quarta-feira, 24 de julho de 2013

União estável e a separação obrigatória de bens

Quando um casal desenvolve uma relação afetiva contínua e duradoura, conhecida publicamente e estabelece a vontade de constituir uma família, essa relação pode ser reconhecida como união estável, de acordo com o Código Civil de 2002 (CC/02). Esse instituto também é legitimado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, parágrafo 3o.
Por ser uma união que em muito se assemelha ao casamento, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado às uniões estáveis, por extensão, alguns direitos previstos para o vínculo conjugal do casamento.
Na união estável, o regime de bens a ser seguido pelo casal, assim como no casamento, vai dispor sobre a comunicação do patrimônio dos companheiros durante a relação e também ao término dela, na hipótese de dissolução do vínculo pela separação ou pela morte de um dos parceiros. Dessa forma, há reflexos na partilha e na sucessão dos bens, ou seja, na transmissão da herança.
O artigo 1.725 do CC/02 estabelece que o regime a ser aplicado às relações patrimoniais do casal em união estável é o de comunhão parcial dos bens, salvo contrato escrito entre companheiros. Mas o que acontece no caso de um casal que adquire união estável quando um dos companheiros já possui idade superior a setenta anos?
É justamente em virtude desse dispositivo que vários recursos chegam ao STJ, para que os ministros estabeleçam teses, divulguem o pensamento e a jurisprudência dessa Corte sobre o tema da separação obrigatória de bens e se esse instituto pode ou não ser estendido à união estável.
Antes de conhecer alguns casos julgados no Tribunal, é válido lembrar que o direito de família brasileiro estabeleceu as seguintes possibilidades de regime de comunicação dos bens: comunhão parcial, comunhão universal, separação obrigatória, separação voluntária e ainda participação final nos aquestos (bens adquiridos na vigência do casamento).

Obrigatoriedade
A obrigatoriedade da separação de bens foi tratada pelo Código Civil de 1916 (CC/16) em seu artigo 258, parágrafo único, inciso II. No novo código, o assunto é tratado no artigo 1.641. Para o regramento, o regime da separação de bens é obrigatório no casamento das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; da pessoa maior de 70 anos, (redação dada pela Lei 12.344 de dezembro de 2010. Antes dessa data a redação era a seguinte: do maior de sessenta e da maior de cinquenta anos) e de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.
No Recurso Especial 646.259, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, entendeu que, para a união estável, à semelhança do que ocorre com o casamento, é obrigatório o regime de separação de bens de companheiro com idade superior a sessenta (60) anos. O recurso foi julgado em 2010, meses antes da alteração da redação do dispositivo que aumentou para setenta (70) o limite de idade dos cônjuges para ser estabelecido o regime de separação obrigatória.
Com o falecimento do companheiro, que iniciou a união estável quando já contava com 64 anos, sua companheira pediu em juízo a meação dos bens. O juízo de primeiro grau afirmou que o regime aplicável no caso é o da separação obrigatória de bens e concedeu a ela apenas a partilha dos bens adquiridos durante a união estável, mediante comprovação do esforço comum. Inconformada com a decisão, a companheira interpôs recurso no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS).
O TJRS reformou a decisão do primeiro grau e deu provimento ao recurso. Afirmou que não se aplica à união estável o regime da separação obrigatória de bens previsto no artigo 258, parágrafo único, inciso II, do CC/16, “porque descabe a aplicação analógica de normas restritivas de direitos ou excepcionantes. E, ainda que se entendesse aplicável ao caso o regime da separação legal de bens, forçosa seria a aplicação da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF), que igualmente contempla a presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado na constância da união”.
O espólio do companheiro apresentou recurso especial no STJ alegando ofensa ao artigo mencionado do CC/16 e argumentou que se aplicaria às uniões estáveis o regime obrigatório de separação de bens, quando um dos conviventes fosse sexagenário, como no caso.

Instituto menor
Para o ministro Luis Felipe Salomão, a partir da leitura conjunta das normas aplicáveis ao caso, especialmente do artigo 226, parágrafo 3o, da Constituição, do CC/16 e das Leis 8.971/94 e 9.278/96, “não parece razoável imaginar que, a pretexto de se regular a união entre pessoas não casadas, o arcabouço legislativo acabou por estabelecer mais direitos aos conviventes em união estável (instituto menor) que aos cônjuges”.
Salomão, que compõe a Quarta Turma do STJ, mencionou que o próprio STF, como intérprete maior da Constituição, divulgou entendimento de que a Carta Magna, “coloca, em plano inferior ao do casamento, a chamada união estável, tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele”. A tese foi expressa no Mandado de Segurança 21.449, julgado em 1995, no Tribunal Pleno do STF, sob a relatoria do ministro Octavio Gallotti.
Salomão explicou que, por força do dispositivo do CC/16, equivalente em parte ao artigo 1.641 do CC/02, “se ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens, também o deve ser às uniões estáveis que reúnam as mesmas características, sob pena de inversão da hierarquia constitucionalmente sufragada”.
Do contrário, como cita Caio Mário da Silva Pereira, respeitado jurista civil brasileiro, no volume 5 de sua coleção intitulada Instituições do Direito Civil, se aceitassem a possibilidade de os companheiros optarem pelo regime de bens quando o homem já atingiu a idade sexagenária, estariam “mais uma vez prestigiando a união estável em detrimento do casamento, o que não parece ser o objetivo do legislador constitucional, ao incentivar a conversão da união estável em casamento”. Para Caio Mario, “deve-se aplicar aos companheiros maiores de 60 anos as mesmas limitações previstas para o casamento para os maiores desta idade: deve prevalecer o regime da separação legal de bens”.

