sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

O vinculo jurídico na obrigações


O vinculo jurídico é o elemento abstrato da relação obrigacional e é aquele que lhe confere exigibilidade e coercibilidade; preza, pois, pelo cumprimento do compromisso fixado entre os sujeitos em relação a determinado objeto, lançando a responsabilidade sobre aquele que violar o acordado. Traduz, por conseguinte, o direito subjetivo do credor de ver a obrigação adimplida e o dever do devedor de se comportar nessa direção. É no âmbito do vínculo jurídico que são mais sensíveis as mudanças e evoluções históricas ocorridas no Direito Obrigacional, levando em consideração as formas pelas quais o mesmo atribuiu, ao longo da história, efeitos à inadimplência do devedor.
Como afirmamos no tópico 1, supra, a gênese das relações obrigacionais na Antiguidade veio acompanhada de métodos bastante drásticos para assegurar seu adimplemento, haja vista que o devedor que dele se desviasse estava sujeito a todo tipo de ataques a seus bens jurídicos mais caros, como a vida e a liberdade. As codificações legais mesopotâmicas, fortemente inspiradas pelo sentimento religioso da população local, previam a morte em diversos casos de inadimplemento obrigacional, enquanto o concurso de credores romano, praticado além do rio Tibre – certamente para não chamar a atenção da população da capital do Lácio para o verdadeiro horror que representava –, somava-se às penas corporais e à possibilidade de utilizar o inadimplente como escravo, até que a dívida fosse paga com seu trabalho forçado; falecendo este, lícito era ao credor tomar-lhe até mesmo a esposa e os filhos na mesma condição.
A extrema valorização dada à satisfação dos compromissos obrigacionais pelos legisladores antigos foi sucumbindo progressivamente, cedendo lugar a valores mais importantes – entre nós, a dignidade da pessoa humana sendo o que demanda maior deferência. Precisava-se, portanto, encontrar novas formas de manifestação do vínculo jurídico inerente às obrigações, uma vez que eliminá-lo completamente (ou reduzir a sua coercibilidade de forma tal que não fosse mais idônea a estimular o devedor a adimplir voluntariamente a prestação assumida) conduziria a um verdadeiro colapso nas relações sociais.
Aboliram-se as penas de morte por dívida, bem como a escravidão e, em momento posterior, as penas corporais; não tardou para que as revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX exigissem, também, o fim da prisão civil pelo inadimplemento obrigacional. Diante desse novo panorama – e da necessidade de conciliar a imprescindível coercibilidade das obrigações com os direitos invioláveis do ser humano –, a solução encontrada pelo Direito foi a responsabilização patrimonial do devedor; não honrando ele o compromisso assumido, surgia para o credor a faculdade de movimentar a máquina estatal e retirar, na massa patrimonial do devedor, o equivalente àquilo que não foi adimplido (ANDRADE, 2011)[9]. As obrigações continuavam, portanto, cobertas de exigibilidade e atributividade – mas sem violar os direitos fundamentais do homem.
As doutrinas civilistas clássicas do século XIX não tardaram em reconhecer no vínculo jurídico obrigacional a sujeição do patrimônio do devedor ao credor; profundamente influenciadas pelo ideário liberal burguês de sua época, bem como pelas escolas positivistas mais tradicionais, é compreensível a sua escolha por essa abordagem dogmática do tema. Compreensível, porém não mais sustentável; é que o atual panorama civil-constitucional do ordenamento jurídico pátrio não concebe os direitos subjetivos privados (como é o do credor em ver o adimplemento da dívida) de forma absoluta e irrestrita; pelo contrário, devem eles se harmonizar com outros importantes valores e princípios que também integram o Direito Objetivo, como a boa-fé e a função social do exercício de qualquer faculdade.
Disso deriva, por exemplo, a ideia de que determinados bens do patrimônio do devedor lhe são tão caros e tão essenciais à manutenção de sua dignidade enquanto pessoa humana que não poderá o credor subtrai-los quando da execução judicial de uma obrigação não adimplida; é o caso dos bens de família, cujo tratamento legal é dado pela lei 8.009/90[10].
Perceba-se a notável evolução científica quanto à evolução da extensão do vínculo jurídico, que ocorreu paralelamente à progressão na valorização e proteção dos direitos fundamentais do homem: em um estágio inicial, o descumprimento de um compromisso patrimonial poderia custar a vida do responsável; depois, passou-se à restrição de sua liberdade e violações à sua integridade física; com as revoluções liberais da Idade Moderna, nasceu a concepção de total sujeição do patrimônio do sujeito passivo em relação ao ativo da obrigação; por fim, no estágio atual de desenvolvimento jurídico, apenas determinadas parcelas do patrimônio do devedor encontram-se à disposição do credor para fins de responsabilização por inadimplemento obrigacional.
Vale salientar, todavia, que existem casos especialíssimos em que a proteção de valores constitucionais de extrema relevância justifica maiores restrições no âmbito de liberdade do devedor inadimplente, culminando com o seu recolhimento a estabelecimento prisional; a Constituição Federal prevê duas hipóteses em que isso pode ocorrer, quais sejam, a ocorrência do chamado “depositário infiel” e o inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia. A primeira delas, em virtude da posterior assinatura do Pacto de São José da Costa Rica, não é mais aplicável no Direito pátrio; a segunda, porém, tem plena aplicação e destina-se a salvaguardar as necessidades mais básicas do ser humano – as alimentares –, o que serve de espeque para justificar tão drástica intervenção na esfera jurídica do devedor.
