quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Como fica sua privacidade com o novo atrevimento do Google

Todos estão recebendo e-mails, popups e alertas do Google sobre sua nova “Política de Privacidade”. A partir de 1º de março, usuários que continuam usando os serviços tacitamente declaram concordância com as novas regras impostas pelo provedor de serviços. Longe das declarações superficiais, apaziguadoras e que nunca dizem toda a verdade, por parte dos representantes do Google, é hora do cidadão saber realmente como ficará sua privacidade.

Se você acha que esta informação é dispensável, talvez não tenha percebido o valor deste direito, o direito de proteção dos dados pessoais, o direito de estar só, de não ser rastreado ou ter padrões, comportamentos privados e hábitos logados a cada passo que se dá no mundo virtual.
Primeiramente, na verdade, nada é para melhorar a “comodidade dos internautas”. Você realmente acredita nisso? O fato é que hoje, além da política de privacidade geral, alguns serviços do provedor tinham regras próprias, adicionais. Com a nova política, estas regras (aproximadamente 60) ficam agrupadas em uma única regra. E o que tem de mal?
Em se unificando as políticas o Google também se cria o permissivo para o mesmo utilizar o que já estruturou antes de consultar o cidadão: Um grande centro de mineração de dados, um poderoso cérebro de cruzamento, que agora, agrupará informações de todos os serviços, antes separados, isolados.
Quais os efeitos? Um cidadão que tenha uma conta de e-mail Gmail quebrada por determinação da Justiça, como os dados agora são coletados como um todo, poderá ver sua privacidade em outros serviços, Blogger, Orkut, Docs, etc., quebrada.  Não há garantias que diante desta nova política, não fique mais fácil a autoridades e interessados obterem dados além dos necessários para uma investigação ou repressão de um ato ilícito.
Imagine que você faz uma pesquisa relacionada a sexualidade no buscador e neste momento YouTube e Gmail são  influenciados por esta busca, no Orkut ou Google+ perfis de vendas de produtos eróticos lhe enviam mensagens. Como se livrar deste rastro?
“Você está no caminho de uma reunião. O tráfego parece estar diminuindo. Um texto surge: Você vai se atrasar, pegue a próxima saída para a rota alternativa” Você realmente deseja esta facilidade proposta pelo Google? Pois bem, para isso acontecer, considere que o Google bisbilhotou sua localização de seu celular Android e além disso fuçou no seu Calendar, para saber para onde você ia e quais seus compromissos!
Segundo a revista ScientificAmerica (http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=how-googles-new-privacy-p), teríamos também um problema grave de integração de dados entre contas diferentes. Imagine que você tem uma conta pessoal (usada para diversão) e outra profissional? Você gostaria de ter a integração entre ambas, relacionamentos, contatos, termos pesquisados? Pense bem...
A revista vai além, e explica que mais um problema futuro seria o descobrimento dos usernames, pois Google+ solicita nomes reais e outros serviços como YouTube não. A partir de 01 de março, em tese, seu nome real poderia aparecer em todos os seus produtos Google. Legal?

Ao passo em que aprimora sua gestão de informações, passa a ter um dossiê global e integrado de cada usuário de Internet, com cabeçalhos HTTP, IPs, localização geográfica, termos procurados, sua agenda do Calendar, conversas do Gtalk, documentos do Docs, etc. etc. Imagine tudo isto integrado, nas mãos das pessoas erradas?
Cada serviço do Google tem sua característica o que demanda proteções adicionais de privacidade. Não se pode, em prejuízo do principio da especificidade (ou especialidade), conceder a serviços distintos regras idênticas. Cada dado deve ser coletado para finalidade específica. Agora, crio um simples e-mail e dou o direito ao Google de usar estes dados em todos os seus outros serviços? Sim! Não existe finalidade!E aliás, esta unificação parte do baseline mais protetivo a privacidade ou mais aberto? Com certeza do mais aberto. Pegue o serviço do Google que mais lhe dá direitos em relação a dados de usuários, unifique a todos os demais e pronto, estamos oferecendo “comodidade, facilidade aos internautas”.

