A multa mencionada nos parágrafos do artigo 461 não apresenta a
natureza sancionatória frequentemente verificada em outras medidas de
mesmo nome que o ordenamento jurídico pátrio contempla. Ao permitir a
aplicação de multa em razão da inobservância de provimentos mandamentais
ou do embaraço criado à efetivação de determinações judiciais, o
parágrafo único do artigo 14 do CPC é um exemplo de norma que prevê a
medida em análise como instrumento punitivo.
A medida de apoio aplicável em sede de tutela antecipada, na sentença
ou em decisão posterior que ordena o réu a cumprir sua obrigação de
fazer tem natureza coercitiva, ou seja, com ela busca-se atuar sobre a
vontade do obrigado, na tentativa de compeli-lo à observância do comando
judicial. É inconfundível com uma reprimenda[1],
pois o objetivo dessa multa consiste em alcançar o cumprimento
voluntário da prestação tutelada em juízo e não oferecer uma resposta a
ato praticado pelo devedor.
Igualmente descabido falar em providência ressarcitória. Apesar de o
respectivo montante poder ser exigido pelo titular do crédito em
decorrência da inobservância da decisão mandamental, o valor fixado para
a multa não se destina a reparar os prejuízos causados pelo
inadimplemento ou adimplemento tardio. O caráter psicológico da medida
também a diferencia da prestação tutelada e do eventual quantum
indenizatório a ser pago pelo réu em virtude da conversão do bem
específico em equivalente econômico.
(...)
Com isso, o Direito brasileiro pôde dar um salto qualitativo no que
concerne à tutela específica das obrigações de fazer, aumentando as
chances, principalmente, do credor de certa abstenção ou de uma
prestação personalíssima ver assegurada sua posição jurídica. Ao
contribuir para a ultrapassagem do antigo obstáculo encontrado pelos
magistrados no momento de garantir o exato bem devido por força das
obrigações em apreço, os §§ 4º e 5º do artigo 461 permitem, hoje, aos
juízes pátrios, enfrentar problema a longo tempo combatido pelo sistema
da Common Law e por outros ordenamentos europeus, como o francês e o
alemão[10].
Compreendidas as principais características da multa disciplinada pelo
artigo 461 do Código de Processo Civil, passemos às considerações sobre a
natureza dos atos relacionados à sua aplicação, a fim de proporcionar
um entendimento mais completo acerca do instituto em análise.
Nesse ponto, é de fundamental importância abordar a clássica divisão elaborada por Giuseppe Chiovenda[11]
na tentativa de distinguir os meios executivos, ou seja, os
instrumentos colocados à disposição dos membros do Poder Judiciário com o
propósito de, uma vez utilizados, satisfazerem no mundo fático as
pretensões legitimamente aduzidas em juízo.
Conforme defendido pelo autor, existem os meios de coação e os meios de
sub-rogação. Através das medidas executivas coativas, também chamadas
de coercitivas, almeja-se obter o bem reclamado pelo titular do crédito a
partir da colaboração do próprio devedor. Em outras palavras,
persuade-se o obrigado, na tentativa de impulsioná-lo à prática do exato
comportamento a que está adstrito. Já o emprego das medidas
sub-rogatórias, ou substitutivas, possibilita ao magistrado satisfazer o
direito do credor independentemente da participação do obrigado; a
atividade promovida pelo órgão jurisdicional substitui o ato ou conjunto
de atos devido em virtude do respectivo vínculo obrigacional.
No âmbito dos meios executivos de coação, cumpre, ainda, diferenciar as
medidas de coerção direta das medidas de coerção indireta. Aquelas
revestem o comando judicial de força intimidatória destinada a compelir o
devedor à observância do respectivo provimento. As últimas, por sua
vez, buscam punir a desobediência verificável em face da ordem expedida,
para então coagir o obrigado a cumprir a específica prestação
jurisdicionalmente tutelada.
Embora as medidas de coerção direta sejam referidas como exemplo de
técnica executiva, o seu emprego apresenta-se incompatível com o que se
considera execução forçada ou execução propriamente dita[12].
Por intermédio delas, o juiz visa agir sobre o ânimo do devedor e, a
partir disso, fazer com que este observe a ordem judicial, conferindo ao
titular do crédito o exato bem acordado ou decorrente de lei. A vontade
e a conseqüente participação do obrigado configuram, portanto,
elementos indispensáveis para que tais medidas promovam a satisfação do
credor; absolutamente o contrário do observado na atividade executiva
stricto sensu.
A multa contemplada nos §§ 4º e 5º do artigo 461 do CPC configura
medida de coerção direta aplicável com o fim de estimular o devedor à
observância do provimento mandamental que o ordena a cumprir sua
obrigação de fazer. Logo, mostra-se impossível compreendê-la enquanto
meio típico de execução[13].
Valendo-se do até aqui afirmado, é possível evidenciar que a utilização
da providência pecuniária autorizada pelos dispositivos acima referidos
não caracteriza atividade executiva propriamente dita. Ao aplicar a
multa, por determinada unidade de tempo, visando constranger
psicologicamente o obrigado a realizar a prestação devida, o juiz atinge
de imediato a pessoa, e apenas em grau secundário o patrimônio do qual
ela é titular, praticando atos que se afastam da execução forçada e vêm a
caracterizar a chamada execução indireta.
Em outros termos, o conjunto de providências tomadas pelo órgão
jurisdicional, na adoção da medida pecuniária em análise, busca
satisfazer o credor do facere através da colaboração do obrigado,
podendo, somente a partir de um conceito mais amplo e menos técnico, ser
identificadas como atos executórios. Trata-se, rigorosamente, de
atividade intimidatória que antecede, procurando evitar, o início da
execução.
Dito isso, restam destacados os principais contornos delineadores do
instrumento acessório introduzido no artigo 461 do CPC com o advento das
Leis 8.952/94 e 10.444/02.
O entendimento do propósito da multa coercitiva, a ciência do instituto
motivador de sua absorção pelo ordenamento jurídico pátrio e a
compreensão de como a atividade que lhe concretiza situa-se no processo
esclarecem a importância da medida de apoio prevista nos parágrafos 4º e
5º do artigo 461. Com tais elementos em mente, o magistrado pode fazer
melhor uso dos provimentos mandamentais, vindo a assegurar, com maior
efetividade, o direito material legitimamente aduzido em juízo pelo
credor da obrigação de fazer.
Atentos à relevância atribuível ao instrumento em foco, os diplomas
legais acima mencionados preocuparam-se em introduzi-lo no processo
civil brasileiro, sem, todavia, conferir ao sistema pátrio
regulamentação necessária ao seu emprego. A leitura dos preceitos
contidos no artigo 461 e a ausência de outros dispositivos que versem
sobre o tema comprovam a escassez de detalhamento normativo referente à
aplicação da medida pecuniária. Cumpre, também, ressaltar que impasses
ligados à exigibilidade e a execução da multa imposta no comando
judicial geram, até hoje, posicionamentos discordantes na doutrina e na
jurisprudência.
Embora uma resposta adequada à grande parte dessas questões extrapole
os limites traçados ao presente artigo, a postura omissiva do legislador
é merecedora de alusão.
PRICOLI, Marcela.
Astreintes: considerações sobre a origem e o desenvolvimento do instituto. Jus Navigandi, Teresina,
ano 17,
n. 3347,
30 ago. 2012
.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22522>.
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