sexta-feira, 29 de março de 2013

Os Tribunais e a indenização por abandono afetivo

Atentos às mudanças ocorridas na estrutura familiar e conscientes de que a afetividade passou a ser o instrumento propulsor das famílias contemporâneas, os tribunais pátrios vêm recepcionando demandas cujo objeto é a reparação civil do dano moral decorrente do descumprimento do dever de convivência familiar.

A primeira decisão acerca do referido tema foi proferida pelo juiz Mario Romano Maggioni, em 15.09.2003, na 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa – RS (Processo n.º 141/1030012032-0) [32]. Na ocasião, o pai foi condenado ao pagamento de 200 salários-mínimos de indenização por dano moral, em razão do abandono afetivo e moral da filha de 9 anos.

Ao fundamentar sua decisão, o magistrado priorizou os deveres decorrentes da paternidade, insculpidos no art. 22 da Lei n.º 8.069/90, dispondo que:
“aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme”.
Ademais, destacou as consequências negativas que podem decorrer do abandono afetivo na filiação, ao considerar que:
“a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos.”
Ressalte-se, por oportuno, que o Ministério Público, intervindo no feito por haver interesse de menores, através da promotora De Carli dos Santos, se mostrou contrário à admissibilidade da indenização no caso de abandono afetivo, por considerar que não compete ao judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor. Contudo, em que pese tais argumentações, a sentença foi julgada procedente, transitando em julgado em razão da não interposição de recurso pelo réu, considerado revel no processo.

Outra decisão favorável foi proferida pelo magistrado Luis Fernando Cirillo, em 05.06.2004, na 31ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo-SP (Processo n.º 01.036747-0) [33], no qual se reconheceu que, conquanto não seja razoável um filho pleitear indenização contra um pai por não ter recebido dele afeto, “a paternidade não gera apenas deveres de assistência material, e que além da guarda, portanto independentemente dela, existe um dever, a cargo do pai, de ter o filho em sua companhia”.

Prosseguindo em sua argumentação, o magistrado entendeu que não devem prosperar teses no sentido de que julgar procedente referidas demandas implicaria numa monetarização do afeto, até porque também “não tem sentido sustentar que a vida de um ente querido, a honra e a imagem e a dignidade de um ser humano tenham preço, e nem por isso se nega o direito à obtenção de um benefício econômico em contraposição à ofensa praticada contra esses bens”.

Merece destaque, ainda, a decisão proferida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (TAMG) que, seguindo a mesma linha de argumentação das decisões supramencionadas, reformou a sentença proferida pela 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte - MG, para condenar o pai ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), independentemente do descumprimento da prestação alimentar, ao argumento de que restou configurado nos autos o dano à dignidade do menor, provocado pela conduta ilícita do pai que não cumpriu o dever que a lei lhe impõe de manter o convívio familiar com o filho.

A ementa encontra-se assim redigida:
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL- PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE.
A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TAMG, AC 4085505-54.2000.8.13.0000, 7ª C. Cível, Rel. Juiz Unias Silva, julg. 01.04.2004, pub. 29.04.04).
No mesmo sentido, é de ressalte decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), datada de 2009, in verbis:
Responsabilidade civil. Ação de indenização por dano moral que a Autora teria sofrido em razão do abandono material e afetivo por seu pai que somente reconheceu a paternidade em ação judicial proposta em 2003, quando ela já completara 40 anos. Procedência do pedido, arbitrada a indenização em R$ 209.160,00. Provas oral e documental. Apelante que tinha conhecimento da existência da filha desde que ela era criança, nada fazendo para assisti-la, diferentemente do tratamento dispensado aos seus outros filhos. Dano moral configurado. Quantum da indenização que adotou como parâmetro o valor mensal de 2 salários mínimos mensais que a Apelada deixou de receber até atingir a maioridade. Indenização que observou critérios de razoabilidade e de proporcionalidade. Desprovimento da apelação. (TJRJ, AC 0007035-34.2006.8.19.0054, 8ª C. Cível, Rel. Des. Ana Maria Oliveira, julg. 20.10.2009).
Da leitura dos referidos julgados, percebe-se que parte da jurisprudência entende que a infração dos encargos decorrentes do poder familiar, previstos no art. 1.634 do CC/02, acarreta o dever de indenizar, sobretudo, quando a atitude voluntária e injustificada importa prejuízo para os direitos da personalidade do filho menor, bem como à sua dignidade, casos em que resta configurado o dano moral.

É oportuno reforçar que o dano moral pode encontrar-se caracterizado independentemente do cumprimento da prestação alimentícia, a qual está intimamente ligada ao abandono material. Assim, a despeito de restar configurado prejuízo à esfera patrimonial do menor, pode haver configuração do abandono moral, em razão do descumprimento por parte do pai do dever de prestar assistência moral ao filho, prejudicando o desenvolvimento completo e sadio da personalidade do mesmo.

Conquanto se tenham notícias de decisões favoráveis, como as que foram expostas, a questão da reparação civil em caso de abandono moral e afetivo na filiação não encontra consenso. Assim, há decisão conflitante proferida no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG):
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAI. ABANDONO AFETIVO. ATO ILÍCITO. DANO INJUSTO. INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MEDIDA QUE SE IMPÕE.O afeto não se trata de um dever do pai, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção, de modo que o abandono afetivo deste para com o filho não implica ato ilícito nem dano injusto, e, assim o sendo, não há falar em dever de indenizar, por ausência desses requisitos da responsabilidade civil. (TJMG, AC 0063791-20.2007.8.13.499, 17ª C. Cível, Rel. Des Luciano Pinto, julg. 27.11.2008, pub. 09.01.09).
Verifica-se que o entendimento do julgado retrotranscrito é no sentido de que o afeto não é um dever do pai e, portanto, o seu descumprimento não representa ato ilícito ou dano injusto geradores do dever de indenizar.

Nesse sentido, posiciona-se o Superior Tribunal de Justiça (STJ), para o qual o descumprimento dos deveres jurídicos decorrentes do poder familiar encontra solução no próprio direito de família, com a perda do poder familiar, prevista pelo art. 1.638, II, CC/02.