Compreendendo, diante de toda a evolução histórica que expusemos, que o vínculo jurídico obrigacional não pode ser irrestrito, podemos estabelecer dois limites à sua extensão (PEREIRA, 2011, p. 24). O primeiro deles refere-se à liberdade individual do devedor – mais do que isso, entendemos que também diz respeito à sua dignidade. O estabelecimento de uma obrigação não pode privar o sujeito passivo do exercício do núcleo essencial de seus direitos fundamentais, tampouco restringir seu patrimônio de forma tal que coloque em risco a segurança de suas necessidades básicas. É lógico que a assunção de um compromisso obrigacional implica redução na esfera de direitos do devedor; não é admissível, porém, que essa redução atinja dimensões desproporcionais e dissonantes do quadro axiológico defendido pelo ordenamento jurídico. O segundo limite concerne à seriedade da prestação combinada; para justificar a restrição na liberdade individual do devedor – e, por uma questão de economia processual, a mobilização do aparato coator do Estado – faz-se necessário que o objeto da obrigação revista-se de um mínimo de relevância. Fórmulas apriorísticas para averiguar esse patamar mínimo são, de fato, inalcançáveis; cabe ao julgador, diante das circunstâncias do caso concreto, determinar se a relação obrigacional que lhe foi trazida para análise é significante o suficiente para chamar sobre si a atividade jurisdicional do Estado.
Tendo compreendido os limites do vínculo obrigacional, imperioso é compreender quais são os elementos que o formam. A análise estrutural clássica, empreendida pelo civilista alemão Alois von Brinz, enxerga no vínculo jurídico dois componentes distintos: o débito e a responsabilidade (SALIM, 2005, p. 99). O primeiro consiste no dever de adimplir a prestação combinada; o segundo, na garantia de que o patrimônio do sujeito passivo responderá pelo eventual inadimplemento da obrigação. A responsabilidade é, como diz Caio Mário (2011, p. 25), um estado potencial: ela atua de forma coercitiva sobre o devedor, impulsionando-o ao adimplemento espontâneo da relação obrigacional estabelecida. Não sendo tal coerção psicológica suficiente, porém, confere ao credor a possibilidade de buscar no patrimônio do sujeito passivo a satisfação de seus interesses.
Nada impede que o débito e a responsabilidade recaiam sobre pessoas diversas – apesar de, em geral, os dois se apresentarem juntos; é o que acontece, por exemplo, na fiança, em que um indivíduo assume a responsabilidade sobre o débito contraído por outro. Devemos lembrar, também, que não é necessário que os dois se façam presentes para que se configure uma relação obrigacional – é o caso da espécie sui generis das obrigações naturais.
O trabalho doutrinário de Brinz certamente é útil para entender os elementos que formam a concepção tradicional de vínculo jurídico, mas é falho quando transportado ao hodierno tratamento dado à matéria pelo Direito Civil brasileiro, profundamente inspirado pelos valores constitucionais e atento à importantíssima cláusula da boa-fé objetiva. Dessa forma, o vetusto binômio débito-responsabilidade deve ser relido à luz dos novos paradigmas da esfera civil-constitucional – e um dos mais importantes para os fins da presente exposição é a ideia de “obrigação como processo” (OLIVEIRA, 2010) [11].
Tal concepção representa uma visão finalista da relação obrigacional, ou seja, visualiza a obrigação sob a ótica do fim a que ela se destina – o adimplemento. Entendendo-a como um processo que objetiva a consecução de determinado fim, impõe-se que se acrescente à tradicional concepção de vínculo jurídico um conceito novo: o da cooperação entre as partes. De fato, é inegável que o adimplemento da obrigação será mais facilmente atingido se as partes trabalharem conjuntamente com esse escopo, sem uma relação de subordinação ou sujeição entre elas; a mera vinculação do devedor ao credor não é capaz de acompanhar as exigências da boa-fé objetiva, sendo necessário o seu aperfeiçoamento com a ideia de cooperação.
Nesse sentido, já decidiu o STJ que o credor deve fazer o possível para mitigar os próprios prejuízos (princípio do “duty to mitigate the loss”, importado do Direito norte-americano), não contribuindo para que uma situação lesiva aos seus interesses – e, portanto, ao adimplemento da obrigação – se perpetue. A decisão está assim ementada:
“DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.” (STJ, T3 – Terceira Turma, REsp 758518 PR 2005/0096775-4, rel. min. Vasco Giustina, j. 17/06/2010).
Não se justifica, portanto, que o credor assista inerte ao inadimplemento da prestação combinada, permitindo que os prejuízos daí oriundos se agravem para, em momento posterior, intentar a sua reparação – em clara violação ao princípio da boa-fé objetiva. O novo standard comportamental exigido das partes em uma relação obrigacional, consequentemente, não pode se limitar à sujeição devedor-credor; pelo contrário, todos os sujeitos devem se portar de forma proativa e voltada à consecução do fim máximo que os levou à vinculação jurídica mútua: o adimplemento da obrigação.
No mesmo sentido da linha argumentativa aqui exposta, o TJ/RJ considerou que violava a boa-fé objetiva o comportamento do credor, diante da imposição de astreintes ao devedor (como medida coercitiva para a realização de determinada prestação), de esperar a soma total da multa diária atingir valores exorbitantes para só então demandar o Judiciário, visando obter vantagem econômica através do sacrifício do adimplemento da obrigação[12].

MOTTA, Thiago de Lucena. Elementos da relação obrigacional: uma abordagem estrutural. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23715>. Acesso em: 15 fev. 2013.

