sábado, 19 de janeiro de 2013

O calvário do credor de alimentos (Maria Berenice Dias)

A dívida de alimentos é uma das raras hipóteses que a Constituição Federal admite prisão por dívida.[1] Assim, nem que fosse por puro temor, essa deveria ser a obrigação com menor índice de inadimplência. Mas quem deve, sabe que não há nada melhor do que não pagar alimentos. E o credor sabe do verdadeiro calvário que é a cobrança de crédito alimentar.
É tal o desencontro entre a Lei de Alimentos e o Código de Processo Civil, quando se fala em execução de alimentos que nem é possível dizer qual é o prazo da prisão a que se sujeita o devedor. A Lei 5.478, que data do ano de 1968,[2] autoriza a prisão do devedor por até sessenta dias. Já o Código de Processo Civil, que vigora desde 1973,[3] prevê a prisão pelo prazo de um a três meses.Por se tratar de dívida considerada civil, sob a justificativa de o devedor precisar trabalhar para atender a encargo que deixou de pagar – mesmo estando trabalhando –, a tendência é admitir o cumprimento da pena em regime aberto ou até em prisão domiciliar.
Não bastasse isso, há outro detalhe que merece ser chamado, no mínimo, de insólito. Quanto mais o devedor deve, mais chance tem de não ir para a cadeia. A mora produz uma alquimia: transforma os alimentos. A dívida faz com que os alimentos mudem de natureza. Ainda que a Constituição Federal[4] reconheça o direito à alimentação como um direito social, com o passar do tempo os alimentos deixam de ser alimentos. Será que apodrecem?
Este não senso, não está na lei. Mas, em face da absoluta dificuldade dos juízes de decretar a prisão do devedor, o STJ[5] sumulou a orientação adotada pela jurisprudência majoritária. Limitou a execução pelo rito da coação pessoala três prestações. Assim, quem deve mais de três meses de pensão alimentícia simplesmente está livre da prisão,não vai para a cadeia.
Há mais. A dívida alimentar também não gera – ou não gerava – consequências de outra ordem, como acontece com toda e qualquer dívida. Ou seja, se alguém não paga a luz, a energia é cortada. Caso deixe de honrar dívida perante uma instituição financeira, se sujeita ao pagamento de multa, juros sobre juros, comissão de permanência e toda a sorte de taxas e tarifas. Isso tudo sem contar com a inscrição de seu nome no cadastro de devedores. E lá se vai qualquer chance de obter crédito seja para o que for.
Felizmente a Justiça começou a atentar a esta realidade, autorizando a inscrição do alimentante nos cadastros da SERASA e do SPC bem como a penhora de conta vinculada ao FGTS.
Ao certo quaisquer dessas providências são mais eficazes do que o próprio aprisionamento. Afinal, nada justifica que o devedor armazene um crédito para quando se aposentar, atingir 70 anos ou quiser adquirir casa própria, enquanto alguém, sem condições de prover o próprio sustenta, fica sem receber o que lhe é devido. Nessa linha a orientação do STJ que, invocando os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, admite a possibilidade da penhora e levantamento do saldo e não simplesmente o bloqueio de valores.
Mister realizar uma ponderação de princípios, sobrepondo o direito do credor à resistência do devedor. Quando a dívida é de pais para com os filhos, tal postura configura, inclusive, crime de abandono.
Por isso a falta de previsão legal não pode impedir que a justiça imprima mais eficácia às suas decisões. A justificativa transborda de coragem e coerência: como é permitido o mais, ou seja, a prisão do devedor, antes disso é possível a inscrição do seu nome no cadastro de inadimplentes.
Esta é a nova postura do magistrado cada vez mais comprometido com a efetividade da Justiça. Não há como esperar pelo legislador para assegurar, a quem bate às portas do Poder Judiciário, uma resposta que atenda ao que a Constituição Federal promete a todos: a inviolabilidade do direito à vida.

DIAS, Maria Berenice. O calvário do credor de alimentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3487, 17 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23483>. Acesso em: 19 jan. 2013.

Justiça recolhe 50 Tons de Cinza e outros livros considerados eróticos no Rio

A Justiça do Rio de Janeiro decretou o recolhimento de livros com conteúdo considerado impróprio para menores de 18 anos em duas livrarias da cidade de Macaé, na região Norte do Rio de Janeiro. Entre as publicações retiradas das prateleiras estão diversos exemplares de 50 Tons de Cinza, best seller da escritora inglesa E.L. James. 

A ordem expedida pelo juiz Raphael Baddini de Queiroz Campos determinou que livros com conteúdo erótico que não estivessem em embalagens lacradas fossem recolhidos nos estabelecimentos comerciais. Dois policiais e dois comissários da 2ª Vara de Família, da Infância, da Juventude e do Idoso de Macaé foram às duas livrarias no início da semana e retiraram os produtos das prateleiras. 

Apesar de não informar a quantidade de exemplares recolhidos, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a ação nesta quinta-feira (17). 

O sucesso de 50 Tons de Cinza, que descreve a vida sexual de um jovem casal, foi um dos motivos que levaram o juiz a ordenar o recolhimento. O magistrado argumentou obras com conteúdo pornográficos sempre foram vendidas, mas ficavam em seções especiais. E que agora, com o fenômeno da trilogia de E. L. James, esses livros são folheados na entrada das livrarias do mundo todo. 

A decisão teve como base o artigo 78 do Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990. Não temos intenções outras quando cumprimos a lei. Estamos protegendo as crianças e adolescentes de Macaé, ressaltou o juiz em sua decisão. 

Extraído de: Associação do Ministério Público de Minas Gerais Fonte:  JUSBRASIL
http://amp-mg.jusbrasil.com.br/noticias/100300108/justica-recolhe-50-tons-de-cinza-e-outros-livros-considerados-eroticos-no-rio

A análise dos contratos de financiamento estudantil (FIES) assinados durante a vigência das Leis nº 8.436/92 e 10.260/01, sob a ótica do consumidor