Esse é o conteúdo da decisão no Recurso Especial (REsp) n.º 757.411 – MG:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, REsp n.º 757.411 – MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julg. 29/11/05, DJ 27/03/06, p. 299).
É interessante destacar o voto do Ministro Relator, no referido julgado, para quem não seria cabível a reparação civil nos casos de abandono afetivo:
“No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral. Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso.”
Frise-se que, recentemente, o STJ manteve o seu entendimento no julgamento do REsp n.º 514350 / SP, cuja ementa segue transcrita:
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. DANOS MORAIS REJEITADOS. ATO ILÍCITO NÃO CONFIGURADO.
I. Firmou o Superior Tribunal de Justiça que "A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária" (REsp n.º 757.411/MG, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 29.11.2005). II. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp n.º 514.350 – SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julg. 28/04/09, DJe 25/05/09).
Com efeito, o abandono afetivo na filiação enseja a perda do poder familiar. Contudo, isso não implica na impossibilidade da reparação civil do dano moral, uma vez que estejam presentes todos os requisitos para sua caracterização. Neste sentido, tem-se o entendimento do Ministro Barros Monteiro que, no REsp n.º 757.411 – MG, se mostrou contrário ao voto do relator, indicando que não há unanimidade no entendimento do STJ. Eis seu posicionamento:
“Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência moral ao filho, de conviver com ele, de acompanha-lo e de dar-lhe o necessário afeto [...] Penso também, que a destituição do poder familiar, que é uma sanção do Direito de Família, não interfere na indenização por dano moral, ou seja, a indenização é devida além dessa outra sanção prevista não só no Estatuto da Criança e do Adolescente, como também no Código Civil anterior e no atual. [...].”
Da referida decisão foi interposto Recurso Extraordinário (RE) para o Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual foi negado provimento pela Segunda Turma Cível:
EMENTA CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO AFETIVO. ART. 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. ART. 5º, V E X, CF/88. INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E SÚMULA STF 279. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. A análise da indenização por danos morais por responsabilidade prevista no Código Civil, no caso, reside no âmbito da legislação infraconstitucional. Alegada ofensa à Constituição Federal, se existente, seria de forma indireta, reflexa. Precedentes. 3. A ponderação do dever familiar firmado no art. 229 da Constituição Federal com a garantia constitucional da reparação por danos morais pressupõe o reexame do conjunto fático-probatório, já debatido pelas instâncias ordinárias e exaurido pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. 5. Agravo regimental improvido. (STF, RE 567164 ED/MG, 2ª Turma Cível, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 18.08.09, DJe 11.09.09).
Verifica-se, do referido acórdão, que não houve julgamento do mérito do RE, em virtude de o abandono afetivo ser matéria de ordem infraconstitucional e pela necessidade de reexame de provas, o que contraria a Súmula n.º 279 do STF. É de ressalte, também, que, por esses motivos, até o presente momento não houve pronunciamento do Pretório Excelso relativamente ao tema ora tratado.

Contrariamente ao posicionamento do STJ sustentado até então, deve-se destacar que é a infração do dever legal de manter a convivência familiar (art. 1634, II, CC/02), aliada a infração dos deveres de guarda e educação (art. 22 do ECA) que ensejam a reparação civil do dano moral decorrente do abandono afetivo na filiação. Portanto, não se trata de obrigar um pai a amar um filho, mas de responsabilizar civilmente aquele que descumpre um dever jurídico.

Outrossim, não se trata de monetarizar o afeto, até mesmo porque a indenização, nestes casos, também assume um papel pedagógico, como entende Giselda Hironaka e Rodrigo da Cunha Pereira. Destarte, a indenização assume o escopo de evitar novas condutas omissivas do pai em relação aos seus filhos, considerando que a dor da alma ou o prejuízo no desenvolvimento do filho não podem ser reparados em sua totalidade.

Ademais, se fosse suficiente o argumento de que se estaria quantificando o afeto para afastar a responsabilidade civil dos pais, ter-se-ia uma gritante contradição, já que também não se pode quantificar a dignidade, a imagem, a honra, ou quaisquer outros direitos da personalidade, e nem por isso o judiciário deixa de conceder indenizações nos casos em que restam configurados danos a esses direitos extrapatrimoniais.

Acerca da decisão proferida pelo STJ, convém destacar, por oportuno, importante lição de Maria Berenice Dias:
“Profunda foi a reviravolta que produziu, não só na justiça, mas nas próprias relações entre pais e filhos, a nova tendência da jurisprudência, que passou a impor ao pai o dever de pagar indenização, a título de danos morais, ao filho pela falta de convívio, mesmo que venha atendendo ao pagamento da pensão alimentícia. A decisão da justiça de Minas Gerais, apesar de ter sido reformada pelo STJ, continua aplaudida pela doutrina e vem sendo amplamente referendada por outros julgados. Imperioso reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos. Mesmo que os genitores estejam separados, a necessidade afetiva passou a ser reconhecida como bem juridicamente tutelado.”[34]
Ouvindo os reclames da doutrina e dos Tribunais de Justiça que consagravam a possibilidade jurídica de indenização do dano moral decorrente do abandono afetivo da filiação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça modificou o entendimento até então consagrado, asseverando a viabilidade da exigência de indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo pelos pais, uma vez que, nas palavras da Ministra Nancy Andrighi: “amar é faculdade, cuidar é dever.”
Por oportuno, transcreve-se o atual posicionamento da Corte Superior:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido. (STJ, Resp 1159242 / SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 24.04.12, DJe 10.05.12).

MACHADO, Gabriela Soares Linhares. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23666>. Acesso em: 29 mar. 2013.

Divergências doutrinárias acerca da indenização no abandono afetivo

O tema referente ao abandono afetivo na filiação e o consequente dever de reparação é novo no ordenamento pátrio, não havendo legislação específica tratando da matéria. Assim, no momento em que os magistrados e tribunais vão julgar as demandas interpostas perante o judiciário, a doutrina passa a ser uma importante fonte de auxílio.

Vale salientar, porém, que não há consenso acerca da sanção a ser aplicada aos pais que, por omissão, descumpriram alguns dos deveres decorrentes do poder familiar. Diante disso, há duas correntes que merecem destaque.