O objeto da relação obrigacional

O objeto da obrigação é a prestação devida, a conduta sobre a qual credor e devedor acordam e estabelecem um vínculo jurídico; é, portanto, a realização de determinada atividade – ou a abstenção dessa realização. É importante perceber que há uma diferença entre o objeto da obrigação – determinada conduta humana, como dissemos – e o objeto da prestação; é certo que, em muitos casos, a prestação devida significa a entrega de determinado bem ou quantia de dinheiro, por exemplo, mas é errôneo afirmar que esse bem ou essa quantia são objetos da relação obrigacional. Podemos adjetivá-los, como o fazem Nelson Rosenvald e Cristiano de Farias (2012, p. 77), de objetos mediatos da obrigação; o objeto imediato, porém, é a conduta humana – e não a coisa material sobre a qual ela eventual recaia. Retornemos ao exemplo mencionado no item 2, supra, do negócio jurídico de compra e venda de um automóvel firmado entre A e B; a obrigação de A em relação a B tem seu objeto na entrega de determinada soma monetária (na prestação, portanto), enquanto o objeto da obrigação em que B é devedor consiste na entrega do automóvel. Não são a quantia em dinheiro e o carro os objetos imediatos das obrigações, mas sim as condutas humanas expressas na sua entrega.
A exposição do parágrafo anterior não objetiva apenas o preciosismo técnico; ao contrário, ela é extremamente relevante para compreender o principal critério de classificação das obrigações: aquele que toma por base a espécie de conduta humana que é seu objeto. Sob essa ótica, tripartem-se as relações obrigacionais em obrigações de dar, fazer e não fazer. Note-se que o foco dessa classificação não reside no bem material que eventualmente constitua objeto mediato da obrigação, mas sim no tipo de conduta humana a ser realizada – uma entrega, ação ou omissão.
Alguns nomes na doutrina especializada entendem ser oportuno, ainda, agrupar os objetos das obrigações de acordo com o critério da necessidade de uma ação concreta do devedor para que elas se consumem. Teríamos, dessa forma, dois grandes grupos: o dos objetos positivos, encontrados nas obrigações de dar e fazer, e o dos objetos negativos, expressos nas abstenções do devedor quanto à realização de determinada atividade – obrigações de não fazer, portanto. Embora seja cientificamente relevante a classificação, por proporcionar uma visão sistemática do assunto, os efeitos jurídicos que dela possam advir se encontram adequadamente abrangidos pela proposta classificatória exposta no parágrafo anterior – e que foi, de fato, a adotada pelo legislador de 2002.
Os objetos das relações obrigacionais devem apresentar as características previstas no art. 104, II, do Diploma Civil (comuns aos objetos de qualquer relação jurídica): a licitude, a possibilidade e a determinabilidade. A consequência para o não atendimento de qualquer dessas exigências, conforme previsão do art. 166, II, é a nulidade do negócio jurídico firmado. Importante lembrar que existe algum consenso, no meio doutrinário, quanto ao reconhecimento de um quarto caractere, mesmo sem previsão legal: o da patrimonialidade. A questão comporta interessante polêmica científica, que será abordada no momento oportuno.
A primeira exigência do inciso II do art. 104 do Código é que o objeto seja lícito, ou seja, que não atente “contra a lei, a moral e os bons costumes[5]” (GONÇALVES, 2012, p. 42); aquilo que causa repulsa ao Direito Objetivo (incluindo-se os valores, princípios e costumes que permeiam o ordenamento), portanto, não pode ser objeto de uma relação obrigacional. Ficam sob o véu da ilicitude, por exemplo, as prestações consistentes na entrega de dois quilos de cocaína (objeto de uma obrigação de dar coisa certa) e no homicídio de um rival político (objeto de uma obrigação de fazer).
É certo que a identificação dos casos em que a ilicitude se manifesta através de afronta direta a determinado texto legal não costuma apresentar grandes problemas; afinal, é de conhecimento geral que o Direito não é conivente, para usar os casos do parágrafo anterior, com o comércio de drogas, tampouco com o assassinato de quem quer que seja.
Mais problemática, porém, mostra-se a tarefa de caracterizar como ilícito o objeto que fere a moral ou os bons costumes, sem previsão legal expressa; a demonstração da ilicitude, nesses casos, demanda maior esforço argumentativo do operador do Direito e apurada sensibilidade quanto ao quadro axiológico adotado pelo ordenamento jurídico e pela sociedade. Pense-se, por exemplo, no caso de obrigação de fazer, estabelecida por sujeitos maiores e capazes, cujo objeto consiste na prestação de serviços sexuais. Ora, a prostituição, em si, não é legalmente vedada (o que se reprime penalmente é a exploração econômica, por parte de um terceiro, dessa atividade); deverá o objeto da obrigação supramencionada, portanto, ser considerado ilícito?
Entendemos que sim; como afirmamos anteriormente, os comportamentos contrários à moral e aos bons costumes, bem como ao conjunto de valores do Direito Objetivo, não devem ser por ele protegidos – e a prostituição, como bem se sabe, não está exatamente de acordo com o senso moral da sociedade. A exploração sexual do próprio corpo objetivando a percepção de lucro nunca foi muito bem vista no meio social; de fato, mesmo as civilizações mais antigas – embora coniventes com sua prática – não enxergavam a prostituição como um standard comportamental adequado. Num ordenamento jurídico que consagra a dignidade da pessoa humana como valor supremo, então, pouco espaço há para que o Direito conceda a essa atividade econômica proteção jurídica.
Imagine-se, voltando ao exemplo anteriormente mencionado, uma situação em que A e B, maiores, capazes e não explorados economicamente por terceiros, estabelecem um contrato de prestação de serviços sexuais, sendo B devedora na obrigação de fazer (realização da atividade sexual) e A vinculado à obrigação de dar quantia certa em remuneração ao serviço prestado. B, porém, desiste de adimplir o compromisso firmado; A, inconformado, invoca a tutela jurisdicional através de uma ação cominatória em obrigação de fazer (CUNHA et al, 2010)[6], exigindo ao Judiciário que conceda a tutela específica da obrigação assumida por B. Poderá o julgador, com base no art. 461 do Código de Processo Civil, prezar pelo adimplemento da obrigação e tutelar o suposto direito material de A à consumação do ato sexual – inclusive com a fixação de astreintes? Entendemos que não, pois o objeto das obrigações assumidas é ilícito por contrariar a moral, os bons costumes e os valores adotados pelo ordenamento jurídico[7].