Discrepância
O entendimento dos ministros do STJ tem o intuito de evitar interpretações discrepantes da legislação que, em sentido contrário ao adotado pela Corte, estimularia a união estável entre um casal formado, por exemplo, por um homem com idade acima de 70 anos e uma jovem de 25, para burlarem o regime da separação obrigatória previsto para o casamento na mesma situação.
Ao julgar o REsp 1.090.722, o ministro Massami Uyeda, relator do recurso, trouxe à tona a possibilidade de tal discrepância. “A não extensão do regime da separação obrigatória de bens, em razão da senilidade do de cujus (falecido), constante do artigo 1.641, II, do Código Civil, à união estável equivaleria, em tais situações, ao desestímulo ao casamento, o que, certamente, discrepa da finalidade arraigada no ordenamento jurídico nacional, o qual se propõe a facilitar a convolação da união estável em casamento, e não o contrário”, analisou.
O recurso especial foi interposto pelo irmão do falecido, que pediu a remoção da companheira como inventariante, por ter sonegado informações sobre a existência de outros herdeiros: ele mesmo e seus filhos, sobrinhos do falecido, na sucessão. A união estável foi iniciada após os sessenta anos de idade do companheiro, por isso o irmão do falecido alegou ser impossível a participação da companheira na sucessão dos bens adquiridos onerosamente anteriores ao início da união estável.
No STJ a meação foi excluída. A mulher participou da sucessão do companheiro falecido em relação aos bens adquiridos onerosamente na constância da convivência. Período que, para o ministro Uyeda, não se inicia com a declaração judicial que reconhece a união estável, mas, sim, com a efetiva convivência. Ela concorreu ainda com os outros parentes sucessíveis, conforme o inciso III do artigo 1.790 do CC/02.
Uyeda observou que “se para o casamento, que é o modo tradicional, solene, formal e jurídico de constituir uma família, há a limitação legal, esta consistente na imposição do regime da separação de bens para o indivíduo sexagenário que pretende contrair núpcias, com muito mais razão tal regramento deve ser estendido à união estável, que consubstancia-se em forma de constituição de família legal e constitucionalmente protegida, mas que carece das formalidades legais e do imediato reconhecimento da família pela sociedade”.

Interpretação da súmula
De acordo com Uyeda, é preciso ressaltar que a aplicação do regime de separação obrigatória de bens precisa ser flexibilizado com o disposto na súmula 377/STF, “pois os bens adquiridos na constância, no caso, da união estável, devem comunicar-se, independente da prova de que tais bens são provenientes do esforço comum, já que a solidariedade, inerente à vida comum do casal, por si só, é fator contributivo para a aquisição dos frutos na constância de tal convivência”.
A súmula diz que “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. A interpretação aplicada por Uyeda foi firmada anteriormente na Terceira Turma pelo ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no julgamento do REsp 736.627.
Para Menezes Direito os aquestos se comunicam não importando que hajam sido ou não adquiridos com esforço comum. “Não se exige a prova do esforço comum para partilhar o patrimônio adquirido na constância da união”.
De acordo com Menezes Direito, a jurisprudência evoluiu no sentido de que “o que vale é a vida em comum, não sendo significativo avaliar a contribuição financeira, mas, sim, a participação direta e indireta representada pela solidariedade que deve unir o casal, medida pela comunhão da vida, na presença em todos os momentos da convivência, base da família, fonte do êxito pessoal e profissional de seus membros”.

Esforço presumido
Para a ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.171.820, ocasião em que sua posição venceu a do relator do recurso, ministro Sidnei Beneti, a relatora para o acórdão considerou presumido o esforço comum para a aquisição do patrimônio do casal.
O recurso tratava de reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens e pedido de pensão alimentícia pela companheira. Ela alegava ter vivido em união estável por mais de uma década com o companheiro. Este, por sua vez, negou a união estável, afirmou tratar-se apenas de namoro e garantiu que a companheira não contribuiu para a constituição do patrimônio a ser partilhado, composto apenas por bens imóveis e rendimentos dos aluguéis deles.
O tribunal de origem já havia reconhecido a união estável do casal pelo período de 12 anos, sendo que um dos companheiros era sexagenário no início do vínculo. E o STJ determinou que os autos retornassem à origem, para que se procedesse à partilha dos bens comuns do casal, declarando a presunção do esforço comum para a sua aquisição.
Como o esforço comum é presumido, a ministra Nancy Andrighi declarou não haver espaço para as afirmações do companheiro alegando que a companheira não teria contribuído para a constituição do patrimônio a ser partilhado.
Para a ministra, “do ponto de vista prático, para efeitos patrimoniais, não há diferença no que se refere à partilha dos bens com base no regime da comunhão parcial ou no da separação legal contemporizado pela súmula 377 do STF”.