Não se trata de comodidade, mas de estratégia para anúncios focados, para lucrar com seus dados.    Igualmente, é obscura a declaração da Privacy Officer do Google de que “os governos requisitaram regras menores e mais simples em relação a privacidade”. Fica clara a intenção, favorecer quebras de sigilo, investigações e anúncios publicitários.
E para o usuário o que resta? Não fazer login? Ignorar sua privacidade rumo a “novas experiências”. Não! Cabe ao Google nos dar o direito de escolhermos e desativarmos a combinação, conexão e intercâmbio de informações. Lembrando que pelo anteprojeto de Lei de proteção de dados pessoais, toda a combinação de informações deve ser previamente e expressamente autorizada pelo usuário, que aliás poderá revoga-la a qualquer momento. Não devemos buscar somente o direito de desligar anúncios, mas de desligar esta correlação de informações. Não devemos buscar o direito de limpar o histórico, mas efetivamente limpar os registros dos servidores do provedor...
O cidadão que quiser, por exemplo, manter dados desvinculados entre os serviços, segundo o Google só teria das saídas, ou não fazer loggin ou criar novas contas. Imagine-se com uma conta para cada serviço?

É hora de buscarmos nossos direitos inerentes a privacidade digital, como os de poder peticionar e conhecer realmente cada informação que o provedor coleta sobre nós, o de realizar as chamadas “auditorias de privacidade”e principalmente o de “opt-out” de mudanças suspeitas nas regras do jogo, como a presente.  Nos Estados Unidos, um bom exemplo, os republicanos Ed. Markey e Joe Barton já solicitaram a Federal Trade Comission (FTC), a investigação das violações a privacidade estampadas pela nova política (Veja carta em http://markey.house.gov/sites/markey.house.gov/files/documents/2012_0127%20Letter%20to%20FTC.pdf0), zelando, efetivamente, pelos direitos dos usuários.

Então me desculpe, mas não vejo benefício algum na política do Google, a não ser para aqueles ávidos em conhecer o que fazemos, anunciantes, empresas, governo e ao próprio Google que terá mais tráfego em seus serviços. 
Você pode até pensar, “Ora, mas o Google já faz isso faz tempo!” Ok, mas agora passa a legitimar seus atos, em uma política em que, ou você concorda ou está praticamente fora da Internet.  Precisamos de figuras que também defendam nossa privacidade no Congresso.Pense, e veja se não é hora de exigir de nossos Congressistas maior atenção a estes temas e aos nossos direitos.
Aliás, para nós, nossos direitos, para o Google, “idéias erradas”. Pense bem antes de colocar seus dados nesta teia. Ou realmente você acredita que oferecer lembretes de sua reunião é mais importe do que seus dados e seu sagrado direito a privacidade?
Continue achando que o que é de graça não se questiona. Não há nada de graça, o preço de tudo isso, são seus dados pessoais, o rastreamento da sua vida. Em síntese, como bem disse Jeff Chester, um cão de guarda da privacidade, Diretor do Centro de Democracia Digital, a partir de primeiro de março, receberemos uma “camisa de força digital”, forçados a compartilhar informações pessoais, sem defesa.
Até quando a destruição de nosso direito a privacidade será coberto pelo falso manto da “otimização da experiência do usuário”? Não queremos novas experiências impostas, mas liberdade para construí-las, quando bem nos convier. 
MILAGRE, José Antonio. Como fica sua privacidade com o novo atrevimento do Google. O que realmente pode acontecer a partir de 1 de março de 2012 com a vigência da “camisa de força digital”. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3148, 13 fev. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21070/como-fica-sua-privacidade-com-o-novo-atrevimento-do-google>.

O Supremo Tribunal Federal deve ouvir a sociedade?