A segunda característica inerente ao objeto da relação obrigacional é a possibilidade, entendendo a doutrina que esta se divide em possibilidade material e possibilidade jurídica. A possibilidade material é aquela que pode ser depreendida dos dados do plano ontológico, ou seja, da realidade dos fatos – independentemente da valoração que lhes é dada pelo Direito. A obrigação de colocar levantar um caminhão de carga com as mãos, por exemplo, é materialmente impossível. E, como bem aduz Caio Mário (2011, p. 19), “se o sujeito passivo deve o que não é possível, em verdade nada deve”.
Note-se que a impossibilidade que aqui abordamos é aquela já existente quando do estabelecimento dos termos da relação obrigacional; se A e B se vincularem à prestação mencionada no parágrafo anterior é certo que já no tempo em que os dois firmaram o compromisso a realização da tarefa era impossível. Se, porém, a impossibilidade se manifesta em momento posterior à criação do vínculo obrigacional não há que se falar em nulidade da relação, mas sim em resolução da mesma. Imagine-se o caso em que C e D firmam um contrato de compra e venda de um livro antigo e raro, do qual não existe nenhum outro exemplar; minutos antes da transação, C, o dono do livro, derruba-o acidentalmente em uma poça de água, que imediatamente desfaz suas páginas. A prestação era possível quando do acordo entre as partes; a impossibilidade, nesse caso, foi superveniente. A solução para tal caso é dada pelo art. 234 do Codex e consiste, como dissemos, na resolução da obrigação (com eventual responsabilização do devedor por perdas e danos, quando for o caso).
A possibilidade jurídica, por sua vez, é aquela que deriva da lógica do Direito, da necessária relação de coerência e harmonia que existe entre seus institutos. De fato, sendo uno o ordenamento, não há sentido em permitir que determinadas relações se efetivem à margem desse campo harmônico. Imagine-se, por exemplo, um negócio jurídico que tenha por objeto a herança de uma pessoa viva; o instituto da herança, como foi concebido desde os primórdios do Direito, refere-se ao patrimônio deixado por uma pessoa que veio a falecer. Ofende a lógica da ciência jurídica a ideia de alguém possa herdar algo de um indivíduo que ainda está vivo; a obrigação que tenha por objeto a herança de pessoa que não morreu, portanto, é nula por impossibilidade jurídica do objeto. Vale lembrar que, mesmo não sendo necessário, o art. 426 do Código Civil positivou o preceito aqui exposto, afirmando que “não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.
Existe uma pequena querela doutrinária quanto à existência de diferença entre impossibilidade jurídica e ilicitude do objeto. O tema se situa, realmente, em uma zona cinzenta, e tem relevância mais por seu valor científico do que pela produção de efeitos práticos – já que, de acordo com o art. 166, II, do Codex, a consequência para os dois casos é a nulidade.
Há quem entenda, como Caio Mário (2011, p. 19), que os dois conceitos são idênticos; diz o renomado professor que ambos “entram na mesma linha de insubordinação aos preceitos”, sendo, portanto, sinônimos. Ousamos discordar; enquanto a ilicitude expressa a repulsa do Direito sobre determinado objeto, a impossibilidade jurídica denota simplesmente que o mesmo não poderá, sobre certas condições, figurar na relação obrigacional – sob pena de subverter-se a rattione materiae do ordenamento. Expliquemo-nos: o instituto jurídico da herança é, obviamente, reconhecido e admitido pelo Direito – é, de fato, criado por ele. A transmissão de heranças é um fenômeno jurídico plenamente válido, só que o mesmo somente poderá ocorrer se atendidos alguns pressupostos – o primeiro e mais básico deles sendo o falecimento do antigo titular do patrimônio a ser transmitido.
A ilicitude caminha por vias diferentes, representando a relação de contrariedade existente entre o objeto da relação obrigacional e o Direito – sem, porém, subverter a sua lógica. Voltando ao exemplo citado em parágrafos anteriores: a venda de cocaína é ilícita apenas porque existe norma proibitiva dessa prática, ou seja, a realização de uma transação comercial envolvendo a referida droga não ofende a coerência do ordenamento nem subtrai o sentido de algum de seus institutos – é a lesividade social da conduta que obriga o Direito a vedá-la. Também é oportuno salientar que a violação a princípios referentes à moral e aos bons costumes pode levar à ilicitude do objeto – não, porém, à sua impossibilidade jurídica (GONÇALVES, 2012, p. 42).
A última característica do objeto da relação obrigacional prevista no art. 104 do Código é a determinabilidade. Assim como acontece com os elementos subjetivos (tópico 2, supra), não é necessário que o objeto esteja determinado já no momento da gênese da obrigação; o que se veda, porém, é que ele seja completamente indeterminado. Novamente, a fonte da obrigação deve fornece o critério para que se determine até o momento de sua execução qual o objeto da mesma. O exemplo clássico de objeto inicialmente indeterminado lembrado pela doutrina é aquele presente nas obrigações de dar coisa incerta, que vem indicado apenas pelo gênero e pela quantidade (art. 243 do Código).
Por fim, além dos caracteres elencados no inciso II art. 104, parte da doutrina civilista entende que a patrimonialidade também constitui conceito inerente ao objeto da relação obrigacional. O argumento principal dessa corrente doutrinária é o de que, ocorrendo o inadimplemento da obrigação, o credor terá direito a buscar no patrimônio do devedor relapso o equivalente pecuniário à prestação combinada, bem como eventual reparação por prejuízos causados. Entendemos ser mais adequado o raciocínio oposto; como bem expressam Rosenvald e Farias (2012, p. 78 e s.), a possibilidade de apreciar economicamente a relação está mais diretamente relacionada à responsabilidade do devedor (a haftung da cátedra de Alois Brinz), sendo inadequado caracterizar o objeto através de um instituto jurídico que não é de sua essência – a responsabilização patrimonial do devedor inadimplente. Em interessante síntese do assunto, Rafael Rodrigues[8] afirma que a possibilidade de atribuir uma estimativa econômica ao objeto da relação obrigacional é de extrema importância para lhe conferir estabilidade e coercibilidade, mas não para definir a natureza do próprio objeto.