Urge argumentar que os contratos de financiamento estudantil, encontram respaldo na legislação protecionista do consumidor, pois traduzem típicas relações de consumo, senão vejamos.
Note-se que o contrato em lide é contrato adesão, pois não cabe a embargante discutir suas cláusulas, expor sua vontade, a fim de alterá-las de forma que melhor lhes satisfaça a negociação.
Na lição de Cláudia de Lima Marques “o contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte, sem que o outro parceiro possa discutir ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito” (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed. São Paulo: RT, 2005, p. 71).
O legislador reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor determinou que todas as cláusulas restritivas de direito devem ser claras, redigidas com destaques, com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a compreensão do consumidor. Não cumprindo estes requisitos, essas cláusulas não obrigarão o consumidor.
Não é despiciendo lembrar que as cláusulas deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, portanto havendo dúvida quanto ao alcance e se a forma redigida dificultar a sua compreensão, a interpretação deve ser favorável ao consumidor desobrigando-o.
A presunção estabelecida pela legislação quanto aos caracteres ostensivos, legíveis e redigidos com destaques, na medida em que a legislação presume a vulnerabilidade do consumidor.
É o que dispõe os arts. 46, 47, 54, caput, §§ 3º e 4º do CDC, in verbis:
“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.
Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
(...).
§ 3° Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.” (grifamos)
Nesse sentido tem se posicionamento o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE SEGURO. INVALIDEZ PERMANENTE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DOCUMENTOS ENTREGUES AO SEGURADO. PREVALÊNCIA DO ENTREGUE QUANDO DA CONTRATAÇÃO. CLÁUSULA LIMITATIVA DA COBERTURA. NÃO-INCIDÊNCIA. ARTS. 46 E 47 DA LEI N. 8.078/90. DOUTRINA. PRECEDENTE. RECURSO PROVIDO. I - Havendo divergência no valor indenizatório a ser pago entre os documentos emitidos pela seguradora deve prevalecer aquele entregue ao consumidor quando da contratação ("certificado individual"), e não o enviado posteriormente, em que consta cláusula restritiva (condições gerais). II - Nas relações de consumo, o consumidor só se vincula às disposições contratuais em que, previamente, lhe é dada a oportunidade de prévio conhecimento, nos termos do artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor. III - As informações prestadas ao consumidor devem ser claras e precisas, de modo a possibilitar a liberdade de escolha na contratação de produtos e serviços. Ademais, na linha do art. 54, § 4º da Lei n. 8.078/90, devem ser redigidas em destaque as cláusulas que importem em exclusão ou restrição de direitos.Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, prosseguindo no julgamento, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso e dar-lhe provimento. Votaram com o Relator os Ministros Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Junior, vencidos os Ministros Barros Monteiro e Fernando Gonçalves. Presidiu a Sessão o Ministro Aldir Passarinho Junior.” (Processo REsp 485760/RJ; RECURSO ESPECIAL 2002/0165622-4; Relator(a) MIN. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (1088); Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA; Data do Julgamento 17/06/2003; Data da Publicação/Fonte DJ 01.03.2004 p. 186; RT vol. 827 p. 213). (grifamos)
O Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira consignou em seu voto, no julgamento do REsp 485760/RJ, que as informações prestadas ao consumidor devem ser prévias, claras e precisas, de modo a possibilitar a liberdade de escolha na contratação de produtos e serviços. Ademais, devem ser redigidas em destaque as cláusulas que importem em exclusão ou restrição de direitos. Ora utilizamos como nossas razões, ipsis litteris:
“1. Na espécie, conforme assentado na sentença, e não afastado no aresto impugnado, o segurado, no ato da contratação do seguro, recebeu apenas o "Certificado Individual” (fl. 12), cartão-proposta do seguro (fl. 13), que previa o pagamento de indenização global no montante de R$ 17.999,97 (dezessete mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete centavos), em caso de invalidez total ou parcial por acidente. Dito certificado fazia menção às cláusulas gerais do contrato, que, no entanto, só posteriormente foram encaminhadas ao consumidor. As condições gerais do contrato (fls. 36/54), por sua vez, previam indenização no valor de R$ 1.800,00 (um mil e oitocentos reais) para o caso do autor. Ainda segundo tal documento, o valor constante no "Certificado Individual" seria o limite da importância segurada, e a indenização a ser realmente paga seria calculada em função de cada caso, tomando como base o grau de invalidez, conforme tabela específica. 2. À luz do Código de Defesa do Consumidor, as informações prestadas ao consumidor devem ser claras e precisas, de modo a possibilitar a liberdade de escolha na contratação de produtos e serviços. Ademais, devem ser redigidas em destaque as cláusulas que importem em exclusão ou restrição de direitos.”
Nas relações de consumo, o consumidor só se vincula às disposições contratuais em que, previamente, lhe é dada a oportunidade de conhecimento do seu conteúdo, nos termos do artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor, verbis:
"Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance".
Anote-se, nesse sentido, que as cláusulas econômicas não podem obrigar a requerente do contrato em comento e respectivos aditamentos, por serem abusivas, iníquas, colocando a requerida em posição de supremacia exagerada em relação a requerente, na medida que além de não ter tido a possibilidade de negociar o contrato, também não lhe informaram previamente de forma clara, transparente, as conseqüências da tabela price, da capitalização mensal de juros, juros sobre juros através de efeito cascata, da amortização negativa, da multa, da pena convencional, despesas processuais e honorários advocatícios na proporção de 20% (vinte por cento), bem como sobre o vencimento antecipado da dívida, onde são cobrados juros e encargos pertinentes, em clara ofensa aos princípios da transparência, lealdade, eqüidade, boa-fé objetiva, função social do contrato, portanto são nulas de pleno direito nos termos do art. 51, caput, inc. IV, § 1º, inc. I, II e III, do CDC, in verbis:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
