sábado, 31 de agosto de 2013

Promotor não permite casamentos gays em Florianópolis

O promotor Henrique Limongi, do Ministério Público de Santa Catarina, assumiu a postura de não permitir casamentos gays em Florianópolis, nos casos em que atua. Ele afirmou que a posição não é por homofobia nem preconceito, mas por interpretação ao pé da letra do artigo 226 da Constituição, em que consta que a união estável se dá entre homem e mulher.O MP precisa dar parecer nos pedidos de união homoafetiva. As informações são do UOL Notícias.

Nos últimos três meses, Limongi já negou sete pedidos de casamento, obrigando os casais gays a recorrerem à Justiça. Tal posição ignora o reconhecimento da união homoafetiva dado pelo Supremo Tribunal Federal em 2011.

Em abril passado, a Corregedoria do MP-SC instruiu seus promotores a não dificultarem os casamentos. Por isso, a posição de Limongi é considerada pessoal. Ele sustenta que o relacionamento gay está "fora dos parâmetros de normalidade".

A união civil entre homossexuais e o registro dela nos cartórios de Santa Catarina está amparada também em decisão de abril do TJ-SC. Após pedido da secção local da OAB, o Conselho Nacional abriu uma investigação disciplinar sobre os casos em que Limongi atua.
Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-ago-28/promotor-santa-catarina-nao-permite-casamentos-gays-florianopolis

Aposentado que precisa de cuidador recebe adicional

Aposentado em condições normais pode receber acréscimo de um quarto em seus vencimentos se necessitar de assistência permanente de outra pessoa. Foi o que decidiu a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao conceder adicional de 25% no valor do benefício de um aposentado rural de 76 anos que está inválido e necessitando de cuidador permanente.
O relator da decisão, desembargador federal Rogério Favreto, considerou que o idoso tem o mesmo direito daqueles que se aposentam por invalidez e ganham o adicional quando precisam de cuidadores. A Lei 8.213/91 prevê, em seu artigo 45, que o valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar da assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25%.
Favreto ressaltou que o mesmo acréscimo deve ser concedido neste caso pelo princípio da isonomia. Apesar de o autor da ação ter se aposentado normalmente em 1993, hoje encontra-se em dificuldades, devendo ser beneficiado pela lei.
“O fato de a invalidez ser decorrente de episódio posterior à aposentadoria não pode excluir a proteção adicional ao segurado que passa a ser inválido e necessitante de auxílio de terceiro, como forma de garantir o direito à vida, à saúde e à dignidade humana”, declarou Favreto.
Para o desembargador, a Justiça não deve fazer diferença entre o aposentado por invalidez que necessita de auxílio permanente de terceiro e outro aposentado por qualquer modalidade de aposentadoria que passe a sofrer de doença que lhe torne incapaz de cuidar-se sozinho.
“Compreender de forma diversa seria criar uma situação absurda, exigindo que o cidadão peça a conversão ou transformação da sua condição de aposentado por idade e/ou tempo de contribuição por invalidez, com o objetivo posterior de pleitear o adicional de acompanhamento de terceiro”, argumentou.
Favreto afirmou em seu voto que “o julgador deve ter a sensibilidade social para se antecipar à evolução legislativa quando em descompasso com o contexto social, como forma de aproximá-la da realidade e conferir efetividade aos direitos fundamentais”.
O aposentado deverá receber o acréscimo retroativamente desde o requerimento administrativo, que foi em abril de 2011, com juros e correção monetária. A decisão é do dia 27 de agosto. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4. 
Revista Consultor Jurídico, 28 de agosto de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-ago-28/aposentado-cuidador-direito-adicional-25

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Quem cala consente?

Um dos elementos de existência do negócio jurídico é a vontade manifestada. Sem vontade exteriorizada, em princípio, não há negócio jurídico.

A vontade pode ser manifestada expressamente, como acontece num escrito público ou particular, quanto verbalmente ou mesmo por gestos. A validade da declaração de vontade não depende de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir (art. 107 do Código Civil).

Assim, um contrato de locação de imóvel, por exemplo, pode ser firmado verbalmente, embora não seja, por inúmeras razões, aconselhável. A afirmação é verdadeira porque a lei não condiciona a validade de tal espécie de contrato à manifestação escrita. Diferente é com o contrato de compra e venda de imóvel, de fiança, entre outros.

E o silêncio? Pode a ausência de manifestação de vontade gerar consequências importantes no mundo jurídico? Aquele que silencia está efetivamente anuindo, tal como prega o dito popular que intitula o presente texto?

A resposta a tais indagações não é simples. O silêncio pode sim acarretar efeitos jurídicos relevantes, mas nem sempre equivale à aceitação.

Na doação, o doador pode fixar prazo ao donatário, para que ele manifeste a aceitação ou recusa, interpretando-se o seu silêncio como concordância. Isso só acontece se não houver encargo previsto no negócio (art. 539 do CC). Ao contrário, se houver encargo, ainda que o benefício da doação compense sobejamente os ônus a ela atrelados, o silêncio representa recusa.

É comum algumas pessoas notificarem outras, concluindo a missiva com a assertiva de que o silêncio do notificado importa em renúncia a determinado direito. Exemplo: um herdeiro notifica outro para que diga se aceita ou não a herança, concede prazo e termina dizendo que o silêncio será interpretado como renúncia à herança. A vontade do cidadão, nesse caso, não se sobrepõe à lei. O art. 1807 do CC é manifesto ao proibir que o silêncio seja interpretado como renúncia da herança. Ao contrário, significa aceitação.

Da mesma forma, no direito das obrigações, se houver assunção de uma dívida por um terceiro, qualquer das partes (cedente e cessionário) pode conceder prazo para que o credor consinta ou não com tal negócio jurídico. Afinal, ele é o principal interessado.

Independentemente do teor da notificação, o silêncio do credor revela recusa (art. 299, parágrafo único, do CC), pois juridicamente pode ficar mais vulnerável com a assunção da dívida por terceiro. Pode a transferência da titularidade da dívida significar, para o credor, a diferença entre receber e não receber seu crédito.

Portanto, como princípio, ninguém pode ficar numa posição mais onerosa em virtude de um comportamento silencioso.

