A areia é o insumo mineral mais consumido no planeta, juntamente com a água mineral e a brita. Dela depende toda a construção civil, seja no que diz respeito ao uso direto, seja no que diz respeito ao uso indireto, tendo em vista que a argamassa, o cimento e o concreto também são compostos em grande parte por esse recurso natural.
Esse é o setor da mineração que produz o maior numero de empregos e de empresas, sendo o único, ao lado do de brita, presente em todos os Estados da federação. [1] De acordo com Fernando Mendes Valverde[2], no ano de 2001 esse segmento gerou cerca de 2.500 unidades extratoras, na grande maioria empresas familiares, gerando cerca de 50.000 empregos diretos e 150.000 indiretos.
Em janeiro de 2007, o Governo Federal lançou o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, que foi um conjunto de medidas que procuravam estimular o crescimento econômico a partir de certos eixos, dos quais se sobressaía o de infraestrutura[3]. Com efeito, a previsão de investimentos em energia, habitação, saneamento, transporte e outras áreas relacionadas foi de R$ 500 bilhões até 2010.
Em março de 2010 o Governo Federal lançou o PAC 2 com previsão de investimentos de R$ 1,59 trilhão, a maioria dos quais também destinados a infraestrutura[4]. Isso está fomentando programas como “Água e luz para todos”, “Cidade melhor”, “Comunidade cidadã”, “Minha casa, minha vida” e “Transportes”.
Por conta desses programas governamentais, e também por conta do cenário econômico internacional favorável, houve um significativo crescimento da indústria da construção civil nos últimos anos, o que gerou, por consequência, o correspondente crescimento da atividade minerária de extração de areia. Em outras palavras, a indústria da areia nunca foi tão importante e nunca teve uma perspectiva de futuro tão positiva quanto a atual, seja em termos de arrecadação tributária, de número de empregos, de número de empresas e de volume de negócios.
Em face da previsão de realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, é provável que o crescimento do setor se acelere ainda mais nos próximos anos. Além do mais, impende dizer que o déficit habitacional do país é de 7 a 8 milhões de moradias e que 49% da população não tem acesso ao serviço de saneamento básico, tendo o Brasil se comprometido, inclusive junto à Organização das Nações Unidas – ONU, a reduzir tais números[5].
A atividade de extração de areia é tão importante que o seu consumo médio por habitante, juntamente com o de brita, é considerado um índice de avaliação do desenvolvimento econômico e do desenvolvimento humano. Todavia, a despeito de sua importância econômica e social, a areia é um recurso natural e sua extração pode gerar danos ao meio ambiente, a exemplo da poluição atmosférica, da poluição edáfica, da poluição hídrica, da poluição sonora e da poluição visual.
De fato, a atividade é causadora de impactos ambientais, seja no que diz respeito à contaminação da água, do solo e do subsolo por causa da geração de resíduos, seja no que diz respeito à perda da biodiversidade e à fragmentação de hábitats. Por se tratar de uma atividade essencialmente extrativa, um dos seus efeitos peculiares é a imediata descaracterização do solo e do subsolo, em razão da subtração do recurso natural anteriormente existente, o que modifica a área de forma irreversível.
Apesar de ser uma característica comum a toda atividade minerária, cumpre esclarecer que no caso da areia as áreas são exploradas em maior número e em maior intensidade em virtude da forte demanda. De mais a mais, por se tratar de um minério existente em relativa abundância na natureza e de pouco valor agregado, para reduzir o custo com a logística, sua exploração ocorre normalmente ao redor dos grandes centros urbanos, de maneira que os seus impactos ambientais são mais sentidos, haja vista ocorreram mais próximos à população.
Destarte, fazia-se necessária a criação de um instituto jurídico que obrigasse o responsável a recuperar a área degradada, mormente porque em muitos casos a mineração ocorre em propriedade de terceiros ou até do próprio Poder Público, uma vez que o direito à lavra não está necessariamente vinculado à titularidade do imóvel[6]. O Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD desponta como o instrumento jurídico e político que determina que o responsável pela atividade minerária, seja de areia ou de qualquer outro minério, recupere a área explotada, a fim de que a mesma possa voltar a desempenhar um papel relevante na sociedade.
É por meio desse documento que o órgão competente determina a forma de recuperação mais conveniente, de acordo com os critérios técnicos e com as particularidades da área degradada. Sem isso, nenhuma pessoa natural ou jurídica poderá explotar qualquer recurso mineral de forma legal, nos termos do que determina o Decreto nº 97.632/89.
O PRAD é tão importante que o § 2º do art. 225 da Constituição da República de 1988 estabelece que “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”. Impende dizer que inexiste referência constitucional expressa a qualquer outra modalidade de atividade efetiva ou potencialmente poluidora no que diz respeito à obrigação de recuperar a área degradada ou de corrigir o dano ambiental causado, sendo a mineração a única a receber menção expressa nesse sentido.
Impende dizer que o inciso VIII do art. 2º da Lei n. 6.938/81 já tinha alçado a recuperação de áreas degradadas à condição de princípio da Política Nacional do Meio Ambiente. O § 2º do art. 225 da Constituição da República foi regulamentado pelo Decreto nº 97.632/89, que estabeleceu a exigência do PRAD para toda e qualquer atividade minerária:
Art. 1º. Os empreendimentos que se destinam à exploração de recursos minerais deverão, quando da apresentação do Estudo de Impacto Ambiental - EIA e do Relatório do Impacto Ambiental - RIMA, submeter à aprovação do órgão ambiental competente, plano de recuperação de área degradada.Parágrafo único. Para os empreendimentos já existentes, deverá ser apresentado ao órgão ambiental competente, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da data de publicação deste Decreto, um plano de recuperação da área degradada.
Afora a responsabilidade civil, a desobediência a esse preceito está tipificada expressamente como crime e como infração administrativa ambiental, tendo em vista o que determinam, respectivamente, os parágrafos únicos do art. 55 da Lei n. 9.605/98 e do art. 63 do Decreto n. 6.514/08. A recuperação da área degradada é um corolário do mandamento constitucional consagrado no caput do art. 225, segundo o qual “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Entretanto, o desiderato constitucional somente será atingido se os PRADs forem realmente implementados, pois, provavelmente mais do que os outros ramos da Ciência Jurídica, o Direito Ambiental só se justifica se estiver em compasso com a realidade, pois o seu objetivo é defender o meio ambiente e a qualidade de vida da coletividade dentro de um panorama de crise ambiental[7]. Por ser a legislação ambiental brasileira uma das mais avançadas do mundo, as discussões mais relevantes entre os estudiosos da área dizem respeito à efetividade ou não dos seus mecanismos.
No caso, existem diversos relatos de não recuperação de áreas degradadas na mineração em geral, e na de areia em particular. Como nesse tipo de mineração predominam as atividades de menor porte e com capacidade econômica pequena dentro do contexto do universo da mineração, o não cumprimento do PRAD acaba sendo comum.
Importa salientar ainda que a extração de areia ocorre normalmente nos leitos dos rios ou nas suas proximidades, que são áreas ecologicamente mais sensíveis. Isso implica dizer que o Ministério Público e os órgãos administrativos de meio ambiente precisam dar uma atenção ainda maior a essa modalidade de empreendimento, no intuito de impedir que a sociedade arque com o passivo ambiental gerado por empresários sem responsabilidade social.
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