Alcance da cautela
A dúvida que pode surgir diz respeito ao que efetivamente a cautela da separação obrigatória, contemporizada pela súmula, alcança. Para o ministro Menezes Direito, a súmula “admitiu, mesmo nos casos de separação legal, que fossem os aquestos partilhados”.
De acordo com ele, a lei não regula os aquestos, ou seja os bens comuns obtidos na constância da união estável. “O princípio foi o da existência de verdadeira comunhão de interesses na constituição de um patrimônio comum”, afirmou. E confirmou que a lei não dispôs que a separação alcançasse os bens adquiridos durante a convivência.
Para Menezes Direito, “a cautela imposta (separação obrigatória de bens) tem por objetivo proteger o patrimônio anterior, não abrangendo, portanto, aquele obtido a partir da união” (REsp 736.627).  Fonte: STJ,  21 jul. 2013.

http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/07/22/uniao-estavel-e-a-separacao-obrigatoria-de-bens/

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Casamento por interesse pode ser anulado, decide TJ-RS

O casamento feito meramente por interesse financeiro configura erro essencial e pode ser anulado. O entendimento levou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a tornar sem efeito um matrimônio ‘‘arranjado’’ pelo pai da noiva na Comarca de Planalto.

O noivo, que se disse agricultor "humilde e ingênuo", segundo a decisão, pediu a anulação do ato porque a esposa saiu de casa um mês depois. Ela teria ficado frustrada porque ele não recebeu o pagamento de uma esperada indenização. Como o juízo local julgou improcedente o pedido, ele apelou ao TJ-RS.

O relator da Apelação, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, entendeu que o casamento foi celebrado a partir de premissa do amor desinteressado, mas que se fragilizou rapidamente, revelando puro interesse patrimonial por parte da mulher.

Como ficou claro que o autor ignorou as consequências de ter assinado o pacto antenupcial, o colegiado considerou estar caracterizada hipótese de ‘‘erro essencial’’, como prevê o artigo 1.557 do Código Civil, que diz respeito à identidade, honra e boa fama. É um erro tal que o seu conhecimento ulterior torna insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado, reconheceu a Câmara.

Nesse sentido, conforme registrou o acórdão, cabe ao juiz examinar a prova e as circunstâncias que envolvem o casamento, para definir sobre o erro de identidade, honra e boa fama. E, nesse passo, será importante averiguar a situação social, cultural e econômica dos cônjuges.

Para corroborar o seu voto, o relator citou entendimento do ex-ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, do Superior Tribunal de Justiça. Diz este, no excerto de voto, se referindo a caso similar: "Clovis Bevilaqua observou a dificuldade que teve o legislador para precisar as hipóteses de anulação do casamento por erro essencial quanto à pessoa, optando por um texto indefinido, atribuindo ao juiz a responsabilidade de identificá-las’’. O acórdão foi lavrado dia 2 de maio.
(...)
Leia a íntegra em http://www.conjur.com.br/2013-jul-13/tj-rs-anula-casamento-feito-interesse-financeiro-noiva

Feto pode receber indenização por danos morais

Citando o direito à proteção jurídica de fetos, que possuem direitos da personalidade de forma reflexiva, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça rejeitou recursos e manteve decisão que condenou a Golden Cross ao pagamento solitário de indenização a um casal e à sua filha, que ainda era um feto quando o caso ocorreu, após erro em exame de ultrassonografia com translucência nucal (TN).

Para o relator do caso, ministro Marco Buzzi, mesmo que a vítima do erro médico ainda estivesse na condição de feto quando do ocorrido, ela possui direitos da personalidade, ao menos reflexamente, e por isso pode receber a proteção do ordenamento jurídico.

Neste caso específico, porém, não há a indenização por danos morais porque, como outro exame afastou as suspeitas de doença apenas um dia após o erro médico, ele considerou que não houve dano infligido à criança, mas sim aos pais, que receberão R$ 12 mil, metade da operadora e metade do centro médico.

Sobre a possibilidade de um acordo com um devedor solidário beneficiar também a outra parte envolvida como ré, o ministro apontou que isso não ocorre porque ficou claro que o acordo foi firmado para extinguir o caso entre o centro médico e o casal, sem qualquer menção ou benefício à Golden Cross.

O relator afirma ainda que o contrato entre clientes e planos de saúde tem como base a prestação de serviços por parte dos médicos e hospitais credenciados, que são indicados pela própria operadora, o que torna impossível afastar a responsabilidade solidária.

Inicialmente, a indenização fora recusada porque o erro ocorreu durante exame para analisar possíveis anomalias em um feto, com o centro médico indicando que a criança teria Síndrome de Down, tese afastada após exames feitos no dia seguinte. O juízo da 37ª Vara Cível da comarca do Rio de Janeiro afirmou que o fato do caso ter ocorrido antes do nascimento impedia a alegação de abalo psicológico à criança.

Ele também citou o acordo homologado entre o centro médico em que o exame foi feito e o casal, que acabou por encerrar o processo contra o local, permanecendo apenas a demanda contra a Golden Crosso: na visão do juízo, era proveitoso ao outro devedor solidário. O casal apelou e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acolheu parcialmente o pedido, determinando indenização de R$ 6 mil, o que levou os dois lados a entrarem com recursos junto ao STJ. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Revista Consultor Jurídico, 14 de julho de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-jul-14/stj-reconhece-indenizacao-danos-morais-aplicada-feto

Estatuto da Criança e do Adolescente: 23 anos de luta!

