sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Responsabilidade civil da gestante pela ausência de vínculo jurídico entre alimentando e alimentante

O direito a alimentos, como mencionado anteriormente, apresenta como uma de suas características a irrepetibilidade. Assim, mesmo que reste demonstrado que os alimentos foram pagos indevidamente, não incidirá como conseqüência a obrigação de restituir o indevido. É o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à vida que orientam tal entendimento.
Nesse sentido, cabe relembrar a redação do art. 6º da Lei de Alimentos Gravídicos, segundo a qual o juiz fixará os alimentos considerando a existência de indícios de paternidade, sendo tais alimentos devidos até o nascimento da criança. Após o nascimento com vida, aí sim surgirá a possibilidade de realização do exame pericial.
A partir deste momento, é gerada grande celeuma: a possibilidade de, nascendo a criança e realizado o exame pericial, concluir-se pela ausência de vínculo jurídico entre o menor e o indigitado pai, tendo o requerido já contribuído durante toda a gestação. Diante dessa questão, o art. 10 (vetado) da lei nº 11.804/08, estabelecia que, em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, a autora responderia objetivamente pelos danos morais e materiais causados ao réu. Ademais, esclarecia no parágrafo único, que a indenização seria liquidada nos próprios autos.
Segundo razões do veto presidencial, o referido dispositivo trata de norma intimidadora, uma vez que cria hipótese de responsabilidade objetiva, em detrimento do exercício regular de um direito, ou seja, pelo simples fato de se ingressar em juízo e não obter êxito. Esta possibilidade abre espaço a que toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta confira direito indenizatório ao réu, tratando-se de flagrante afronta ao princípio Constitucional de acesso à Justiça, dogma norteador do estado democrático de direito.[11]         
O fato é que, com razão, a disposição foi vetada.
Por outro lado, ainda que afastada a hipótese de responsabilidade objetiva da gestante, que é aquela apurada independentemente de culpa do agente causador do dano, discute-se acerca da possibilidade de ser permitida a indenização quando constatado o dolo, isto é, quando a gestante postula em juízo os alimentos gravídicos conhecendo plenamente que o demandado não é o genitor da criança.
Nesse sentido, concebe-se por dolo, a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, ou seja, quando há o absoluto conhecimento do mal e o direto propósito de praticá-lo.[12]
Nesse aspecto, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos deveria ser flexibilizado, sob pena de enriquecimento ilícito.[13] Nas palavras de Débora Rezende Cardoso,
Admitir a aplicação irrestrita da regra da irrepetibilidade dos alimentos significaria admitir que o sistema jurídico brasileiro tolera o enriquecimento sem causa no Direito de Família, isto é, ainda que a verba alimentar seja paga indevidamente, não gera a obrigação de restituição, criando evidente desequilíbrio patrimonial. [14]
Ocorre que, apesar da regra da impossibilidade de repetibilidade dos alimentos e de indenização ao réu pelos prejuízos a ele causados, deve ser ressaltado que o Código Civil atual, em geral o Direito, também não compadece com a má-fé, reprime o abuso de direito e pune a postura desleal. Em verdade, as condutas humanas deveriam revestir-se de princípios éticos e do dever de probidade.
O fato de alguém se beneficiar dos rendimentos do trabalho do outro sem justa causa, constitui enriquecimento ilícito, impondo-se a restituição, ainda que se trate de relações familiares, pois, é importante que se diga, das relações familiares também emerge a necessidade ímpar de justiça, licitude e bom senso.[15]    
Assim, caso fique demonstrado o dolo, a má-fé ou o exercício abusivo do direito por parte da gestante na ação de alimentos gravídicos, pode o réu, considerando a ausência do vínculo de paternidade e a existência de dano por ele sofrido, pleitear indenização contra a mãe da criança. 

SOUZA, Ilara Coelho de. Alimentos gravídicos: responsabilidade civil da gestante pela ausência de vínculo jurídico entre alimentando e alimentante. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3474, 4 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23375>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Dia internacional do deficiente físico e a sua incompreensão pelo Judiciário

