domingo, 19 de fevereiro de 2012

Garantia de emprego do deficiente ou reabilitado (Sergio Pinto Martins)

Reza o inciso XXXI do artigo 7.º da Constituição sobre a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência.

A Convenção n.º 159 da OIT, de 1983, promulgada pelo Decreto n.º 129/91, versa sobre a reabilitação e emprego da pessoa portadora de deficiência.  Os países devem introduzir, nos seus ordenamentos jurídicos, políticas de readaptação profissional e emprego de pessoas com deficiência, visando garantir adequadas medidas de readaptação profissional sejam colocadas à disposição de deficientes, promovendo oportunidades de emprego, tendo por base também o princípio da igualdade de oportunidades de emprego. A Recomendação 168 da OIT trata de diretrizes para a adoção de políticas para inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

Nem toda pessoa deficiente é incapaz para o trabalho. Nem toda pessoa incapaz é deficiente.

Dispõe o artigo 93 da Lei n.º 8.213/91 que "A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I - até 200 empregados.......... 2%;
II - de 201 a 500.................... 3%;
III - de 501 a 1.000............... 4%;
IV - de 1.001 em diante. ....... 5%.

É o que a doutrina chama de sistema de "cotas", pois também há cotas para admissão de aprendizes na empresa (art. 429 da CLT). A empresa tem que cumprir as cotas de admissão de deficientes ou de pessoas reabilitadas, sob pena de multa administrativa.    


A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante §1.º do art. 93 da Lei n.º 8.213/91). O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados (§2.º do art. 93 da Lei n.º 8.213/91).
A determinação do parágrafo 1.º artigo 93 da Lei n.º 8.213/91 não é uma garantia individual ou para uma pessoa específica, mas para um grupo de pessoas deficientes.

Estabeleceu situação compreendendo condição suspensiva: admissão de empregado de condição semelhante. Trata-se de hipótese de garantia de emprego indireta em que não há prazo certo. A dispensa do trabalhador reabilitado ou dos deficientes só poderá ser feita se a empresa tiver o número mínimo estabelecido pelo artigo 93 da Lei n.º 8.213/91. Enquanto a empresa não atinge o número mínimo previsto em lei, haverá garantia de emprego para as referidas pessoas. Admitindo a empresa deficientes ou reabilitados em porcentual superior ao previsto no artigo 93 da Lei n.º 8.213/91, poderá demitir outras pessoas em iguais condições até atingir o referido limite. Poderá, porém, a empresa dispensar os reabilitados ou deficientes por justa causa.

Representa o parágrafo 1.º do artigo 93 da Lei n.ª 8.213/91 hipótese de limitação ao poder potestativo de dispensa do empregador.

A pessoa com deficiência deve ser habilitada. Se não houver habilitados no mercado, não há como a empresa os admitir e cumprir a regra do artigo 93 da Lei n.º 8.213/91.

A lei faz referência a empregado reabilitado ou deficiente contratado por prazo determinado de mais de 90 dias. Assim, se o contrato de prazo determinado for de até 90 dias, como ocorre com o contrato de experiência, não há direito a garantia de emprego.

O cálculo das cotas é feito com base no número de empregados da empresa e não de cada estabelecimento. A empresa pode ter um número menor de empregados em cada estabelecimento do previsto no artigo 93 da Lei n.º 8.213, mas o cálculo é feito com base no número total de empregados da empresa. A lei não estabeleceu distinção em relação a atividade exercida pela empresa para excluir a aplicação das cotas.

Outro dia verifiquei a Prefeitura Municipal do Guarujá colocou deficientes de locomoção para atender o público na recepção, o que eles podem fazer muito bem, pois não depende de locomoção.

O cego não pode dirigir veículo automotor, mas pode atender telefone e fazer outras funções, o que faz muito bem.