Por Mário Luiz Ramidoff[1]

A Lei 8.069 de 13 de julho de 1990 apesar de identificada na opinião pública e no senso comum (técnico-jurídico) como o Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda, permanece substancialmente desconhecida acerca de suas dimensões política e social.

A cada ano, e, por todos os dias, a luta pela melhoria da qualidade de vida individual e coletiva da criança e do adolescente se confunde com as conquistas e os avanços civilizatórios e humanitários experimentados no mundo da vida vivida.

No entanto, a permanência da luta é uma sua própria condição para a manutenção das transformações jurídicas, legislativas, políticas e sociais já alcançadas em prol da infância e da adolescência.

Por isso, que, nestes 23 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente tem possibilitado não só a emancipação subjetiva das pessoas com idade inferior a 18 anos, mas, também, tem assegurado a manutenção dos limites democraticamente estabelecidos a toda intervenção que se destine a esses novos sujeitos de direito.

A criança e o adolescente são pessoas que se encontram na condição humana peculiar de desenvolvimento da personalidade, e, portanto, titulares de direitos individuais e de garantias fundamentais que, substancialmente, constituem as liberdades públicas indispensáveis para a plenitude da cidadania infanto-adolescente.

A criança e o adolescente são sujeitos de direito, e, portanto, cidadãos, uma vez que são datados pela contextualização familiar, comunitária, social e estatal.

A luta para a proteção integral dos interesses indisponíveis, dos direitos individuais e das garantias fundamentais especificamente destinados à criança e ao adolescente, enfim, é também a luta pela efetivação de seus direitos humanos.

A “doutrina da proteção integral”[2] consagra, sim, os direitos humanos especificamente destinados à criança e ao adolescente, para além é certo do asseguramento de todos os demais direitos e garantias que normativamente são reconhecidos à pessoa.

A luta como expediente protetivo integral, por certo, não pode ser restringida à manutenção das conquistas, mas, principalmente, deve ser direcionada à permanente ampliação (avanços) das melhorias, através da conscientização desses novos cidadãos acerca de suas liberdades públicas, senão, dos diversos segmentos sociais sobre o respeito e a responsabilidade pela criança e pelo adolescente.

A responsabilidade, enfim, é de todos nós – da família, da sociedade (comunidade) e do Estado (Poderes Públicos), nos termos do caput do art. 227 da Constituição da República de 1988 – pela implementação das estruturas e o desenvolvimento de funções que assegurem o desenvolvimento pessoal e social da criança e do adolescente.

Exemplo disto é a diretriz política contida no inc. VII do art. 88 da Lei 8.069/90 acerca da necessidade de “mobilização da opinião pública para a indispensável participação dos diversos segmentos da sociedade”.

A participação popular direta e indireta – por exemplo, através de Conselhos Tutelares e de Conselhos dos Direito – no atendimento, na formulação e na execução de políticas sociais públicas especificamente destinadas à defesa e promoção da infância e da adolescência é operacionalizada através da ampla mobilização da opinião pública.

A mobilização da opinião pública, assim, constitui-se numa importante estratégia político-social, em prol da infância e da adolescência, por exemplo, quando divulga informações específicas para a reafirmação, de forma intransigente, acerca dos motivos e das fundamentações da não redução da idade de maioridade penal.

A proposição informativa contida no § único do art. 266 da Lei 8.069/90, apesar de transitória, continua a ser indispensável, nos últimos 23 anos, impondo-se, assim, a promoção de atividades e de campanhas para a divulgação e esclarecimentos acerca do conteúdo substancial da proteção integral da criança e do adolescente.

A radicalidade que importa é aquela que se orienta pela a profundidade (raízes, origens) e organicidade teórico-pragmática que se destina a interpretar e oferecer condições de possibilidade para a superação desse estado de coisas, dos círculos de violência, enfim, das perspectivas deterministas e reducionistas da complexidade das questões sociais historicamente mitificadas pelo âmbito meramente formal da resolução legal.

A mera alteração legislativa, invariavelmente, divorciada das (re)organizações estruturais e funcionais, por certo, está condenada à ineficácia resolutiva absoluta.

É preciso lutar pela formulação e a execução privilegiada de políticas sociais públicas específicas para a criança e o adolescente, e, isto, apenas se efetiva através de dotações orçamentárias democráticas que prioritariamente determinem o repasse de recursos públicos para o atendimento dos direitos individuais e o asseguramento das garantias fundamentais infanto-adolescente.

Enfim, é preciso se converter conscientemente às conquistas civilizatórias e humanitárias, que, na área infanto-adolescente, tem por expressão a “doutrina da proteção integral”.

A “doutrina da proteção integral” é uma conquista da luta democrática pela educação humanitária, conscientemente, orientada pelo compromisso político-social libertador das opressões, cada vez mais sofisticadas, determinadas pelas hegemonias político-econômicas.

A “atividade educativa tem usos sociais e intenções políticas”, segundo Júlio Barreiros[3], para quem, é preciso uma educação voltada para a conscientização que, então, determine a participação popular socialmente transformadora.