A cena foi transmitida ao vivo: discutiam os ministros do Supremo Tribunal Federal se a opinião do povo deve ou não ter alguma influência nas decisões do tribunal (é possível rever aqui, dos 9m32s aos 15m01s do vídeo). Joaquim Falcão, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo (leia aqui, para assinantes), assim resume a questão: “Quem influencia uma decisão do Supremo? Em nome de quê um ilustre autor estrangeiro deve influenciar o voto de um ministro do Supremo, mais do que a opinião da maioria de seus cidadãos?”.

Algumas distinções devem ser feitas.
Os julgamentos do STF devem ser guiados pela Constituição e, para preservar direitos fundamentais da minoria, o STF deve decidir contra a opinião da maioria. Assim, por exemplo, mesmo uma lei de iniciativa popular, aprovada por unanimidade em ambas as casas do Congresso Nacional, sancionada sem vetos pela Presidência da República, se violar direitos fundamentais deverá ter sua inconstitucionalidade declarada pelo Supremo.

Essa defesa intransigente dos direitos fundamentais faz especial sentido em nossos dias, em que há intensas transformações sociais e econômicas no mundo (em que o Estado não titubeia em sacrificar direitos em favor, por exemplo, da estabilidade econômica). Nesse contexto, a opinião do povo tem alguma relevância? Ou, com outras palavras, “o povo deve ser ouvido” pelo STF?

A questão, a meu ver, tem a ver não apenas com o chamado “papel contramajoritário” da jurisdição constitucional, na defesa de direitos fundamentais. Penso, até, que está fora de dúvida que o STF, especialmente se considerada sua história recente, incorporou esse papel, assumindo postura ativa na defesa de direitos fundamentais.

Os valores que imperam na sociedade, no entanto, não devem ser desprezados pelo STF.

Em uma sociedade pluralista é natural que os valores nela preponderantes acabem sendo transpostos para a linguagem normativa. Dessa transposição surgem os princípios, que, inevitavelmente, têm alta carga axiológica (já que são, essencialmente, valores) e conservam em si o caráter pluralista da sociedade da qual emergiram.

O fato de o legislador (constitucional ou infraconstitucional) ter criado normas como princípios — e não como regras — não se deu, ao menos num primeiro momento, de modo deliberado. A complexidade das relações sociais, por assim dizer, impôs a observância desse modo de legislar. O texto constitucional, assim, é extremamente complexo; a sociedade da qual emergem os problemas que são levados à jurisdição constitucional, por sua vez, são igualmente complexos. Daí que um dos maiores desafios da aplicação da norma constitucional está em se saber como definir o princípio que haverá de preponderar na resolução de conflitos.

Os valores preponderantes na sociedade sujeitam-se a intensa mutação, decorrente, em boa medida, do incremento de aspirações presentes na própria Constituição (pode-se mesmo dizer que, se melhora a qualidade de vida da população, mais esta se esclarece, e mais passa a desejar participar das decisões do Estado). Se tais valores são incorporados pela Constituição, pode suceder que o descompasso entre a aspiração social e a norma constitucional imponha a realização de alguma alteração de sentido da norma constitucional, através de reforma. Mas o desenvolvimento do sentido da Constituição pode decorrer também do labor jurisprudencial. A jurisprudência recente do STF demonstra que seu modo de atuação tem levado a mais que aquilo que alguns chamam de mutação constitucional, já que tem incorporado cada vez mais a prática do ativismo judicial (escrevi a respeito aqui).

O Poder Judiciário é palco em que se decidem questões que antes eram consideradas essencialmente políticas, ou ligadas a aspectos da vida das pessoas que, outrora, não eram discutidos em processos judiciais, mas que, tendo em vista o espectro de abrangência da Constituição, acabaram sendo judicializados. Tendo em vista que tanto a sociedade quanto o sistema normativo são extremamente complexos, surgiram e continuam a surgir uma pluralidade de métodos (ou teorias da argumentação), não necessariamente excludentes, concebidos com o intuito de oferecer caminhos para se encontrar a solução jurídica para os problemas.