O Código Civil Português, em seu art. 398, expressamente aderiu a essa tese, afirmando que “a prestação não necessita de ter valor pecuniário. Mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal”.

MOTTA, Thiago de Lucena. Elementos da relação obrigacional: uma abordagem estrutural. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23715>. Acesso em: 15 fev. 2013.

Sujeitos da relação obrigacional

Como bem afirmam Nelson Rosenvald e Cristiano de Farias (2012, p. 71), toda relação jurídica é protagonizada por sujeitos, sendo estranha ao ordenamento jurídico a possibilidade de obrigação entre dois patrimônios. É imperioso admitir que a massa patrimonial dos sujeitos é que responde pelo eventual inadimplemento do compromisso fixado, sem dúvida; isso, porém, não significa dizer que é entre os seus patrimônios que se estabelece o vínculo jurídico. Tal concepção, embora relativamente aceita no meio doutrinário dos séculos XIX e início do século XX, deve ser rechaçada por afrontar diretamente a lógica da Teoria Geral do Direito, que não visualiza relação jurídica senão entre sujeitos – capazes de direitos e deveres.
O elemento subjetivo da obrigação é, portanto, formado pelos sujeitos que a estabelecem, que definem a prestação que será seu objeto e, de acordo com cada caso, definem outras regras pelas quais deverá se pautar a relação. Podem ser sujeitos pessoas físicas, jurídicas (de direito público e privado) e até mesmo entes despersonalizados, como as sociedades de fato e os condomínios edilícios. Estes, por exemplo, são credores nas obrigações propter rem dos condôminos de contribuir com o pagamento das taxas condominiais para a conservação da coisa comum; por outro lado, são devedores nas obrigações de dar quantia certa aos funcionários que zelam por sua limpeza e segurança.
Podemos reforçar a afirmação do parágrafo anterior recorrendo ao art. 12 do Código de Processo Civil, que em seus incisos VII e IX dispõe, respectivamente, sobre a representação em juízo das sociedades de fato e dos condomínios; ora, se o Direito estende a tais entes desprovidos de personalidade jurídica a possibilidade de figurar como polo da relação processual, verdadeiro contrassenso seria negar-lhes a possibilidade de agir como sujeito de obrigações.
É importante salientar que o elemento subjetivo da relação obrigacional é dúplice: ele constitui-se de um polo ativo, ao qual se convencionou denominar “credor”, e de um passivo, que recebeu o nome de “devedor”. O ativo é aquele que pode exigir a prestação combinada quando do estabelecimento da obrigação, sendo-lhe facultada a mobilização do aparato coercitivo do Estado nos casos em que ela não for espontaneamente adimplida; o passivo é o que se encontra adstringido ao referido adimplemento, respondendo por ele com seu patrimônio.
Note-se que raramente, em um dado negócio jurídico, os envolvidos ocuparão apenas um dos polos que mencionamos; o mais comum é que eles interajam através de múltiplas obrigações, alternando entre as posições de credor e devedor. Imagine-se, por exemplo, o negócio jurídico fixado entre a pessoa física A e a pessoa jurídica B no qual aquela adquire desta um automóvel; do contrato de compra e venda entre eles estabelecido emanam duas obrigações distintas: a de dar coisa certa, em que B é devedor e A credor, e a de dar quantia certa, na qual A é devedor e B é credor.
Como se vê, não há lugar para confusão entre os conceitos de negócio jurídico e obrigação; aquele é fonte desta e, na maioria dos casos, origina diversas obrigações, com sujeitos distintos ocupando os polos ativo e passivo.
A duplicidade do elemento subjetivo não impõe óbices à possibilidade de que figurem, em qualquer dos polos, diversos sujeitos: é o fenômeno que se chama de “pluralidade subjetiva” (LYRA JÚNIOR, 2002)[1]. O legislador de 2002 tinha tal realidade em mente ao tratar das obrigações divisíveis, indivisíveis e solidárias, estabelecendo efeitos distintos para cada uma delas de acordo com o grau de vinculação dos sujeitos ao adimplemento da prestação combinada.
Assim, nas obrigações indivisíveis, por exemplo, poderá o credor demandar de qualquer dos devedores o adimplemento de toda a dívida, segundo a dicção do art. 259 do Código Civil, enquanto nas divisíveis o devedor se liberta do vínculo obrigacional com a prestação de sua quota-parte (art. 257). Já nas obrigações solidárias, conforme a previsão do art. 264, cada um dos devedores está obrigado à dívida inteira – e cada um dos credores tem, sobre toda ela, direito subjetivo. Vale lembrar que as regras atinentes à prescrição também variam de acordo com o regime de pluralidade subjetiva adotado; nem sempre o decurso do lapso prescricional afetará a todos os integrantes de um polo da relação obrigacional da mesma forma. A regra geral, aliás, contida no caput do art. 204, é que isso não ocorra; apenas em algumas situações, de natureza excepcional, a interrupção da prescrição produzirá efeitos para todos os sujeitos de determinado polo – como no caso das obrigações solidárias, regulado pelo § 1° do referido artigo, em que a interrupção afeta a todos os devedores ou credores solidários.