Em outras situações, o ordenamento jurídico admite maior valor ao silêncio. O art. 111 do CC prescreve que "o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa". Por isso, o juiz deve estar bastante atento às peculiaridades do caso para valorar adequadamente o silêncio.

O silêncio pode acarretar até mesmo o desfazimento do negócio jurídico, além de responsabilidade civil. O art. 147 do CC, por exemplo, preceitua que "nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado".

Não se pode, pelas razões apresentadas, concluir que o silêncio indica necessariamente aceitação no plano jurídico.

Adriano Ferriani é professor de Direito Civil da PUC/SP.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI185168,51045-Quem+cala+consente? 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A Carteira (Machado de Assis)


...De repente, Honório olhou para o chão e viu uma carteira. Abaixar-se, apanhá-la e guardá-la foi obra de alguns instantes. Ninguém o viu, salvo um homem que estava à porta de uma loja, e que, sem o conhecer, lhe disse rindo:

- Olhe, se não dá por ela; perdia-a de uma vez.

- É verdade, concordou Honório envergonhado.

Para avaliar a oportunidade desta carteira, é preciso saber que Honório tem de pagar amanhã uma dívida, quatrocentos e tantos mil-réis, e a carteira trazia o bojo recheado. A dívida não parece grande para um homem da posição de Honório, que advoga; mas todas as quantias são grandes ou pequenas, segundo as circunstâncias, e as dele não podiam ser piores. Gastos de família excessivos, a princípio por servir a parentes, e depois por agradar à mulher, que vivia aborrecida da solidão; baile daqui, jantar dali, chapéus, leques, tanta cousa mais, que não havia remédio senão ir descontando o futuro. Endividou-se. Começou pelas contas de lojas e armazéns; passou aos empréstimos, duzentos a um, trezentos a outro, quinhentos a outro, e tudo a crescer, e os bailes a darem-se, e os jantares a comerem-se, um turbilhão perpétuo, uma voragem.

- Tu agora vais bem, não? dizia-lhe ultimamente o Gustavo C..., advogado e familiar da casa.

- Agora vou, mentiu o Honório.

A verdade é que ia mal. Poucas causas, de pequena monta, e constituintes remissos; por desgraça perdera ultimamente um processo, em que fundara grandes esperanças. Não só recebeu pouco, mas até parece que ele lhe tirou alguma cousa à reputação jurídica; em todo caso, andavam mofinas nos jornais.

D. Amélia não sabia nada; ele não contava nada à mulher, bons ou maus negócios. Não contava nada a ninguém. Fingia-se tão alegre como se nadasse em um mar de prosperidades. Quando o Gustavo, que ia todas as noites à casa dele, dizia uma ou duas pilhérias, ele respondia com três e quatro; e depois ia ouvir os trechos de música alemã, que D. Amélia tocava muito bem ao piano, e que o Gustavo escutava com indizível prazer, ou jogavam cartas, ou simplesmente falavam de política.

Um dia, a mulher foi achá-lo dando muitos beijos à filha, criança de quatro anos, e viu-lhe os olhos molhados; ficou espantada, e perguntou-lhe o que era.

- Nada, nada.

Compreende-se que era o medo do futuro e o horror da miséria. Mas as esperanças voltavam com facilidade. A idéia de que os dias melhores tinham de vir dava-lhe conforto para a luta. Estava com, trinta e quatro anos; era o princípio da carreira: todos os princípios são difíceis. E toca a trabalhar, a esperar, a gastar, pedir fiado ou: emprestado, para pagar mal, e a más horas.

A dívida urgente de hoje são uns malditos quatrocentos e tantos mil-réis de carros. Nunca demorou tanto a conta, nem ela cresceu tanto, como agora; e, a rigor, o credor não lhe punha a faca aos peitos; mas disse-lhe hoje uma palavra azeda, com um gesto mau, e Honório quer pagar-lhe hoje mesmo. Eram cinco horas da tarde. Tinha-se lembrado de ir a um agiota, mas voltou sem ousar pedir nada. Ao enfiar pela Rua. da Assembléia é que viu a carteira no chão, apanhou-a, meteu no bolso, e foi andando.

Durante os primeiros minutos, Honório não pensou nada; foi andando, andando, andando, até o Largo da Carioca. No Largo parou alguns instantes, - enfiou depois pela Rua da Carioca, mas voltou logo, e entrou na Rua Uruguaiana. Sem saber como, achou-se daí a pouco no Largo de S. Francisco de Paula; e ainda, sem saber como, entrou em um Café. Pediu alguma cousa e encostou-se à parede, olhando para fora. Tinha medo de abrir a carteira; podia não achar nada, apenas papéis e sem valor para ele. Ao mesmo tempo, e esta era a causa principal das reflexões, a consciência perguntava-lhe se podia utilizar-se do dinheiro que achasse. Não lhe perguntava com o ar de quem não sabe, mas antes com uma expressão irônica e de censura. Podia lançar mão do dinheiro, e ir pagar com ele a dívida? Eis o ponto. A consciência acabou por lhe dizer que não podia, que devia levar a carteira à polícia, ou anunciá-la; mas tão depressa acabava de lhe dizer isto, vinham os apuros da ocasião, e puxavam por ele, e convidavam-no a ir pagar a cocheira. Chegavam mesmo a dizer-lhe que, se fosse ele que a tivesse perdido, ninguém iria entregar-lha; insinuação que lhe deu ânimo.

Tudo isso antes de abrir a carteira. Tirou-a do bolso, finalmente, mas com medo, quase às escondidas; abriu-a, e ficou trêmulo. Tinha dinheiro, muito dinheiro; não contou, mas viu duas notas de duzentos mil-réis, algumas de cinqüenta e vinte; calculou uns setecentos mil-réis ou mais; quando menos, seiscentos. Era a dívida paga; eram menos algumas despesas urgentes. Honório teve tentações de fechar os olhos, correr à cocheira, pagar, e, depois de paga a dívida, adeus; reconciliar-se-ia consigo. Fechou a carteira, e com medo de a perder, tornou a guardá-la.

