segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Testemunha substitui exame que comprova embriaguez

Prova testemunhal pode suprir a falta dos exames que comprovam a embriaguez. O entendimento fez com que fosse retomado o prosseguimento de ação penal em desfavor de um réu acusado de dirigir embriagado. O acusado havia sido absolvido sumariamente pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Juína, a 735km a noroeste de Cuiabá. A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso acolheu apelação interposta pelo Ministério Público do Estado e reformou a decisão.

Na sentença, o réu foi absolvido da prática da conduta tipificada no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro diante da inexistência de justa causa para a ação penal, perante a ausência de prova técnica que demonstrasse a concentração de álcool por litro de sangue. No processo contra o acusado não há exame de sangue ou de alcoolemia que comprove o grau de embriaguez. 

O MP defendeu que a comprovação do estado alcoólico poderia ser operada por meio de outras provas, como se deu no caso, através de testemunhas. O segundo vogal, desembargador Alberto Ferreira de Souza, afirmou que a prova testemunhal pode suprir a falta dos exames que comprovam a embriaguez, lembrando que é dado ao juiz a possibilidade formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, só não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.

“Arredada, portanto, a possibilidade de comprovação da embriaguez exclusivamente por perícia técnica, mesmo diante da atual redação do artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito, a nosso juízo, a prova de que o agente agia sob a influência de álcool pode ser feita por qualquer meio idôneo, inclusive pela observação comum de testemunhas (artigo 167 do CPP)”, descreve trecho do voto do desembargador, cujo voto foi seguido pela primeira vogal do recurso, juíza substituta de segundo grau Graciema Ribeiro de Caravellas.

O desembargador Gérson Ferreira Paes, relator da apelação, ficou vencido. Ele entende ser imprescindível o teste de alcoolemia, visto que a prova testemunhal e os exames clínicos não seriam aptos para atestarem a informação técnica. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-MT.
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TJ-SP condena vizinhas condena a pagar indenização

A 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou duas mulheres, moradoras de um condomínio em Campinas, a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 2 mil ao dono do apartamento vizinho, em razão de excesso de barulho.

De acordo com a inicial, os ruídos eram provenientes de aparelho de som em volume alto, bater violento de portas, discussões durante a madrugada, toques prolongados de campainha e latidos do cão de estimação.
Para a turma julgadora, as provas juntadas ao processo comprovam que havia perturbação do sossego do autor da ação, entre elas, uma série de reclamações formalizadas em 2005 e 2006 à síndica do condomínio. Também há notícia de solicitação de força policial, decorrente de alto volume de aparelho de som. 

“É inegável o abuso de direito por parte das rés, que durante anos não contiveram o excesso de ruídos em seu apartamento, mesmo após diversas reclamações e advertências por parte do condomínio, prejudicando o sossego e descanso não só do autor, como de diversos moradores. Diante disso, devida a indenização postulada pelo dano moral decorrente do uso prejudicial do apartamento vizinho”, afirmou em seu voto o relator do recurso, desembargador Edgard Rosa.

O desembargador ainda ressaltou que as circunstâncias do caso apontam que o vizinho sofreu com o “prolongado uso nocivo da propriedade pelas rés, pois percebe-se dos autos que durante anos teve o seu sono comprometido, privando-se do necessário descanso e, enfim, de tranquilidade junto aos seus, bens estes indispensáveis à vida humana saudável”. Com informações da Assessoria de Imprensa o TJ-SP.
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Fim da união estável não pressupõe partilha de bens

O casal que vive em união estável pode estabelecer o regime de seu interesse, conforme prevê o artigo 1.755 do Código Civil. Tal decisão não precisa ser chancelada por advogados ou testemunhas, bastando que seja formalizada por escrito. Com este entendimento, a 8ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) negou Apelação da mulher que ao se separar do companheiro com quem vivia em união estável pretendia a partilha de bens mesmo tendo feito escritura pública pelo regime de separaçãode bens no início do relacionamento. Além da previsão legal, os desembargadores foram unânimes em negar a pretensão por não haver comprovação de vício na manifestação da vontade da autora.