A primeira entende que é possível a reparação civil, utilizando como argumentos o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, o princípio implícito da afetividade, bem como o princípio da proteção integral da criança e do adolescente. Por outro lado, a segunda corrente entende não ser possível a reparação pecuniária nos casos de abandono afetivo, sob pena de se quantificar o amor, sem se esquecer do fato de que ninguém pode ser obrigado a amar.

Pelo apanhado da doutrina, verifica-se que Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Giselda Hironaka, Bernardo Castelo Branco, Rui Stoco, Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Cláudia da Silva e Claudete Carvalho Canezin se posicionam favoravelmente à reparação civil do dano moral decorrente do abandono afetivo na filiação.

Para Maria Berenice Dias, “comprovado que a falta de convívio pode gerar danos, a ponto de comprometer o desenvolvimento pleno e saudável do filho, a omissão do pai gera dano afetivo susceptível de ser indenizado”.[15]

No mesmo sentido, tem-se o ensinamento de Rui Stoco:
“[...] o que se põe em relevo e exsurge como causa de responsabilização por dano moral é o abandono afetivo, decorrente do distanciamento físico e da omissão sentimental, ou seja a negação de carinho, de atenção, de amor e de consideração, através do afastamento, do desinteresse, do desprezo e falta de apoio e, às vezes, da completa ausência de relacionamento entre pai (ou mãe) e filho.”[16]
Assim, percebe-se que, para os autores acima citados, deve haver indenização do dano moral provocado pela conduta omissiva do pai em cumprir o dever de convivência familiar, tendo em vista que o descumprimento deste dever impossibilita o desenvolvimento intelectual, emocional e social da criança. A conduta omissiva do pai, portanto, atenta contra a dignidade da criança e causa-lhe transtornos irreversíveis, sendo caracterizado como ato ilícito gerador do dever de indenizar.
Compartilha desse entendimento Bernardo Castelo Branco:
“A conduta omissiva dos pais no tocante à formação moral dos filhos, permitindo-lhes o livre acesso a ambientes nocivos ao seu desenvolvimento, ao contato com jogos, álcool e drogas, entre outros fatores deturpadores da personalidade, constitui, portanto, a adoção de comportamento ilícito, uma vez que viola um dever juridicamente imposto aos titulares do poder familiar.” [17]
Convém ressaltar que o que enseja reparação é o descumprimento do dever jurídico de conviver com o filho e não a falta de afeto de per si. É, neste sentido, a lição de Wlademir Paes de Lira, ao dispor que
“o dever dos pais em conviver com os filhos não está relacionado, apenas, com as questões afetivas, embora estas sejam extremamente importantes nas definições acerca da convivência. Tal dever está também relacionado com a paternidade/maternidade responsáveis, previstas no art. 226 da CF, assim como, está por que não acrescentar, ao direito fundamental da criança e do adolescente.”[18]
 Para a corrente que segue entendendo pela impossibilidade da reparação civil, ressalta-se o argumento de que a reparação pecuniária do abandono afetivo provocaria uma monetarização do amor. Esse é o pensamento de Lizete Schuh, ao relatar que “[...] a simples indenização poderá representar um caráter meramente punitivo, reafirmando, cada vez mais, o quadro de mercantilização nas relações familiares.”[19] No entanto, defende-se que a indenização, nestes casos, tem o intuito pedagógico, e não somente punitivo, à medida que também visa inibir futuras omissões dos pais em relação aos seus filhos.

Ainda em sentido contrário à tese da reparação pecuniária, há os que argumentam que a infração dos encargos decorrentes do poder familiar encontra sanção prevista dentro do próprio direito de família, qual seja, a destituição do poder familiar. Adepto deste argumento é Renan Kfuri Lopes: “Filio-me ao entendimento que a violação aos deveres familiares gera apenas as sanções no âmbito do direito de família, refletindo, evidentemente, no íntimo afetivo e psicológico da relação [...]”.[20]