Destarte, uma vez configuradas a abusividade das cláusulas econômicas e por arrastamento as clausulas dos aditivos, deve-se determinar a substituição da tabela price e capitalização mensal de juros, pelo sistema de juros simples, sem capitalização, sem efeito cascata, de forma que os juros não pagos vão para uma conta a parte - e após incida apenas correção monetária - sem a incorporação no saldo devedor, limitados a 6% ao ano, a não incidência da pena convencional no importe de 10% (dez por cento) e das despesas processuais e honorários advocatícios em 20% (vinte por cento), bem como na antecipação da dívida declarar a não incidência do termo vago “encargos pertinentes”. 
Objetivando dar concretude aos objetivos, fundamentos e direitos insculpidos na Magna Carta, foi editada a Lei no. 8.436, de 25/06/2002. Em seu art. 7º. ficou estabelecido que os juros anuais não poderiam ultrapassar 6% (seis por cento) ao ano. 
Posteriormente, o Poder Executivo editou a Medida Provisória, em 27/05/1999, sob no 1.827, cujo inciso II, do art. 5º, determinava que a taxa de juros seriam estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo. Esta MP foi reeditada inúmeras vezes (Edições: 1.827-1, 1.865-2, 1.865-3, 1.865-4, 1.865-5, 1.865-6, 1.865-7, 1.972-8, 1.972-9, 1.972-10, 1.972-11, 1.972-12, 1.972-13, 1.972-14, 1.972-15, 1.972-16, 1.972-17, 1.972-18, 1.972-19, 1.972-20, 1.972-21, 2.094-22, 2.094-23, 2.094-24, 2.094-25, 2.094-26, 2.094-27 2.094-28, de 13.6.2001), sendo esta última convertida em Lei nº 10.260, de 2001, publicada no DOU de 15.6.2001.
Logo, permaneceu a redação original da MP 1.827, no inciso II, do art. 5º, da Lei 10.260/2001, atual lei de regência do FIES, in verbis:
“Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte:
II - juros: a serem estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo, aplicando-se desde a data da celebração até o final da participação do estudante no financiamento;”
Podemos notar que o Poder Legislativo delegou ao Poder Executivo a fixação das taxas de juros, sendo que a cada 6 (seis) meses, deveriam ser revistas pelo CMN – Conselho Monetário Nacional.
No entanto, o CMN somente em 22 de setembro de 1999 se reuniu, editando a Resolução 2.647, para regulamentar o FIES e afirmar que as taxas de juros para aquele semestre era de 9% (nove por cento) ao ano, e de forma capitalizada mensalmente, in verbis:
“Art. 6º. Para os contratos firmados no segundo semestre de 1999, bem como no caso daqueles de que trata o art. 15 da Medida Provisória nº 1.865, de 1999, a taxa efetiva de juros será de 9% a.a. (nove inteiros por cento ao ano), capitalizada mensalmente.” (grifamos).
Esclarecemos que o CMN somente se reuniu novamente para deliberar sobre a taxa de juros em 1º (primeiro) de julho de 2006, estipulando a referida taxa em 3,5% e 6,5% ao mês, dependendo do curso pretendido pelo aluno-contratante (Resolução 3.415).
Na espécie, o contrato foi realizado em 16 de maio de 2002, como se vê não houve deliberação do CMN através de resolução estipulando a taxa de juros para este semestre.
Com efeito, a nosso sentir, a taxa de juros a ser aplicada no caso em comento deve ser de 6% (seis por cento) anuais, cobrados de forma simples, eis que a Resolução no. 2.647, somente teria validade para o segundo semestre de 1999. As contratações posteriores como a mesma taxa de juros ferem os princípios constitucionais da legalidade e da finalidade, eis que o Poder Executivo ao editar resoluções deve se ater a letra da lei. Assim, na falta de resoluções semestrais, deve-se aplicar a lei anterior, ou seja, a Lei 8.436/92, que estipula os juros anuais em 6% (seis por cento) ao ano.
Impede notar que o Contrato de Crédito Estudantil é um incentivo do Estado Brasileiro aos Estudantes hipossuficiente economicamente, cujo objetivo é incrementar a Educação dos seus cidadãos, a fim de garantir o desenvolvimento nacional. Portanto, estamos diante de um programa de governo, juridicamente denominado de fomento administrativo.
O eminente José Roberto Pimenta Oliveira esclarece, inclusive citando outros doutrinadores, o conteúdo jurídico do Fomento Administrativo, ipsis litteris (Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2006, p. 515/516):
“Bartolomé A. Fiorini, observa que a atividade promocional tende, assim a proteger, estimular, promover ou auxiliar situações existentes ou em curso de realização, referidas a riquezas naturais, empreendimentos privados, atividades individuais, como fim de satisfazer necessidades de utilização geral, em benefício da coletividade'.[4]
Este mesmo Autor registra a importância institucional desta atividade administrativa contemporânea típica, no conjunto das formações sociais latino-americanas, como instrumento de desenvolvimento econômico, social e cultural.
No direito brasileiro, a doutrina delimita o fomento a partir da satisfação indireta e mediata de necessidades coletivas, sem o uso da coação e sem a prestação de serviços públicos, podendo ser consideradas como notas caracterizadoras do fomento, o exercício de função administrativa, voltada à proteção e/ou promoção de seu objetivo, visando à satisfação indireta de necessidades públicas, sem o uso de compulsoriedade, como o estímulo, ministrado direta imediata e concretamente pela Administração às iniciativas da sociedade, de reconhecido interesse pública, oferecida na forma da lei.
 Na atividade de fomento, o Estado, por meio da atuação legislativa competente, relativamente à atividade fomentada e à finalidade pública perseguida, estabelece um determinado marco normativo, que serve de pólo de atração da ação dos particulares e no qual estes se inserem.
Com sua inclusão na administração fomentadora, a satisfação direta de interesses de particulares serve de mola propulsora para, nas condições legais estabelecidas, haver simultânea obtenção da utilidade pública perseguida.
Ademais, a Constituição da República Federativa do Brasil, em diversos dispositivos, trata da atividade de Fomento. No art. 3º, especifica como objetivos garantir o desenvolvimento nacional e promover o bem de todos (inc. I e IV), erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, a fim de construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. III e I). Ao disciplinar a ordem social, afirma que o seu objetivo é o bem-estar e a justiça social (art. 193). A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados dentre os princípios (art. 170): a redução das desigualdades regionais e sociais, e a busca do pleno emprego (inc. VII e VIII). Por sua vez, determina que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (art. 205).