O processo é originário de São Gabriel, localizada a 320km de Porto Alegre, na região da Fronteira. Após a separação do casal, a autora ajuizou ação de reconhecimento de união estável, julgada parcialmente procedente. A juíza Camila Cortello Escanuela só não reconheceu a partilha de metade dos bens, porque o casal pactuou o regime de separação. A escritura pública “declaratória de união estável foi lavrada em outubro de 2003, em Porto Alegre.

A autora entrou com Apelação no Tribunal de Justiça, alegando que dedicara mais de 10 anos de sua vida ao relacionamento e que contribuiu financeiramente para construir o patrimônio comum. Sustentou que a escritura pública serviu apenas para comprovar a união estável perante o Exército Brasileiro. Por fim, justificou que não recebeu qualquer auxílio técnico jurídico quando esteve perante o tabelião.

O desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, relator do recurso, não viu motivos para modificar a decisão de primeiro grau. Citou o artigo 1.725 do Código Civil, que dispõe sobre o regime de bens que deve vigorar nas uniões estáveis: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.

Para o juiz, diante deste dispositivo, não há a menor dúvida acerca do livre arbítrio e liberdade de os companheiros pactuarem qualquer regime patrimonial, sequer se exige, na mencionada norma, que a escritura pública dê forma à manifestação de vontade. ‘‘Portanto, isto significa dizer que os bens permanecem no patrimônio próprio de cada convivente, sem configurar comunicação ou comunhão patrimonial a justificar pretensão de partilha por metade de tal acervo’’, completou.

O relator disse ser improcedente a alegada ‘‘abusividade do ato pactuado’’, por vício na manifestação da vontade, o que ensejaria a anulação da cláusula que previa o regime de separação de bens. ‘‘Ora, eventual êxito na pretensão de partilha pressupõe prévia comprovação do vício na manifestação de vontade, a ser deduzido em Ação Anulatória, com aprofundamento da instrução probatória quanto à alegada causa de nulidade. E não houve encaminhamento da questão, pela autora, neste sentido’’, concluiu o desembargador.
Acompanharam o voto do relator os desembargadores Alzir Felippe Schmitz e Ricardo Moreira Lins Pastl, em sessão de julgamento do dia 27 de outubro.
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Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
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Concurso público deve ter validade mínima de 2 anos

É de conhecimento geral entre os concurseiros os chamados cadastros de reserva – uma espécie de lista criada pela administração pública tanto naqueles certames em que não há vagas abertas quanto nos que existem vagas, mas que o administrador público, antevendo a criação de novas vagas, aposentadorias vindouras em seu quadro de funcionários, exonerações, enfim, diversas situações em que será necessária a contratação de novos servidores, opta por formar um cadastro de aprovados para preenchimento dessas vagas que eventualmente venham a surgir durante o prazo de validade do concurso.

Mas, existe algum limite jurídico para este tipo de prática por parte da Administração Pública, ou esta pode determinar, discricionariamente, como formará e utilizará o cadastro de reserva?

A rigor, do ponto de vista legislativo inexiste norma específica que discipline a matéria. A formação de cadastros de reserva é uma prática lícita, porém, em razão do poder discricionário que caracteriza a administração pública, tem, a meu ver, padecido de abusos.

A questão já havia sido decidida pelo Superior Tribunal de Justiça, porém, a matéria também foi submetida ao Supremo Tribunal Federal que, após reconhecer a repercussão geral do tema, sedimentou, em decisão unânime, o entendimento no sentido de que candidatos aprovados em concurso público, dentro do número de vagas, têm direito líquido e certo à nomeação, ressalvando-se à administração pública tão somente a escolha do momento da nomeação durante o prazo de validade do certame. No processo, o relator, ministro Gilmar Mendes, salientou que somente em “situações excepcionalíssimas”, como crises econômicas graves e catástrofes naturais capazes de causar calamidade pública ou comoção interna autorizariam a administração pública a deixar de nomear novos servidores.

É o prazo de validade do certame que me levou a refletir sobre o assunto.