Em caso de justo impedimento para a contratação de deficiente, em que a empresa demonstrou que envidou esforços na busca por candidatos para preenchimento das vagas para deficientes físicos habilitados e/ou reabilitados do INSS, mas que, todavia, não obteve êxito na tentativa de admissão desses trabalhadores. Foram enviados ofícios ao Sine, ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Unaí e ao INSS. O cumprimento da obrigação legal se tornou impossível em virtude da inexistência de apresentação ou indicação de trabalhadores portadores de deficiência ou reabilitados. A interpretação da lei não pode levar ao impossível.

O Direito também não pode ignorar a realidade, impondo obrigação impossível de ser cumprida. Ficou mantido o julgado de primeiro grau:
Agravo de instrumento. Recurso de revista. Auto de infração. Nulidade. Justa impossibilidade de cumprimento da legislação. Art. 93 da Lei n.º 8.213/91. Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos pressupostos de cabimento. Agravo desprovido (TST, 2ª T., AIRR 53.240-54.2007.5.03.0096, j. 6.9.11, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DJe 16.9.11), IOB 2/30043, n.° 19/2011, p. 554).

O artigo 93 da Lei n.º 8.213/91 faz referência a cargos. Empresa privada não tem cargo. Cargo é privativo de funcionário público. Entretanto, a lei não faz distinção em relação ao tipo de cargo. Logo, não trata de postos de trabalho passíveis que comportem a admissão de deficientes, mas do total de postos existentes na empresa. No mesmo sentido o seguinte julgado:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE ANULAÇÃO DE DÉBITO FISCAL. Cota para deficientes. A determinação de observância da cota de deficientes e\ou reabilitados é endereçada a toda empresa com mais de 100 empregados, não fazendo qualquer exceção. . Pretender que o percentual previsto na lei, em comento, para contratação de portadores de deficiência somente seja calculado sobre o total de postos funcionais compatíveis a portadores de deficiência existentes na empresa e não sobre o total de cargos ali existentes, não é possível admitir, já que é função do legislador criar o direito. Caso fosse julgada procedente a pretensão, o Poder Judiciário estaria se valendo da condição de legislador, incluindo exceção na norma que não existe. APELO PROVIDO (TRT 2ª R., Rel. Maria Aparecida Duenhas, DJ 27.5.2011).

Jornal Carta Forense, domingo, 12 de fevereiro de 2012

Afetividade no além-mar? (José Fernando Simão)

Depois da difícil de defesa da minha tese de livre-docência que, na Universidade de São Paulo, é o concurso de maior duração e que contém o maior número de avaliações pela banca (defesa de tese, prova escrita, prova didática, análise de memoriais), resolvi viajar para recarregar as baterias.

Qual não foi minha surpresa ao chegar em Lisboa no dia 23 de janeiro e ler em no jornal Correio da Manhã que: "OBRIGADO A SER PAI DE FILHA ALHEIA ".

Li a reportagem toda que cuidava de uma ação julgada pelo Tribunal da Relação de Coimbra em que o pai de uma menina propunha uma ação negatória de paternidade alegando que não era seu pai biológico por ser infértil.  A matéria dizia, ainda, que o autor da demanda sabia que a filha não era sua desde o nascimento da criança, conhecendo, inclusive, o fato de a mãe da menina, sua esposa, ter mantido relações extraconjugais.

Seguem algumas linhas da publicação:
"António (nome fictício) tem uma 'filha' de 17 anos com o seu apelido, mas sabe que não é o pai, por ser infértil e nem sequer ter tido relações sexuais com a mãe desta. Para repor a "verdade biológica" e retirar o seu nome da certidão de nascimento, recorreu ao tribunal, mas o seu pedido não foi aceite, por ter sido feito fora de prazo. Ainda tentou provar a inconstitucionalidade dessa norma, mas de nada lhe valeu.