Não há problemas, portanto, no reconhecimento da pluralidade subjetiva. O que se exige, todavia, é que os sujeitos da relação obrigacional sejam, no mínimo, determináveis. Perceba-se que eles não precisam estar, desde o nascimento da obrigação, plenamente determinados; faz-se necessário, porém, que a sua determinação seja possível até o momento do adimplemento da prestação combinada. Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 40) afirma que a fonte da obrigação – na maioria das vezes o negócio jurídico – deve oferecer critérios bastantes para que isso ocorra; o mesmo autor dá o exemplo da promessa de recompensa oferecida por B a quem encontrar um objeto seu que foi perdido. Ora, não é possível a B saber quem encontrará o objeto – o credor da recompensa é, por conseguinte, indeterminado. No entanto, B fornece o critério para saber quem ganhará o galardão prometido, possibilitando a posterior determinação do sujeito ativo da obrigação. Aduz Caio Mário da Silva Pereira (2011, p. 17) que a indeterminação do sujeito passivo é bem menos comum do que a do ativo; de fato, inúmeros são os casos em que se desconhece, inicialmente, o credor da relação obrigacional – as hipóteses da emissão de títulos ao portador e a supracitada promessa de recompensa confirmam essa afirmação –, mas raros aqueles em que o devedor é indeterminado no momento inicial. O referido autor, porém, traz-nos o exemplo do adquirente de um imóvel hipotecado, que responde pela dívida garantida pelo imóvel que adquiriu mesmo que, quando de sua gênese, não fosse devedor.
Em geral, também se exige dos sujeitos da obrigação a capacidade civil para obrigar-se; se incapazes, deverão ser representados ou assistidos, conforme a espécie de incapacidade que sobre eles recai. Nem sempre, porém, a capacidade é requisito para o surgimento válido de uma relação obrigacional; importante exemplo é o do art. 928 do Codex, que dispõe sobre a responsabilização civil dos danos causados por incapazes. Adotamos, aqui, o entendimento de que a responsabilidade civil também é fonte das obrigações (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 123), o que nos leva à conclusão de que o incapaz pode, sim figurar no polo passivo de uma obrigação oriunda de um ilícito civil por ele causado.
Também é oportuno destacar que a condição de credor ou devedor não é estanque; o nosso Direito admite diversas possibilidades em que o status ativo ou passivo assumido por um sujeito em determinada relação obrigacional pode ser transmitido a outrem. É o que ocorre, por exemplo, nos casos da cessão de crédito (CRUZ, 2010)[2], negócio jurídico em que o titular de determinado crédito o cede, bem como os seus acessórios, a um terceiro (denominado cessionário); o cessionário adquire, pois, a posição de credor previamente ocupada pelo cedente, impondo-se o ônus de que o devedor seja comunicado para que a cessão seja eficaz em relação a ele (art. 290 do Codex).
A previsão do parágrafo único do art. 259 do Código, que prevê a sub-rogação do devedor que adimpliu obrigação indivisível na condição de credor frente aos demais coobrigados, também nos parece um exemplo da transmissibilidade do status ativo nas relações obrigacionais.
Modalidade análoga à cessão de crédito, mas com foco no polo passivo da obrigação, é a assunção de dívida; nela, o status de devedor é transmitido a um terceiro que se torna responsável pelo adimplemento da obrigação (GOMES, 2007)[3]. Exige-se, para que seja válida, a anuência do credor – que, aliás, deve ser expressa, uma vez que conforme a dicção do parágrafo único do art. 299 o silêncio do credor deve ser interpretado como negativa à assunção. Protegendo a boa-fé e a honestidade nas relações jurídicas, o texto legal também afirma que se o terceiro que assume a dívida for insolvente (e esse fato não entrar na esfera de conhecimento do credor) a assunção não receberá a proteção do ordenamento jurídico.
Tais hipóteses levaram Caio Mário (2011, p. 16) a afirmar que a regra geral quanto a esse aspecto das relações obrigacionais é a da “transmissibilidade plena”, ou seja, apenas em determinados casos, notadamente excepcionais, a condição de credor ou devedor não poderá ser transmitida. A qualidade de credor de pensão alimentícia, por exemplo, não é transmissível (art. 1707 do Codex), posto que a prestação de alimentos tem por objetivo a satisfação das necessidades mais elementares da pessoa humana; não poderá o sujeito ativo da obrigação, portanto, praticar a cessão de crédito prevista no art. 286. Pensamento diverso induziria ao reconhecimento (constitucionalmente vedado), por vias indiretas, da prisão civil por dívida; imaginemos que se A cedesse a C o crédito oriundo de pensão alimentícia em troca de um quadro de luxo, por exemplo, B, alimentante, poderia ser preso pelo inadimplemento da pensão que, em última instância, foi usada para um fim totalmente diverso daquele incialmente estabelecido[4].
Finalizando o presente tópico, impende ressaltar que a confusão, na mesma pessoa, das qualidades de credor e devedor, extingue a obrigação (conforme expressa previsão do art. 381 do Código Civil).

MOTTA, Thiago de Lucena. Elementos da relação obrigacional: uma abordagem estrutural. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23715>. Acesso em: 15 fev. 2013.

Teoria da perda de uma chance: legislação e jurisprudência

Por se tratar de um tema relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, o instituto da perda de uma chance ainda não está prevista de forma expressa na legislação, sendo admitida por analogia pelo artigo 5º, V e X, CF/88, onde salienta-se que a busca incessante da reparação de danos como dogma constitucional, abraçando também as hipóteses das chances perdidas. (BIONDI, 2007).
Os artigos 186 c/c 927 do Código Civil pátrio prevêem a obrigação de reparar o dano causado a outrem decorrente de ato ilícito (BRASIL, 2002). Deste modo, é totalmente aceitável que se estenda a obrigação prevista neste dispositivo às demais espécies de dano existentes na atualidade, provenientes do avanço das relações sociais.