Todos os anos, no dia 3 de dezembro, a ONU comemora a grande vitória que foi a entrada em vigor da Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e seu Protocolo, em 1988, que constituem um marco jurídico na tutela dos direitos de quase 650 milhões de pessoas ou 10% da população mundial, na sua maioria cidadãos de países pobres que foram vítimas de doenças e violência.
Essa Convenção passou a integrar o Direito Brasileiro com a sua aprovação pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no. 186 de 09 de julho de 2008, no exercício da sua exclusiva competência prevista no art. 49, I da Constituição da República.
Foram consagrados os princípios gerais de respeito pela dignidade, da liberdade de escolha e independência das pessoas, a não discriminação, a participação plena e efetiva na sociedade, igualdade de oportunidades, a acessibilidade, o respeito à identidade e ao desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência.
A Legislação Brasileira, sempre na vanguarda graças ao espírito brasilianista arrebatador reconhecido pelo grande cientista Darcy Ribeiro, é de ser invejada pelos demais países da linha do trópico de Câncer. Contamos com ricos instrumentos legais que buscam a viabilização daqueles direitos resguardados pela Convenção Internacional das Pessoas com Deficiência, prevendo nossa Constituição da República a aposentadoria especial (art. 40, §4º, I, introduzido pela EC47/2005) e outros direitos relativos à inclusão social e acessibilidade, com regulamentação legal de dar orgulho.
A despeito de todas as críticas próprias da Democracia e do exercício livre do direito de informação, são os Poderes Executivos Federal, Estaduais e Municipais aqueles que mais se dedicam na realização dos direitos das pessoas portadoras de deficiência.
Vemos programas para o transporte urbano pelas prefeituras, reserva de vagas acessíveis em locais públicos e privados, atuação incessante do Ministério Público para afirmar a legislação especial e cobrar a realização de um estado mais humano e inclusivo para as pessoas portadoras de deficiência.
E o Judiciário?
O objetivo das Nações Unidas de promover uma maior compreensão dos assuntos concernentes à deficiência e para mobilizar a defesa da dignidade, dos direitos e o bem-estar das pessoas, não pode ser dissociado de uma ação inovadora e despreconceituada do Judiciário, ao qual se reconhece o poder de restaurar e preservar os direitos e os valores da cidadania, da dignidade da pessoa, os valores do trabalho e o pluralismo de ideias e crenças, para a construção de uma sociedade solidária, justa, com promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.
Centenas de ações civis públicas e obrigações de fazer relativas aos direitos das pessoas portadoras de deficiência são julgadas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o maior do Brasil. Todas essas demandas que tendem à garantia dos valores conquistados pelas democracias, cobram do Judiciário uma postura de sintonia.
Mas toda essa enorme quantidade de julgamentos ainda não foi suficiente para sensibilizar a “cabeça dura” de alguns setores da Magistratura, ainda prisioneiros de suas douradas abóbadas blindadas às inovações e necessidades de construção de um mundo mais justo, melhor e com menos desigualdades. A sociedade cobra dos seus juízes a possibilidade de diálogo e que eles exerçam suas funções com o pé no chão, tendo conhecimento da experiência diária das dificuldades do seu jurisdicionado, do servidor, do advogado, para a que Justiça seja de verdade e não uma ficção com atores entogados na sua vaidade.
Já testemunhei perplexo um julgamento em que o Judiciário decidiu pela negativa de concessão de isenção fiscal à pessoa deficiente, sob o argumento de que ela não tinha carteira de habilitação, recusando ao deficiente o direito de adquirir um automóvel a ser conduzido pelos seus pais, dando eloquente sinal de que muita coisa ainda tem que ser feita para conectar o juiz com a moderna legislação e dar-lhe uma pitadinha de sensibilidade humana.
Recentemente, em um pedido administrativo de reconhecimento da aposentadoria especial do servidor público portador de deficiência, na ausência de norma regulamentadora e sob o influxo de massiva jurisprudência injuncional do Supremo Tribunal Federal, o Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, eminente Desembargador Ivan Sartori, fez a proposição de uma excelente resolução sobre o assunto, evidenciando sua vontade aguerrida de continuar a fazer uma eficiente administração da Corte com transparência e muito trabalho, pondo em prática sua afirmação de que “as mudanças têm que acontecer para que estejamos integrados com as necessidades das pessoas e do mundo” (“Tribuna da Magistratura, março/2012, ano XXI, no. 208).
 Contudo, nesse mês de novembro, sua iniciativa, sob a peneira do Conselho Superior da Magistratura, já recebeu sinal de estranheza por aquele Órgão, surpreendendo o parecer de um dos membros do Conselho, Presidente da E. Seção de Direito Privado, que enxerga o deficiente como inválido, confundindo institutos nitidamente diversos da aposentadoria por invalidez daquela prevista como especial para a pessoa portadora de deficiência, aviltando o conceito de que deficiência é limitação a ser superada pelo cumprimento da lei e por decisões justas e sensatas daqueles que são responsáveis em distribuir Justiça. Decerto, como sempre digo, o juiz tem que estar em constante contato com a realidade, para não enunciar absurdos que ferem o bom-senso da pessoa mais modesta. A idéia preconceituosa de que o deficiente sempre deve ser um total inválido e miserável, chorando por todos os cantos, é extremamente ofensiva e choca o sentimento de muitos servidores públicos portadores de paraplegia, que exercem com aptidão e muita eficiência suas funções, com direito de serem enquadrados para efeito de aposentadoria especial da PcD (pessoa com deficiência), mas que tem o direito moral fundamental de não ser considerado inválido!
Nada mais preocupante quando o próprio Judiciário se esconde na toca do preconceito! Vale lembrar um trecho do artigo do eminente juiz federal Roberto Wanderley Nogueira ao comentar sobre o preconceito às PcD, “as barreiras atitudinais podem-se alinhavar muitas formas, não importa se expressas ou veladas, estas últimas conforme mais comumente acontece nas sociedades abertas. Essa evidência universal, atualmente, corrobora uma outra observação, em nosso caso participativa e também evidente, baseada no comodismo ou na intolerância, de que por interferência das diversas formas de discriminação (máxime os preconceitos) a sociedade acaba aceitando, por omissão, a exclusão das pessoas com deficiência dos benefícios dessa mesma sociedade. E abrem mão do direito de demandar, em face de barreiras burocráticas que se interpõe idiopaticamente à sua frente. Para muitos, é menos vexatório deixar de exercer os próprios direitos do que serem submetidos a mais discriminação, agora por parte do próprio Estado ou daqueles atores que mais detêm a responsabilidade de os garantir pela razão do próprio ofício.” (in “Consultor Jurídico”, Conjur, 30.11.2012, http://www.conjur.com.br/2012-nov-30/roberto-nogueira-acesso-justica-pessoas-deficiencia).
Sem o apoio da sociedade, seja pela atuação de cada cidadão consciente e dos órgãos de tutela dos direitos protegidos pela Convenção Internacional dos Direitos, ficará difícil a construção de um país mais verde-amarelo. Mas sem um Judiciário que não se comunica com a cidadania e refratário ao direito especial moderno, corre risco todo o esforço das Nações Unidas e da sociedade brasileira para influenciar a promoção de políticas, planos, programas e ações de inclusão, de redução das desigualdades e de assegurar direitos compensatórios e de ajustes das pessoas portadores de deficiência.

COSTA, Leonel. Dia internacional do deficiente físico e a sua incompreensão pelo Judiciário. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3473, 3 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23377>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Breve histórico da união estável