O inciso III do artigo 37 de nossa Constituição informa que o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez por igual período. De imediato, da leitura do dispositivo é possível extrair duas conclusões: 1 - que, na prática, o prazo de validade de um concurso poderá totalizar quatro anos, a saber, os dois anos previstos no preceptivo somados a dois anos advindos da prorrogação legalmente autorizada pela Constituição Federal; 2 - que, obviamente, o concurso poderá ter prazo menor que o constitucionalmente previsto.

A questão abordada neste trabalho se situa exatamente na segunda hipótese, ou seja, naqueles casos em que a administração pública estatui um prazo de duração menor que o constitucionalmente autorizado para o concurso público.

Sabe-se que alguns entes da administração direta e indireta chegam a abrir concursos prevendo o irrisório prazo de seis meses, prorrogável por igual período. Até aí, nada de anormal. A anormalidade passa a ocorrer no momento em que esse prazo transcorre, e os candidatos que compunham o cadastro de reserva anteriormente formado são surpreendidos com a abertura de um novo certame, inclusive com a previsão de vagas.

A título de exemplo, a Petrobras certa vez realizou um concurso com prazo de validade de seis meses, prorrogável por igual período, visando a criação de um cadastro de reserva de 600 advogados. Cadastro criado, aquela sociedade de economia mista acabou contratando aproximadamente de 270 aprovados, deixando os demais componentes do cadastro “a ver navios”. O que se seguiu foi a abertura de novos concursos, para a formação de novos cadastros, com igual prazo de validade, significando mais frustração para aqueles não contemplados com a contratação.

Este exemplo foi somente um dentre tantos que ocorrem no universo dos concursos públicos. Qual a razão para isto?

Embora não haja vedação legal em relação à formação de cadastros de reserva, penso que deveria haver, de lege ferenda, ou até mesmo através da provocação do STF, a regulação da matéria, pois não faz o menor sentido que um um cadastro de reserva não seja esgotado e, em seguida, seja aberto um novo certame para a formação de novo cadastro. No mínimo, uma prática dessas fere a moralidade administrativa, e é a frustração que milhares de concurseiros experimentam todos os anos ao longo da árdua batalha de preparação para as exigentes avaliações.

Qual seria a solução para a questão?
De fato, a administração pública não está obrigada a esgotar um cadastro de reserva formado após a finalização de um concurso público, na medida em que há, nesse caso, mera expectativa de direito por parte dos candidatos componentes do cadastro, ao contrário do que ocorre no caso de vagas efetivamente existentes, em que há direito líquido e certo à nomeação, com as ressalvas do ministro Gilmar Mendes, acima citadas.

Contudo, de forma a proteger a moralidade administrativa, a boa-fé, os legítimos interesses dos candidatos, enfim, os diversos valores envolvidos no binômio administrador/administrado, a lei ou o STF deveria determinar, expressamente, que nos concursos em que haja cadastro de reserva, o prazo de validade seja o máximo fixado na Constituição, isto é, dois anos, prorrogável uma vez por igual período. Isso porque afiguram-se extremamente injustas aquelas situações como a que narrei linhas atrás, em que os candidatos que compõem determinados cadastros são surpreendidos com o lançamento de novo edital para a formação de novo cadastro. Com isso, restará preservada a finalidade dos concursos públicos, que é o provimento de vagas nos quadros do funcionalismo público.

Sendo assim, na medida em que as vagas forem surgindo, nomeiam-se os componentes do cadastro de reserva. Mas, e se o cadastro se esgotar e houver novas vagas? Aí sim, abre-se novo concurso. O que não deveria ocorrer é essa farra de concursos com formação de cadastros de reserva válidos por prazo exíguo, que mais aparentam ser fonte de arrecadação da administração pública e das bancas examinadoras.