O artigo 402 do Código Civil estabelece que “as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. (BRASIL, 2002). Neste caso, se a perda da chance for vista como uma terceira modalidade de dano, a indenização decorrente estará enquadrada na segunda parte deste artigo.
Na jurisprudência, percebe-se que na maioria dos tribunais brasileiros há a aplicação da teoria da perda de uma chance, entretanto, timidamente, ou seja, em números não tão expressivos. Abaixo estão acórdãos extraídos de alguns tribunais brasileiros, onde estão presentes julgados que fazem menção à teoria da perda de uma chance.
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em suas decisões, entende a perda de uma chance como dano autônomo. É o que se pode observar nos julgados a seguir:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - INDENIZAÇÃO - ADVOGADO - LEGITIMIDADE - SINDICATO - INÉRCIA - PRESCRIÇÃO - DEMANDA TRABALHISTA - PERDA DE UMA CHANCE - RESPONSABILIDADE DO SINDICATO E DO ADVOGADO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - RECURSO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA. [...] O não ajuizamento de demanda trabalhista dentro do prazo prescricional causou ao sindicalizado prejuízos materiais e morais, sendo que os materiais decorrem da aplicação da Teoria da Perda de uma Chance e os morais decorrem da frustração sofrida pela parte que, após nutrir expectativas acerca de eventual condenação de ex-empregador na Justiça Laboral, toma conhecimento de que não será mais possível o ajuizamento da demanda em razão do decurso do prazo previsto para tanto.  Considerando que havia uma real chance do autor ser beneficiado pela condenação trabalhista, caso a demanda houvesse sido ajuizada dentro do prazo prescricional previsto para tanto, a fixação do dano material no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é suficiente para indenizar a perda da oportunidade do ajuizamento da ação. Na fixação da verba indenizatória a título de dano moral, seguem-se os ditames do art. 944 do CC⁄02, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade recomendados pelo C. STJ e, no caso concreto analisado, é suficiente e necessária a fixação do valor de R$ 2.000,00. Recurso provido. Sentença reformada. TJES - Apelação Cível nº024030214407, 17/08/2010, Primeira Câmara Cível – Rel. Carlos Simões Fonseca.  (ESPÍRITO SANTO, 2010).
Trata-se do não ajuizamento de demanda trabalhista dentro do prazo prescricional, causando ao sindicalizado prejuízos materiais e morais. Fora reconhecida a existência de danos materiais decorrentes da aplicação da Teoria da Perda de uma Chance e morais decorrentes da frustração sofrida pela parte ao tomar conhecimento de que não seria mais possível o ajuizamento da demanda em razão do decurso do prazo previsto para tanto. Nesse sentido, fora arbitrado o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) pela perda da oportunidade do ajuizamento da ação, considerando que havia uma real chance do autor ser beneficiado pela condenação trabalhista, caso a demanda houvesse sido ajuizada dentro do prazo prescricional previsto para tanto. Quanto ao dano moral, fora fixado o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
No próximo julgado, ocorrida a morte de filho único de família de baixa renda, após acidente na linha férrea, e estando a vítima em idade produtiva, houve a presunção de dependência em relação ao filho. Foram acolhidas as espécies de dano moral e material, pelos lucros cessantes e a perda de uma chance, sendo esta entendida como um dano autônomo.
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA- TEORIA DO RISCO - ACIDENTE NA LINHA FÉRREA - MORTE DA VÍTIMA - FILHO ÚNICO - MAIOR - DEFICIENTE AUDITIVO - CULPA CONCORRENTE - AUSÊNCIA DE OFENDÍCULOS E SINALIZAÇÃO PARA PEDESTRES - DANOS MATERIAIS - LUCROS CESSANTES - PERDA DE UMA CHANCE - DANOS MORAIS - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1 - Nexo de causalidade entre o dano e o ato omissivo da companhia caracterizado. Teoria do Risco. 2- Os fatos ainda demonstram a existência de culpa concorrente, elisiva da culpa exclusiva da vítima. 3- Deficiência auditiva da vítima não é suficiente para excluir a responsabilidade de manutenção de cercas, passarelas e sinalização adequada. 4- Filho único de família de baixa renda, em idade produtiva, presunção de dependência em relação ao filho. Dano material por lucros cessantes, pela perda de uma chance. Dano moral configurado. 5 - Honorários deve obedecer a condenação. 6- Recurso parcialmente provido. TJES - Apelação Civel nº14050013482, 24/03/2006, Segunda Câmara Cível – Rel. Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon. (ESPÍRITO SANTO, 2006).
Nas decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, apesar de haver o reconhecimento da teoria da perda de uma chance, esta estaria atrelada ao dano moral, sendo este o fundamento para a concessão da indenização, conforme as decisões abaixo:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDOS COMO AGRAVO INOMINADO. APELAÇÃO CÍVEL. ERRO DE DIAGNÓSTICO. DANO MORAL. CABIMENTO.1. DA FUNGIBILIDADE.2. DO AGRAVO RETIDO3. DA RELAÇÃO DE CONSUMO4. DA RESPONSABILIDADE CIVIL5. DO DANO MORAL6. CONCLUSÃO. [...] 4. Indiscutível o dano causado pela recorrente à autora. Aplicação da teoria da perda de uma chance, pois de acordo com a prova dos autos se o diagnóstico realizado no primeiro momento fosse preciso, possivelmente o procedimento seria mais conservador, sendo desnecessário procedimentos invasivos e danosos como os suportados pela autora.5. Manutenção do dano moral no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), face às peculiaridades do caso concreto.6. Recurso que não segue. TJRJ - Apelação Cível nº 0001629-23.2004.8.19.0209, 06/10/2010, Décima Quarta Câmara Cível - Des. Jose Carlos Paes. (RIO DE JANEIRO, 2010).