A relação de convivência extra matrimonial entre pessoas de sexos diferentes sempre existiu nas sociedades.
A propósito, o casamento formal no Brasil remonta ao ano de 1.890, quando foi instituído através do Decreto nº.181, de 24 de janeiro de 1.890. A partir daí passou o casamento civil a ser o único meio de constituição de família legítima.
As uniões de fato eram desprezadas pelo direito, sendo, inclusive, tratada pelo Código Civil revogado, Lei nº. 3.071/1.916, apenas com o objetivo de proteger a família constituída pelo casamento formal, como são exemplos: art.248, inciso IV(que legitima a mulher casada para reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo marido à concubina), art. 1.177 (proíbe a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice) e art.1.719, III (impede que a concubina seja nomeada herdeira ou legatária do testador casado, ou o concubino de testadora casada) etc.
Anteriormente ao casamento formal, a união entre um homem e uma mulher reconhecida pela sociedade era aquela formada pelo casamento religioso, uma vez que era considerado pela Igreja Católica como um sacramento, sendo esse o ensinamento doutrinário que pregava.
Após o advento do Decreto nº. 181/1.890, que estabeleceu o casamento formal, tanto as famílias que eram constituídas por mera convivência duradoura dos cônjuges, bem como as famílias que se formavam pelo casamento religioso eram consideradas como famílias compostas por concubinos, tidas como famílias ilegítimas.
Com o passar do tempo, a jurisprudência brasileira passou a reconhecer a existência no mundo jurídico daquela relação de convivência entre o homem e a mulher não impedidos de casar, que era o considerado “concubinato puro”.
Pacificando a jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal acabou editando quatro súmulas a respeito dessas relações não formais como o casamento, mas sem impedimento para a sua realização. São as súmulas número: 35; 380; 382 e 447.[2]
A Súmula nº. 35 previa o direito da concubina, em caso de acidente do trabalho ou de transporte, ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.
A Súmula nº. 380 trata da dissolução da sociedade de fato, reconhecendo direito à partilha dos bens adquiridos na constância da união e pelo esforço de ambos os conviventes, como segue: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.
A Súmula nº382 trouxe inovação na relação concubinária, ao estabelecer que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é elemento essencial à caracterização do concubinato.
Por fim, a Súmula 447, cujo teor é: “É válida a disposição testamentária em favor do filho adulterino do testador com a sua concubina”.
No período intermediário entre a edição do Código Civil Revogado (1.916) e a entrada em vigor da Constituição de 1988, decretos e leis foram editados, que, de alguma forma, davam destaque ao concubinato.
Exemplo disso: o Decreto-Lei nº. 4.737, de 24 de setembro de 1942, que permitiu o reconhecimento dos filhos “naturais” ou “ilegítimos” após o desquite; a Lei nº. 883, de 24 de outubro de 1949, que ampliou as hipóteses de reconhecimento de filhos “ilegítimos”, em qualquer caso de dissolução da sociedade conjugal; a Lei nº.5.890/73, que atribuiu redação ao inciso I do art.11 da Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, Lei nº.3.807, de 26/08/1.960, incluiu a companheira mantida há mais de cinco anos como dependente dos segurados da previdência social urbana; a Lei n. 6.515/77, cujo art. 51 atribuiu nova redação ao art.1º da Lei nº.883, possibilitou o reconhecimento de filho havido fora do casamento durante a vigência da sociedade conjugal, desde que se fizesse por intermédio de testamento cerrado, aprovado antes ou depois do nascimento do filho e, nessa parte, irrevogável; a Lei nº. 6.015/73 (art.57 e parágrafos), com redação da Lei 6.216/75, atribuiu direito a concubina de adotar o nome do companheiro com vida em comum por, no mínimo, cinco anos, ou se houver filhos em comum, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas; Lei nº. 4.069/62, cujo artigo 5º, §§ 3º e 4º previu que a concubina seria a beneficiária da pensão deixada por servidor civil, militar ou autárquico, solteiro, desquitado ou viúvo, que não tenha filhos capazes de receber o benefício e desde que haja subsistido impedimento legal para o casamento; Lei nº. 4.284/63, onde a concubina seria beneficiária de congressista falecido no exercício do mandato, cargo ou função; Lei nº. 4.103-A/62, que a concubina fosse beneficiária de advogado; a Lei nº. 7.087/82 que regulamentava ser a companheira dependente do segurado perante o Instituto de Previdência dos Congressistas - IPC; o Decreto nº. 73.617/74, que estabeleceu ser a companheira dependente do trabalhador rural; e a Lei nº. 7.210/84, que instituiu a Lei de Execução Penal, permitiu o direito de visita pela companheira ao preso e autoriza este a sair do estabelecimento em caso de falecimento dela.
Finalmente, após o advento da Carta Política Pátria, que reconheceu a união extra matrimônio como entidade familiar, batizando-a de União Estável e elevando-a ao patamar de entidade familiar e após, a edição da Lei n. 8.971/94, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão, cujo art. 1º concedeu à companheira ou ao companheiro, na união estável (concubinato puro), após a convivência de cinco anos ou a existência de prole, o direito a alimentos, nos moldes da Lei n. 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade, iniciando, assim, os efeitos patrimoniais da união estável.
No campo doutrinário, Maria Helena Diniz (2003: p.109-116), ao tecer comentários acerca do §3º do art.226 da CF/88, afirma que a citada norma constitucional não teria eficácia imediata, portanto, é norma com eficácia relativa complementável de princípio institutivo, sendo que esse princípio seria o de que a união estável é entidade familiar. Logo, não é auto - aplicável. É norma cuja aplicação depende de outra posterior, que dê corpo à instituição a que aquela se refere. Para a renomada autora, enquanto a norma posterior não for editada, a norma constitucional não produz efeitos positivos, mas apenas paralisa os efeitos de normas contrárias a ela.
E regulamentando o §3º do art.226 da Lei Máxima Pátria, foi editada a Lei n. 9.278/96 que passou a estabelecer um regime de bens básico para as uniões estáveis, adotando o regime semelhante ao da comunhão parcial, em que os companheiros amealhavam um patrimônio comum, sendo presumida a colaboração mútua durante a união. O artigo 5º dessa lei estabelece que em não havendo estipulação em contrato escrito, os bens móveis e imóveis adquiridos, onerosamente, por um ou por ambos os concubinos durante a convivência, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, pertencendo a ambos, em condomínio e em partes iguais, mas para isso, a união tem que ser duradoura, notória, pública, contínua e tenha sido estabelecida com objetivo de constituição de família. O parágrafo único desse dispositivo concede ao companheiro sobrevivente o direito real de habitação, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, porém, passando a ser extinto referido direito quando o seu titular contrair nova união ou se casar.
Ainda essa última lei editada em 1.996 veio atribuir aos conviventes/companheiros idênticos direitos e deveres como no casamento formal, quais sejam respeito e consideração mútua, a assistência moral e material recíprocas, a guarda, o sustento e a educação dos filhos comuns, de forma partilhada.
Como a Lei nº.9.278/96 veio para regulamentar o §3º do art.226 da CF/88, o seu artigo 9º estabelece a competência para julgar as questões relativas ao concubinato, como sendo das Varas de Família, admitindo que possa ser adotado o segredo de justiça, modificando o art.155, inciso II do Código de Processo Civil.
Essa Lei nº. 9.278/96 gerou controvérsia por haver redefinido a união estável sem ter atribuído lapso temporal ou exigir a existência de prole para o seu reconhecimento, diferentemente do que estabelecia a Lei nº. 8.971/94, no seu art. 1º. Como se percebe a modificação veio a revogar o art. 1º da Lei nº. 8.971/94 e, por conseguinte, resultou em que a caracterização da união estável dependa das circunstâncias do caso concreto.
Tem-se conhecimento de que, após a edição dessas leis, foi criado um Projeto de Lei, n. 2.686 de 1996, Estatuto da União Estável, de autoria do então Ministro da Justiça, Nelson Jobim, objetivando sistematizar a União Estável, entanto foi vetado.
No art.1º do referido projeto, estava estabelecido que: “É reconhecida como união estável a convivência, por período superior a cinco anos, sob o mesmo teto, como se casados fossem, entre um homem e uma mulher, não impedidos de realizar matrimônio ou separados de direito ou de fato dos respectivos cônjuges.” Tal norma, sendo de caráter geral, deveria se sobrepor ao Código Civil Brasileiro.
Hoje, a mais recente norma legal que regula a União Estável é o Novo Código Civil com vigência a partir de 01/01/2003, que dedicou o Título III exclusivamente à União Estável dentro do Livro IV - Do Direito de Família, regulando-a na forma da Carta Política Pátria e da Lei nº. 9.278/96.
O art.1.723 do Código Civil reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir uma família, não se configurando, no entanto, se presentes os impedimentos legais do casamento, aqueles previstos no art.1.521 da Lei Civil, excetuando-se o caso em que a pessoa casada se ache separada de fato ou judicialmente.
Como na Lei nº.9.278, o art. 1.724 do Código Civil enumera os deveres recíprocos aos companheiros, que são os deveres de respeito e assistência, e o de guarda, sustento e educação dos filhos, inovando com o dever de lealdade, que nada mais é que a fidelidade estabelecida no inciso I do art.1.566 do Código Civil como um dever do casamento.
Em relação aos efeitos patrimoniais decorrentes da União Estável, o art.1.725 do CC estabelece o regime de comunhão parcial de bens, onde serão partilhados entre eles os bens adquiridos durante a constância, ressalvando o caso em que haja contrato escrito pelos companheiros.
Seguindo as prescrições constitucionais do §3º do art.226 da Constituição Federal/88, o art. 1.726 do CC dita que a união estável possa ser convertida em casamento por meio de pedido formulado pelos companheiros ao juiz, como o respectivo assento no Registro Civil.
Por fim, encerrando os regramentos acerca da União Estável, o art. 1.727 do Novo Código Civil diferencia a união estável do concubinato, que era denominado pela doutrina de “concubinato impuro”, estabelecendo que as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato, portanto, não constituem união estável.
De todo o exposto, conclui-se que para a União Estável se configurar é mister que estejam presentes requisitos como a união entre homem e mulher, que ambos convivam, portanto, o dever de coabitação, que também existe no casamento, embora a doutrina e a jurisprudência admitam domicílios separados, a teor do disposto na Súmula nº382 do STF, ao estabelecer que a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é elemento essencial à caracterização do concubinato, e que essa convivência seja pública, contínua e duradoura.
Ressalte-se que a doutrina majoritária admite que a coabitação é elemento essencial para a configuração da união estável, uma vez que esta deve ter aparência de casamento, embora não negue eficácia à citada Súmula 382, refletindo uma situação de exceção.
Encerrando o tema, o que se percebe é que a corrente mais literal de interpretação da união estável exige três condições básicas para a sua configuração: a notoriedade, a fidelidade e a continuidade da relação.