Mas parece que ainda não chegamos a um bom termo, especialmente no que se refere às decisões fundadas em princípios. Quando, por exemplo, o STF passa a decidir com base no princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, não se pode antever, com segurança, qual será o resultado do julgamento, já que o princípio acaba sendo esgrimido ao sabor do resultado a que o interprete/aplicador da norma constitucional deseja chegar. Estamos, hoje, caminhando em terreno inseguro: as decisões fundadas em princípios jurídicos abrem espaço para escolhas arbitrárias com aparência de decisões fundamentadas (escrevi, a respeito, pequeno texto, aqui). As teorias da argumentação tão em voga parecem não nos proteger contra isso.

O desafio, hoje, está em como formular uma teoria ajustada ao nosso modelo de Constituição e ao tempo em que vivemos. Creio que Zigmunt Bauman está certo, quando diz que, “no momento, nós estamos em um interregno. Um interregno que significa, simplesmente, que a antiga maneira de agir não funciona mais, e novos modos de agir ainda não foram inventados. Esse é o interregno”. Parece que isso vale também para o Direito. Não podemos, porém, aguardar o término desse interregno para encontrar fórmulas que permitam resolver bem (e não apenas razoavelmente) os problemas relativos à interpretação e aplicação da norma constitucional.

Um novo modo de pensar a norma constitucional depende de um diálogo com outras “ciências” (jurídica, política, econômica...) e também com outros conhecimentos oriundos da dinâmica da vida das pessoas (refiro-me, aqui, à experiência vivida pelas pessoas). A norma constitucional não deve ser interpretada apenas em si mesma, mas a partir do déficit identificado na vida das pessoas que reclamou a sua criação. Não sendo assim, a interpretação da norma constitucional será existente e válida no imaginário dos juristas, mas alheia à realidade.

O direito deve ser compreendido não a partir do sistema, mas a partir das pessoas. O sistema é o meio, evidentemente, mas não é nem o ponto de partida nem o ponto de chegada. É preocupante que se fale em temas tão relevantes como jurisdição constitucional e direitos fundamentais e não se leve em consideração, por exemplo, que a política institucionalizada nem sempre leva em consideração o cidadão comum (no caso, o eleitor) mas preocupa-se, por outro lado, com a proteção do “político profissional”.

Do mesmo modo, temas jurídicos relacionados à economia (contratos, direito de propriedade) não podem levar em consideração somente a economia institucionalizada, para a qual importa apenas o cidadão que consome (ou, dizendo de outro modo, um direito para o qual “quem não consome, não existe”). Ou as teorias jurídicas incorporam esses sujeitos, ou continuará excluindo-os como a política o faz e discriminando-os como a economia o faz. Será, então, um direito não apenas alheio à realidade, mas que oculta os problemas que acontecem na realidade.

Por razões como essas, não se pode admitir que o STF decida como se as pessoas fossem invisíveis ao direito. Gustavo Zagrebelsky, na obra mencionada no debate ocorrido entre os ministros do STF a que nos referimos no início do presente texto, afirma que “adular o povo é uma estratégia democraticamente suicida. Mas, ao contrário, tentar soluções elitistas, em nome de exigências de qualidade, é uma contradição por sua vez descartada. De fato, faz parte do espírito da democracia sentirem-se todos, como se diz, ‘no mesmo barco’.”

Diz o autor, ainda, que “a democracia é o único sistema de vida e de governo cuja qualidade é uma media que envolve a todos, no qual é proibido isolar-se e estabelecer gradações e fomentar diferenças, mesmo se apenas psicológicas”. Por fim, “o sentido de pertencer a um todo e a consciência de que ninguém pode isolar-se (criando brechas e mundos separados) é, ao final, a força que torna possível o melhoramento comum” (A crucificação e a democracia, p. 137).