Sob essa ótica, também se posiciona Danielle Alheiros Diniz:
“O descumprimento desse dever de convivência familiar deve ser analisado somente na seara do direito de família, sendo o caso para perda do poder familiar. Esse entendimento defende o melhor interesse da criança, pois um pai ou uma mãe que não convive com o filho não merece ter sobre ele qualquer tipo de direito.”[21]
Outra tese defendida pelos opositores da reparação do dano moral decorrente do abandono afetivo é a de que ninguém pode obrigar um pai a amar um filho, sendo este o cerne da questão. Nestes termos, para Lizete Schuh:
“É dificultoso cogitar-se a possibilidade de determinada pessoa postular amor em juízo, visto que a capacidade de dar e de receber carinho faz parte do íntimo do ser humano, necessitando apenas de oportunidades para que aflore um sentimento que já lhe faz parte, não podendo o amor, em que pese tais conceitos, sofrer alterações histórico-culturais, ser criado ou concedido pelo Poder Judiciário.”[22]
Não obstante, em defesa da corrente doutrinária que admite a reparação pecuniária, se põe Giselda Hironaka, rebatendo o argumento acima referido:
“[...] é certo que não se pode obrigar ninguém ao cumprimento do direito ao afeto, mas é verdade também que, se esse direito for maculado – desde que sejam respeitados certos pressupostos essenciais – seu titular pode sofrer as consequências do abandono afetivo e, por isso, poderá vir a lamentar-se em juízo, desde que a ausência ou omissão paternas tenham-lhe causado repercussões prejudiciais, ou negativas, em sua esfera pessoal – material e psicológica – repercussões estas que passam a ser consideradas, hoje em dia, como juridicamente relevantes.”[23]
Nesse sentido, asseverara-se, mais uma vez, que a indenização se afigura possível em razão do descumprimento do dever de convivência familiar, direito fundamental da criança e do adolescente. Corrobora esse entendimento Priscilla Menezes da Silva:
“O que se deveria tutelar com a teoria do abandono afetivo é o dever legal de convivência. Não se trata aqui da convivência diária, física, já que muitos pais se separaram ou nem chegam a viver juntos, mas da efetiva participação na vida dos filhos, a fim de realmente exercer o dever legal do poder familiar.”[24]
Vale salientar que Catarina Almeida de Oliveira, levando em consideração que o princípio da afetividade envolve a ideia de solidariedade familiar, não se confundindo, portanto, com o sentimento de afeto existente entre pai e filho, destacou que a lei pode sim obrigar os indivíduos a amarem seus filhos, mas claro que de forma objetiva. Para ela, portanto,
“ao confundir a afetividade que pode ser realizada, independentemente do sentimento que se tenha, com aquelas outras expressões do amor (...), corre-se o risco de afastar da proteção do Judiciário, situações que tenham esse princípio como cerne, como por exemplo, o abandono afetivo, o que justificaria o argumento contrário de que a lei não pode obrigar ninguém a amar. Pode sim. Objetivamente.”[25]
Ainda para os opositores da indenização nos casos de abandono afetivo, a propositura de ação de reparação civil afetaria ainda mais a relação paterno-filial, prejudicando a convivência familiar. Por isso é que os próprios adeptos da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo destacam que esta análise deve ser feita de forma prudente e contextualizada, a fim de evitar a quebra do vínculo afetivo, por ventura, ainda existente entre pai e filho. Neste sentido, assevera Bernardo Castelo Branco:
“[...] a particularidade que cerca a relação paterno-filial, eis que fundada essencialmente na afetividade entre os sujeitos que dela participam, não permite a aplicação integral dos princípios que regem a responsabilidade civil. Logo, mesmo no campo específico do dano moral, cabe aferir em que medida o comportamento adotado foi capaz de romper os eventuais laços de afeto entre pais e filhos, uma vez que a admissibilidade da reparação não pode servir de estopim a provocar a desagregação da família ou o desfazimento dos vínculos que devem existir entre os sujeitos daquela relação.” [26]
Importa destacar, por oportuno, que outras controvérsias surgem, até mesmo dentro dos adeptos da teoria da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo, a exemplo do tipo de caráter que seria assumido pela indenização. Para alguns autores, como Giselda Hironaka[27], o verdadeiro objetivo da indenização seria impedir futuras negligências no campo afetivo, de maneira que a ela teria caráter educativo e pedagógico. Contudo, para os pais que praticaram a conduta ilícita, a indenização não deixa de ter caráter punitivo e dissuasório, conforme entende Cláudia Maria da Silva[28]. Há, ainda, aqueles que defendem o caráter compensatório da indenização, a exemplo de Claudete Carvalho Canezin[29] e os de pensamento mais moderado, como Maria Isabel Pereira da Costa[30], que defendem que o valor decorrente da indenização deve ser utilizado para o pagamento de tratamento psicológico do filho, tendo em vista as péssimas condições deste tratamento na rede pública de saúde e o alto custo das redes não conveniadas.

De toda sorte, pelo estudo realizado, verifica-se que, para grande parte da doutrina, deve haver uma análise responsável e prudente dos requisitos autorizadores da responsabilização civil nos casos de abandono afetivo, para que, uma vez comprovado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo filho e a atitude omissiva e voluntária do pai no cumprimento do dever de convivência familiar, possa surgir o dever de indenizar. Este é o pensamento de Paulo Lôbo:
“[...] Entendemos que o princípio da paternidade responsável estabelecido no art. 226 da Constituição não se resume ao cumprimento do dever de assistência material. Abrange também a assistência moral, que é dever jurídico cujo descumprimento pode levar à pretensão indenizatória.”[31]
MACHADO, Gabriela Soares Linhares. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23666>. Acesso em: 29 mar. 2013.

Da possibilidade de indenização do dano moral no abandono afetivo

Não mais se discute acerca da possibilidade de indenização do dano moral no ordenamento jurídico pátrio. A discussão, agora, gira em torno da admissibilidade do referido instituto em matéria de abandono afetivo na filiação, o que denota a afetividade como elemento caracterizador da relação paterno-filial contemporânea.

Esses debates inflamados acerca da responsabilidade civil, no âmbito da família, são decorrência do manto de proteção que sempre esteve em volta da estrutura familiar, uma vez que não era permitida a ingerência do Estado nesta matéria. Para Giselda Hironaka, toda alteração de paradigmas, em um primeiro momento, gera efeitos divergentes:
“Ora, toda alteração paradigmática é sempre muito complicada, polêmica e gera efeitos divergentes. Se for certo que o mundo e a vida dos homens estão em transição contínua, também será verdade que a mudança causa sempre uma expectativa que, por um lado, é ser eufórica, mas por outro lado, preocupante. E não poderia ser diferente agora, diante deste assunto – tão delicado quanto difícil – que é a responsabilidade civil por abandono afetivo. Tanto a sociedade quanto a comunidade jurídica propriamente dita tem reagido de maneira dúplice em face do tema em destaque.”[10]
Contudo, considerando que a dignidade da pessoa humana é valor fundamental do ordenamento pátrio, consagrado pela Constituição Federal de 1988, é certo que ela deve ser preservada em qualquer esfera de relacionamento, quer seja no âmbito familiar ou não. Por isso, como pontua Bernardo Castelo Branco,
“havendo violação dos direitos da personalidade, mesmo no âmbito da família, não se pode negar ao ofendido a possibilidade de reparação do dano moral, não atuando esta como fator desagregador daquela instituição, mas de proteção da dignidade dos seus membros.”[11]
A criança e o adolescente, enquanto sujeitos merecedores da tutela jurídica, requerem uma solução positiva do Estado para os casos em que há omissão do pai no cumprimento dos deveres decorrentes do poder familiar. Assim, com fundamento no macroprincípio da dignidade da pessoa humana e amparado no princípio da afetividade, alguns tribunais pátrios têm se manifestado favoravelmente à admissibilidade da reparação civil do dano moral provocado pelo descumprimento do dever de convivência familiar. No entanto, esta questão continua dissente tanto no judiciário quanto na doutrina.