O art. 1º da Lei 8.436/92 especifica que o Crédito Estudantil é um programa governamental para estudantes carentes. No art. 7º, determina que os juros não ultrapassarão 6% (seis por cento) ao ano, in verbis:
“Art. 1º Fica instituído o Programa de Crédito Educativo para estudantes do curso universitário de graduação com recursos insuficientes, próprios ou familiares, para o custeio de seus estudos.”
Com efeito, o Estado regulamentou as normas constitucionais de incentivo ao Estudo para estudantes carentes, caracterizando, assim, o fomento administrativo.
Na concessão dos Créditos Educativos devem ser observados os princípios constitucionais da administração pública, como os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da CF/88).
Podemos observar que por vezes não se obedece o princípio da legalidade, ao efetuar a capitalização de juros, sem prévia autorização legislativa.
Portanto, diante de norma cogente, da horizontalidade dos Direitos Fundamentais, não pode a instituição financeira estipular cláusula contratual sem autorização legal, em clara ofensa as finalidades (incentivo ao estudo) das normas constitucionais e infraconstitucionais.
Ademais, diante da aplicabilidade subsidiária das normas de direito privado, não se pode falar em liberdade contratual, boa-fé objetiva, na espécie, tendo em vista que nenhum estudante tem a possibilidade de discutir, negociar, a fim de se chegar a um entendimento sobre a melhor taxa de juros e o seu método de calculo.
Reza o contrato de financiamento na modalidade de crédito educativo em sua Cláusula Décima Segunda, Parágrafo Segundo que:
“A partir do 13º. (décimo terceiro) mês de amortização, inclusive, o estudante ficará obrigado a pagar prestações mensais e sucessivas, calculadas segundo o Sistema Francês de Amortização – Tabela Price”.
No entanto, é indevida a utilização da tabela "Price" na atualização monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica, sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo.
Neste sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem entendimento firme de que é indevida a utilização da tabela Price para a atualização de contratos de crédito educativo, como é o Financiamento Estudantil (FIES). Ilustrativamente:
“RECURSO ESPECIAL CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CRÉDITO EDUCATIVO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS. ANATOCISMO. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: ARTIGOS 3º, § 2º, 6º, V, e 51, IV, § 1º, III. INCIDÊNCIA DE JUROS LEGAIS, NÃO CAPITALIZADOS.
1. O contrato de financiamento de crédito educativo, ajustado entre a Caixa Econômica Federal e o estudante, é de natureza bancária, pelo que recebe a tutela do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990 (CDC).
2. É indevida a utilização da Tabela Price na atualização monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica, sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo.
3. A aplicação da Tabela Price, nos contratos em referência, encontra vedação na regra disposta nos artigos 6º, V, e 51, IV, § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da excessiva onerosidade imposta ao consumidor, no caso, o estudante.
4. Na atualização do contrato de crédito educativo, deve-se aplicar os juros legais, ajustados de forma não capitalizada ou composta.
5. Recurso especial conhecido e provido.”
(REsp 572.210/RS, Rel. Ministro  JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.05.2004, DJ 07.06.2004 p. 166)
Destaque-se que os juros compostos, capitalização mensal, estão nas prestações mensais e não no saldo devedor, devido a fórmula utilizada pelo Sistema Francês de Amortização ou Tabela Price. Como adverte Luiz Carlos Forghieri Guimarães:
“Pode-se depreender que na fórmula da Tabela Price, usa-se o fator algébrico (1+i)n que é chamada de fator de capitalização composta ou fator de acumulação de capital para pagamento, que prestigia a contagem de juros sobre juros, ou seja, a capitalização mensal dos juros, o que é vedado em lei.
Tanto é verdade, que o doutrinador Armando José Tossi, em seu livro Matemática Financeira com ênfase em Produtos Bancários, Editora Atlas, 2003, p, 103, averba:
Fórmula para obter o valor dos juros compostos: J=Px(1+i)n –1. Analisando essa fórmula e o conceito de taxas equivalentes, conclui-se que, de posse do fator de acumulação dos juros compostos (1+i)n –1 pode-se obter qualquer taxa equivalente a juros compostos’.  
(...)
Lembro-lhes que a matemática é uma ciência exata, não dá margens a interpretação, logo, só não entende quem não quer, ou não se quer entender que a Tabela Price contém no seu bojo a capitalização mensal dos juros que está expressa na fórmula (1+i)n, conseqüentemente, proibida pelo Direito.
E, quando afirmo que os juros estão contidos na fórmula (1+i)n, quero dizer que os juros da tabela price estão na prestação, não que se falar em juros desse sistema sobre o saldo devedor.(...)
Para clarificar o tema, em outro dizer, é uma fórmula prática para calcular os juros capitalizados mensalmente ao longo do período do financiamento em uma só operação, com o fito de achar um determinado coeficiente que multiplicado pelo valor do financiamento nos informa a primeira prestação (amortização e juros).
De posse desse coeficiente, basta multiplicá-lo pelo valor do financiamento, aí, encontraremos o valor da prestação nos exatos termos do exemplo acima, R$ 1.200,17.
Assim, fica provado que os juros da Tabela Price estão na prestação em virtude da fórmula que serve para calcular a prestação, a função exponencial (1+i)n, e não no saldo devedor.”
Para demonstração da ilegalidade da Tabela Price, faz-se a seguir um comparativo entre o cálculo de juros simples ou lineares e o cálculo dos juros pela já referida Tabela Price, fazendo um comparativo com exemplos simplificados entre cálculos de 06 e de 12 meses de prazo (Situações ‘A’ e ‘B’ adiante):
Situação A:
Juros de 10% ao mês e prazo de 06 meses:
Cálculo de juros simples ou lineares: 10% x 6 meses = 60% de juros totais em 6 meses.
Cálculo pelo Sistema Price (1+ 10%)6 = (1,10)6  = 1,7715 – 1 = 0,7715 x 100 = 77,15% de juros totais nos mesmos 06 meses.
Conclusão: pelo Sistema Price não se está pagando 10% ao mês, mas sim, na verdade, 12,85% ao mês, o que ocorre em face de a aludida Tabela já conter em sua sistemática de cálculo uma função exponencial que constitui uma progressão geométrica e gera na verdade a incidência de juros sobre juros.
Situação B:
Juros de 10% ao mês e 12 meses de prazo:
Cálculo de juros simples ou lineares: 10% x 12 meses = 120% de juros totais em 12 meses.
Cálculo pelo Sistema Price: (1 + 10%)12= (1,10)12 = 3, 1384 – 1 = 2,1384 x 100 = 213,84% de juros totais em 12 meses.