O Supremo, assim, não deve ouvir o povo para saber o resultado que este espera. Mas o STF não pode estar alheio ao sentimento (anseios, agonias, frustrações...) da comunidade. Ainda que isso não seja determinante para o resultado da decisão — depois de ponderar a respeito, o STF pode entender que esse sentimento, para a solução do caso, é irrelevante, ou não determinante para a resolução do problema — a consternação popular deve ser compreendida e considerada.

Creio, porém, que temos muito a caminhar, nesse sentido (é paradigmático, para mim, o exemplo de decisão do STF em que o aspecto procedimental acabou preponderando sobre o sofrimento das pessoas envolvidas). Um juiz não decide uma tese jurídica; antes, a formula para aplicar a um caso. Sem se sensibilizar com o que se passa na vida das pessoas, não se faz jurisdição constitucional; quando muito, tal “jurisdição constitucional” o é apenas na forma, mas não no conteúdo.

Se é certo que o STF não está sozinho no mundo, não menos correto é dizer que não está sozinho no “mundo jurídico”. Ninguém duvida que o STF tem a “última palavra”, ao menos em determinado momento, em relação à interpretação/aplicação da norma constitucional. Mas as afirmações do Supremo sobre o significado da Constituição devem sujeitar-se ao exame crítico da doutrina, que deve reafirmar os acertos e apontar os erros interpretativos para que estes sejam corrigidos e o STF volte ao rumo correto (essa atitude doutrinária — que, de resto, é não apenas da doutrina, mas de toda a comunidade – nos remete àquilo que alguns chamam de “sentimento constitucional”).

Nesse ponto, é necessário destacar a importância da doutrina sobre a Constituição brasileira. A doutrina estrangeira não pode ser recebida como se fosse “fonte” do direito constitucional brasileiro, ou como se a Constituição brasileira não pudesse ser interpretada senão através da leitura de tal ou qual jurista estrangeiro (que certamente, ou na maioria das vezes, não escreveram meditando no que se passa com a Constituição e a sociedade brasileiras). É necessário voltar os olhos e os ouvidos ao que dizem os autores brasileiros que escrevem sobre a Constituição brasileira diante da realidade brasileira.

O Supremo Tribunal Federal deve, sim, nos ouvir.

José Miguel Garcia Medina é professor, advogado, mestre e doutor em processo civil e autor de livros sobre o tema. Escreve às quartas-feiras na ConJur. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico

A "adoção às avessas" (José Missali Neto)









Decisão recente (janeiro/2012) de primeira instância da Justiça Federal acolheu pedido da autora, na ação inédita neste Juízo, que é movida em face da UNIÃO (Fazenda Nacional), requereu-se o reconhecimento da "dependência econômico-financeira" de pessoa sem laços de consanguinidade que, ao longo dos últimos 70 (setenta) anos prestou serviços como doméstica a três gerações de uma mesma família.

Hoje a idosa, com pequenos lapsos de memória (isquemia), mas lúcida, permanece abrigada em um "lar para idosos" mantido por instituição presbiteriana filantrópica, uma vez que a autora, a quem prestava serviços não teve condições de cuidá-la, em razão da neoplasia que acometeu o seu cônjuge. Embora afastada do convívio familiar, a autora custeia suas despesas: plano médico, medicamentos, produtos de higiene pessoal, vestimentas etc. (que importam em gasto mensal de R$ 2.000), haja vista o parco benefício recebido do INSS. Típico caso de adoção às avessas.

Em contestação, a União Federal aduziu a impossibilidade de interpretação ampliativa das normas de isenção tributária, devendo ser interpretadas de forma restrita e literal, conforme disposto no art. 111 do Código Tributário Nacional. Asseverou a ausência de fundamento legal do pedido, em razão da ausência de laço de consanguinidade e efetiva dependência econômica, afastando a aplicação do art. 35, inc. VI, da lei 9.250/95. Alegou não ser possível aplicar analogia para concessão de isonomia tributária. Impossível a conciliação, requereu o julgamento antecipado da lide, por se tratar de matéria exclusivamente de direito.

O pedido de tutela antecipada foi indeferido em 08/06/2011, deferindo-se o pedido de prioridade de tramitação.