SILVA, Ivete Sacramento de Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23422>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Conceito de união estável

A União Estável é entendida como sendo a união entre um homem e uma mulher, de forma estável, pública, duradoura, demonstrando o interesse de constituir uma família à qual a Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 lhe atribuiu a natureza jurídica de uma entidade familiar.
Segundo a doutrina de Álvaro Villaça Azevedo (2000: p.14), a União Estável é a convivência não adulterina nem incestuosa, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, sem vínculo matrimonial, convivendo como se casados fossem, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, sua família de fato.
Edgar de Moura Bittencourt (1979: p.115) acerca do tema escreve que “como esposa de fato, respeitável, em verdadeira posse de casada, é que admito a designação de companheira à concubina honesta e de longa ligação com o homem que a respeita e impõe seu respeito a todos.”, deixando de reconhecer como de fato relação paralela mantida pelo homem casado, isto é, a relação adulterina.
Ao discorrer sobre a matéria União Estável, Euclides Benedito de Oliveira, distinguindo as expressões companheiro e concubino, assim o faz:
No entanto, reserva-se a expressão “companheiros” para as pessoas unidas estavelmente, sob aparência de casados, e sem impedimentos decorrentes de outra união. Já o “concubinato” envolve ligação amorosa de casados, com terceiros, em situação de adulterinidade, formando o chamado “triângulo amoroso.”... A “companheira”, ao invés, é a que vive com homem solteiro, descasado ou viúvo, como se casados fossem legitimamente, por isso gozando da proteção que o Estado garante à entidade familiar. (OLIVEIRA: 1.997, p.104).
No dizer de Milhomens e Magela Alves (1.995: p.79), “Concubinato é a união duradoura entre duas pessoas, de sexo diferente, que passam a viver como se fossem marido e mulher, more uxorio.”
A Lei nº.9.278/96, ao regulamentar o §3º do art.226 da Carta Política Pátria, estabeleceu em seu art.1º que é reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Tem-se, pois, a união estável como um casamento de fato e assim, da mesma forma que na união formal – casamento, os unidos estavelmente se devem, mutuamente, respeito e consideração, assistência moral e material, e ainda, ambos são responsáveis pela guarda, sustento e educação dos filhos havidos em comum.
É o que estabelece o art.2º da Lei nº. 9.278/96.
Também inovando o tema e acompanhando os ditames constitucionais acerca da união estável, o Código Civil Brasileiro de 2.002 dedicou o Título III do Capítulo VI do Livro IV – Do Direito de Família, que vai do art.1.723 ao art.1.726, à união estável, definindo-a como sendo a convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, reconhecendo-a como entidade familiar.
O §1º do art.1.723 do CCB preconiza que a união estável não se estabelecerá entre os impedidos de se casarem, que são aquelas pessoas indicadas no art.1.521 do mesmo diploma legal.
No art.1.727, a Lei Civil Pátria excluiu do conceito de união estável as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, denominando tais relações de concubinato.
Aqueles que convivem em união estável, são tidos como companheiros ou conviventes.
Na legislação previdenciária companheiro (a) é aquela pessoa, homem ou mulher, que, sem ser casada, mantenha união estável com o (a) segurado (a) como entidade familiar, na forma do art.226, §3º da CF/88. (Art.16, §3º da Lei nº.8. 213/91).
Ainda sob o manto da legislação da Previdência Social, união estável é aquela configurada na convivência pública, contínua e duradoura entre o homem e a mulher, formada com a intenção de estabelecer uma família, considerada mesmo aquela em que um ou ambos os cônjuges sejam casados, porém, desde que separados de fato ou judicialmente. (Art.16, §6º do Regulamento da Previdência Social combinado com o §1º do art.1.723 do Código Civil Brasileiro).

SILVA, Ivete Sacramento de Almeida. A sentença declaratória de união estável como prova plena da condição de dependente perante a previdência social. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3479, 9 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23422>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Apontamentos sobre o veto popular