Se de um lado há a discricionariedade administrativa, autorizando esta a agir conforme a conveniência e oportunidade, de outro há as legitimas expectativas daqueles que, de boa-fé, almejam uma ocupação no funcionalismo público, sendo certo que estes, mesmo ante a possibilidade de esgotamento do prazo do concurso sem que sejam chamados, continuam sendo atraídos pelas excelentes remunerações e vantagens das carreiras públicas. Se a administração pública se vale dessa influência psicológica do candidato para realizar concursos, sabedora de que na realidade dificilmente haverá o surgimento de vagas durante aquele prazo que ela mesma assinala nos editais, não há dúvidas de que estaremos diante de flagrante enriquecimento ilícito e abuso de direito.

Por tais motivos, reafirmo meu entendimento no sentido de que, havendo concurso com previsão de cadastros de reserva, deveria haver lei disciplinando a matéria, prevendo que a validade desses certames seja de dois anos, prorrogável uma vez por igual período, ou então seja o STF provocado a se manifestar sobre o tema.

Vitor Vilela Guglinski é advogado, pós-graduado com especialização em Direito do Consumidor.
Revista Consultor Jurídico

Boa fé e segurança jurídica é uma relação necessária

A Constituição Federal em seu artigo 1º, III, consagra o princípio da dignidade da pessoa humana, esse princípio irradia-se por todo o ordenamento jurídico, bem como é possuidor de várias faces, dentre elas encontra-se a exigência de tratamento digno para com terceiros, ou seja, deve-se tratar com boa-fé. Outro princípio constitucional que garante a boa-fé é a igualdade e solidariedade social, pois se exigimos que nos tratem com boa-fé, devemos tratar os outros da mesma forma visto que segundo a Carta da República todos somos iguais em deveres e obrigações ( art. 3º , II e art. 5º, caput e inciso III, da CF/88).

O Direito é sistema por isso não devemos interpretá-lo em tiras, nessa medida é que se impõe a proteção da boa-fé como forma de preservação da segurança jurídica de todas as relações jurídicas, independente de seus sujeitos serem iminentemente privados ou privados e públicos, ou puramente públicos. A segurança jurídica é principio decorrente do Estado Democrático de Direito, como observa Bandeira de Mello, que elucida o seu conteúdo:

Este princípio não pode ser radicado em qualquer dispositivo constitucional específico. É, porem, da essência do próprio Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, de tal sorte que faz parte do sistema constitucional como um todo (...). O direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual, bem por isto, se não é o mais importante dentre todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles. (...).

Esta “segurança jurídica” coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano. É a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro:é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente – e não aleatoriamente, ao mero sabor do acaso - , comportamentos cujos futuros são esperáveis a médio e longo prazo. Dita previsibilidade é, portanto, o que condiciona a ação humana. Esta é a normalidade das coisas (2004, p. 112 a 114)

Uma certa estabilidade do direito é inerente à sua função. O direito é acima de tudo ‘um instrumento de segurança e, por isso de liberdade’. Apenas se puder prever as conseqüências que se vincularão aos seus atos é que o homem poderá decidir cientemente, empreender uma atividade, poderá organizar um trabalho, fundar uma família, esperará conservar o que adquire. Toda previsão é fundamentada nas regras existentes; sua segurança supõe uma certa fixidez das instituições nas quais ela se fundamentou.

Constata-se que a segurança jurídica é necessária para que o cidadão possa conduzir, com um mínimo de previsibilidade, sua vida em respeito às normas jurídicas, entendendo-se essas como textos legais compatíveis com a Constituição e os direitos fundamentais, como afirmam Mendes et alli,“(...) a segurança jurídica, somo subprincípio do Estado Democrático de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciador na realização da própria ideia de justiça material(2007, 474).

Os princípios da boa fé e seu corolário o da confiança são mais trabalhados dentro do Direito Civil, contudo, como já afirmado, ambos têm um âmbito de aplicação muito maior pois tem como fundamento a Constituição Federal de 1988. SOUSA informa que a boa fé e a confiança aplicam-se a todo o sistema jurídico:

(...). O campo de incidência destes princípios é amplíssimo, não se circunscrevendo ao campo do direto civil ou do direto privado, mas permeia todo o ordenamento jurídico. Afinal de contas, estamos tratando de máximas gerais da conduta ética que foram reconhecidas como incorporadas pelo Direito, tornando-as máximas ético-jurídicas. (2008, p.111)