Mas daí a pouco tirou-a outra vez, e abriu-a, com vontade de contar o dinheiro. Contar para quê? era dele? Afinal venceu-se e contou: eram setecentos e trinta mil-réis. Honório teve um calafrio. Ninguém viu, ninguém soube; podia ser um lance da fortuna, a sua boa sorte, um anjo... Honório teve pena de não crer nos anjos... Mas por que não havia de crer neles? E voltava ao dinheiro, olhava, passava-o pelas mãos; depois, resolvia o contrário, não usar do achado, restituí-lo. Restituí-lo a quem? Tratou de ver se havia na carteira algum sinal.

"Se houver um nome, uma indicação qualquer, não posso utilizar-me do dinheiro," pensou ele.

Esquadrinhou os bolsos da carteira. Achou cartas, que não abriu, bilhetinhos dobrados, que não leu, e por fim um cartão de visita; leu o nome; era do Gustavo. Mas então, a carteira?... Examinou-a por fora, e pareceu-lhe efetivamente do amigo. Voltou ao interior; achou mais dois cartões, mais três, mais cinco. Não havia duvidar; era dele.

A descoberta entristeceu-o. Não podia ficar com o dinheiro, sem praticar um ato ilícito, e, naquele caso, doloroso ao seu coração porque era em dano de um amigo. Todo o castelo levantado esboroou-se como se fosse de cartas. Bebeu a última gota de café, sem reparar que estava frio. Saiu, e só então reparou que era quase noite. Caminhou para casa. Parece que a necessidade ainda lhe deu uns dous empurrões, mas ele resistiu.

"Paciência, disse ele consigo; verei amanhã o que posso fazer."

Chegando a casa, já ali achou o Gustavo, um pouco preocupado, e a própria D. Amélia o parecia também. Entrou rindo, e perguntou ao amigo se lhe faltava alguma cousa.

- Nada.

- Nada?

- Por quê?

- Mete a mão no bolso; não te falta nada?

- Falta-me a carteira, disse o Gustavo sem meter a mão no bolso. Sabes se alguém a achou?

- Achei-a eu, disse Honório entregando-lha.

Gustavo pegou dela precipitadamente, e olhou desconfiado para o amigo. Esse olhar foi para Honório como um golpe de estilete; depois de tanta luta com a necessidade, era um triste prêmio. Sorriu amargamente; e, como o outro lhe perguntasse onde a achara, deu-lhe as explicações precisas.

- Mas conheceste-a?

- Não; achei os teus bilhetes de visita.

Honório deu duas voltas, e foi mudar de toilette para o jantar. Então Gustavo sacou novamente a carteira, abriu-a, foi a um dos bolsos, tirou um dos bilhetinhos, que o outro não quis abrir nem ler, e estendeu-o a D. Amélia, que, ansiosa e trêmula, rasgou-o em trinta mil pedaços: era um bilhetinho de amor.

Achado não é roubado

O insuperável Machado de Assis, no conto "A carteira", relata as angústias psicológicas do personagem Honório após achar uma carteira na rua, contendo uma considerável importância em dinheiro, suficiente para quitar uma dívida prestes a vencer. Suficiente também para dar início ao seu dilema de entregar ou não a carteira, cujo dono desconhecia até então. Acabou descobrindo que pertencia ao seu dileto amigo Gustavo que, por coincidência, encontrava-se em sua casa, conversando com sua esposa, D. Amélia. O amigo recebeu a carteira e com olhar desconfiado, como que duvidando de sua posse, não foi direto na repartição apropriada para o dinheiro e sim na vizinha, naquela que trazia os cartões, anotações e bilhetes.

Percebe-se pela narrativa machadiana que a conduta se ajustaria ao tipo penal de apropriação de coisa achada se Honório não a devolvesse ao legítimo possuidor, ou se não a entregasse à autoridade competente, no prazo de 15 dias, de acordo com o disposto no inciso II do parágrafo único do artigo 169 do Código Penal. O Código Civil é mais exigente. Além de determinar a entrega da coisa ao dono ou legítimo possuidor e se não o conhecer "o inventor fará por descobri-lo, e, quando se lhe não depare, entregará o objeto achado à autoridade competente no lugar"1. Tudo para excluir a achada de coisas perdidas de modalidade de aquisição excepcional de propriedade.

O jornal O Estado de S. Paulo2 recentemente veiculou uma notícia informando que Universidade de São Paulo estaria pleiteando a devolução das obras de arte que foram encontradas por um marceneiro no lixo da própria Instituição de ensino.

Consta na matéria jornalística que o marceneiro Antônio Luiz Góis Passos, em 2011, encontrou 15 quadros de obras de arte em uma lixeira do Departamento de Química daquela universidade. Os quadros, por si sós, não são de grande valor, mas juntos somam cerca de R$ 50 mil. São reproduções originais francesas de artistas como Edgar Degas, Maurice de Vlaminck, Maurice Utrillo, Paul Gauguin e Maurice Utrillo.

Ao perceber que os quadros seriam descartados, Antônio ainda se preocupou em procurar os responsáveis para saber se o destino daquelas obras seria realmente a caçamba. Segundo ele, nem os professores nem a Instituição queriam aqueles entulhos. Pois então, seduzido pela beleza das telas e pela simplicidade de quem sabe apreciar o belo, decidiu levá-las para sua casa, onde até hoje permanecem enfeitando suas paredes.

Após dois anos, a USP agora pretende a devolução dos quadros. Seria justo?

O senso de justiça social aponta que os quadros devem permanecer com o marceneiro. Ora, foi ele quem deu um fim digno às obras que seriam esquecidas em meio a toneladas de lixo. O raciocínio é simples: quem descarta um objeto no lixo o faz porque não precisa mais dele. Pensando assim, aplausos para Antônio que agiu de boa-fé e tornou-se legítimo possuidor das obras. O direito lhe socorre.

Primeiramente, é importante entender que os bens foram voluntariamente descartados do patrimônio da Instituição. A responsabilidade civil, em tese, seria do funcionário responsável pela ordem dada. As obras depositadas na lixeira pela instituição são consideradas coisas abandonadas, isto é, o dono não tem mais interesse em sua propriedade e a despreza, deixando-a disponível para quem tiver interesse. É a chamada res derelicta.