Vale salientar que a solução para esses casos depende da prudência do magistrado, quando interposta a ação de reparação civil, pois
“as responsabilizações por abandono afetivo são matérias recentes e pouco, ou quase nada, se escreveu neste sentido. Nestas situações, o juiz, ao analisar o mérito, na formação do seu convencimento, deverá considerar, dentre outros pressupostos, a capacidade processual do autor da ação, o convívio familiar o qual esta inserido, se seus genitores estão ou estiveram envolvidos em litígios de ordem familiar, quais os motivos que fizeram com que o elo entre os familiares fosse perdido, ou não consentido, a comprovação dos supostos danos sofridos, bem como a configuração de culpa unilaterais ou concorrentes.”[12]
Outrossim, é importante se ter em mente que os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil devem estar presentes de forma muito clara. Assim, faz-se imprescindível a comprovação de que o alijamento do filho do convívio familiar foi a causa do dano à sua personalidade e isso apenas se torna possível a partir da realização de laudos psicossociais e perícias técnicas. Por isso, conforme destaca Rui Stoco,
“cada caso deverá merecer detido estudo e atenção redobrada, só reconhecendo o dano moral em caráter excepcional e quando os pressupostos da reparação se apresentarem estreme de dúvida e ictu oculi, através de estudos sociais e laudos técnicos de equipe interdisciplinar.”[13]
Diante disso, o magistrado não pode prescindir da análise de pareceres psicossociais, devendo haver, necessariamente, uma interdisciplinaridade para resolução de tais demandas. Somente assim será possível evitar que a reparação civil do dano moral, nestes casos, seja utilizada como forma de vingança do pai ou da mãe que mantém a guarda da criança contra o “não-guardião”, ou como forma de enriquecimento sem causa, para ser utilizada no sentido de tutelar os interesses das crianças e adolescentes que tiveram o seu desenvolvimento prejudicado.

O foco da questão, portanto, é comprovar o nexo de causalidade entre a conduta omissiva e voluntária do pai e o dano psicológico sofrido pela criança, de modo que, uma vez comprovado que a atitude omissiva do pai resultou em dano para os direitos da personalidade do filho em desenvolvimento, não resta dúvida quanto ao dever de indenizar.

Os danos decorrentes do abandono afetivo são muito bem pontuados por Cláudia Maria da Silva, defensora da reparação civil:
“Trata-se, em suma, da recusa de uma das funções paternas, sem qualquer motivação, que agride e violenta o menor, comprometendo seriamente seu desenvolvimento e sua formação psíquica, afetiva e moral, trazendo-lhe dor imensurável, além de impor-lhe ao vexame, sofrimento, humilhação social, que, ainda, interfere intensamente em seu comportamento, causa-lhe angústia, aflições e desequilíbrio em seu bem-estar. Mesmo sendo menor, já estão tuteladas a honra e moral, posto ser um sujeito de direito e, como tal, não pode existir como cidadão sem uma estrutura familiar na qual não há a assunção do verdadeiro ‘papel de pai’.”[14]
Tudo isso demonstra que não é qualquer atitude omissiva do pai que irá caracterizar a figura do dano moral. Cabe ao magistrado, portanto, na hora de análise da demanda, observar, de forma responsável, se estão presentes ou não os requisitos autorizadores da reparação.

Tecidas essas considerações, passa-se às análises das divergências doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema em estudo.

MACHADO, Gabriela Soares Linhares. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23666>. Acesso em: 29 mar. 2013.

Do abandono afetivo na filiação

Para se compreender o que vem a ser o abandono afetivo na filiação, deve-se fazer uma abordagem tanto acerca da importância do afeto na estrutura familiar contemporânea, quanto das consequências que a atitude omissiva do pai pode provocar no desenvolvimento da criança e do adolescente.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a família deixou de ser um fim em si mesmo e passou a ser locus de realização existencial dos seus membros, à medida que o afeto se tornou imprescindível às relações desenvolvidas entre pais e filhos. Neste contexto, percebe-se que o que define a relação paterno-filial não é apenas a origem biológica, mas também, e principalmente, a relação de afeto desenvolvida entre o pai e o filho, uma vez que,
“para a criança, sua simples origem fisiológica não a leva a ter vínculo com seus pais; a figura dos pais, para ela, são aqueles com que ela tem relações de sentimento, aqueles que se entregam ao seu bem, satisfazendo suas necessidades de carinho, alimentação, cuidado e atenção.”[2]
É cediço que a criança em desenvolvimento necessita da convivência familiar, a fim de que possa concluir o estágio de formação da sua personalidade de forma completa e sadia. No entanto, o direito à convivência familiar não se esgota no poder-dever dos pais de manter os filhos em sua guarda e companhia, pois “garantir ao filho a convivência familiar significa respeitar seu direito de personalidade e garantir-lhe a dignidade, na medida em que depende de seus genitores não só materialmente.”[3]

Sob essa perspectiva, depreende-se que a convivência familiar decorre do cuidado, do afeto, da atenção proporcionada pelo pai ao filho, sobretudo nos momentos em que ele se sente mais carente, como em datas comemorativas. Portanto, convivência familiar não implica em coabitação, mas no dever que o pai tem de continuar presente na vida do filho não apenas fisicamente, mas também moralmente. Diante disso, a distância não pode ser utilizada como desculpa para justificar a falta de assistência moral do pai para com o seu filho. Até mesmo porque,
“é de fato simplória a defesa de que a convivência familiar se esgota na garantia da presença física, na coexistência, com ou sem coabitação. A exigência da presença paterna não é apenas física. Soa paradoxal, mas só há visita entre quem não convive, pois quem convive mantém uma relação de intimidade, uma relação verdadeiramente familiar.”[4]
Insta observar que a convivência familiar assegura a integridade física, moral e psicológica da criança, na medida em que permite que o desenvolvimento de sua personalidade se dê de forma saudável, em um ambiente em que é dispensada à criança a atenção de que ela necessita e a orientação que não pode ser negligenciada nesta fase da vida.

É, nesse sentido, o ensinamento de Claudete Carvalho Canezin:
“A figura do pai é responsável pela primeira e necessária ruptura da intimidade mãe-filho e pala introdução do filho no mundo transpessoal dos irmãos, dos parentes e da sociedade. [...] Assim, a falta da figura do pai desestrutura os filhos, tira-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras, infelizes.”[5]
Destarte, percebe-se que o abandono afetivo nada mais é do que a atitude omissiva do pai no cumprimento dos deveres de ordem moral decorrentes do poder familiar, dentre os quais se destacam os deveres de prestar assistência moral, educação, atenção, carinho, afeto e orientação à prole.