Ao longo dos 23 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente foram desenvolvidas lutas educacionais politicamente conscientizadoras e socialmente consequentes, em prol da infância e da adolescência.

Portanto, é atual, necessária e sempre pertinente a convocação de Tancredo Neves, qual seja: a luta continua!

E, por isso mesmo, não podemos nos dispersar!

[1] Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Paraná; Mestre (PPGD-UFSC), Doutor (PPGD-UFPR) e Pós-doutorando em Direito (PPGD-UFSC); Professor no UniCuritiba e na UnInter.
[2] RAMIDOFF, Mário Luiz. Direito da criança e do adolescente: teoria jurídica da proteção integral. Curitiba: Vicentina. 2008. p. 239. “A doutrina da proteção integral se consolidou político-constitucionalmente na diretriz humanitária fundamental para o estabelecimento e orientação das estratégias e metodologias que deverão ser empregadas na construção democrática dos novos valores sociais acerca da infância e da juventude brasileira”.
[3] BARREIROS, Júlio. Educação popular e conscientização. Porto Alegre: Sulina. 2000. p. 33 e ss.

http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/07/15/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-23-anos-de-luta/

Direito real de habitação assegura moradia vitalícia ao cônjuge ou companheiro

Há dois direitos garantidos pela legislação brasileira que se tornam colidentes em algumas situações: o direito de propriedade sobre fração de imóvel e o direito real de habitação. Isso porque, de um lado, filhos querem ter garantido o direito à herança após a morte do ascendente e, de outro, o cônjuge (ou companheiro) sobrevivente, que residia na propriedade do casal, deseja preservar o usufruto sobre o imóvel.

A ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), entende que “é necessário ponderar sobre a prevalência de um dos dois institutos, ou, ainda, buscar uma interpretação sistemática que não acabe por esvaziar totalmente um deles, em detrimento do outro”.

De acordo com o ministro Paulo de Tarso Sanseverino, também da Terceira Turma, o cônjuge sobrevivente tem direito real de habitação sobre o imóvel em que residia o casal, “desde que seja o único dessa natureza e que integre o patrimônio comum ou o particular de cada cônjuge no momento da abertura da sucessão”.

Ele considera que a norma prevista no artigo 1.831 do Código Civil (CC) de 2002 visa assegurar ao cônjuge sobrevivente (independentemente do regime de bens adotado no casamento) o direito de moradia, ainda que outros herdeiros passem a ter a propriedade sobre o imóvel de residência do casal, em razão da transmissão hereditária (REsp 1.273.222).

Propriedade e usufruto

Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma do STJ, o proprietário tem o poder de usar, gozar e dispor da coisa, “bem como de reavê-la do poder de quem a detenha ou possua injustamente”. Já o usufrutuário, segundo ele, tem o direito de usar e de receber os frutos.

Ele mencionou que, assim como o usufruto, o direito real de habitação limita o direito de propriedade. É um “direito de fruição reduzido que consiste no poder de ocupação gratuita de casa alheia”.

Evolução

O CC/02 representou uma evolução quanto ao tema. O CC de 1916, com a redação que lhe foi dada pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei 4.121/62), garantia o direito real de habitação sobre o imóvel destinado à residência da família apenas ao cônjuge sobrevivente casado em regime de comunhão universal de bens (parágrafo 2º do artigo 1.611).

Segundo o ministro Sidnei Beneti, da Terceira Turma do STJ, a restrição contida no código antigo era alvo de severas críticas, “por criar situações de injustiça social”, principalmente a partir de 1977, quando o regime legal de bens do casamento deixou de ser o da comunhão universal para ser o da comunhão parcial.

“Possivelmente em razão dessas críticas, o legislador de 2002 houve por bem abandonar a posição mais restritiva, conferindo o direito real de habitação ao cônjuge supérstite casado sob qualquer regime de bens”, afirmou o ministro.

Direito equivalente

Sidnei Beneti lembrou que, antes do CC/02, a Lei 9.278/96conferiu direito equivalente às pessoas ligadas pela união estável. De acordo com o parágrafo único do artigo 7º, “dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família”.

A partir daí, até o início da vigência do CC/02, a interpretação literal das leis então vigentes poderia levar à conclusão de que o companheiro sobrevivente estava em situação mais vantajosa que a do cônjuge sobrevivente (casado em regime que não fosse o da comunhão universal de bens). Contudo, para o ministro Beneti, “é de se rechaçar a adoção dessa interpretação literal da norma”.

“O casamento, a partir do que se extrai inclusive da Constituição Federal, conserva posição juridicamente mais forte que a da união estável. Não se pode, portanto, emprestar às normas destacadas uma interpretação dissonante dessa orientação constitucional”, declarou.

Equiparação

Em junho de 2011, a Terceira Turma equiparou a situação do cônjuge sobrevivente, casado sob o regime de separação obrigatória de bens (cujo cônjuge faleceu durante a vigência do CC/16), à do companheiro, quanto ao direito real de habitação.

O casal era dono de um apartamento em área nobre de Brasília. Com o falecimento da mulher, em 1981, transferiu-se às quatro filhas do casal a meação que ela tinha sobre o imóvel. Em 1989, o homem casou-se novamente, tendo sido adotado o regime de separação obrigatória de bens. Ele faleceu dez anos depois, ocasião em que as filhas do primeiro casamento herdaram a outra metade do imóvel.