Assim, de antemão, é possível descartar hipótese de crime de furto, art. 155, do CP, isto porque o tipo penal pressupõe a subtração de coisa alheia. Portanto, considerando que as obras perderam seu caráter de coisa alheia no momento do descarte, não há que se falar em subtração.

E quanto ao ditado popular, "o achado não é roubado"? Inicialmente, o bem que é encontrado tem relevância no mundo jurídico, pois se pressupõe a existência de um proprietário. Trata-se da res desperdicta, ou coisa perdida. Nesta senda, podemos caminhar por dois sentidos.

De um lado, se a coisa é realmente perdida, de modo que se encontra distante de seu dono, fora de sua esfera de proteção, o sujeito que se apropria do bem incide no delito do art. 169, parágrafo único, II, do CP, que é a apropriação de coisa achada. Pelo artigo citado, constitui crime "quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias".

Por outro lado, caso a coisa perdida esteja ainda sob a esfera de proteção da vítima, mas essa não percebe tê-la perdido, a subtração da coisa por outrem, então, passa a configurar o delito de furto. É o caso da vítima que, sem notar, deixa sua carteira cair e o autor, vendo a cena, nada faz, esperando o melhor momento para subtrai-la.

Na mesma esteira da res derelicta caminha a res nullius, que é a coisa de ninguém. A única diferença entre elas é que a coisa abandonada um dia já teve dono, enquanto que a outra nunca teve um proprietário. Deste modo, ambas não podem ser objeto de furto. Impossível, portanto, a subtração de um bem que foi abandonado, perdido ou que nunca teve dono.

Adiante, também podemos descartar a hipótese de apropriação indébita, do artigo 168, do CP, que pressupõe que a coisa, além de ser alheia, deve estar na posse ou detenção do sujeito ativo do delito. Veja que a hipótese é incabível ao caso em tela pelo simples fato de que o bem deve ter dono – aplica-se aqui o raciocínio visto acerca da hipótese do furto.

Ainda no estudo da apropriação indébita, também é de total improcedência a segunda parte do tipo penal, pois para configuração do delito é necessário que o sujeito ativo esteja na posse ou detenção da coisa. Ficou claro pelo noticiado que os bens não estavam na posse ou detenção do marceneiro, mas sim que foram descartados como entulho e, posteriormente, por ele recolhidos.

Por fim, a conduta de Antônio melhor se enquadra na tese de atipicidade do fato, tendo em vista que as obras de arte por ele encontradas, naquele momento, não possuíam dono, ou seja, já gozavam do status de res derelicta – coisa abandonada. Tal razão exclui a hipótese de serem os quadros classificados como res desperdicta, uma vez que eles não foram achados, e sim propositadamente dispensados.

Se justo ou não, a USP agora vai tentar reaver os quadros que por ela foram abandonados. Mas, vai encontrar um obstáculo instransponível à frente: o título de propriedade de Antonio, que lhe assegura o direito de se deliciar e mirar as obras que descansam nas paredes de sua casa. Será que Degas, destacado pintor impressionista que, como Machado de Assis, dava vida a seus personagens, fazendo com que se parecessem reais, aceitaria ser despejado do lar que o abrigou?

Agora, voltando ao conto do mestre que prima pela ironia. Quer saber por quê Gustavo desconfiou quando Honório lhe entregou a carteira com o dinheiro? Justamente porque continha em seu interior bilhetes de amor que havia escrito para Da. Amélia, com quem tinha um caso...
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1 - Artigo 603 e seu parágrafo único do Código Civil.
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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Pedro Bellentani Quintino de Oliveira é advogado.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI185103,51045-Achado+nao+e+roubado

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Interesse do menor autoriza curatela compartilhada

A Justiça pode conceder a curatela compartilhada se os autos do processo mostrarem que essa possibilidade atende melhor os interesses do incapaz. O entendimento é da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao aceitar Apelação dos pais de um rapaz com síndrome de down residentes na comarca de Pelotas. O acórdão foi lavrado na sessão de julgamento do dia 1º de agosto.

A curatela visa a proteger pessoas que não detêm discernimento suficiente para levar uma vida totalmente normal, seja em razão de enfermidade ou outra doença duradoura que a impeça de exprimir sua vontade. Assim, cabe ao curador o dever de defesa, sustento e representação do interditado, bem como a administração de seus bens.

Ao analisar os autos da Ação de Interdição manejada contra o filho, a 1ª Vara de Família daquela comarca julgou o pedido procedente. Entretanto, como a sentença nomeou apenas a mãe como curadora, o casal interpôs Apelação, pleiteando a curatela conjunta. Para o casal, a atribuição do encargo a apenas um dos genitores abre a possibilidade de dano psicológico ao interditado e à família, como reconhece a própria sentença.
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-ago-20/interesse-menor-autoriza-concessao-curatela-compartilhada-decide-tj-rs
 
Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler o projeto de lei.

Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 20 de agosto de 2013
 

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Testamento vital e seu perfil normativo (parte 1)

(...) O prolongamento da vida não se deu apenas em face da melhoria das condições sanitárias, alimentares e educacionais. A vida também se prolonga por eficientes e caríssimos tratamentos médico-hospitalares. E é nesse ponto que se radica o estudo do chamado “testamento vital”, também conhecido por expressões como testamento biológico, instruções prévias ou diretivas antecipadas de vontade,[1] a respeito do qual já se encontra alguma literatura jurídica.[2] O advogado Ernesto Lippmann, especialista na matéria e que tem proferido diversas palestras a esse respeito para um público não jurídico, de modo objetivo, explica que o “testamento vital”, diferentemente do “testamento civil”, “visa ser eficaz em vida, indicando como você deseja ser tratado — do ponto de vista médico — se estiver em uma situação de doença grave e inconsciente”, na medida em que se constitui em uma “declaração escrita da vontade de um paciente quanto aos tratamentos aos quais ele não deseja ser submetido caso esteja impossibilitado de se manifestar”.[3]

