sábado, 7 de abril de 2012

A responsabilidade civil pelo fato do animal

Há outras hipóteses bem específicas, previstas em legislação esparsa, mas, aqui, interessará apenas a responsabilidade pelo fato do animal, que, talvez seja a mais antiga das modalidades de responsabilidade objetiva. Apesar de desenvolvida, enquanto manifestação da teoria objetiva da responsabilidade, apenas há algo mais que um século, a responsabilidade pelo fato do animal era já prevista em lei desde as civilizações primeiras, como ocorria na Babilônia do já estudado Código de Hamurábi, em seus artigos (ou leis) de nºs 251 (“Se o boi de alguém dá chifradas e se tem denunciado seu vício de dar chifradas, e, não obstante, não se tem cortado os chifres e prendido o boi, e o boi investe contra um homem e o mata, seu dono deverá pagar uma meia mina”) e 252 (“Se ele mata um escravo de alguém, dever-se-á pagar um terço de mina”). Nestes exemplos, o dono do animal respondia pelos prejuízos que o semovente causasse a terceiros.

Pois bem. Nos dias de hoje, mais do que nunca, essa premissa é verdadeira. Desenvolveu-se apenas uma teoria para explicá-la, que fundamenta as várias outras hipóteses já estudadas: a teoria do risco. Aliás, das modalidades de responsabilidade civil já previstas no antigo Código de 1916 e repetidas no de 2002, reside aqui a maior das mudanças empreendidas pelo novo código. Veja-se a redação do art. 1.527 do CCB/1916, verbis:
O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar: I – Que o guardava e vigiava com o cuidado preciso; II – Que o animal foi provocado por outro; III – Que houve imprudência do ofendido; IV – Que o fato resultou de caso fortuito, ou força maior.
Como explica CAVALIEIRI (op. cit., pp. 158-9), o dispositivo dividia a doutrina:
Para alguns autores, a responsabilidade pelo fato do animal é objetiva, fundada na teoria do risco (...). Nos termos do art. 1.527 do Código Civil, todavia, não há dúvida de que a nossa lei, fiel ao sistema subjetivo por ela adotado, consagra uma presunção de culpa in vigilando ou in custodiando. E assim é porque esse dispositivo permite ao dono ou detentor do animal elidir a sua responsabilidade provando que o guardava e vigiava com cuidado (...). Em que pese à grande autoridade dos autores que sustentam haver, aqui, responsabilidade objetiva, para onde caminham, aliás, a doutrina e a legislação dos outros países, à luz do Código Civil essa posição é insustentável enquanto não houver uma mudança em nossa legislação (...).
A responsabilidade pelo fato do animal, no novo código, foi colocada na seguinte redação (art. 936 do CCB/2002), simples e direta: “O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”. Desta forma, não há mais o que discutir: trata-se de genuína hipótese de responsabilidade objetiva, cuja obrigação de reparar o dano só se esvairá, para o guardião do animal, se incidente alguma das excludentes de responsabilidade, como força maior ou culpa exclusiva da vítima. Não o havendo, seu dono ou detentor responderá, sem que se cogite de culpa, ainda que presumida.
Sobre a responsabilidade pelo fato do animal, diz PAMPLONA (2009, pp. 169-72, passim):
Imagine, a título de ilustração, um pitbull solto – aquele simpático cãozinho cuja dentada equivale a algumas toneladas de pressão – que ataca uma criança, causando-lhe lesões irreparáveis (...). A responsabilidade pelos danos causados pela coisa ou animal há que ser atribuída àquela pessoa que, no momento do evento, detinha poder de comando sobre ele (...). Partindo-se da teoria do risco, o guardião somente se eximirá se provar quebra do nexo causal em decorrência da culpa exclusiva da vítima ou evento de força maior, não importando a investigação de sua culpa (...).
A rigor, a responsabilidade civil pelo fato do animal deveria ser estudada na responsabilidade civil pelo fato da coisa, como uma modalidade desta, pois coisa, para o Direito, pode ser animada (ou semovente) ou inanimada. Animal não se dota de vontade, sendo coisa, no mundo jurídico. Maria Helena DINIZ assim entende, e estuda o fato do animal como hipótese do fato da coisa, em sua obra (op. cit., pp. 529 e 550).
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VERÇOSA, Alexandre Herculano. Responsabilidade civil do Estado e de particulares em acidentes de trânsito provocados por animais. Análise da doutrina da responsabilidade civil e apanhado da jurisprudência nacional . Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3194, 30 mar. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21387>.

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