As filhas moveram ação de reintegração de posse contra a viúva para tirá-la do imóvel. O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido com base no artigo 1.831 do CC/02. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal manteve a sentença.

Analogia

No STJ, os principais argumentos utilizados pelas herdeiras foram a data de abertura da sucessão (durante a vigência do CC/16) e o regime de bens do casamento (separação obrigatória). Os ministros aplicaram, por analogia, o artigo 7º da Lei 9.278, dando à viúva o direito de continuar habitando o imóvel da família.

“Uma interpretação que melhor ampara os valores espelhados na Constituição Federal é aquela segundo a qual o artigo 7º da Lei 9.278 teria derrogado o parágrafo 2º do artigo 1.611 do CC/16, de modo a neutralizar o posicionamento restritivo contido na expressão ‘casados sob o regime da comunhão universal de bens’”, disse o ministro Sidnei Beneti, relator (REsp 821.660).

Quarta parte

Caso semelhante foi analisado pela Quarta Turma em abril de 2012. Contrariando o entendimento adotado pela Terceira Turma, os ministros consideraram que, nas sucessões abertas durante a vigência do CC/16, a viúva que fora casada no regime de separação de bens tem direito ao usufruto apenas da quarta parte dos bens deixados, se houver filhos (artigo 1.611, parágrafo 1º, do CC/16).

A única herdeira de um homem que faleceu na cidade de Goiânia, em 1999, ajuizou ação contra a mulher com quem ele era casado pela segunda vez, sob o regime de separação de bens. Reconhecendo que a viúva tinha direito ao usufruto da quarta parte do imóvel onde residia com o esposo, a filha do falecido pediu o pagamento de aluguéis relativos aos outros três quartos do imóvel.

Aluguéis

O juízo de primeiro grau condenou a viúva ao pagamento de aluguéis pela ocupação de três quartos do imóvel, somente até 10 de janeiro de 2003, data da entrada em vigor do Código Civil atual, sob o fundamento de que a nova lei conferiu a ela o direito real de habitação, em vez do usufruto parcial. A sentença foi mantida pelo tribunal de justiça.

A filha recorreu ao STJ. Sustentou que não é possível aplicar duas regras sucessórias distintas à mesma situação jurídica. O relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão, não concordou com as instâncias ordinárias quanto ao pagamento dos aluguéis somente até o início da vigência do novo código.

Segundo ele, o direito real de habitação conferido pelo CC de 2002 à viúva, qualquer que seja o regime de bens do casamento, não alcança as sucessões abertas na vigência da legislação revogada. “Com o escopo de não atingir a propriedade e os demais direitos reais eventualmente aperfeiçoados com a sucessão aberta ainda na vigência do código de 16, previu oartigo 2.041 do código atual sua aplicação ex nunc [não retroage]”, ensinou Salomão.

O ministro explicou que, se não fosse assim, a retroatividade do CC/02 atingiria direito adquirido da herdeira, “mutilando parcela do próprio direito de propriedade de quem o tinha em sua amplitude”. Diante disso, a Turma deu provimento ao recurso especial (REsp 1.204.347).

União estável

O direito real de habitação assegurado ao companheiro sobrevivente pelo artigo 7º da Lei 9.278 incide sobre o imóvel em que residia o casal em união estável, ainda que haja mais de um imóvel a inventariar. Esse entendimento foi adotado pela Terceira Turma em junho de 2012.

No caso analisado pela Turma, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) deu provimento ao recurso dos filhos de um homem que faleceu em 2005 contra sentença que reconheceu o direito real de habitação à companheira dele.

Para o TJPR, o direito real de habitação tem por finalidade impedir que os demais herdeiros deixem o cônjuge sobrevivente sem moradia e desamparado. Contudo, havia outros imóveis residenciais a serem partilhados no inventário, inclusive um localizado em Colombo (PR), adquirido em nome da companheira na vigência da união estável.

Última residência

No STJ, a companheira sustentou que mesmo havendo outros bens, o direito real de habitação deveria recair necessariamente sobre o imóvel que foi a última residência do casal. “Do fato de haver outros bens residenciais ainda não partilhados, não resulta exclusão do direito de habitação, quer relativamente ao cônjuge, quer ao convivente em união estável”, afirmou Sidnei Beneti, relator do recurso especial.

O ministro citou doutrina do pesquisador José Luiz Gavião, para quem “a limitação ao único imóvel a inventariar é resquício do código anterior, em que o direito real de habitação era conferido exclusivamente ao casado pela comunhão universal”.

Gavião explica que, “casado por esse regime, o viúvo tem meação sobre todos os bens. Havendo mais de um imóvel, é praticamente certo que ficará com um deles, em pagamento de sua meação, o que lhe assegura uma moradia. Nessa hipótese, não tem necessidade do direito real de habitação” (Código Civil Comentado, 2003).

A Turma deu provimento ao recurso especial da companheira para reconhecer o direito real de habitação em relação ao imóvel em que residia o casal quando do óbito.