O veto popular figura no rol dos institutos de democracia participativa, cuja eficácia, na prática, guarda muita semelhança com o referendo. Tanto assim, que alguns autores norte-americanos o denominam de mandatory referendum[1].
Sustenta Paulo BONAVIDES[2] que o veto “é a faculdade que permite ao povo manifestar-se contrário a uma medida ou lei, já devidamente elaborada pelos órgãos competentes, e em vias de ser posta em execução”.
O veto popular caracteriza-se, como se pode observar, pela manifestação popular, de forma espontânea, contrária a uma determinada lei elaborada pelo Poder Legislativo.
No Brasil houve tentativas de sua instituição.
A Constituição do Estado de São Paulo de 1891 trazia em seu bojo a previsão do veto popular, o qual serviria para anulação das deliberações das autoridades municipais mediante proposta de 1/3 e aprovação de 2/3 dos eleitores reunidos em assembléia. O instituto foi abolido em 1905.
Somente em 1987, na Assembléia Nacional Constituinte, é que a implantação do veto popular voltou a ser cogitada. Na votação em primeiro turno da Constituição além do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, foi incluído o veto popular, que restou eliminado no segundo turno da votação.
As discussões políticas acerca da implantação dos mecanismos de participação popular começaram a ganhar força por ocasião da instalação da Assembléia Constituinte em março de 1987[3].
Vários juristas apresentaram projetos em que o povo teria, de fato, participação nas decisões políticas do país. Dentre eles destacaram-se José Afonso da Silva, que apresentou projeto no qual havia a previsão do referendo, iniciativa popular, o veto popular e a revogação dos mandatos, Fábio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari.
No entanto, fortes discussões sobre a participação direta do povo nas questões legislativas, principalmente, foram objeto de duras críticas, de modo que, embora todo o esforço envidado pelos constitucionalistas da época, a verdade é que muitos dos projetos apresentados lograram, no máximo, aprovação no primeiro turno do Congresso Constituinte.
Tramita, atualmente, no Senado Federal, o projeto de Emenda à Constituição nº 80/2003[4], de autoria do Senador Antônio Carlos Valadares, que trata da inclusão do veto popular em nossa Ordem Constitucional. A matéria, porém, anda a curtos passos, sem previsão de que seja aprovada.
O relator da proposta, Senador Pedro Simon, defende a inclusão de novos institutos de participação popular nas decisões do Estado. Em seu relatório, no âmbito da citada PEC, ele assevera que
Os efeitos de trazer o eleitor ao principal palco na política diária – e não apenas quadrienal –, de propiciar a fiscalização diuturna das condutas políticas e institucionais dos eleitos e da imposição de responsabilidade política no desempenho das funções públicas são tão evidentes que dispensam a veiculação de teses que os sustentem.
A necessidade de adoção desses mecanismos é, tanto quanto os efeitos democráticos destes, igualmente exuberante. Percorrer com olhos da responsabilidade pública os jornais dos últimos lamentáveis anos da história política deste País é ter diante de si a evidência da necessidade de uma ação decisória e contundente na esfera pública do Brasil, sob pena de se condenar este País, seu sistema e suas instituições, à falência final.
 A semelhança existente entre o referendo e o veto popular é motivo para muita discussão doutrinária, divergindo os autores quanto ao momento e ao alcance desse último mecanismo de participação do povo. No entanto, os dois institutos não se confundem.
Preferimos o entendimento segundo o qual o referendo é externo ao processo de elaboração da norma, enquanto o veto popular é parte interna deste, integrando o seu andar produtivo[5]. Decerto, a aplicação do veto popular tem pertinência para lei ainda não posta em vigor, ao passo que o referendo, como visto, pode ser utilizado, embora não seja comum, após a publicação da lei. Poder-se-ia dizer que veto popular seria um mecanismo de participação do povo no processo legislativo radicado entre o plebiscito e o referendo (de caráter resolutivo).
Seu procedimento tem algumas peculiaridades.
Em determinado prazo legal, certo número de cidadãos aprovam ou não o projeto de lei em curso no processo legiferante. Existe a faculdade de manifestação popular. Decorrido aquele prazo sem que o povo tenha emitido seu voto de concordância (ou não), admite-se que o ato normativo está perfeito, de sorte que, segundo Maurice DUVERGER[6], “o silêncio do povo equivale pois a aceitação”. Todavia, acaso haja o veto, cassando a lei, seu efeito será retroativo, considerando-a inexistente.
Diferentemente do que ocorre com o veto tradicional, cuja atribuição de fazê-lo incumbe ao Presidente da República, aos Governadores de Estado e aos Prefeitos, mas com a possibilidade de o Parlamento derrubá-lo, com certo número de votos previsto em lei.
Como visto, a grande semelhança existente entre o veto popular e o referendo poderia levar à conclusão da pouca utilidade prática do instituto. Todavia, esse pensamento destoa dos pontificados da democracia participativa.
A maturidade democrática dos cidadãos depende da existência de mecanismos jurídicos capazes de propiciar ao eleitor, cada vez mais, o desempenho de suas prerrogativas cívicas, isto é, de aprimorar sua consciência política dentro do Estado.

RAMOS, William Junqueira. Apontamentos sobre o veto popular. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23423>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Apontamentos básicos acerca das entidades da Administração Indireta

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CR/88, no que respeita à organização político-administrativa do Estado Brasileiro, instituiu três Poderes políticos, quais sejam o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Esses Poderes estão encarregados do exercício de funções que podem ser classificadas como típicas e atípicas.Dentre as funções típicas do Estado, interessa destacar, neste artigo, a função administrativa, cujo exercício visa ao alcance dos interesses públicos. A Administração Pública, por sua vez, é a gestão daqueles interesses por meio da prestação de serviços públicos.

José dos Santos Carvalho Filho ensina que a expressão Administração Pública pode ser entendida em dois sentidos diferentes: o subjetivo e o objetivo. Para o referido doutrinador, “o sentido objetivo, pois, da expressão, deve consistir na própria atividade administrativa exercida pelo Estado por seus órgãos e agentes, caracterizando, enfim, a função administrativa[1]”.Sobre esse tema, Raquel Melo Urbano acrescenta que,em seu sentido objetivo, Administração Pública “é o exercício da função administrativa, ou seja, trata-se da atividade do Estado de cumprir o que determinam as normas de direito público, mediante sua interpretação provisória vinculada à realização do bem comum, com submissão ao controle de juridicidade” [2]. Já no que se relaciona ao sentido subjetivo da expressão, a doutrinadora assevera que ela“pode também significar o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas[3]”.

Postas essas observações de natureza introdutória, pode-se afirmar que o Estado é considerado um ente personalizado e enquanto pessoa jurídica que é, manifesta sua vontade através de seus agentes.A Teoria do Órgão, instituída pelo alemão Otto Gierke, preceitua que a vontade da pessoa jurídica deve ser atribuída aos órgãos que a compõem, sendo esses órgãos compostos por agentes.A doutrina conceitua órgão público como um núcleo de competências estatais sem personalidade jurídica própria.

Nos termos da Lei nº 9.784 de 1999, mais especificamente doartigo 1º, § 2º, inciso I, órgão é a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta. Os órgãos públicos pertencem a pessoas jurídicas, mas não são pessoas jurídicas. São divisões internas, partes de uma pessoa governamental, daí receberem também o nome de repartições públicas[4].Por outro lado, o artigo 1º, § 2º, inciso II, da mencionada Lei nº 9.784 de 1999, conceitua entidade como a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica própria. Em função de possuírem personalidade autônoma,as referidas entidades respondem judicialmente pelos prejuízos causados, a terceiras pessoas, por seus agentes públicos.

A organização administrativa do Estado para o exercício da função administrativa resulta num conjunto de normas jurídicas orientadoras da atuação e controle dos órgãos, agentes e pessoas jurídicas. A atividade de gestão dos interesses sociais e bens da coletividade é realizada pelos diversos entes da Federação Brasileira (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal) de duas formas: a centralizada, ou seja, diretamente, sem interferência de outra pessoa, ou a descentralizada, vale dizer, quando um ente federativo transfere parte da função administrativa que lhe foi imputada a outra pessoa, pública ou privada.

Cumpre esclarecer que a repartição de competências mencionada no parágrafo anterior é administrativa, e, não, legislativa. A tarefa que se distribui é o poder-dever de cumprir a lei de ofício, mas, não, o poder de criar o direito.

Assim, é a partir dos conceitos de centralização e descentralização administrativa que se chega aos de Administração Direta e Indireta. A Administração Direta é organizada com base na hierarquia e desconcentração, composta por órgãos sem personalidade jurídica. A Administração Indireta, no âmbito federal, conforme conceito legal previsto no Decreto-lei n° 200 de 1967, artigo 4°, inciso II, compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) Fundações Públicas.