Convém ressaltar que o abandono afetivo na filiação não ocorre apenas quando há a ausência física e moral do pai na vida do filho, mas também quando, embora haja coabitação entre eles, o pai não dispensa ao filho a menor forma de afeto e atenção. Isso porque, como já asseverado, a convivência familiar requer a presença moral, muito mais do que a presença física.

O abandono afetivo desponta mais frequentemente no momento de dissolução da sociedade conjugal, nos casos em que tem origem o fenômeno conhecido como recomposição de famílias. Neste contexto, uma vez dissolvida a sociedade conjugal, atribui-se a guarda dos filhos menores a ambos os pais ou, nos casos em que isso não seja possível, a um deles. Com efeito, desde a edição da Lei 11.698/08, passou a ter primazia o instituto da guarda compartilhada, apenas havendo que se falar em guarda unilateral quando o melhor interesse da criança, por uma série de fatores, assim determinar. De toda sorte,
“caso seja possível que os pais separados continuem a compartilhar os cuidados com seus filhos, independentemente de qual seja a residência onde a criança permaneça por mais tempo, a convivência da mesma com ambos os pais está automaticamente garantida.”[6]
Convém salientar que o abandono afetivo é pior do que o abandono material, conforme destaca Claudete Carvalho Canezin, já que, embora a carência financeira possa ser suprida por terceiros interessados, como parentes, amigos, ou até mesmo pelo Estado, através dos programas assistenciais, “o afeto e o carinho negado pelo pai a seu filho não pode ser suprido pelo afeto de terceiros, muito menos pode o Estado suplantar a ausência paterna.”[7]

Por tudo isso, os pais não podem olvidar que, embora a sua relação não tenha prosperado, os vínculos parentais e afetivos com os filhos são permanentes, não podendo ser rompidos pela simples falência da sociedade conjugal, de modo que “quanto à filiação, rompe-se a coexistência ou coabitação, jamais o dever de convivência”.[8]

 Nesse sentido, importa trazer à baila lição de Giselda Hironaka:
“A ausência injustificada do pai origina – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade.”[9]
Por esses motivos, tem-se observado uma crescente procura pelo judiciário, a fim de que sejam resolvidos os casos de abandono afetivo na filiação, oriundos da quebra dos deveres jurídicos decorrentes do exercício do poder familiar.

MACHADO, Gabriela Soares Linhares. Análise doutrinária e jurisprudencial acerca do abandono afetivo na filiação e sua reparação. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3508, 7 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23666>. Acesso em: 29 mar. 2013.

Amar com hora marcada


O presente artigo não abordará relações amorosas remuneradas, tampouco o direito a visitas íntimas de internos prisionais, como o título poderia sugerir. O objeto é muito mais espinhoso: trata-se de uma abordagem contemporânea sobre uma visão retrógrada dos direitos de guarda, alimentos e visita de menores, filhos de pais separados.

O século XXI, apesar de imberbe, já é repleto de verdadeiras revoluções sociais e de costumes. A cada ano, as mulheres asseguram ainda mais a igualdade de condições duramente conquistada no final do século XX. O sucesso profissional ou o exercício de funções máximas da República não são mais exclusividades masculinas. Ao contrário, as mulheres não só as alcançaram, como estão se destacando em maior grau de eficiência do que os homens.

É inelutável o protagonismo feminino nos tempos atuais em comparação ao papel coadjuvante que desempenhava anteriormente. Contudo, apesar de lutar pela igualdade de condições com o gênero masculino e das conquistas obtidas, alguns ranços conservadores do século passado perduram até hoje. Notadamente quando se trata de guarda, alimentos e visita de filhos menores de idade.

Costumo dizer que a contemporaneidade, com os sensíveis avanços das relações paternas e maternas nesse novo milênio, há muito deixou de considerar o homem como “reprodutor-provedor” e a mulher como “sexo frágil”. Entretanto, o Poder Judiciário, ainda atrelado a paradigmas ultrapassados da primeira metade do século XX, teima em enxergar a figura paterna no exercício da guarda de filhos menores. Quando muito, entende por bem estipular a “guarda compartilhada”.

Muitos magistrados e, infelizmente, colegas advogados, encaram a maternidade, em absoluto descompasso com a contemporaneidade, como único “colo acolhedor” e a paternidade como “bolso provedor”. É uma completa desafinação com os tempos atuais.

Ao homem, o ônus solitário de prover a cria! À mulher, o bônus de fruir, egoisticamente, os momentos de alegria! A igualdade veiculada no art. 5º, I, da Carta Magna parece valer somente quando em benefício do gênero feminino.

É extremamente raro um pai obter a guarda dos filhos e o atraso – mesmo que justificado – da pensão alimentícia, culmina muitas vezes na prisão do genitor. Em contrapartida, a pensão alimentícia – não raro ruinosamente administrada pela mãe - é tratada como verdadeiro “cheque em branco”, desprovida de qualquer satisfação a quem herculeamente se desdobra para pagar.

É claro que não se olvida da existência de incontáveis mães responsáveis, verdadeiras heroínas, que se esforçam para sustentar sozinhas seus filhos, diante do abandono paterno. Essas últimas merecem o reconhecimento e o aplauso de todos. E, certamente, não temem prestar contas das despesas do filho em comum.

Entretanto, algumas mulheres, mães despreparadas e irresponsáveis, consideram a pensão alimentícia um verdadeiro “concurso público”. Acomodam-se e se entregam à sanha parasitária ad voluptatem, em desproveito das necessidades do próprio filho.

Nessa toada, é evidente que o titular do direito de exigir a prestação de contas não é aquele quem paga a pensão alimentícia, mas a própria criança a favor de quem são devidos os alimentos. E aquele genitor que não detém a guarda, mas titular do poder familiar (muito mais amplo do que a guarda do menor) e no exercício da representação prevista no art. 1.634, V, do Código Civil, não só pode, como deve, requerer judicialmente a prestação de contas em nome do filho, em desfavor daquele que administra a pensão alimentícia.