Segunda família

Em abril de 2013, o STJ reconheceu o direito real de habitação sobre imóvel à segunda família de um falecido que tinha filhas do primeiro casamento. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, adotou entendimento diverso, mas ficou vencida. Em seu voto, ela deu provimento ao recurso especial das filhas do primeiro casamento e determinou a alienação judicial do bem.

A maioria seguiu a posição do ministro Sidnei Beneti, que proferiu o voto vencedor. Ele verificou no processo que todo o patrimônio do falecido já havia sido transferido à primeira esposa e às filhas após a separação do casal. Além disso, enfatizou que o imóvel objeto do conflito era uma “modesta casa situada no interior”.

Para Beneti, de acordo com a jurisprudência do STJ, o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente, “não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos”.

Ele citou vários precedentes da Corte, entre os quais, “a exigência de alienação do bem para extinção do condomínio, feita pelas filhas e também condôminas, fica paralisada diante do direito real de habitação titulado ao pai”.

“A distinção entre casos de direito de habitação relativos a ‘famílias com verticalidade homogênea’ não está na lei, que, se o desejasse, teria distinguido, o que não fez, de modo que realmente pretendeu o texto legal amparar o cônjuge supérstite que reside no imóvel do casal”, destacou Beneti (REsp 1.134.387).

http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/07/15/direito-real-de-habitacao-assegura-moradia-vitalicia-ao-conjuge-ou-companheiro/

Dignidade do idoso é pauta de urgência

Na China, vigora desde segunda-feira última (1/7) lei de visita frequente obrigatória parental, institucionalizando uma antiga tradição chinesa, a de prestação de cuidados filiais aos pais idosos, que necessitam da presença afetiva dos filhos, servindo-lhes de suporte emocional e existencial à idade avançada.

No caso, a Lei de Proteção dos Direitos e Interesses do Idoso (Law of Protection of Rights and Interests of the Aged) revigora, no plano jurídico-legal, valores morais que devem ser preservados na sociedade chinesa, despertando a consciência crítica dos mais jovens, no objetivo de os filhos não abandonarem os pais; devendo-lhes, antes de tudo, cuidados adequados, carinho presente e atenção de vigília, em proteção objetiva da família que conta, em seu núcleo básico, os pais ou familiares anciãos, como pessoas vulneráveis e dignas de proteção integral.

A nova lei alcança como destinatários favorecidos cerca de 194 milhões de chineses, que compreende 14,3% da atual população, situada na faixa etária superior a 60 anos, valendo assinalar que nos próximos 40 anos (2053), o percentual etário de idosos será elevado para 35% da população, representando, então, cerca de 487 milhões.

Doravante, a visitação torna-se obrigatória, de tal conduto a desconstituir qualquer hipótese de caracterização de abandono afetivo pela ausência recalcitrante dos filhos.

Referida ausência tem ensejado atualmente na China inúmeras demandas judiciais de pais abandonados que reclamam o devido suporte emocional que lhes faltam diante da omissão dos filhos abandonantes.

No Brasil, a Constituição Federal (CF) consagra ordem jurídica de tutela máxima de proteção ao idoso, sobremodo na esfera familiar, em perspectiva de dignidade constitucionalmente assegurada pelo artigo 230 da Carta Magna que, afinal, orientou a Lei 8.842, de 4 de janeiro de 1994, dispondo sobre uma política nacional de proteção ao idoso.

A seu turno, a responsabilidade parental mútua tem sede constitucional, em dicção do artigo 229 da CF de 1988, ao estabelecer que “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

No mesmo sentido, o Estatuto do Idoso – Lei 10.741/2003 – acentua que a família e o Estado devem assegurar ao idoso os direitos fundamentais bem como o respeito à convivência familiar e comunitária.

Entretanto, torna-se preciso e urgente que não sejam observadas mais rugas no espírito do que na face. O idoso brasileiro é, em regra, indigente em sua dignidade de ser idoso. Faltam-lhe a força de trabalho e melhores condições de qualidade de vida. Ele é tratado como problema e não como um segmento social valorizado em suas características próprias. A cidadania do idoso deve ser por isso, tema recorrente, iniciada no próprio cenário familiar.

Envelhecer não é estigmatizante. Ser idoso também não. Saber envelhecer é saber ser idoso, e não envelhecido pela idade adiantada. Mudam as cores do tempo, chega a estação outonal e, com o avanço da idade, revela-se a vida, com novos matizes, ajustando o homem, com dignidade, a sua experiência a um novo tempo que o acrescenta.

Afinal, o homem envelhece na ordem direta da vida e na ordem inversa da resistência da alma, como advertiu Victor Hugo. Ele compreendeu que as pessoas apenas envelhecem pelo relógio do tempo, e somente se tornam velhas quando não mais se colocam cúmplices da vida. Uma quebra de harmonia com o espírito jovem comunicante que vincula o homem ao seu tempo presente e o faz referir sempre com um olhar para o futuro. Pensar e viver no passado é envelhecer definitivamente. Aprender algo novo, descobrir contextos mais amplos, saber estimular a capacidade cognitiva, exercitar a vida pelo aprendizado que ela oferece, tudo isso significa envelhecer bem, e envelhecer menos. A velhice não é uma variável fixa, conforme acentuou Groisman; ela é uma realidade culturalmente construída.