O queixoso, que reside no concelho de Condeixa-a-Nova, era casado, mas a mulher (e mãe da rapariga) 'recusava-se a ter relações sexuais" com ele, pois "mantinha um relacionamento amoroso e sexual" com outro homem. António sempre soube que a menor não era sua filha. Acabaria por se divorciar da mulher, mas nessa altura o seu nome já figurava na certidão de nascimento como sendo o pai. Foi deixando passar o tempo, e quando apresentou, junto do Tribunal de Condeixa, uma acção de impugnação da paternidade, a menor já tinha 13 anos, quando a lei prevê um prazo de três anos para o fazer,' contados desde a data em que teve conhecimento".

Apesar de velada, da notícia transparecia a indignação do periódico luso. Como pano de funda, ficava uma indagação? Como fazer com que um homem que não era pai biológico, fosse pai para todos os efeitos jurídicos?

Fato é que além da questão do prazo decadencial (em Portugal denominado caducidade), o Tribunal de Coimbra mencionou (segundo a reportagem), que há outros fatores a serem considerados na formação da paternidade.

Um pouco antes de viajar a Portugal, em minha aula de revisão para Concursos no Curso Damásio, mencionei uma decisão do STJ que reforça a prevalência do vínculo afetivo sobre o biológico. Confirma-se no meu twitter (@professorsimao). Basta lançar o seguinte link http://bit.ly/nu42W6
Enquanto o Código Civil de 2002 não traz prazos para a negatória de paternidade (como trazia o revogado Código) porque o artigo 1601 é claro neste sentido (Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível), o Código Português traz o prazo decadencial 3 anos.

A grande pergunta é: sendo a ação proposta no prazo de 3 anos (em Portugal) ou a qualquer tempo (no Brasil), a paternidade deve ser desconstituída quando o DNA atestar a ausência de vínculo biológico?

A resposta é negativa em razão do afeto que gera efeitos jurídicos na constituição de vínculos. Então surge outra questão. Se o menor ou o adolescente tiver um pai biológico que desconhecia o fato de ser pai (a mãe da criança omitiu a gravidez e o nascimento) e um pai socioafetivo que, sabendo não ser pai biológico desenvolveu o vínculo (seguindo o trinômio nomen, tractatus e fama), terá o pai biológico direito ao reconhecimento da paternidade?

Se a resposta for positiva, desfeita será a parentalidade socioafetiva e reconhecida a biológica (DNA vence o afeto). Se a resposta for negativa, prevalece o vínculo afetivo, mas o pai biológico ficará alijado da condição de pai (Afeto vence o DNA).

Alguns se perguntam: e por que não se admitir pluriparentalidade? Maurício Bunazar, em artigo premiado apresentado no Congresso Paulista do IBDFAM ("Pelas portas de Villella - um ensaio sobre a pluriparentalidade como realidade sócio-jurídica"), responde ser possível a aceitação desta pluriparentalidade. Não estou convencido disto.

Afirmar que a pluriparentalidade atende ao melhor interesse da criança é discurso ideológico e vazio. Pode ou não atender. Mas, pior que isto, o argumento constitucional só aplica à criança e ao adolescente. Então não haveria possibilidade de pluriparentalidade para as pessoas maiores? Bem, a saída é invocar o princípio da dignidade da pessoa humana que tem servido de panacéia a todos os males.

Aliás, para os que se utilizam do discurso principiológico de maneira vazia um lembrete. O Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968, uma das maiores agressões já perpetradas à democracia e à liberdade individual na história recente do Brasil, em sua justificativa afirmava: "CONSIDERANDO que a Revolução brasileira de 31 de março de 1964 teve, conforme decorre dos Atos com os quais se institucionalizou, fundamentos e propósitos que visavam a dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo, na luta contra a corrupção, buscando, deste modo, 'os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil, de maneira a poder enfrentar, de modo direito e imediato, os graves e urgentes problemas de que depende a restauração da ordem interna e do prestígio internacional da nossa pátria'".

Em suma, a questão do afeto como valor jurídico ainda engatinha. Há muito a se discutir sobre o tema. Cabe um sério aprofundamento teórico com bases sólidas a fornecer balizas para os nossos julgadores. Mas enquanto isso, no além-mar o tema palpita e vira manchete de jornal.