A proteção ao princípio da boa-fé evidenciada na confiança foi objeto de enunciados da IV Jornada de Direito Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal: a) 362 – Art. 422. A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil. ; b) 363 – Art. 422. Os princípios da probidade e da confiança são de ordem pública, estando a parte lesada somente obrigada a demonstrar a existência da violação. A função do princípio da confiança é bem observada por SOUSA:

De fato, no transito das relações sociais a confiança é vetor permanente presente que orienta nossas ações e, realmente, descarta uma série de possibilidades que se fossem consideradas determinariam um comportamento diverso do esperado (...). O princípio da confiança que orienta em larga medida a conduta humana, faz-se presente nas expectativas que os sujeitos nutrem em face do sistema jurídico. (2008, p. 119).

Exemplo de incidência da boa-fé além do direito privado está nos textos normativos do Processo Civil, nesse sentido todos os sujeitos processuais devem manter a lealdade processual na forma do fair trial, preconizado pelo Min. Gilmar Mendes no RE 464963/GO, em trecho de voto:

(...) O princípio do devido processo legal, que lastreia todo o leque de garantias constitucionais voltadas para a efetividade dos processos jurisdicionais e administrativos, assegura que todo julgamento seja realizado com a observância das regras procedimentais previamente estabelecidas, e, além disso, representa uma exigência de fair trial, no sentido de garantir a participação equânime, justa, leal, enfim, sempre imbuída pela boa-fé e pela ética dos sujeitos processuais.

A máxima do fair trial é uma das faces do princípio do devido processo legal positivado na Constituição de 1988, a qual assegura um modelo garantista de jurisdição, voltado para a proteção efetiva dos direitos individuais e coletivos, e que depende, para seu pleno funcionamento, DA BOA-FÉ E LEALDADE DOS SUJEITOS QUE DELE PARTICIPAM, CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL PARA A CORREÇÃO E LEGITIMIDADE DO CONJUNTO DE ATOS, RELAÇÕES E PROCESSOS JURISDICIONAIS E ADMINISTRATIVOS.

Nesse sentido, tal princípio possui um âmbito de proteção alargado, que exige o fair trial não apenas dentre aqueles que fazem parte da relação processual, ou que atuam diretamente no processo, mas de todo o aparato jurisdicional, o que abrange todos os sujeitos, instituições e órgãos, públicos e privados, que exercem, direta ou indiretamente, funções qualificadas constitucionalmente como essenciais à Justiça.

Contrárias a máxima do fair trial - como corolário do devido processo legal, e que encontra expressão positiva , por exemplo, no artigo 14 e seguintes do código de processo civil – são todas as condutas suspicazes praticadas por pessoas às quais a lei proíbe a participação no processo em razão de suspeição, impedimento ou incompatibilidade; ou nos casos em que esses impedimentos e incompatibilidades são forjados pelas partes com o intuito de burlar as normas processuais. (...).(2006, p. 17)

Didier afirma que o comportamento contraditório é uma violação da lealdade processual, e dá como exemplo o desrespeito à preclusão lógica entre as partes. (2008, p. 261) Mas como dito, o juiz, como sujeito processual também deve se portar dentro do princípio da confiança, pois não pode realizar julgamento antecipado da lide diante de uma revelia contrariando o interesse do autor. (DIDIER, 2008, p. 274).

O princípio da boa fé gera mais que um estado subjetivo de eticidade, “erige-se em fonte de normas objetivas”. ( SOUSA, 2008, p. 116). Não se pode excluir o respeito a boa-fé dentro de um sistema jurídico constitucional, pois do contrário, se passaria a exigir comportamentos éticos dos particulares e não se faria a mesma exigência do Estado, circunstância de flagrante possibilidade de opressão desse sobre aqueles, daí a irradiação como princípio constitucional implícito (art. 5º, §2º da CF/88) sobre todo o ordenamento jurídico.

Eduardo Almendra Martins é especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina e mestrando em Direito Constitucional na Universidade de Fortaleza, Defensor Público do Estado do Ceará.
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