Pois bem.

Na mesma diretiva da recente lei chinesa, projeto legislativo apresentado na Câmara Federal cuida de estabelecer sanções civis e punitivas aos filhos que abandonem os pais idosos. O projeto de lei 4.294/2008, do deputado Carlos Bezerra, acrescenta parágrafo ao artigo 3º do Estatuto do Idoso, prevendo indenização por dano moral decorrente do abandono de idosos por sua família.

Mais precisamente, a redação dada ao parágrafo segundo proposto dispõe:

“O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por dano moral”. Lado outro, o mesmo projeto introduz parágrafo único ao artigo 1.632 do Código Civil, expressando: “o abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de indenização por dano moral”. Com efeito, estabelece, em largo espectro, a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo, nas relações paterno-filiais.

A inovação legislativa ganha maior relevância jurídica, quando consabido que a população anciã brasileira chegará a 32 milhões em 2025, tornando nosso país o sexto com maior população idosa do mundo.

Segue-se anotar, todavia, que a tramitação ordinária do projeto encontra-se estacionada desde 13 de abril de 2011, quando a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) aprovou o parecer do relator, deputado Antonio Bulhões, à unanimidade. No parecer, apresentou-se parágrafo único ao artigo 5º do Estatuto do Idoso, com a redação seguinte: “Comprovado o abandono afetivo por parte da família, caberá indenização por dano moral ao idoso (NR).”. Induvidoso que a nova redação tem melhor alcance e adequação lógica.

Em tempos de pauta positiva do Congresso Nacional, adiantando a apreciação de projetos de lei com maior pertinência à cidadania brasileira, urge, portanto, que esse projeto retome a sua tramitação, no efeito de resultado útil à efetividade legal da proteção ao idoso.

Bem cientes todos que a obrigação dos filhos diante os pais idosos tem viés constitucional, para além do Direito de Família, conforme princípio de solidariedade familiar e que, em bom rigor, não seja preciso escrever na lei obrigações morais, de proteção afetiva, quando bastaria o compromisso de dignidade nas relações familiares, o exemplo chinês é oportuno, quando se edita a lei, antes de mais como aviso legal de uma obrigação afetiva de cuidado.

O amparo das pessoas idosas reflete a própria maturidade de uma sociedade melhor organizada e digna de si mesma, pelo conjunto harmônico das relações em família. Assim, a dignidade do idoso é pauta de urgência.

Jones Figueirêdo Alves é desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco
Revista Consultor Jurídico, 11 de julho de 2013

http://www.conjur.com.br/2013-jul-11/jones-figueiredo-alves-dignidade-idoso-pauta-urgencia

Guarda não se transforma em filiação sem manifestação

A boa relação socioafetiva criada entre quem recebe a guarda de uma criança e o menor tutelado não significa que haja adoção. Desse modo, o menor não pode reclamar, posteriormente, o registro como filho e os direitos decorrentes disso. O entendimento levou a maioria dos integrantes da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter sentença que negou o reconhecimento de paternidade socioafetiva de uma mulher que foi entregue para guarda a um casal de Novo Hamburgo, em 1967.

Com a morte do ‘‘pai adotivo’’ e sem direito legal à herança, ela procurou a Justiça alegando que a situação jurídica de guarda, pela vontade do pai morto, acabou se transformando, com o passar do tempo, em adoção socioafetiva, já que era reconhecida como filha.

Como o juízo da primeira instância negou o reconhecimento de paternidade socioafetiva e os pedidos decorrentes da ação, a autora recorreu ao TJ-RS. O relator do caso, desembargador Rui Portanova, entendeu que estava diante de uma relação de filiação socioafetiva. Afinal, o contexto fático mostrou ‘‘posse do estado de filiação’’.

‘‘Em se tratando de ‘posse’ (e, portanto, de ‘fato’, e não apenas de ‘animus’), para apurar a existência de posse do estado de filiação, deve-se dar menos importância ao que pessoa ‘disse’ ser a sua vontade e mais ao que os fatos mostram a respeito da conduta e do comportamento ao longo do tempo (pois esses mostram a verdadeira ‘vontade’)’’, justificou Portanova no acórdão.

Entretanto, o entendimento do relator esbarrou no voto divergente apresentado pelo desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, para quem a relação jurídica havida entre a autora e o casal era de mera guarda — e o bom tratamento dispensado a esta seria decorrência da obrigação.

‘‘E nem seria de esperar que fosse diferente, pois se não lhe dispensassem cuidado, atenção e carinho, não seriam dignos da manter a guarda que lhes fora atribuída’’, considerou o desembargador Luiz Felipe.

Para ele, reconhecer o direito subjetivo da autora como filha, com todos os direitos patrimoniais decorrentes, significa, em verdade, introduzir no instituto da guarda um perigoso fator de incerteza, que muito provavelmente acabaria por tornar arriscado assumir essa responsabilidade por uma criança. Na verdade, concluiu, sinalizaria como um grande desserviço à imensa massa de crianças desassistidas que há em nosso país. Acompanhou o voto o desembargador Alzir Felippe Schmitz, em sessão de julgamento ocorrida em 4 de julho.
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-jul-16/guarda-menor-nao-transforma-filiacao-nao-vontade-adocao