Jornal Carta Forense, domingo, 12 de fevereiro de 2012

Controle da Magistratura (Ives Gandra Silva Martins)

A recente crise desventrada para a sociedade entre CNJ e STF - e que deverá ter solução definitiva, em princípio do ano judiciário -, merece reflexão exclusivamente jurídica.

O primeiro aspecto a considerar é que a Emenda Constitucional nº45/04 não criou um controle externo da magistratura, como a grande maioria dos advogados desejava. Criou, isto sim, um controle "interno qualificado", visto que deslocou para uma instituição de Brasília o exame dos desvios funcionais dos servidores do Judiciário, principalmente dos magistrados. Assim é que, dos 15 conselheiros, 9 são magistrados, 4 representam instituições fundamentais à judicatura (2 advogados e 2 membros do "Parquet") e apenas 2 elementos são externos (1 representante do Senado e outro da Câmara dos Deputados).

Em audiência pública, a convite do Senador Bernardo Cabral, opus-me, ainda na fase de discussão do projeto original, a um controle externo, que, a meu ver, feriria o artigo 2º da Constituição Federal, segundo o qual os Poderes são harmônicos e independentes. Naquela audiência, de que participaram os presidentes do STF, STJ e um Ministro do TST (Marco Aurélio de Mello, Costa Leite e Ives Gandra Filho), expus as razões de minha postura, de resto, publicamente manifestada em palestras e artigos.

O certo é que o bom senso do Congresso Nacional, do Ministro Márcio Thomas Bastos e de Sergio Renault, terminou por desaguar em fórmula na qual o artigo 2º da C. Federal não saiu maculado, outorgando-se ao CNJ competência originária, concorrente e recursal para todos os casos de desvios funcionais, no Poder Judiciário.

A inércia de grande parte das Corregedorias ou Conselhos da Magistratura, que não puniam - mas que tiveram suas competências preservadas (artigo 103-B artigo 4º inciso V), cabendo, em face de suas decisões, recurso ao CNJ -, levou à criação do inciso III, do § 4º, do artigo 103-B, ou seja, o direito de o CNJ conhecer, originariamente, de qualquer reclamação contra servidores do Judiciário, Magistrados ou Serventuários, sendo essa norma, de rigor, a mais relevante da E.C. 45/04 e a verdadeira razão da criação do CNJ. Está o inciso III assim redigido:
"III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;" (Grifos meus).
Ora, pretender que esta competência seja apenas protocolar, ou seja, de receber reclamações e enviá-las para as Corregedorias ou Conselhos de Magistratura, é, à evidência, nulificar, por inteiro, a razão de ser da criação do CNJ.

Tanto é coerente esta linha de raciocínio, que, tão logo criado e dirigido, durante 6 anos, por 3 presidentes do STF (Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Ellen Gracie) e integrado por 45 Conselheiros, em 3 mandatos, o CNJ decidiu, no exercício de sua competência originária, concorrente e recursal, dezenas de processos contra Magistrados, sem que se pusesse em questão sua linha de ação, de resto, reconhecida pela Nação como necessária para punir desvios que existem em quaisquer instituições e realçar o fato de ser o Poder Judiciário, de todos os Poderes, aquele em que tais distorções menos ocorrem.

Ora, a decisão inicial do Ministro Marco Aurélio de Mello, a quem devoto particular admiração - é antológico o voto que proferiu na questão Raposa Terra do Sol - de suspender o exercício de tal competência até manifestação do Plenário, parece-me equivocada. De início, porque desautoriza seis anos de atuação do CNJ no exercício das competências atribuídas pela Constituição; depois, porque autoriza todos os que foram punidos pela instituição a pedirem imediata reintegração nas funções exercidas e indenizações por danos morais, em face de terem sido condenados por órgão incompetente.
Do ponto de visto jurídico, portanto, nada obstante o indiscutível valor do Ministro - participei de dois livros organizados em justa homenagem a sua atuação como Magistrado - parece-me equivocada a decisão, tanto assim que três Ministros que presidiram o CNJ e 45 Conselheiros, nos seis anos de sua atuação anterior, jamais detectaram qualquer vício de competência.