Em termos doutrinários, o “testamento vital” é uma expressão bastante equívoca, a despeito de sua inegável popularização. Trata-se de uma declaração de vontade emitida por uma pessoa natural, em pleno gozo de suas capacidades, cujo conteúdo é uma autorização ou uma restrição total ou parcial à submissão do declarante a certos procedimentos médico-terapêuticos, na hipótese de não mais ser possível emitir esse comando, em face da perda de autodeterminação, seja por lesões cerebrais, seja por ele se encontrar em estado terminal. Há quem o considere uma espécie de testamento[4] e quem nele reconheça uma “figura que, em realidade, não se insere no campo do Direito das Sucessões, nem pode ser tomada como um verdadeiro testamento, ao menos em sua acepção tradicional”, o que implica localizar seu estudo no campo do Biodireito e não do Direito das Sucessões.[5]

A declaração de vontade, sob o nome vulgar de “testamento vital”, pode ter por objeto disposições sobre: a) a realização ou não de procedimentos médico-terapêuticos; b) a delimitação de quais procedimentos poder-se-iam realizar; c) a pré-exclusão de certos procedimentos; d) o estabelecimento de um lapso para a continuidade dos tratamentos, após o qual, permanecendo o estado vegetativo, se teria a recusa prévia a sua continuidade.

Não se discutirá, ao menos por agora, a relação entre o testamento vital e os limites ao exercício pleno da autodeterminação sobre tratamentos ou procedimentos médicos futuros. Essas questões ficarão para outro momento. Por agora, veja-se qual o marco infralegal existente sobre o tema, o que nos remete, de modo específico, ao texto da Resolução 1.995/2012, do Conselho Federal de Medicina, publicada na Primeira Seção do Diário Oficial da União, de 31 de agosto de 2012, que “dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes”.

A resolução, em seu artigo1o, define que o objeto das “diretivas antecipadas de vontade” (DAVs) corresponde ao “conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”. A resolução exonera o médico do dever de cumprir o conteúdo das DAVs quando estas se revelarem desconformes ao Código de Ética Médica (parágrafo 2o do artigo 2o). No entanto, as DAVs “prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares” (parágrafo 3o do artigo 2o).

É possível que essas DAVs sejam comunicadas diretamente ao médico pelo paciente, o que, a despeito da Resolução do CFM não o afirmar de modo expresso, pressupõe a hipótese de: a) revogação de DAVs anteriormente elaboradas; b) a necessidade de comprovação dessas novas disposições (parágrafo 4o do artigo 2o).

Se as DAV’s (a) não forem conhecidas ou se (b) não houver representante designado pelo paciente para expressá-las ou (c) familiares do paciente que assim o façam, bem como se (d) não houver consenso entre os familiares, “o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente” (parágrafo 5o do artigo 2o).
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-ago-14/direito-comparado-testamento-vital-perfil-normativo-parte

Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo).
Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2013

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Mãe biológica e mãe adotante para dois meninos gaúchos

Possivelmente inéditos nos anais da Justiça brasileira o caso e o desfecho dados a uma ação de família. Em São Francisco de Assis (RS), a mulher que cria dois meninos há sete anos – depois da morte da mãe biológica (ocorrida em 2006) – ingressou em Juízo, juntamente com os dois menores.

Os três pediram, em ação declaratória, que fosse declarada a maternidade da mãe sócio-afetiva, sem exclusão da mãe biológica – e acrescentando-se, também, mais um casal de avós maternos. As crianças passam a ter formalmente, assim, um pai, duas mães, avô e avó paternos e dois casais de avós maternos.

Ajuizada a ação em setembro de 2012, o juiz Luis Filipe Lemos Almeida, titular da comarca, declarou-se suspeito por foro íntimo, considerando o vínculo de amizade com o pai dos meninos. Admitiu ainda o juiz Almeida reputar, ele próprio, “ser testemunha na acepção jurídica do vínculo afetivo da mulher com os menores, o que certamente me influenciaria no julgamento da questão“.

O processo foi passado para a juíza Carine Labres, da comarca de Cacequi (RS). Ela entendeu que “o pedido, em síntese, caracteriza hipótese de adoção, mas sem exclusão da mãe biológica, não havendo norma expressa no ordenamento jurídico que respalde a pretensão“.

Mas a magistrada – numa bela e humana sentença – abraçou a conclusão de que “o Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade fenomênica“.

A juíza escreveu ter concluído que a interpretação da lei, deve levar em consideração os postulados maiores do direito universal, “observando a imprescindibilidade da prevalência dos interesses dos menores sobre quaisquer outros, até porque está em jogo o próprio direito de filiação, do qual decorrem as mais diversas consequências que refletem para toda a vida de qualquer indivíduo“.

Durante a tramitação da ação foi realizado estudo social e foram ouvidas a própria mãe adotante e várias testemunhas residentes na cidade de 20 mil habitantes, onde o pai – que ficara viúvo – é advogado de destaque.

Os próprios infantes – um atualmente com 14 anos, o outro com sete – depuseram convictamente de que desejavam “manter o registro de homenagem à mãe biológica e também como reconhecimento à pessoa que os amparou quando mais precisaram“.

Um ano e alguns meses depois do óbito, o viúvo passou a namorar a mulher que levou adiante a criação das crianças. O homem e a mulher estão, agora, casados.

A sentença arremata questionando: “Por que não pode haver duas mães em uma certidão de nascimento, se as crianças, no íntimo de seus corações, as reconhecem como tal?”

O processo tramita sem segredo de justiça. A manifestação do Ministério Público foi pela procedência integral da ação.

A opção de não divulgar os nomes das partes foi do editor. (Proc. nº 112.00012218).

Fonte: Espaço Vital, 09 ago. 2013.
http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/08/09/mae-biologica-e-mae-adotante-para-dois-meninos-gauchos/

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Hotel é condenado por falhas no socorro a deficiente físico após acidente

A juíza substituta Paloma Fernandes Rodrigues Barbosa, do 7º Juizado Especial Cível de Brasília, condenou um hotel a indenizar um casal em R$ 6 mil por danos morais e em R$ 710 por danos materiais. A juíza entendeu que houve propaganda enganosa e vício na prestação dos serviços por parte do hotel. Os dois itens constam do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente nos artigos 37 e 20.