Para José dos Santos Carvalho Filho, a “Administração Indireta é o conjunto de pessoas administrativas que, vinculado à respectiva Administração Direta, tem o objetivo de desempenhar as atividades administrativas de forma descentralizada.”[5] A Administração Indireta se compõe de pessoas jurídicas de direito público e de direito privado. São entidades de direito público: as Autarquias (aqui incluídas as Agências Reguladoras), as Fundações Públicas e as Associações Públicas. Possuem personalidade de direito privado, noutro passo: as Empresas Públicas, as Sociedades de Economia Mista e as Fundações Governamentais de Direito Privado[6]. É relevante dizer, nesse ponto, que parte da doutrina ainda coloca no rol das entidades de direito privado os Consórcios de Direito Privado, as Empresas Controlas e as Empresas Subsidiárias.

No que é atinente às Autarquias, pode-se dizer que são pessoas jurídicas de direito público criadas por lei específica para o exercício de funções próprias e típicas do Estado, com independência decorrente de sua autoadministração e sujeição ao controle de tutela. Podem classificar-se em administrativas, ou de serviço, e especiais. As primeiras são as autarquias comuns, dotadas do regime jurídico ordinário dessa espécie de pessoa pública. Como exemplo de autarquia comum pode ser citado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, autarquia federal criada mediante a fusão do Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social – IAPAS com o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS (cf. Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990). As autarquias especiais, por seu turno, caracterizam-se pela existência de determinadas peculiaridades normativas que as diferenciam das autarquias comuns, dentre as quais merece ser mencionada a acentuada autonomia.As autarquias especiais podem ser divididas em duas subespécies: 1ª) autarquias especiais “stricto sensu”, como o Banco Central do Brasil – BACEN, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e 2ª) agências reguladoras, que são autarquias especiais dotadas de uma qualificada autonomia, garantida pela presença de dirigentes com mandatos fixos e estabilidade no exercício das funções. São exemplos dessa segunda subespécie a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ.

As autarquias podem ainda ser classificadas como corporativas; são as chamadas corporações profissionais, ou autarquias profissionais. Essas entidades, com atuação de interesse público, estão encarregadas de exercer controle e fiscalização sobre determinadas categorias profissionais. Os Conselhos de Classe, como Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, Conselho Regional de Odontologia – CRO e Conselho Regional de Medicina – CRM são um excelente exemplo de autarquias profissionais. Nada obstante, é interessante mencionar a existência de decisão do Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3026, de relatoria do Ministro Eros Grau, no sentido de atribuir à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB a natureza de entidade sui generis, distinta, portanto, da natureza das autarquias corporativas. Para a Corte Constitucional, a OAB não faz parte da Administração Pública (Direta, ou Indireta), não se sujeitando, portanto, aos ditames a ela impostos, ou mesmo ao seu controle.

Noutro giro, as autarquias fundacionais são as criadas mediante a afetação de determinado patrimônio público a certa finalidade. São conhecidas como fundações públicas. No rol dessa espécie estão entidades como aFundação Nacional de Saúde –FUNASA e a Fundação Nacional do Índio – FUNAI.
Têm-se, ademais, as denominadas Autarquias Territoriais, as quais não são mais do que departamentos geográficos administrados diretamente pela União. Na Constituição da República de 1988 – CR/88, tais autarquias receberam o nome de territórios federais (cf. artigo 33 da CR/88).

As Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista, embora de categoria jurídica diversa, já que dotadas de personalidade de direito privado, compõem o quadro de entidades da Administração Indireta.

As Empresas Públicas podem assumir qualquer forma jurídica adequada ao exercício de atividades gerais pelo Estado (na maioria das vezes, atividades de cunho econômico). O termo públicas indica uma relação de controle entre o Estado e essas empresas.

As Sociedades de Economia Mista, por sua vez, são sociedades por ação, próprias à atividade empresarial, cujo controle acionário pertença ao Poder Público.A respeito das Fundações Públicas, mister salientar que  a natureza e o regime jurídico dessas entidades encontram-se no centro de discussão de toda doutrina. O enquadramento da Fundação Públicacomo pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado, é pressuposto inarredável à definição das normas que irão reger a sua atuação.

Sobre esse tema, vale mencionar que o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, por meio da Portaria MP nº 426, de 06 de setembro de 2007, instituiu uma comissão de juristas para propor uma nova estrutura orgânica para o funcionamento da Administração Pública Federal e das suas relações com entes de colaboração. Em julho de 2009, o trabalho da Comissão foi apresentado, consistente num anteprojeto de lei que estabeleceu normas gerais sobre Administração Pública Direta e Indireta, entidades paraestatais e entidades de colaboração.Os estudos da comissão tiveram por objetivo a redefinição das várias classes de entidades que compõem a administração indireta, principalmente as de personalidade de direito privado. O projeto também tratou das entidades paraestatais e das entidades de colaboração que, embora instituídas no âmbito não estatal, desenvolvem atividades de interesse público, gerindo, muitas delas, verbas públicas. Quanto às entidades da Administração Indireta, o projeto, basicamente, manteve as modalidades previstas no Decreto-lei 200/67. No que diz respeito às fundações, substitui?se a expressão fundação pública por fundação estatal, com o objetivo, justamente, de evitar a confusão existente entre a designação “pública” e a sua personalidade jurídica, que é de direito privado.

O anteprojeto considerou as fundações estatais como pessoas jurídicas de direito privado. “As que foram ou vierem a ser instituídas com personalidade de direito público são, por disposição expressa, consideradas como autarquias, qualquer que seja a denominação que lhes seja atribuída pela lei instituidora. Se, por um lado, a Comissão propõe submeter ao regime autárquico as fundações de direito público, por outro, entende que a fundação estatal de direito privado é um modelo jurídico não só compatível com a Constituição como indispensável para a atuação eficiente do Estado na área social”.[7] Reitero, nesse passo, o fato de que parte da doutrina não aceita a existência das chamadas “Fundações Governamentais de Direito Privado”. O professor Celso Antônio Bandeira de Mello, por exemplo, entende que se os bens afetados para a criação de uma fundação estatal são públicos, o regime da entidade criada deve ser, necessariamente, de direito público. Essa posição, contudo, é francamente minoritária.

O objetivo principal do anteprojeto no tocante às fundações estatais é o de, mediante a definição do regime jurídico das fundações, recuperar a figura da fundação estatal de direito privado, atribuindo a ela um regime jurídico flexível de gestão, que lhe permita cumprir de modo eficiente a missão a que lhe for atribuída, sem que haja perda do controle público.O afastamento da aplicação das normas do Código Civil e do Código de Processo Civil pertinentes à organização e funcionamento das fundações estatais de direito privado foi também suscitado pela comissão. A proposta não teve a intenção de aproximar as fundações estatais das pessoas jurídicas de direito público, mas sim, de forma acertada, defini-las como entidades de direito privado que são.