Do ponto de vista político, a decisão poderá levar o Congresso a instituir um verdadeiro controle externo da Magistratura, e não um controle interno qualificado, como existe atualmente.

Por fim, do ponto de vista social, a decisão terminou colocando a mídia e a sociedade contra o Poder Judiciário, gerando, de rigor, uma desconfiança no mais respeitável dos Poderes, o que não é bom para a democracia brasileira.

Tais considerações eu as faço, pelas preocupações que me assaltam, nestes meus 55 anos de exercício profissional, na esperança de que o Plenário da Suprema Corte, ao examinar esta decisão, ao lado das outras duas prolatadas pelos Ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski - igualmente Magistrados e doutrinadores de escol neste País -, reconheça aquela competência originária, exercida, sem quaisquer contestações, durante 6 anos, pelo CNJ.

Só assim, a injusta desfiguração do Judiciário, promovida pelos mais variados comentários, diante da divergência, publicamente manifestada, entre os Ministros Peluso e Eliana Calmon, poderá ser apagada. Na democracia, que tem como símbolo maior o direito de defesa - nas ditaduras ele inexiste -, cabe ao Poder Judiciário a relevantíssima função de garanti-lo. E um Poder Judiciário forte e respeitado é a maior garantia de um Estado Democrático de Direito.

Jornal Carta Forense, domingo, 12 de fevereiro de 2012

Da responsabilidade das Companhias Aéreas nos casos de atraso de vôos e preterição de embarque

Pois bem, como anteriormente informado, em se verificando atrasos excessivos, ou preterição de embarque, às Operadoras Aéreas se impõe a adoção de medidas compensatórias consistentes nos denominados deveres anexos, sob pena de inadimplemento contratual.

A inércia e omissão das Companhias Aéreas, que não raro mantém seus passageiros desinformados, sem acesso à Internet ou outros meios de comunicação, alimentação e local para se acomodar, além de configurar violação ao contrato, gera dissabor e desconforto passíveis de indenização por danos morais, bem como o dever correlato de restituir todos os gastos com o auxílio material indevidamente suprimido.

O overbooking, por sua vez, configura manifesta falha na prestação de serviços e decorre não só da suposta desorganização das Companhias Aéreas, mas verdadeiramente de sua irrefreada ânsia por lucro que a leva a vender mais passagens do que dispõe, acreditando em eventuais desistências que, quando não ocorrem, acarretam dano e desconforto por vezes irreparáveis aos passageiros.

Dessa forma, independentemente de culpa ou dolo, a reparação pelos prejuízos materiais e morais se impõe, eis que neste caso a preterição de embarque não viola, em regra, os deveres anexos antes mencionados, mas o próprio objeto do contrato que consiste na disponibilização de voo no horário escolhido pelo consumidor.

 Por derradeiro, ressaltamos que advogamos a tese de que a adoção pelas Companhias Aéreas de todas as medidas compensatórias previstas, não prejudica eventual pleito indenizatório na esfera judicial.

Isso porque o consumidor tem legítima expectativa na prestação do serviço de acordo com o contratado, razão pela qual não raro se organiza, seja para encontrar familiares, seja para participar de reuniões de negócio, ou mesmo passeios turísticos, de acordo com o horários de seu voo.

Neste sentido, ainda que todas as medidas compensatórias sejam adotadas, isto é, oferecida alimentação, local de descanso, translado, hospedagem, se o passageiro comprovar que sofreu prejuízo por conta do atraso inesperado, mesmo o de ordem moral, deverá ser por ele ressarcido, independentemente de culpa da Companhia Aérea que, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, assume os riscos do negócio que presta.