Em audiência, foi colhido o depoimento pessoal da autora.

Em alegações finais, a parte autora reiterou os pedidos expostos na inicial e a parte ré ratificou a contestação.

O Ministério Público Federal opinou pela procedência do pedido.

Assim, relatou, fundamentou e decidiu o I. Magistrado de primeira instância:
A controvérsia se fixa em dois pontos: a dependência econômica de "Maria..." em relação à parte autora, bem como a possibilidade do seu enquadramento para fins de dedução de imposto de renda - IRPF.

A dependência financeira esta verificada na impossibilidade da dependente custear suas próprias despesas, em razão dos parcos rendimentos de aposentadoria, sendo que atualmente reside no "Abrigo de Velhos..." da sociedade presbiteriana de assistência social, custeado pela parte autora.
Do conjunto probatório apresentado, especialmente os trazidos com a inicial (termo de ciência - fls. 16-7 e boletos bancários - fls. 18/20), demonstra claramente esta dependência econômica que liga a autora à idosa. Ainda, em depoimento pessoal, a autora é clara e objetiva ao relatar a necessidade da Sra. Maria em viver no referido abrigo, o que se iniciou em fevereiro de 2010, devido às condições da família dela, impassível de convívio adequado com a dependente, assim como da impossibilidade de convivência com a própria autora. Nesses termos, as despesas com a manutenção das condições de vida atuais são de aproximadamente R$ 2.000, sendo esses gastos básicos essenciais: tais como plano de saúde e medicamentos.

Deste modo, é inequívoco que o benefício previdenciário da dependente é insuficiente para manutenção do seu padrão de vida, estando justificado o auxílio conferido pela autora.

Resta verificar da possibilidade jurídica destas despesas para dedução de fins fiscais.

A legislação tributária assim prevê:
Art. 35. Para efeito do disposto nos arts. 4º, inciso III, e 8º, inciso II, alínea c, poderão ser considerados como dependentes:
I - o cônjuge;
II - o companheiro ou a companheira, desde que haja vida em comum por mais de cinco anos, ou por período menor se da união resultou filho;
III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até 21 anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
IV - o menor pobre, até 21 anos, que o contribuinte crie e eduque e do qual detenha a guarda judicial;
V - o irmão, o neto ou o bisneto, sem arrimo dos pais, até 21 anos, desde que o contribuinte detenha a guarda judicial, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
VI - os pais, os avós ou os bisavós, desde que não aufiram rendimentos, tributáveis ou não, superiores ao limite de isenção mensal;
VII - o absolutamente incapaz, do qual o contribuinte seja tutor ou curador.
§ 1º Os dependentes a que se referem os incisos III e V deste artigo poderão ser assim considerados quando maiores até 24 anos de idade, se ainda estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau.
§ 2º Os dependentes comuns poderão, opcionalmente, ser considerados por qualquer um dos cônjuges.
§ 3º No caso de filhos de pais separados, poderão ser considerados dependentes os que ficarem sob a guarda do contribuinte, em cumprimento de decisão judicial ou acordo homologado judicialmente.
§ 4º É vedada a dedução concomitante do montante referente a um mesmo dependente, na determinação da base de cálculo do imposto, por mais de um contribuinte.
Não há a previsão que se enquadre para o caso de dependência de maior sem vínculo de parentesco ou tutela/curatela reconhecida legalmente.
No entanto, o Estatuto do Idoso, no seu art. 36, assim dispõe:
Art. 36 - O acolhimento do idoso em situação de risco social, por adulto ou núcleo familiar, caracteriza a dependência econômica, para os efeitos legais.
Deste modo, calha analisar a possibilidade de utilização da dependência econômica do idoso para efeitos legais em âmbito tributário, independente de regulamentação específica do imposto de renda.