TORRENT, Paulo Timponi. Apontamentos básicos acerca das entidades da Administração Indireta. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23376>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Dano moral reflexo ou em ricochete

Inicialmente, cabe esclarecer que o dano moral reflexo ou em ricochete vem se afirmando na jurisprudência pátria, apesar de ser postulado há tempos pela melhor doutrina brasileira.
Seus primeiros ensaios se firmaram na jurisprudência francesa, por meio da tese doutrinária denominada dommage par ricochet.
O fato desta espécie de dano ser tratado com pouco esmero pelo judiciário pátrio, se deve no seu elemento subjetivo, muitas vezes incapaz de demonstrar o sofrimento de ofensas irrogadas à sócios, cônjuges e familiares, bem como, por morte destes ou outros danos de tantas outras naturezas.
È facilmente verificável, que o elemento subjetivo do dano moral foi, ao longo dos últimos anos, sendo flexibilizado e objetivado, amparando seus tutelados, como no caso do dano moral por inclusão indevida em cadastro de maus pagadores, a este respeito o Superior Tribunal de Justiça, seguido pelo Supremo Tribunal Federal, esclareceram sua objetividade com a simples inclusão indevida no cadastro mencionado, não exigindo prova fática do evento danoso.
Houveram no entanto, várias outras consequências, pois, em verdade o dano moral que necessitava da demonstração subjetiva, o que nem sempre era tão óbvio, uma vez que dependia de prova de seu alcance e efetivo prejuízo.
Com o dano moral reflexo ou ricochete não foi diferente, há anos a jurisprudência não encontrava, na ceara da reparação civil, forma clara para se mensurar ou mesmo, verificar sua ocorrência, o que trazia visíveis prejuízos aos seus postulantes.
Porém, a partir do ano de 2003 e com maior profundidade no ano de 2009 e 2011, o Superior Tribunal de Justiça, consagra de forma inconteste a tutela do dano moral reflexo ou ricochete, vindo seguido pelo Supremo Tribunal Federal nitidamente no ano de 2011, a partir de julgados no mesmo sentido, vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 535, II, DO CPC NÃO CARACTERIZADA. AÇÃO REPARATÓRIA. DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO VIÚVO. PREJUDICADO INDIRETO. DANO POR VIA REFLEXA. I - Dirimida a controvérsia de forma objetiva e fundamentada, não fica o órgão julgador obrigado a apreciar, um a um, os questionamentos suscitados pelo embargante, mormente se notório seu propósito de infringência do julgado. II – Em se tratando de ação reparatória, não só a vítima de um fato danoso que sofreu a sua ação direta pode experimentar prejuízo moral. Também aqueles que, de forma reflexa, sentem os efeitos do dano padecido pela vítima imediata, amargando prejuízos, na condição de prejudicados indiretos. Nesse sentido, reconhece-se a legitimidade ativa do viúvo para propor ação por danos morais, em virtude de ter a empresa ré negado cobertura ao tratamento médico-hospitalar de sua esposa, que veio a falecer, hipótese em que postula o autor, em nome próprio, ressarcimento pela repercussão do fato na sua esfera pessoal, pelo sofrimento, dor, angústia que individualmente experimentou. Recurso especial não conhecido. (REsp 530.602/MA, Rel. Min. CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, DJ 17/11/2003) (grifo nosso).
E ainda:
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PAIS DA VÍTIMA DIRETA. RECONHECIMENTO. DANO MORAL POR RICOCHETE. DEDUÇÃO. SEGURO DPVAT. INDENIZAÇÃO JUDICIAL. SÚMULA 246/STJ. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ E 283/STF. 1. A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de súmula, de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 2. Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa. Precedentes. 3. Recurso especial não provido. (STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.208.949 - MG (2010/0152911-3) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI. Julgado em: 07/12/2010).

Lesados Indiretos – Dano em Richochete

Como já dito algures, pode sofrer dano extrapatrimonial não apenas a vítima do ato ilícito, mas também, um terceiro que é indiretamente atingido na sua seara mais íntima, em específico, quando ocorre a morte da vítima. É o que a doutrina convencionou chamar de "dano reflexo”, dano em “ricochete”, ou ainda, como querem outros, dano “indireto".
Quando ocorre a morte da vítima a questão da legitimidade ativa para pleitear a reparação do dano se complica, "impõe-se verificar a titularidade do direito à indenização".
Em principio, o primeiro prejudicado seria o cônjuge, seguido dos filhos, quer por prejuízos materiais, quer pela perda afetiva (dano extrapatrimonial) mas, na verdade, incumbe verificar, caso a caso, o efetivo abalo moral sofrido pelo que pretende a reparação, como nos demonstra desde o ano de 2000 o Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo:
ILEGITIMIDADE AD CAUSAM – Dano moral. Requerimento da verba pelos irmãos da vítima. Possibilidade. Pretensão fundamentada na dor da perda, sendo irrelevante a circunstância de a viúva e os filhos demandarem indenização da mesma natureza. Hipótese, ademais, em que, havendo ou não a possibilidade de reunião dos processos, há de ser aferida a situação de cada pretendente em relação ao falecido, a fim de valorar-se adequadamente os danos. Legitimidade ativa reconhecida. Extinção do processo afastada. Recurso provido para esse fim. (1º TACSP – AP 0811496-9 – (36621) – São Paulo – 3ª C. – Rel. Juiz Itamar Gaino – J. 24.10.2000).
Da mesma forma para o Mestre Carlos Roberto Gonçalves; Os irmãos possuem legitimidade para postular reparação para postular reparação por dano moral decorrente da morte da irmã, cabendo apenas a demonstração de que vieram sofrer intimamente com o trágico acontecimento, presumindo-se este dano quando se tratar de menor tenra idade, que viviam sobre o mesmo teto. Em REsp. nº 239.009-RJ, rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira, j. 13.06.2000.
Necessário se faz entendermos, que não apenas a vítima diretamente lesada como os próprios familiares, de forma reflexa podem requerer a reparação, ate porque a ofensa a uma determinada pessoa no seio familiar pode trazer consequências desastrosas a todos, os que circundam, pelo sofrimento, dor, angustia que indiretamente experimentou. Recurso Especial não conhecido .(STJ-REsp.530602-MA. 3ª T.-Rel. Min.Castro Filho- Dju 17.11.2003-p. 00326)"
Assim o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, a partir deste julgado, consagra através deste importantíssimo precedente, o dano moral reflexo ou ricochete em que ofensas irrogadas ao marido atingiram a esfera extrapatrimonial da esposa, tendo esta, direito próprio a sua reparação, foi isso que entendeu o Des. Presidente Dr. Jones Figueiredo, alinhando o entendimento do TJPE aos entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. 

JÚNIOR, Dário Henrique. Dano moral reflexo ou em ricochete. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23339>. Acesso em: 11 jan. 2013.

Algumas observações sobre a proteção ao consumidor em contratos online

2.PROTEÇÕES AO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS ONLINE.

Não há qualquer dúvida hoje sobre a extensão do Código de Defesa do Consumidor ao e-commerce, a aplicabilidade da lei é pacífica no ordenamento jurídico brasileiro, buscando, aquele, a todo momento tentar se adequar a essa forma de comércio.
Neste sentido, cita-se, por exemplo, o projeto de lei n. 4.348/2012 em tramitação pelo Congresso Nacional, que altera o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor e acrescenta o artigo 49-A do mesmo diploma legal, que disciplinaria sobre a proteção do consumidor no comércio eletrônico, obrigando o fornecedor a prestar informações claras e precisas ao consumidor, não apenas em relação ao produto/serviço pactuado como links que facilitarão a divulgação da própria lei consumerista como os órgãos de proteção.
Adiante, sobre as situações apontadas no início do trabalho que serão abordadas, tem-se: a) A impossibilidade de presentear alguma pessoa em data comemorativa em razão do não cumprimento do prazo estipulado para entrega pelo fornecedor, e; b) O direito de arrependimento do consumidor nos contratos eletrônicos, a qual passa-se a expor.