Em outras palavras, mesmo que as companhias aéreas prestem as medidas compensatórias estabelecidas pela ANAC em casos de atraso, ainda assim estará caracterizado o dever de indenizar por prejuízos causados por tais condutas.

Por outro lado, a não prestação das medidas compensatórias caracteriza um agravamento do dano sofrido pelos passageiros em razão do atraso e, por isso, deve conduzir necessariamente a uma majoração de eventual indenização que venha a ser fixada pelo Judiciário.




REICHEL, Daniel Menegassi. Responsabilidade das companhias aéreas por atrasos e overbooking nos voos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3152, 17 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21104/responsabilidade-das-companhias-aereas-por-atrasos-e-overbooking-nos-voos>.

Dos deveres das Companhias Aéreas nos casos de atraso e preterição de embarque

Apesar de não existirem maiores formalidades para a aquisição de passagens aéreas, a negociação empreendida entre as Operadoras e os passageiros representa a celebração de verdadeiro contrato.

Dessa forma, estabelecem-se obrigações recíprocas entre as partes, cabendo ao consumidor pagar o valor da passagem e, em contrapartida, às Operadoras Aéreas disponibilizar o vôo no horário fixado.

No entanto, a complexidade inerente ao serviço de transporte aéreo por muitas vezes enseja atrasos nos vôos que, se excessivos, impõem às Companhias Aéreas à adoção de deveres anexos, sob pena de inadimplemento contratual.

A primeira questão que se coloca, então, é saber o que se considera como atraso excessivo para fins de observância dos mencionados deveres anexos. Por certo a expressão induz ao subjetivismo sendo passível de interpretações distintas de acordo com o interessado.

Buscando eliminar a abrangência subjetiva do termo, a ANAC, através de sua Resolução Normativa nº 141/2010, estabeleceu como paradigma o prazo de 04 horas, sendo certo que após o seu transcurso, às Operadoras Aéreas caberá a adoção de medidas compensatórias.

Dispõe o art. 3º da mencionada Resolução Normativa que incumbirá ao transportador, em caso de atrasos de mais de 04 horas, oferecer ao passageiro sua reacomodação em vôo próprio que preste serviço equivalente, ou que apresente horário e data de sua conveniência, ou mesmo o reembolso do valor pago.

Deverá ainda ser conferido ao passageiro que comparecer ao embarque a disponibilização de auxílios materiais, nos termos do art. 14, § 1º, da Resolução Normativa nº 141/2010, nos seguintes termos:
Art. 14. Nos casos de atraso, cancelamento ou interrupção de voo, bem como de preterição de passageiro, o transportador deverá assegurar ao passageiro que comparecer para embarque o direito a receber assistência material.
§ 1º A assistência material consiste em satisfazer as necessidades imediatas do passageiro, gratuitamente e de modo compatível com a estimativa do tempo de espera, contados a partir do horário de partida originalmente previsto, nos seguintes termos:
I - superior a 1 (uma) hora: facilidades de comunicação, tais como ligação telefônica, acesso a internet ou outros;
II - superior a 2 (duas) horas: alimentação adequada;
III - superior a 4 (quatro) horas: acomodação em local adequado, traslado e, quando necessário,serviço de hospedagem.
Além disso, as Operadoras Aéreas devem manter sempre informados os seus passageiros, e por escrito se assim solicitarem, inclusive com a previsão de partida atualizada de seus vôos, tudo em conformidade com a regulamentação normativa do setor e o Código de Defesa do Consumidor.

O mesmo ocorre nas hipóteses de overbooking, sendo o auxílio material, a necessidade de informação, inclusive por escrito, e as alternativas de prestação de serviço informadas igualmente devidas.


REICHEL, Daniel Menegassi. Responsabilidade das companhias aéreas por atrasos e overbooking nos voos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3152, 17 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21104/responsabilidade-das-companhias-aereas-por-atrasos-e-overbooking-nos-voos>.