Ela alega em sua decisão que o serviço médico citado no site do estabelecimento é inexistente. A informação teria sido fundamental para que um casal escolhesse o local, uma vez que o homem sofre de doença crônica e incurável, o que demanda uma série de cuidados.

A juíza substituta explica que, na verdade, o hotel não está preparado para oferecer qualquer atendimento médico aos seus hóspedes, uma vez que não há material necessário e pessoal treinado para oferecer os primeiros socorros. Esse tipo de auxílio é fundamental quando se constata que o centro urbano mais próximo fica a 15 quilômetros de distância.

A indenização por danos morais está relacionada ao abalo e constrangimento infligidos ao casal por conta de um acidente que ocorreu durante a estadia. Já o pagamento de danos materiais ocorre para cobrir os gastos com telefonemas e com o atendimento que decorreu do problema.

O hotel recebeu, em setembro de 2012, uma hóspede e seu marido, que sofre de esclerose lateral amiotrófica. Desde a entrada no hotel, ambos foram acomodados em um quarto especial. Mas, durante a estadia, o homem caiu da cadeira de rodas e bateu a cabeça.

Ele foi socorrido por outro hóspede, que era médico e, momentos após o acidente, a mulher descobriu que o hotel não possuía assistência médica ou meios seguros para a remoção de seu marido. Ela teve de utilizar recursos próprios para o deslocamento da vítima ao hospital, incluindo uma UTI móvel.

O hotel afirmou, em audiência, que oferece duas cadeiras de rodas. Entretanto, o processo aponta que ambas têm pontos de ferrugem, dificultando a locomoção de quem tem necessidades especiais. A única maca disponível não tem proteção lateral e a juíza disse ser inadmissível que um estabelecimento com 300 quartos conte com apenas uma unidade. Além disso, o hotel admitiu também que o atendimento ao homem na sala de enfermaria ou em seu próprio quarto faria pouca diferença. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-DF.

Clique aqui para ler a decisão.
Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-ago-07/hotel-condenado-falhas-socorro-deficiente-fisico-acidente

Risco de morte prevalece sobre localização em convênio

A 1ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve sentença que obriga a Unimed de Santa Catarina a custear cirurgia feita por uma cliente e a indenizá-la no valor de R$ 20 mil. A empresa foi condenada porque se recusou a pagar uma cirurgia de emergência pois foi feita fora da área de abrangência.

De acordo com a relatora do caso, desembargadora substituta Denise de Souza Luiz Francoski, apesar da existência de cláusula contratual com limitação geográfica de atuação do plano, a previsão não pode se sobrepor em uma situação na qual o beneficiário tem de submeter-se a procedimento emergencial fora da área de cobertura, sob pena de risco de morte.

De acordo com os autos, a mulher precisou ser submetida a cirurgia emergencial em um hospital de São Paulo. Além disso, não havia procedimento similar em Santa Catarina. A Unimed argumentou que no contrato firmado com a mulher estava claro e expresso que a abrangência territorial restringe-se ao estado de Santa Catarina.

Ao julgar o caso, a Câmara manteve a sentença ao reconhecer que o tratamento era emergencial e que o próprio médico da cooperativa fizera a recomendação do procedimento. "A mudança da equipe médica prejudicaria a demandante em razão da rapidez que o caso exigia", interpretou a relatora. A votação foi unânime. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SC.

2013.011639-6
Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-ago-07/risco-morte-prevalece-limite-geografico-cobertura-plano-saude

Cobrança por serviço médico prescreve em cinco anos

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que é de cinco anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança, pelo hospital, de valores devidos em razão do inadimplemento de contrato de prestação de serviços médico-hospitalares.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, embora a relação entre as partes possa também ser regida pelo Código de Defesa do Consumidor, não há acidente de consumo ou fato do produto que justifique a sua aplicação. Assim, o prazo prescricional que deve ser aplicado é o previsto no Código Civil.

O entendimento unânime do colegiado se deu no julgamento de recurso especial interposto pelo Hospital Mater Dei contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que, aplicando o Código de Defesa do Consumidor, considerou o prazo quinquenal.

A ação de cobrança de despesas hospitalares foi ajuizada pelo hospital em 8 de junho de 2009. Os serviços foram prestados ao filho recém-nascido do recorrido, no período compreendido entre 2 e 9 de setembro de 2002. O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, com resolução de mérito, em razão do reconhecimento da prescrição da pretensão do hospital.

O tribunal estadual confirmou a sentença, ao entendimento de que o artigo 27 do CDC faz previsão expressa de prazo prescricional para o exercício de pretensão oriunda de fato do serviço, sendo o lapso prescricional de cinco anos, contados do conhecimento do dano e de sua autoria.

No recurso especial, o hospital alegou que o prazo prescricional aplicável era de 20 anos, sob a vigência do Código Civil de 1916, e passou a ser de dez anos, a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002.

A ministra Nancy Andrighi destacou que, durante a vigência do Código Civil de 1916, o prazo prescricional aplicável à cobrança de despesas médico-hospitalares era de um ano. Com o novo Código Civil, o prazo foi aumentado para cinco anos.

No caso, embora a ação de cobrança tenha sido ajuizada ainda na vigência do Código de 1916, o prazo prescricional aumentado pela lei nova atinge a prescrição em curso, pois “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.

Assim, segundo a ministra, o prazo prescricional quinquenal começou a fluir a partir da data do contrato firmado entre as partes, o que leva à confirmação da prescrição. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

REsp 1.312.646
Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-ago-07/cobranca-prestacao-servicos-medicos-prescreve-cinco-anos

Usucapião não se aplica a imóvel financiado pelo SFH

Imóvel construído com recursos do Sistema Financeiro da Habitação não pode sofrer usucapião, porque é bem público, de interesse social. Foi o que decidiu a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao manter sentença que extinguiu o pedido de usucapião, feito por uma moradora de Londrina (PR).

Os magistrados de primeiro e segundo graus, citando a Constituição, a lei e a jurisprudência dos tribunais, entenderam de forma unânime que não é possível legalizar, pela via do usucapião, imóvel financiado com dinheiro público. Afinal, o sistema que o financia tem o objetivo social de possibilitar a aquisição de moradias a baixo custo para a população.