2.1. Impossibilidade de presentear pelo consumidor.

Primeiramente, sobre a impossibilidade de presentear, como se sabe, nas vésperas de datas comemorativas o fluxo de pessoas buscando o comércio aumenta significativamente fazendo com que muitos fornecedores eletrônicos abaixem seus preços e ofereçam condições vantajosas de pagamento e envio do produto.
O fornecedor que se vale do e-commerce esta obrigado a apresentar um prazo estimado da entrega do produto a qual estará vinculado ao mesmo, em especial, nas ocasiões de vésperas de datas comemorativas. Não há lógica afirmar que o consumidor, ao realizar a compra eletrônica, tem que ter o conhecimento que a data anunciada para entrega se trata de uma passível de descumprimento, uma vez que, essa foi uma das razões por optar por aquele fornecedor.
A arguição da responsabilidade civil do fornecedor pela impossibilidade de presentear pelo consumidor se dá em razão de que o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria do risco do negócio, um dos fundamentos para a responsabilidade objetiva, obrigando o fornecedor indenizar o consumidor independente de culpa, tendo que o último apenas a necessidade de demonstrar o dano causado com a conduta lesiva, no caso, a não entrega do produto no prazo estabelecido.
Para essa teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade que cria um risco de dano para terceiros, deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. Isso significa dizer que a responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco.[3]
O fornecedor assume o risco ao estipular um prazo de entrega do produto, tendo o mesmo que arcar com os danos que resultam do descumprimento contratual, danos estes que ocorrem quando o consumidor, por exemplo, desejando presentear seu filho na data comemorativa de “dia das crianças” realiza, dias antes, a compra de um brinquedo, sendo informado pelo fornecedor em seu site, que a entrega ocorreria em tempo hábil para o consumidor presentear seu filho, todavia, o produto não é entregue.
Na situação hipotética houve, inicialmente, o descumprimento contratual pelo fornecedor, havendo a possibilidade do consumidor requerer a rescisão do contrato com seus efeitos, exigindo ou a devolução dos valores pagos ou se preferir a exigência do cumprimento, aqui, o Código de Defesa do Consumidor, por meio do seu artigo 7°, caput, se vale o artigo 475 do Código Civil:
Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
Art. 475 A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Além das hipóteses elencadas pelos dispositivos acima expostos, ainda existe a possibilidade de requer indenização por danos morais pela impossibilidade de presentear, tratado de situação largamente aceita pela jurisprudência nacional, conforme segue ementas abaixo:
RECURSO INOMINADO. CDC. INDENIZAÇÃO. COMPRA VIA INTERNET. MERCADORIA PAGA E NÃO ENTREGUE. INDÉBITO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. FRUSTRAÇÃO. PRESENTE DE NATAL. DANOS MORAIS EM PATAMAR RAZOÁVEL. 1. Nos termos do artigo 14, do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. ; 2. O dano moral está configurado, não só pelo descaso e desrespeito com o consumidor, que não conseguiu solucionar administrativamente a demanda, mas também, e, principalmente, pelo caráter punitivo e pedagógico que integra este tipo de reparação; 3. A indenização, no caso de dano moral, tem a finalidade de compensar ao lesado atenuando seu sofrimento, e quanto ao causador do prejuízo, tem caráter sancionatório para que não pratique mais ato lesivo a personalidade das pessoas; 4. Não havendo critérios objetivos para fixação do quantum indenizatório por danos morais, deve este ser mantido quando arbitrado em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e de acordo com os valores comumente arbitrados por esta turma recursal em causas da espécie; 5. Recurso conhecido e improvido, mantendo-se a sentença pelos próprios fundamentos. A teor do art. 46, da Lei Federal nº 9.099/ 95, serve a presente Súmula de julgamento como acórdão; 6. Custas e honorários advocatícios, estes fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, a serem pagos pela recorrente vencida.[4]
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. Preliminar contra-recursal de não conhecimento do apelo. Rejeição. Mérito. Compra e venda de mercadoria via internet. Promessa de entrega até o dia das crianças. Descrumprimento. Frustração de expectativa. Dano moral indenizável. Quantum. Manutenção. Preliminar contra-recursal rejeitada. Apelo desprovido.[5]
O segundo ponto a ser discutido neste presente trabalho se trata do direito de arrependimento nos contratos eletrônicos.Observando a fundamentação utilizada nos julgados selecionados, a ideia da possibilidade de indenização por danos morais não se traduz apenas pelo desrespeito ao consumidor pelo descumprimento contratual, como também pela frustração pela expectativa criada e até, pode-se dizer, pelos danos causados a pessoa que seria presenteada, afetando seu estado emocional.

2.2. Do direito de arrependimento nos contratos eletrônicos.

O Código de Defesa do Consumidor disciplina no artigo 49 que o direito de arrependimento pode ser exercido, pelo consumidor, no prazo de sete dias a contar da data de assinatura ou do ato de recebimento do produto e serviço. Sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou domicílio. Portanto, o direito de arrependimento, é o direito de desistir do negócio, tratando-se “de um ‘prazo de reflexão obrigatório instituído pela lei, de modo, a assegurar que o consumidor possa realizar uma compra consciente, equilibrando a relação de consumo”[6].
O direito de arrependimento também pode ser utilizado nos contratos eletrônicos, aplicado perfeitamente o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, sendo que, a única ressalva se faz pelo direito de arrependimento sobre serviços.
Prega-se, portanto, que sendo o contrato celebrado à distância, como no caso do contrato de consumo via Internet, ao não se permitir que o consumidor tenha acesso físico ao serviço ou produto, aquele deve ser classificado como contrato realizado fora do estabelecimento comercial, aplicando-se o direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor.[7]
Caso o serviço não seja de natureza continuada (ou seja, não se esgota com a entrega do serviço, estendendo assim com o tempo) não é possível exercer o direito de arrependimento, mas, caso seja de natureza continuada, é possível, observando a proporcionalidade do serviço utilizado para a restauração do status quo incial.
Assim sendo, portanto, recebendo o produto, por exemplo, em casa, o consumidor tem, a partir daquela data, sete dias para requerer com o fornecedor a devolução do produto/serviço e do valor pago. Claro, se, por ventura, a pessoa consumir um serviço (de natureza continuada, como por exemplo, planos de assinatura) dentro desse prazo de sete dias e requerer a devolução do valor pago, essa mesma devolução deve ser proporcional à consumação do serviço, em nome da segurança jurídica.
Outro ponto interessante é que, caso um consumidor realize a compra de um produto e recebe o mesmo em sua residência, aquele pode violar o envelope usado para a exportação que revestiu o produto até sua residência, sem que seu direito de arrependimento seja prejudicado.


GONÇALVES, Vinicius de Almeida. Algumas observações sobre a proteção ao consumidor em contratos online. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3480, 10 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23416>. Acesso em: 11 jan. 2013.