Os artigos 1583, §3º e 1.589, parte final, do Código Civil reforçam ainda mais a legitimidade processual prevista no art. 1.634, V, ao dispor que “a guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos” e “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.

Não resta dúvida, portanto, que o término da relação conjugal não altera a legitimidade de nenhum dos genitores no que diz respeito à representação dos filhos judicialmente. O art. 1.632 do CC/02 é de uma clareza solar ao rezar que, em regra, a única alteração advinda do término da relação conjugal se dará no campo da guarda. O que não se confunde, como vimos, com poder familiar (que alberga a representação).

Vê-se, assim, que a ação de prestação de contas tendo como objeto alimentos devidos a menores, é legítima e cabível. E, em se apurando crédito, no bojo da prestação de contas, o mesmo deve ser revertido em prol da criança e não daquele que se obrigou à prestação alimentar. Tal crédito, em face do princípio constitucional da igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, pode ser cobrado - inclusive – mediante o rito de prisão civil, aplicável analogamente ao caso.

Por outro lado, não há falar-se em alimentos sem que consideremos a colaboração mútua dos genitores para a mantença da prole comum, não podendo o dever de alimentar conduzir ao sacrifício de apenas um dos genitores. A tríade alimentar é formada pelo princípio constitucional da proporcionalidade, ponderado entre os parâmetros possibilidade-necessidade.

Em síntese, a obrigação alimentar, à luz do ordenamento jurídico do século XXI, há de ser compartida por ambos os genitores, cabendo a cada qual, proporcionalmente à respectiva possibilidade, assumir a responsabilidade de fazer frente às necessidades alimentares dos filhos.

Por fim, no que diz respeito ao direito de visitas, depois de finda a relação conjugal, se faz necessário contemplar e privilegiar os interesses da criança, notadamente a mantença da convivência com o genitor que não detém sua guarda, para impedir o rompimento dos laços afetivos entre eles.

O “direito de visita” deve ser interpretado contemporaneamente muito mais como um direito do filho em relação ao genitor que não tem a guarda ou em relação a qualquer parente (avós, tios, etc.), cuja convivência lhe interesse, do que como um direito daquele que não detém a guarda em relação ao filho.

Essas ocasiões de visitas devem ser fluidas, nunca com hora marcada para começar ou terminar. O bom senso deve sempre superar o egoísmo e o espírito vingativo daquele que detém a guarda da criança. Impedir ou dificultar a convivência da criança e seu pai (em regra, antiquadamente, a guarda é materna) causa profundos danos imateriais ao próprio filho.

Não é à toa, pois, que a Lei nº 12.318/2010 coíbe a alienação parental, que pode se apresentar na forma de conduta que vise “dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar”.
Em verdade, o ordenamento jurídico contemporâneo e a melhor interpretação doutrinária do século XXI não só asseguram ao pai desprovido da guarda os direitos e obrigações inerentes a sua paternidade, como garantem à criança a sadia convivência com sua família paterna.

Ademais, dia após dia, surgem cada vez mais pais contemporâneos que não qualificam a criação do filho como ônus, como muitas mães costumam dizer. São pais participativos, afetuosos e preocupados verdadeiramente com a formação intelectual e psíquica dos seus filhos. Que não se satisfazem em “pagar” pensão e “passear” - ocasionalmente- com o respectivo infante.

A quebra de paradigmas do século passado e os novos enfoques da relação entre pais e filhos devem ser levados em consideração nesse novo milênio. Não há mais lugar para “amar com hora marcada”. O amor paterno-filial não pode ser represado ao bel prazer do insaciável espírito vingativo da mulher desprezada, pois como diria Shakespeare: “nem mesmo os infernos conhecem a fúria de uma mulher rejeitada”.

SILVA, Adriano José Borges. Amar com hora marcada. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3507, 6 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23659>. Acesso em: 29 mar. 2013.

Comoriência e sucessão



Preceitua o artigo 6º do Código Civil que “a existência da pessoal natural termina com a morte”, destacando-se assim a importância da indicação do momento da morte, já que com a morte abre-se a sucessão.

Se duas pessoas ou mais morrerem no mesmo momento sem se poder indicar se uma morte antecedeu a outra, essas mortes serão consideradas simultâneas.

O Código Civil, em seu artigo 8º, assim estabeleceu “Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão simultaneamente mortos”.

A comoriência é, assim, a presunção de morte simultânea, de uma ou mais pessoas, na mesma ocasião (tempo), em razão do mesmo evento ou não, sendo essas pessoas reciprocamente herdeiras.

Com a abertura da sucessão, portanto com a morte, a herança do “de cujus”, composta do acervo patrimonial ativo e passivo, transmite-se aos herdeiros legítimos e testamentários. Assim, para que haja transmissão da herança do falecido para seus herdeiros é preciso que esses herdeiros tenham sobrevivido ao falecido, ou seja, que no momento da morte do autor da herança os seus herdeiros estejam vivos.

Não existe possibilidade de se transmitir a herança a mortos, haja vista que com a morte não existe mais pessoa natural. Com efeito, somente as pessoas podem titularizar direitos e, tendo perdido a personalidade com a morte, impossível receber a propriedade desse acervo patrimonial deixado pelo “de cujus”.

No caso da comoriência, como não se consegue identificar quem faleceu primeiro, sendo os indivíduos considerados simultaneamente mortos, não cabe direito sucessório entre comorientes, vale dizer, comorientes não são herdeiros entre si.

Ensina Maria Berenice Dias: “Não havendo a possibilidade de saber quem é herdeiro de quem, a lei presume que as mortes foram concomitantes. Desaparece o vinculo sucessório entre ambos. Com isso, um não herda do outro e os bens de cada um passam aos seus respectivos herdeiros.”
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-mar-27/comoriencia-afasta-recebimento-heranca-direito-representacao

Promessa de compra e venda de imóvel sob alienação fiduciária e sua validade jurídica

O mercado imobiliário consolidou, há tempos, a prática de adquirir moradia mediante contrato de alienação fiduciária celebrado com uma instituição financeira, ficando esta com a propriedade resolúvel e o consumidor apenas com a posse.