‘‘O fato de os autores encontrarem-se na posse do imóvel não valida a pretensão, porque entendo que, no presente caso, a prescrição aquisitiva sequer teve início. O que pretende a parte autora, na verdade, é a aquisição do direito de propriedade do bem imóvel adquirido com recursos públicos’’, observou o desembargador-relator da Apelação, Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 30 de julho.
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-ago-07/nao-direito-usucapiao-imovel-construido-recursos-sfh

Clique aqui para ler o acórdão.
Jomar Martins é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio Grande do Sul.
Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2013

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Constitucionalizar a felicidade é cura ou placebo?

Pesquisando quais obras de Ronald Dworkin estavam disponíveis na biblioteca do Supremo Tribunal Federal, deparei-me com uma intitulada A infelicidade é necessária[1]. De acordo com esse artigo, temos, atualmente, uma grande necessidade de sermos felizes, ainda que se trate de felicidade artificial, à base de medicamentos.

O texto não é do Ronald Dworkin jurista, professor da NYU falecido recentemente, mas de um homônimo, médico e cientista político — coincidência que talvez tenha sido o motivo pelo qual acabou sendo classificado pela biblioteca. Mesmo assim, seus argumentos fizeram-me pensar sobre um direito que paulatinamente ganha adeptos no constitucionalismo brasileiro: o direitoà busca da felicidade.

Sua origem remonta à Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e foi incluído na Declaração de Independência como direito inalienável do cidadão[2]. Na tradição jurídico-constitucional americana, o direito à busca da felicidade — ou right to pursuit of happiness, como é chamado em inglês — tem vinculação direta com o liberalismo e é um componente a restringir a atuação do Estado. Os Founding Fathers teriam sido precisos ao falar em direito à busca da felicidade, e não em direito à felicidade. Isso significa que o homem tem direito a tomar as ações que acredita serem necessárias para alcançar sua felicidade — e não que outros devam fazê-lo feliz[3].

Por aqui, tramitam, no Congresso Nacional, duas propostas de emenda à Constituição para alterar o artigo 6º e determinar que os direitos sociais ali elencados são essenciais à busca da felicidade. Assim, essa seria possível caso fossem concretizados os direitos à “educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à infância e a assistência aos desamparados”[4].

De acordo com as justificativas apresentadas para essas emendas, pretende-se alcançar não o aspecto subjetivo da busca à felicidade, que tem relação com os sentimentos e o estado de espírito de cada indivíduo, mas seu aspecto objetivo, isto é, a felicidade coletiva, que seria plenamente tutelável pela legislação. A justificativa da PEC proposta no Senado define que “há felicidade coletiva quando são adequadamente observados os itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, justamente os direitos sociais — uma sociedade mais feliz é uma sociedade mais bem desenvolvida, em que todos tenham acesso aos básicos serviços públicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, dentre outros”.

Não é difícil perceber que a probabilidade de que tenhamos legiões de pessoas infelizes é alta. Se a Constituição Federal prescreve nove direitos sociais como essenciais à obtenção da felicidade e, como amplamente sabido, o estado social brasileiro deixa bastante a desejar, qual o motivo de sua inserção no texto constitucional?

Incluir o simpático direito à busca da felicidade na Constituição nada mais é do que um efeito simbólico, um incentivo à felicidade que os brasileiros pensam que deveriam ter. E é muito mais por efeito alegórico, como reforçador de outros direitos fundamentais, que encontramos o direito à busca da felicidade em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal.
(...)
Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-ago-03/observatorio-constitucional-constitucionalizar-felicidade-cura-ou-placebo 

Caso com homem casado não dá direito a união estável

A 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS negou pedido de constituição de união estável, com partilha de bens, a uma mulher que alegou conviver com um homem casado.

De acordo com o Código Civil, é preciso que a convivência entre homem e mulher seja contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

A autora sustentou que viveu com o apelado de meados de 1988 até outubro de 2010, como marido e mulher, e que construíram patrimônio comum. Alegou, ainda, que o homem era separado de sua mulher, sendo cabível o reconhecimento da união estável, com a partilha dos bens adquiridos na constância do relacionamento.

O recorrido disse que a autora da ação sempre soube de seu casamento e afirmou que manteve um caso amoroso com a mesma, mas sem constituição de patrimônio comum. Declarou ainda que, mesmo que tivessem união estável, nada seria partilhado, pois os bens decorreram da venda de objeto existente antes da relação e de recebimento de herança.

A autora teve o pedido negado na Comarca de Gaurama e apelou ao TJ-RS.

O relator, desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, votou por manter a sentença de primeiro grau, considerando que o reconhecimento da união estável solicitada pela autora é juridicamente inviável.

Em seu voto, o desembargador ressaltou que não restou comprovado, em momento algum, que o homem estivesse separado de fato da mulher. Ficando comprovado, isto sim, que ele mantinha concomitantemente relação tanto com a autora, como também com a mulher, com quem convivia.

Portanto, não se poderia mesmo cogitar de união estável paralela ao casamento, pois, o ordenamento jurídico pátrio não admite a bigamia, que constitui ilícito civil e penal. E, se não se admite dois casamentos concomitantes, obviamente não se pode admitir casamento concomitante com união estável, nem duas uniões estáveis paralelas.

Ele também explicou que a alegação da autora da existência de conta conjunta e manutenção do plano de saúde pode estar diretamente ligada à atividade profissional que ela exercia na empresa do recorrido. Segundo processo, a união estável teria iniciado no mesmo ano em que ela começou a trabalhar na empresa dele.

Participaram do julgamento os desembargadores Liselena Schifino Robles Ribeiro e Sandra Brisolara Medeiros, que votaram de acordo com o relator. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-RS.
Revista Consultor Jurídico, 3 de agosto de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-ago-03/tj-rs-nega-uniao-estavel-mulher-alegava-viver-homem-casado

Imobiliária é quem deve pagar taxa de corretagem

A taxa de corretagem não pode ser cobrada pelo comprador do imóvel se quem contratou os corretores foi a incorporadora. A afirmação é do juiz Paulo de Tarsso da Silva Pinto, da 4ª Vara Cível de São Paulo e consta de sentença que decretou a nulidade de contrato de venda de imóvel na planta pela Avance Negócios Imobiliários.

