fundamentação de que, ao constituir a pessoa jurídica, esse profissional passou a explorar o mercado de consumo e objetivamente, assumiu os riscos inerentes à sua atividade de lucro (dentre vários outros argumentos pertinentes a essa fundamentação).

Data máxima vênia, tenho ressalvas para essa tese. A meu ver, esse raciocínio parece objetivar não apenas a teoria aplicada, mas, também todas as situações, sem considerar suas peculiaridades ou as subjetividades de cada lide. Essa resposta direta, talvez nos remeta ao sistema de prestação jurisdicional tarifado, desprovido de qualquer efetividade concreta.

Parece mais prudente entendermos que, em tese, a pura constatação da existência de uma pessoa jurídica não afasta a ressalva do profissional liberal (artigo 14, §4º do CDC).

Antes do prejulgamento, é necessário aferir se a constituição dessa pessoa jurídica tem o condão de massificar os serviços prestados ou apenas de resolver critérios burocráticos que assolam diariamente esses profissionais.

Se essa constituição visa sobretudo a massificação da prestação dos serviços, forçosamente, compartilharei da tese do sim e, pelas mesmas razões que ataquei.

No entanto, tendo essa pessoa jurídica a finalidade de solucionar questões meramente administrativas, creio que estamos diante de uma pessoa jurídica que não retirou do profissional liberal a relação complexa de confiança e pessoalidade inerente à prestação de seus serviços, portanto, ao responsabilizá-lo de forma objetiva, inegavelmente estaremos impondo uma modalidade de responsabilidade desproporcional aos limites de sua atuação, pois a condenação, estaria calcada em um panorama macro, do qual ele não se beneficia.

Não se pode esquecer que essa exceção na forma de apuração da responsabilidade dos profissionais liberais visa estimular a profissionalização e atuação dos profissionais de uma forma menos afetada pela massificação, incentivando relações que ultrapassam a atividade de lucro, mantendo-se humanizadas.

Se assim não fosse, pouquíssimos profissionais se arriscariam a ingressar em estudos que, posteriormente, em uma eventual apuração de responsabilidade, sua atuação fosse aferida de forma generalizada, sem a mínima consideração das especificidades inerentes aos motivos que ensejaram sua conduta, culposa ou não. 

SILVESTRE, Keli. Responsabilidade do profissional liberal: Pessoa jurídica pode ser profissional liberal?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3187, 23 mar. 2012. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/21358.

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