Ocorre que, durante aquele contrato, cujo pagamento costuma ser parcelado em 10 (dez) anos ou mais, é freqüente surgir o interesse do consumidor em alterar sua residência e passar o primeiro imóvel para outrem.

Com esta finalidade, acaba se concretizando um contrato preliminar de compra/venda celebrado entre o consumidor e terceira pessoa, cuja existência jurídica e validade são objeto da presente explanação.

Depois de longa lacuna legislativa, o Código Civil de 2002 finalmente veio a disciplinar, ainda que em linhas gerais bastante sintéticas, o contrato preliminar, também chamado de promessa de contatar ou pré-contrato, conforme se verifica em seus artigos 462 a 466 do CC, sendo os artigos 1417 e 1418 do mesmo diploma específicos para bens imóveis.

O artigo 462 do CC estabelece o seguinte: “O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.

Pelo visto, o contrato preliminar deve apresentar os mesmos elementos essenciais genéricos do contrato definitivo, quais sejam, manifestação de vontade, agente e objeto, exceto a forma porque todos os contratos preliminares são válidos independentemente da forma eleita, considerado o art. 107 do CC.

Ademais, o contrato preliminar deve apresentar também os mesmos elementos essenciais específicos do contrato definitivo, razão pela qual na compra e venda tanto o contrato preliminar quanto o contrato definitivo devem envolver propriedade e preço, respeitando o indispensável sinalágma contratual.

Nestes termos, uma interpretação literal do art. 462 do CC, acima transcrito, faz concluir que é juridicamente inexistente a promessa de compra/venda de imóvel celebrada entre o consumidor e terceira pessoa quando a coisa serve de garantia fiduciária, posto que na hipótese a instituição financeira é titular exclusiva da propriedade (chamada propriedade resolúvel).

Essa interpretação literal, contudo, não se sustenta quando confrontada a uma interpretação sistemática e teleológica da legislação pertinente.

Em primeiro lugar, porque o princípio da função social da propriedade (art. 5º XXIII da CR) repele a idéia de que a propriedade deve permanecer estática e intocada, razão pela qual a propriedade resolúvel da instituição financeira deve ceder espaço para ser substituída pela propriedade domiciliar da terceira pessoa.
Afinal, considerando que a propriedade resolúvel traz em si o germe da autodestruição e que a instituição financeira tem interesse meramente financeiro, mostra-se irrelevante para esta empresa se a sua propriedade resolúvel será substituída pela propriedade do consumidor ou pela propriedade da terceira pessoa, o que lhe interessa é receber o pagamento.

Em segundo lugar, porque o princípio da função social do contrato (art. 421) e o conseqüente princípio da preservação do contrato repelem a idéia de que um negócio jurídico possa ser taxado de juridicamente inexistente ou nulo pelo simples fato de contrariar a letra de um único dispositivo legal.

Afinal, se inexiste qualquer espécie de prejuízo (efetivo ou potencial) a qualquer pessoa, ficando totalmente resguardado inclusive o direito da instituição financeira (titular da propriedade resolúvel), não há justo motivo para ser afastada a eficácia do contrato preliminar.

Em terceiro lugar, se o contrato de compra e venda pode ter por objeto uma coisa futura (art. 483 do CC), há que se reconhecer a possibilidade de o contrato preliminar de compra e venda também ter por objeto uma coisa futura, qual seja, a propriedade do consumidor promitente vendedor, conforme princípio da simetria imposto pelo art. 462 do CC acima transcrito.

Assim, no que tange ao contrato preliminar de compra/venda imobiliária celebrado entre o consumidor e a terceira pessoa quando a coisa serve de garantia fiduciária, o melhor entendimento é no sentido de haver amparo legal para sua existência, validade e eficácia, embora tal contrato esteja intrinsecamente subordinado a eventos futuros, quais sejam, o pagamento à instituição financeira e a transferência da sua propriedade.

FADEL, Marcelo Costa. Promessa de compra e venda de imóvel sob alienação fiduciária e sua validade jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3557, 28 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24065>. Acesso em: 29 mar. 2013.

quarta-feira, 27 de março de 2013

TJ/MG: Portadora de necessidades especiais tem isenção concedida

Uma portadora de deficiência física conseguiu autorização da Justiça  para obter isenção do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços  (ICMS), que incidiria sobre o preço de um automóvel novo. A liminar  concedida pelo juiz da 4ª Vara de Feitos Tributários, Genil Anacleto  Rodrigues Filho, permitiu a dispensa de pagamento mesmo que o veículo  seja conduzido por outra pessoa e não por ela própria, motivo que a  Administração Fazendária havia negado a isenção.

O não pagamento de ICMS para os portadores de deficiência já está  prevista na Lei Estadual nº 6.763/1975 e o próprio Código Tributário  Nacional, em seu art. 176, estabelece expressamente que a isenção deve  decorrer dentro da lei. A jovem de 33 anos tem paraparesia e é obrigada a  usar andador ou cadeira de rodas, mas teve o pedido negado pela  Administração Fazendária. O argumento utilizado foi o de que a isenção  só é possível quando o veículo precisar passar por alterações especiais,  para que seja dirigido pelo próprio deficiente, e não por terceiro, o  que não é possível em razão da natureza da deficiência da jovem.

Para o juiz Genil Anacleto Rodrigues Filho, a finalidade social da  legislação foi liberar os portadores de deficiência física dos ônus  fiscais na aquisição de veículo automotor, com claro sentido protetivo.  “Ora, a exigência de que o veículo seja conduzido pelo próprio  beneficiário, é desprovida de razoabilidade, já que, se a Administração  concede isenção àquele deficiente que tem condições de conduzir veículo,  com mais razão deveria conceder àquele que não pode dirigir”. O  magistrado completou que a pessoa que não pode conduzir o veículo  pessoalmente possui uma deficiência mais complexa do que aquele que  pode. “Se a lei concede esse benefício a pessoas com dificuldade  parcial, a carga protetiva deve abranger também os que não possuem  capacidade alguma, no intuito de facilitar a vida dessas pessoas, diante  das dificuldades e limitações que a deficiência já impõe”, concluiu.

A decisão, por ser de 1ª Instância, cabe recurso.

Fonte: Assessoria de Comunicação Institucional Ascom Fórum Lafayette