Acerca do tema, os ensinamentos de Wladimir Novais Martinez (in "Comentários ao Estatuto do Idoso, 2ª ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 93"):
"O art. 36 apresenta idéia nova, a extensão do conceito de dependência econômica. Quer dizer, se um idoso é recebido por pessoa ou família, entender-se-á que ele é dependente juridicamente desses entes acolhedores para os fins da legislação, particularmente no tocante ao Imposto de Renda (Decreto n. 3.000/99).
Não ficou clara a derrogação do art. 15 do PBPS, quando define quem são os dependentes do segurado, a impressão que fica é a de que o legislador pensava apenas na área fiscal. Se assim não for, falecendo esse adulto do qual dependia, ele concorrerá com os dependentes arrolados nos incisos II/III do art. 15 do PBPS”. [Grifei]
Inicialmente, as disposições tributárias devem se analisadas de acordo com o que estabele o art. 111 do CTN:
"Art. 111 - Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias".
A interpretação literal das disposições tributárias, no caso em análise, não afasta a possibilidade de aplicação do conceito de dependência econômica do idoso, no caso justificado pela vinculação afetiva constituída ao longo de anos de convivência, venha a depender economicamente da família que o acolheu, independente de um vínculo de parentesco consanguíneo.

Enfim, a literalidade da interpretação não afasta a necessidade de aplicação do Estatuto do Idoso, em consonância com o art. 234 da Constituição Federal, não caracterizando com isso interpretação extensiva dos dispositivos da lei 9.250/95, mas simples aplicação da lei 10.741/03, aplicado consoante regras preconizadas pelo próprio instituto da isenção da legislação tributária, principalmente nos arts. 8º e 35, ambos da lei 9.250/95, no quais se estabelece a forma e os limites de dedução do imposto de renda para a pessoa física.

Por derradeiro, face à comprovação documental ater-se ao início de 2010 (fevereiro de 2010, de acordo com Termo de Ciência juntado), de rigor a consideração da dependência econômica somente a partir do ano-calendário 2011.

Do dispositivo
<#Ante o exposto, com fundamento no art. 269, I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por "ROSA..." contra a UNIÃO FEDERAL, para condenar a parte ré a reconhecer a dependência econômica de "Maria..." em relação à parte autora, para fins de apuração e dedução de imposto de renda de pessoa física, a partir do ano-calendário de 2011.
Sem condenação em custas e honorários advocatícios nesta instância. Defiro a gratuidade requerida. Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se.#> Cabem os devidos recursos a instâncias superiores.
_________
* José Missali Neto é advogado do escritório Picchi Figueira Sociedade de Advogados

Fonte: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI150273,71043-A+“adocao+as+avessas

Maurício de Sousa firma TAC com o MP para disciplinar publicidade em revistas infantis

O Conselho Superior do Ministério Público homologou, na última quinta-feira (16), o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre as empresas Mauricio de Sousa Produções Ltda. e Panini Brasil Ltda. e a Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e Juventude da Capital para disciplinar a publicação de anúncios publicitários nas revistas em quadrinhos e outras publicações editorais destinadas ao público infanto-juvenil relacionadas com os personagens da "Turma da Mônica".

O TAC é resultado de inquérito civil que verificou a existência de publicidade veiculada de forma inadequada nas revistas infanto-juvenis publicadas pelas duas empresas, uma vez que o Código de Defesa do Consumidor considera abusiva a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que as crianças e os adolescentes têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Pelo TAC, firmado em outubro do ano passado, a Maurício de Sousa Produções e a Panini Brasil se obrigam a inserir no canto superior esquerdo de cada página publicitária as palavras "INFORME PUBLICITÁRIO", escritas em determinadas características de fonte e em cores que se destaquem daquelas do fundo da página.

As empresas terão prazo de 90 dias para a adaptação de suas páginas publicitárias, sob pena de doação de R$ 5 mil por anúncio veiculado nas publicações infanto-juvenis, valor que deverá ser destinado a quaisquer das entidades não governamentais e não conveniadas com o Poder Público regularmente registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA/SP).

Leia o TAC.

Fonte: JUSBRASIL