O caso foi sentenciado no dia 24 de julho, mas é prática comum entre as incorporadoras que vendem imóveis na planta. Quando vão fazer as ações de promoção de vendas, as empresas levam corretores de imóveis para dentro dos stands. São eles os responsáveis por atender os potenciais clientes. Depois de assinado o contrato de compra do imóvel, os “honorários” do corretor são cobrados do cliente. São as chamadas taxas de Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária, ou Taxa Sati. O nome genérico é taxa de corretagem.

Mas, de acordo com a sentença do juiz Silva Pinto, quem tem de pagar essa taxa é quem contratou os serviços dos corretores: a incorporadora. “Se o serviço foi prestado sem as devidas informações aos consumidores, trata-se de oferta gratuita”, afirmou o juiz. “O consumidor, em regra, não sabe que pode contratar outro profissional para assessorá-lo, e mais, essa advertência e informação clara não há no contrato, como manda o Código de Defesa do Consumidor.”

A decisão foi tomada em Embargos à Execução do contrato, já que a Avance cobrou judicialmente que sua cliente, representada pelo advogado Vagner Cosenza, pagasse os custos dos corretores. “A boa-fé objetiva impunha esse dever de informação à ré, já que a regra da boa-fé objetiva exige o contratante ideal, escorreito em suas condutas negociais. Na relação de consumo, a informação, transparência, confiança e eticidade são essenciais ao negócio, onde ambas as partes têm o dever de cooperação na relação para que o contrato atinja sua finalidade socioeconômica”, sentencia o juiz.

Clique aqui para ler a sentença.
Pedro Canário é repórter da revista Consultor Jurídico.
http://www.conjur.com.br/2013-ago-03/imobiliaria-nao-cliente-quem-pagar-taxa-corretagem-juiz

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Mulher indenizará ex-marido por engravidar de outro homem durante o casamento

Uma mulher deve indenizar seu ex-marido em R$ 20 mil por ter engravidado de outro homem enquanto ainda estavam casados. A decisão é da 16ª câmara Cível do TJ/MG.

Após um casamento de quase 20 anos e o nascimento de três filhos, o casal se separou e o divórcio foi concluído em outubro de 2004. Em dezembro do mesmo ano, a mulher se casou com outro homem, que era amigo do ex-casal.

Em junho de 2005, o ex-marido recebeu uma carta de sua ex-mulher comunicando-lhe que o filho mais novo, com cerca de seis anos na época, era filho biológico do atual marido e que ele havia ajuizado uma ação de reconhecimento de paternidade.

O ex-marido afirma que sofreu profundo abalo psicológico por ter perdido seu estado de pai em relação ao menor, sendo acometido de grave quadro de estresse e depressão para o qual foi necessário o uso de medicamentos, além de haver perdido parte da sua capacidade laboral. Dessa forma, requereu a condenação de indenização por danos morais, além de danos materiais devido aos gastos com o tratamento médico.

A mulher argumentou que a situação de adultério nunca ocorreu, porque à época do relacionamento extraconjugal o casal não tinha mais compromisso matrimonial ou compromisso de fidelidade, vivendo sob o mesmo teto apenas para dar tranquilidade aos filhos que já tinham. Ela ainda afirmou que o ex estava tentando enriquecer às custas dela.

Em 1ª instância, a ex-mulher foi condenada pagar R$20 mil por danos morais e R$ 267,83 pelos gastos que o ex teve com medicamentos. Ela, então, recorreu da decisão, mas os desembargadores negaram provimento ao recurso.

O desembargador Francisco Batista de Abreu, relator do processo, afirmou, na decisão, que a concepção do filho mais novo como consequência de relação extraconjugal formalizou quebra do dever conjugal, prevista no art. 1.566, I, do CC.

Para ele, "independente de não ter [a ex-mulher] agido com a intenção de ofender ou causar dano ao marido, o certo é que a revelação tardia de que não é ele o pai biológico do terceiro filho da mulher, gerado na constância do casamento, certamente atingiu a sua honra, restando presentes os elementos capazes de ensejar a condenação ao pagamento de indenização pelos danos morais inegavelmente suportados pelo marido".

Os desembargadores Sebastião Pereira de Souza e Otávio de Abreu Portes votaram de acordo com o relator.
Veja a íntegra do acórdão.
Fonte: http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI183592,91041-Mulher+indenizara+ex-marido+por+engravidar+de+outro+homem+durante+o

JFRS proíbe a utilização de animais saudáveis pela UFSM


A Justiça Federal do RS (JFRS) deferiu liminar proibindo a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) de utilizar animais saudáveis para fins didáticos e experimentais, incluindo atividades de pesquisa, no dia 15/7. A UFSM deverá utilizar meios pedagógicos alternativos para substituir o uso dos animais. A ação foi ajuizada pelo Movimento Gaúcho de Defesa Animal sob alegação que o uso de animais vivos e saudáveis pela universidade configura maus tratos.

A juíza federal Gianni Cassol Konzen, da 1ª Vara Federal e JEF Criminal de Santa Maria, entende que a problemática desta ação é de difícil enfrentamento “especialmente no tocante às pesquisas acadêmicas para avanço da ciência”, já que algumas pesquisas ainda não podem prescindir da utilização de animais. A juíza reconheceu, conforme exposto pela UFSM, que a universidade realiza inúmeros procedimentos cirúrgicos em animais doentes que, se não fosse por esse atendimento, não teriam qualquer assistência. Assim, para animais doentes, a magistrada entendeu que inexiste prejuízo em servir para aprendizado dos alunos.

O determinante para a juíza deferir parcialmente a antecipação de tutela foi a informação prestada pela UFSM da aquisição de suínos a serem utilizados em procedimentos cirúrgicos para ensinar os alunos a controlar a contaminação, evitar a dor e hemorragias. Segundo Konzen, tal procedimento parece que “poderá expor o animal a tratamento cruel, de maneira que, ainda que amparado em lei, o método – e seu permissivo legal – parecem afrontar nossa Magna Carta”. Cabe recurso da decisão.

Ação Civil Pública 5004455-51.2013.404.7102