Conclusão: pelo Sistema Price não se está pagando 10% ao mês, mas sim, na verdade, 17,82% ao mês, fato, como já referido na letra ‘A’, decorrente da função exponencial contida na fórmula da Tabela Price.
Note-se que os juros de 10% ao mês, aplicados pela Tabela Price, na realidade, são mais altos, e quanto maior o prazo, maior é a diferença entre a Tabela Price e os juros simples: 10% em 6 meses, a juros simples ou lineares, correspondem a 60%, enquanto que, pela Tabela Price, ascendem a 77,15% (uma diferença a maior de 17,15%). Estendendo-se o prazo para 12 meses, tem-se 120% a juros simples ou lineares e 213,84% pelo Sistema Price (uma diferença a maior de 93,84%). Essa situação mostra que, na verdade, o que é relevante não é propriamente a taxa de juros contratada (10%), mas sim o prazo, pois, quanto maior o prazo, maior será a quantidade de vezes que os juros se multiplicarão por eles mesmos {(10%)6.(10%)12}, o que demonstra e configura o anatocismo como traço inerente e imanente à Tabela Price.
Por meio das fórmulas matemáticas acima explicitadas, percebe-se a estratosférica diferença entre os cálculos e a oneração respectiva deles decorrente: adotando-se a fórmula dos juros simples o crescimento é apenas aritmético e, adotando-se a fórmula da Tabela Price, o crescimento se dá em progressão geométrica (juros capitalizados ou compostos, inerentes à fórmula da Tabela Price).
Então, constata-se a ilegalidade contida no cálculo pela Tabela Price, que é o crescimento geométrico dos juros que configura anatocismo ou capitalização, legalmente proibida em nosso sistema, nos contratos de mútuo.
Por isso que se afirma que a Tabela Price contém um “truque matemático” que leva o devedor ao engodo e ao engano, fazendo com que o mutuário sempre prefira pagar pela Tabela Price, mas sem saber, entretanto, que, por esta Tabela, está pagando valores maiores do que aqueles provenientes do cálculo a juros simples, e o que é pior, também estão pagando, pela já referida Tabela Price, valores maiores do que aqueles calculados a juros capitalizados anualmente. Portanto, hão de serem calculadas as prestações do débito da autora sem a aplicação da Tabela Price e pelo método de cálculo dos juros simples.
O Egrégio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o Contrato de Financiamento de Crédito Educativo celebrados com a CEF, nos seguintes termos:
“RECURSO ESPECIAL CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE CRÉDITO EDUCATIVO. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. UTILIZAÇÃO DA TABELA PRICE. IMPOSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS. ANATOCISMO. CARACTERIZAÇÃO DE CONTRATO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR: ARTIGOS 3º, § 2º, 6º, V, e 51, IV, § 1º, III. INCIDÊNCIA DE JUROS LEGAIS, NÃO CAPITALIZADOS.
1. O contrato de financiamento de crédito educativo, ajustado entre a Caixa Econômica Federal e o estudante, é de natureza bancária, pelo que recebe a tutela do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).
2. É indevida a utilização da Tabela Price na atualização monetária dos contratos de financiamento de crédito educativo, uma vez que, nesse sistema, os juros crescem em progressão geométrica, sobrepondo-se juros sobre juros, caracterizando-se o anatocismo.
3. A aplicação da Tabela Price, nos contratos em referência, encontra vedação na regra disposta nos artigos 6º, V, e 51, IV, § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor, em razão da excessiva onerosidade imposta ao consumidor, no caso, o estudante.
4. Na atualização do contrato de crédito educativo, deve-se aplicar os juros legais, ajustados de forma não capitalizada ou composta. 5. Recurso especial conhecido e provido.”
Uma vez especificado que a tabela Price, comporta capitalização mensal de juros, inclusive reconhece a requerida, pois na cláusula décima quinta do contrato em comento, especifica que a “taxa efetiva de juros de 9% (nove por cento) ano, com capitalização mensal, equivalente a 0, 72073% ao mês”, e ainda na cláusula décima sexta, parágrafo segundo, afirma que “... o ESTUDANTE ficará obrigado a pagar prestações mensais e sucessivas, calculadas segundo o Sistema Francês de Amortização de Financiamento – Tabela Price” é mister que o Poder Judiciário declare a sua ilegalidade, substituindo a referida tabela, capitalização mensal, por juros simples ou lineares.
Ademais, repise-se que a capitalização de juros mensais pela tabela Price, embora tenha sido pactuado, não pode obrigar a requerente, na medida que não foi informada previamente, de forma clara e precisa, sobre o sentido do sistema francês de amortização e o alcance do ajuste (art. 46, do CDC), bem como a redação da cláusula décima quarta e décima quinta, não foram redigidas com caracteres diferenciados, com destaque, a fim de permitir a reclamante sua imediata e fácil compreensão (art. 54, do CDC), sendo que a interpretação da citada cláusula de maneira mais favoráveis a autora (art. 47, do CDC).
Colhe-se da Doutrina de Márcio Mello Casado.
“Incontroverso que a metodologia de cálculo denominada método Francês de Amortização, ou Tabela Price, acarreta a ilegal capitalização de juros. Até porque a matemática é uma ciência exata, onde não se admitem diversas explicações para o mesmo fenômeno. Assim, havendo o elemento (1 + i)n na equação, há a presença de fórmula que prestigia a contagem de juros sobre juros. (...) Sob o prisma da ilegalidade da capitalização de juros, ou pela total ausência de informação, o uso da Tabela Price, como metodologia de cálculo é absolutamente inválido, nas contratações firmadas entre consumidores de crédito bancário e instituições financeiras ou assemelhadas[5]
Igualmente, fere os princípios da transparência, lealdade, eqüidade, boa-fé objetiva, função social do contrato, pois somente faz sentido falar em liberdade contratual se for exercida de forma livre, esclarecida, e prévia, conforme item anterior.
Destarte, as cláusulas econômicas e por arrastamento as cláusulas dos aditivos, que estabelecem a capitalização mensal de juros remuneratórios, pela tabela price, são nulas de plena direito, merecendo ser revista autorizando apenas juros simples ou lineares.
Portanto, deve-se afastar a Tabela Price, recalculando-se o valor do encargo mensal inicial, pois o valor da prestação deveria ser bem menor, não guardando qualquer relação com o montante da dívida financiada originariamente e o prazo do financiamento, que além do mais, torna o saldo devedor impagável. 
Note-se que a instituição financeira após liberar a primeira parcela para pagamento da universidade, em regra, já começa a cobrar juros remuneratórios, sendo que estes são incorporados no saldo devedor, e após a incorporação de nova liberação de recursos e conseqüente atualização do saldo devedor, são refeitos os cálculos dos juros sobre o saldo devedor, portanto já incorporados os juros anteriores, gerando assim, capitalização de juros sobre juros em efeito cascata, até o final das liberações financeiras, tornando a conta impagável. Frise-se que não existe cláusula contratual que autorize a capitalização de juros, através de efeito cascata.
Observa-se também que na ocorrência de pagamento de R$ 50,00 trimestralmente, a título de juros remuneratórios, durante o período de utilização do financiamento, se o valor ultrapassasse a quantia de R$ 50,00 o remanescente era incorporado no saldo devedor, gerando assim anatocismo, denominado Amortização Negativa. Frise-se que não existe cláusula contratual que autorize tal método de amortização, e ainda que houvesse esbarraria na súmula 121 do STF e Decreto-Lei 22.626/33.
Como adverte, a doutrina, a parcela de juros não paga é incorporada no saldo devedor, na próxima parcela são cálculos nos novos juros. É inconcebível, matematicamente, que, ao adimplir a obrigação, ao invés do saldo devedor diminuir, ele aumente em face da amortização negativa.
Com efeito, tais contratos merecem ser revisto para que não ocorra capitalização de juros através de efeito cascata, e também para que se expurgue a amortização negativa, neste caso o abatimento de amortização do capital e juros de acordo com a parcela, e caso não seja suficiente para amortizar total deverá ser incluída em conta a parte, com incidência apenas da correção da monetária, a fim de evitar capitalização, i.e. A cobrança dos juros remuneratórios em duplicidade, tendo em vista que o método de cobrança não está autorizado por Lei, bem como fere os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e os princípios constitucionais da administração pública, citados anteriormente.
Estipula o contrato de FIES que o saldo devedor será apurado mensalmente, a partir da data da contratação e até a efetiva liquidação da quantia mutuada, mediante aplicação da taxa efetiva de juros de 9% (nove por cento) ao ano, com capitalização mensal, equivalente a 0,72073% ao mês.
Em que pese constar no contrato a taxa efetiva de juro anual, a instituição financeira informa apenas a taxa efetiva, omite sobre suas causas, desdobramentos, causando lesão enorme.
A doutrina especializada conceitua a taxa nominal de forma que esta não incorpora capitalizações, sendo necessário o cálculo da taxa efetiva quando se pretende efetuar cálculos e comparações no regime de juros compostos.
Ademais, a taxa nominal é apenas uma taxa aparente, por que a taxa de juros que a outra parte vai receber é a efetiva.
Na taxa efetiva incide os juros compostos porque se utiliza a função exponencial (1+i)n. Outro fato que caracteriza a existência de juros compostos na operação é quando as taxas efetivas e nominais difiram.
Em outro dizer, as taxas efetivas e nominais têm como pano de fundo a capitalização composta. A taxa efetiva é formada exponencialmente, o processo de formação é pelo regime de juros compostos ao longo do período de capitalização. A taxa nominal é aquela que produz juros no seu período de capitalização.
Constata-se na prática o seguinte artifício:
Tomando, como v.g., a taxa nominal de 10, 4815% ao ano, o agente financeiro simplesmente a divide por 12, encontrando a taxa proporcional mensal de 0,8735% que, capitaliza mensalmente, acumula ao final de doze meses o percentual de 11%, portanto, superior à taxa contratada, evidenciada assim a capitalização.
A cada ano, o agente se apropria indevidamente do plus de 0,5185% maior do que remunera a poupança de um mês, que é 0,5%, onerando sem causa o mútuo.
Sendo a taxa de 0,8735% ao mês (10,4815 por 12), em 12 meses na Tabela Price, os juros não serão 10,48156, e sim de 11%.
Demonstrativo:
Juros = 0,8735%
Prazo = 12
Prestação = 88,14
Capital = 1000,00
Ao fazer o cálculo, usando a calculadora científica, com as variáveis:
Juros = 0,8735%
Prazo = 12 meses
Capital = 1.000,00
Obtém-se o valor real pago em todo o empréstimo (valor futuro), ou seja, R$ 1.110,00, que dividido pelo Capital empestado que foi de R$ 1.000,00 temos índice de juros pelos 12 meses de 1,11000 que retirado o capital emprestado por 1, nos fornece a taxa de 11%, ou seja, a mesma que encontramos capitalizando por juros compostos.
A diferença após a segunda casa decimal depois da vírgula é questão de aproximação da máquina.
Tirando a prova dos nove:
(1 + 0,008735) 12 = 1,110005
1,110005 – 1 = 11%
Resultado 11%.
Assim, está demonstrado mais uma vez a capitalização dos juros, desta vez pela via da taxa nominal equivalente à taxa efetiva.” 10 (grifos acrescentados)
Com efeito, a cobrança pela requerida em taxa anual efetiva de 0,720732% é ilegal, pois há capitalização de juros, o que é vedado pelo Decreto-lei 22.626/33. Ademais, não existe autorização legislativa específica para tal cobrança.
Incide, ainda, a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal 121, em plena vigência. Vejamos:
“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.
Por outro lado, a omissão na informação prestada de forma clara, precisa, previamente ao pacto, quanto ao que seja (sentido) taxa anual efetiva e suas implicações (alcance), de modo a possibilitar a liberdade de escolha na contratação do FIES, aliado à falta de destaque das cláusulas, com caracteres diferenciados, fere os princípios da transparência, lealdade, eqüidade, boa-fé objetiva, função social do contrato, pois não faz sentido falar em liberdade contratual se não for exercida de forma livre, esclarecida, e prévia. Portanto, a requerida não pode obrigar ao pagamento de taxa efetiva, mas apenas pela taxa nominal.
O legislador reconhecendo a vulnerabilidade do consumidor determinou que todas as cláusulas restritivas de direito devem ser claras, redigidas com destaques, com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a compreensão do consumidor. Não cumprindo estes requisitos, essas cláusulas não obrigarão o consumidor, na espécie a embargante.
Não é despiciendo lembrar que as cláusulas deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor, portanto havendo dúvida quanto ao alcance e se a forma redigida dificultar a sua compreensão, a interpretação deve ser favorável ao consumidor desobrigando-o.
Assim, é mister que se determine a substituição da taxa de juros efetiva em nominal.
Estabelecem tais contratos, ainda, que se a estudante vier a “dispor de qualquer procedimento judicial ou extrajudicial para a cobrança de seu crédito, o estudante e o(s) fiador (es), pagarão, ainda, a pena convencional de 10% (dez por cento) sobre o valor do débito apurado na forma deste contrato, respondendo também pelas despesas judiciais e honorários advocatícios de até 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa.”
A nosso sentir tal cláusula é iníqua, abusiva, pois coloca o fornecedor em posição de supremacia exagerada, bem como não estabelece a reciprocidade, i.e., se a requerida por algum motivo estiver em mora, v.g. como na espécie, por estar cobrando valor superior ao permitido, a requerente teria o mesmo direito de cobrar multa, pena convencional, honorários advocatícios e despesas processuais, em clara ofensa aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.
É o que dispõe o art. 39, caput e inciso V, c/c art. 51, caput e incisos IV, XII, § 1º, caput e inciso III, da Lei 8.078/90, in verbis:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;  XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.”
Ademais, repise-se que a cláusula em questão não é redigida de forma clara, com destaques, com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar a compreensão da requerida, bem como a omissão na informação prestada de forma clara, precisa, previamente ao pacto, quanto ao que seja (sentido) da multa, pena convencional, despesas processuais e honorários advocatícios e suas implicações (alcance), de modo a possibilitar a liberdade de escolha na contratação do FIES, fere os princípios da transparência, lealdade, eqüidade, boa-fé objetiva, função social do contrato, pois não faz sentido falar em liberdade contratual se não for exercida de forma livre, esclarecida, e prévia. Portanto, a instituição financeira não pode obrigar ao pagamento desses encargos.
Note-se que este contrato estipula que em caso de impontualidade, inclusive vencimento antecipado haverá cobrança de multa de 2% “pró rata die”, pelo período de atraso. Logo em seguida o parágrafo terceiro estipula pena convencional de 10%, sobre o débito apurado.
Entendemos, portanto, que a pena convencional não pode ser cumulada com multa, pois ambas tem a mesma natureza jurídica, independente da semântica utilizada pela Caixa. Ambas visam a punir a pessoa que der causa ao inadimplemento contratual.
Nesse sentido o conspícuo Nelson Nery Junior adverte[6]:
“Ao primeiro exame pode parecer que o Código tenha admitido somente a cláusula penal moratória, para a ocorrência da mora nos contratos de crédito ou financiamento ao consumidor. Todavia, não existe proibição para que se estipule pena para o inadimplemento da obrigação (cláusula penal compensatória). Essa ‘multa’ de que fala o dispositivo é, em verdade, pena convencional.” (destacamos)
De outro giro, observamos também que não existe autorização legislativa específica que autorize a cobrança em duplicidade sobre o mesmo fato. Portanto, fere os princípios constitucionais da administração pública.
Ademais, inadmissível o pagamento de honorários advocatícios, à própria Instituição Credora, porque estes, se devidos for, serão ao próprio advogado, e, em razão de processo, no montante determinado pelo julgador e na restrita hipótese de sucumbência.
É ilegal, nula de pleno direito, também o contrato ao estabelecer que em caso de vencimento antecipado da dívida será limitado ao total das parcelas já acrescidas dos juros e demais encargos pertinentes”.  (destacamos)
É o que dispõe o art. 51, inciso X, do CDC, in verbis:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;”
Note-se que o termo é vago, impreciso, “demais encargos pertinentes”, permite a requerida que de forma direta estabeleça a variação do conteúdo da linguagem e quanto irá cobrar sobre tal denominação.
A cobrança dos juros remuneratórios superiores a 6% (seis) por cento ao ano, pelo sistema francês de amortização, com capitalização mensal e também com juros sobre juros através de efeito cascata, amortização negativa, aliado a multa de 2% (dois por cento), pena convencional de 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) a título de despesas processuais e honorários advocatícios, estipuladas no contrato de adesão, configuram abuso de direito.
Insta-se que o dinheiro emprestado aos estudantes é oriundo da receita de impostos cobrados pela União, receita das loterias, portanto a requerida não tem nenhum custo, ao contrário ganha para repassar o incentivo governamental.
Ademais, o Financiamento Estudantil deve ser utilizado com o objetivo de garantir o “mínimo existencial” do direito fundamental à educação, na medida em que é direito de todos e dever do Estado (art. 205, da CF/88), à igualdade proporcional (art. 5º, caput, da CF/88), pois se devem tratar os desiguais de forma que se aproxime da igualdade real, à dignidade da pessoa da humana (art. 1º, III, da CF/88), a fim de construir uma sociedade justa, livre e solidária, objetivando a erradicação da pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, promovendo o bem de todos (art. 3º, da CF/88), conforme os ditames da justiça social e distributiva (art. 170, caput, da CF/88).
Outrossim, as Leis 8.436/92 e 10.260/01 não autorizam a estipulação e a cobrança dessas cláusulas.
Com efeito, as cláusulas contratuais cláusulas décima quarta, décima quinta, décima sexta, décima nona, e por arrastamento as clausulas dos aditivos, são abusivas, iníquas, devendo o Poder Judiciário declarar nulas.   
Por outro lado, ainda que se entenda que é devido à comissão de permanência, ou encargos moratórios, estes devem incidir somente após trânsito em julgado das ações de revisão de cláusulas contratuais, tendo em vista que a abusividade na cobrança das prestações do contrato de FIES inibe a mora.
Nesse sentido tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“EMENTA: CONSUMIDOR. CONTRATO BANCÁRIO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. MORA. A cobrança de encargos indevidos inibe a mora do devedor”.
Conseqüentemente, a comissão de permanência (assim entendidos os juros remuneratórios, à taxa média de mercado, nunca superiores àquela contratada para o empréstimo + juros de mora + multa contratual) somente é exigível a partir do trânsito em julgado da decisão. Agravo regimental não provido.
“Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator.” (Processo AgRg no REsp 921960/RS; AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2007/0023442-2; Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104); Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA; Data do Julgamento 04/10/2007; Data da Publicação/Fonte DJ 31.10.2007 p. 334)”. (destacamos).

CONCLUSÃO

Conclui-se que o objeto do Programa de Financiamento Estudantil (FIES), criado em 1998, em substituição ao crédito educativo, que se tornou inviável financeiramente por causa da alta taxa de inadimplência (70%), e sua filtragem ordinária pelas normas do CDC, determinam a incidência protetiva do regime de direito público, administrativo, cujas normas devem observar os princípios constitucionais da administração pública, e subsidiariamente, no que for aplicável, das normas do Código de Defesa do Consumidor, no tocante à relação contratual formada, por meio da completa revisão das clausulas econômicas do contrato de FIES, visando sua adequação à atual proteção dispensada pelo CDC, e sua adstrição aos princípios da administração, eliminando-se abusos e excessos cometidos pelo agente financeiro e o próprio Estado, na administração do contrato.

BARBOSA, Igor de Andrade. A análise dos contratos de financiamento estudantil (FIES) assinados durante a vigência das Leis nº 8.436/92 e 10.260/01, sob a ótica do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3488, 18 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23490>. Acesso em: 19 jan. 2013.

A garantia de inamovibilidade

1 CONCEITO DE INAMOVIBILIDADE

A Constituição Federal[1] não apresenta definição para o termo “inamovibilidade”, apenas traz as previsões dos cargos por ela beneficiados: Defensoria Pública (artigo 134, § 1º); juízes (art. 95, II); e membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, b). Carrega em si hipóteses em que esta garantia será quebrada, porém, em nome do interesse público.
Segundo o Dicionário Jurídico[2], inamovibilidade é “a situação do servidor público civil, vitalício, que não é sujeito a remoção ou transferência”.
Sobre o tema, aponta SILVA[3]:
Inamovibilidade. Refere-se à permanência do juiz no cargo para o qual foi nomeado, não podendo o tribunal e menos ainda o governo designar-lhe outro lugar, onde deva exercer suas funções (art. 95, II). Contudo, poderá ser removido por interesse público em decisão pelo voto da maioria absoluta do tribunal a qual estiver vinculado (art. 93, VIII). No entanto, o magistrado pode ser removido, a pedido ou por permuta com outro magistrado de comarca de igual entrância, atendidas, no que couber, as regras previstas nas alíneas a, b, c e e do inc. II do art. 93, referentes às promoções; mas pode também ser removido compulsoriamente, por interesse público por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa.
Os membros do Ministério Público, diante da necessidade de ampla liberdade funcional, assim como maior resguardo para o desempenho de suas funções, contam com as garantias de inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, uma vez que são “necessárias ao pleno exercício de suas elevadas funções.”[4]
Tal garantia também é prevista constitucionalmente para os Defensores Públicos. Segundo MENEZES[5], a inamovibilidade prevista como sanção em legislação infraconstitucional é inconstitucional:
A inamovibilidade encontra sede constitucional no parágrafo único do art. 134 e consiste na vedação da remoção do Defensor Público do órgão de atuação onde o mesmo esteja lotado para qualquer outro independentemente de sua vontade, ou seja, de forma compulsória. Conclui-se, pois, que a remoção compulsória prevista como sanção no art. 50, § 1°, inciso III e § 4° da Lei Complementar n° 80/94 é inconstitucional, pois estabeleceu em nível infraconstitucional limitação à garantia da inamovibilidade, quando a norma constitucional não prevê qualquer restrição.
Se o constituinte pretendesse estabelecer limites à inamovibilidade, teria, no art. 134, parágrafo único, feito as mesmas ressalvas previstas em relação aos membros da Magistratura (art. 95, inciso II) e do Ministério Público (art. 128, § 5°, inciso I, alínea “b”). Não podendo a norma infraconstitucional restringir garantias estabelecidas pela Constituição Federal. A garantia da inamovibilidade dos Defensores Públicos só pode ser encarada como absoluta.
Segundo BÓZI[6], a inamovibilidade é conceito que “abrange a própria função, ou seja, as respectivas atribuições, não devendo ser encarada do ponto de vista geográfico apenas”. Aliás, a garantia atinge “o cargo e a função, pois seria um contrassenso subtrair as respectivas funções aos próprios cargos”.
A fim de compreender melhor tal garantia, se faz necessário estudar quais são as hipóteses autorizadoras da remoção. Para JUSTEN FILHO[7], a remoção se caracteriza por “ato administrativo unilateral, praticado a pedido ou ofício, impondo ao servidor o desempenho de suas atribuições em local geográfico distinto daquele em que se encontrava até então sediado”, ou seja, seu conceito não abrange a função desempenhada pelo agente.
Outra hipótese é se a remoção do agente resultar de um pleito particular, a exemplo da previsão do art. 36, parágrafo único, da L. 8.112/90[8], que determina que o servidor público federal será removido a pedido quando o cônjuge ou companheiro, também servidor público, tiver sido removido no interesse da Administração.[9] Entretanto, para SILVA[10], só pode ser admitida a remoção que atender o interesse público, devendo ser assegurada a ampla defesa.
O interesse público, doutrinariamente chamado de princípio do interesse público ou da finalidade pública, é um dos denominados princípios reconhecidos, vez que não é expresso pelo art. 37, CF.
Para MEIRELLES[11], o princípio do interesse público é de observância obrigatória pela Administração Pública, estando intimamente ligado ao princípio da finalidade, uma vez que a primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal, já que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral.
Sobre a questão, JUSTEN FILHO[12] aponta que o interesse público não se confunde com o interesse estatal, ou seja, não se confunde com o interesse do aparato administrativo, ou seja, nenhum “interesse público” se configura como “conveniência egoística da administração pública”. Adiciona que o interesse público também não se identifica com o interesse do agente público, ou seja, do interesse privado do sujeito que exerce a função administrativa. Por outro lado, deduz que o interesse público não é um interesse privado comum a todos os cidadãos[13].
Já CARVALHO FILHO[14] é taxativo ao apontar que para ser obedecido o princípio da supremacia do interesse público, as atividades administrativas devem ser desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade.
Relevante observar a existência de uma relação intrínseca entre os princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade, uma vez que há entre eles instrumentalização recíproca, conforme apregoa MEDAUAR[15]:
Assim, a impessoalidade configura-se meio para atuações dentro da moralidade; a publicidade, por sua vez, dificulta medidas contrárias à moralidade e impessoalidade; a moralidade administrativa, de seu lado, implica observância a impessoalidade e da publicidade.
O princípio da supremacia do interesse público também é chamado de princípio da finalidade pública por Di PIETRO[16], que anota que ele está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento de sua execução pela Administração Pública.
Em síntese, pode-se dizer que há supremacia do interesse público quando este prevalece face ao interesse do particular isoladamente. Tal predominância, porém, é de se asseverar, é relativa, uma vez que ao particular é sempre garantido o contraditório e ampla defesa.
A íntima relação existente entre os princípios do interesse público e da impessoalidade pode ser percebida na finalidade pública, que está implícita em ambos.
A finalidade pública [que] deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.[17]
É de se observar que a remoção de servidor público é ato da Administração Pública decorrente da investidura em cargo ou emprego público, uma vez que estes guardam com o Estado relação jurídica de subordinação a regime jurídico de direito público, “caracterizado pela ausência de consensualidade para instauração tal como para a determinação de direitos e deveres.”[18]
Ressalte-se que a investidura em cargo efetivo está condicionada, conforme exige a Constituição Federal, ao pressuposto do concurso público, composto por provas ou por provas e títulos. O objetivo de se realizar concurso público para seleção dos titulares de cargos de provimento efetivo é assegurar que o princípio da impessoalidade seja observado. Ademais, a prova deve ser realizada de modo a selecionar aqueles que apresentem as qualidades e capacidades consideradas ideais para o exercício da função.[19]
Os atos da Administração Pública em relação a seus servidores estão sujeitos ao princípio do interesse público, inclusive quando da tomada da decisão de remover seus agentes.
Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como o fundamento de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas de decisão, por vezes, arbitrárias, da Administração Pública. Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios. O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um resultado.[20]
Do mesmo modo, deve ser, então, considerado requisito da remoção a observância do princípio da impessoalidade, assim como das capacidades pessoais, no momento de se decidir a remoção do servidor, conforme aponta JUSTEN FILHO[21]:
Nada impede, no entanto, que a Administração submeta a remoção à avaliação da conveniência dos servidores, tomando em vista o princípio de que o melhor desempenho funcional dependerá da satisfação pessoal do servidor. Assim, diante da necessidade de remoção de algum servidor para determinado local, a Administração consulta os diversos servidores para verificar qual deles se dispõe a “aceitar” a remoção. Obviamente, não se trata propriamente de um consenso de vontades, mas de identificar o voluntário para certo encargo que deverá ser executado de modo necessário.
Diante do exposto, conclui-se que para que a remoção do Delegado de Polícia esteja de acordo com o interesse público, deve conjugar o princípio da impessoalidade com a finalidade pública, a fim de atender ao interesse da coletividade e possibilitar que o servidor público exerça suas funções de maneira plena.

POLIZELLI, Denise Vichiato. A ausência da garantia de inamovibilidade para Delegados de Polícia . Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3488, 18 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23484>. Acesso em: 19 jan. 2013.