Decisão referente ao erro de diagnóstico, o que levou a paciente (autora) a suportar procedimentos invasivos e danosos, tirando-lhe a oportunidade de ser tratada através de procedimento mais conservador. Aplicou-se a teoria da perda de uma chance, entretanto o quantum a ser indenizado foi referente ao dano moral no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), face às peculiaridades do caso concreto.
No caso a seguir, mais uma vez é reconhecida a teoria, porém, a indenização é concedida a título de dano moral.
APELAÇÃO. INDENIZATÓRIA. Erro no procedimento do diagnóstico médico adotado em hospital sob a administração do município recorrente. Laudo pericial elaborado por expert do juízo que concluiu pela ocorrência de nexo causal, por erro diagnóstico, aplicando-se a teoria da perda de uma chance. Teoria aplicada ao presente caso, diante do não esgotamento de todos os meios necessários ao restabelecimento da saúde do paciente o que culminou no óbito mesmo. Responsabilidade do município de natureza objetiva devidamente demonstrada pelo nexo de causalidade existente entre o óbito da menor e a prestação de serviços de forma irregular por seus agentes. Redução da verba indenizatória a título de dano moral que se impõe para assim adequar-se aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade considerando-se o direcionamento do quantum indenizatório para o mesmo núcleo familiar. Recurso da municipalidade que se dá provimento parcial em reexame necessário. TJRJ - Apelação Cível nº 2007.001.32061, 03/10/2007, Décima Terceira Câmara Cível - Des. Azevedo Pinto (RIO DE JANEIRO, 2007).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais tem se manifestado no sentido de entender a perda de uma chance como um dano autônomo, porém, nos casos em que é aplicada, a reparação está atribuída à esfera dos lucros cessantes.  
Na decisão a seguir, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nota-se a aplicação da teoria da perda de uma chance, entretanto, a concessão da indenização fundamenta-se na esfera no dano moral
EMENTA: INDENIZAÇÃO - QUEDA DE FOGUEIRA MONTADA EM FESTA ORGANIZADA PELO ENTE MUNICIPAL - RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 37, § 6.º, DA CR/88) - QUEIMADURAS - DANO E NEXO DE CAUSALIDADE COMPROVADOS - DANOS MORAIS, MATERIAIS E LUCROS CESSANTES - CONFIGURAÇÃO - PERDA DE UMA CHANCE - DEVER DE INDENIZAR. Comprovados o liame de causalidade entre a conduta da pessoa jurídica de direito público e o dano ocorrido, não tendo se verificado a ocorrência de nenhuma das causas excludentes da responsabilidade, tem-se por certo o dever de reparação. O valor do dano moral deve ser fixado de forma a compensar a vítima pela dor e sofrimento experimentados e, ao mesmo tempo, desestimular o causador do dano a reiterar na conduta lesiva. Quando passíveis de identificação em separado, é cabível a cumulação de danos morais com danos estéticos, mesmo que decorrentes do mesmo evento. O deferimento dos danos materiais e dos lucros cessantes fica condicionado à demonstração do efetivo prejuízo suportado pela vítima. A perda de uma chance verifica-se quando se dá a frustração de uma oportunidade em que seria obtido um benefício sério e real, em virtude da ocorrência de um ato de terceiro. TJMG - Numeração Única: 5832372-96.2005.8.13.0024, 03/05/2011 - Relator: Des.(a) Geraldo Augusto. (MINAS GERAIS, 2011).
Trata-se de reexame necessário da sentença que julgou parcialmente procedente o pedido do autor, para condenar o Município a pagar o valor de R$ 100.000,00 a título de danos morais e danos estéticos também no valor de R$ 100.000,00, bem como, a título de danos materiais e lucros cessantes, pensão mensal de 1,5 salário mínimo. Nesta decisão foi aplicada a teoria da perda de uma chance, contudo, a fixação do quantum indenizatório teve com base o instituto dos lucros cessantes.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. SERVIÇO PRIVADO DE EMERGÊNCIA MÉDICA. DEMORA NO ATENDIMENTO. FALECIMENTO. FALHA DO SERVIÇO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. Caso em que a parte autora se desincumbiu do ônus que lhe competia, isto é, demonstrou a existência do dano (morte). Causalidade compreendida a partir da teoria da perda de uma chance. Deficiência da prestação do serviço, pois o autor, com a expectativa de aguardar poucos minutos para ver seu pai atendido, em virtude da prévia contratação entabulada, foi obrigado a esperar por quase uma hora os serviços contratados. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. TJRS - Apelação Cível nº 70040330409 Relator: Leonel Pires Ohlweiler. Nona Câmara Cível. Julgado em 23/11/2011. (RIO GRANDE DO SUL, 2011).
Analisando a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Ceará, abaixo transcrita, observa-se que, apesar de a aplicação da teoria da perda de uma chance ser sido suscitada na fundamentação, acaba tornando-se um mero agregador ao dano moral.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALECIMENTO DE USUÁRIO DE PLANO DE SAÚDE. DEMORA NO ATENDIMENTO. PRIMEIROS SOCORROS. PACIENTE CARDÍACO. AMBULÂNCIA NÃO DISPONIBILIZADA ATEMPADAMENTE. INCIDÊNCIA DA TEORIA DA CONCAUSA E DA PERDA DA CHANCE. COMPROVAÇÃO DO ATO LESIVO. NEXO DE CAUSALIDADE SUFICIENTE A SUPORTAR A CONDENAÇÃO. VERBA INDENIZATÓRIA MANTIDA COM MODERAÇÃO DO QUANTUM. APELAÇÃO PROVIDA PARCIALMENTE. [...] 4. Dessarte, ocorrendo subsídios a confirmar a tese de que a demora no atendimento realizado pela Unimed Fortaleza, concorreram para o fatídico falecimento, noticiado na lide, deve ser mantido o decisorium que arbitrou indenização em face da operadora de plano de saúde. In casu, a tardança na disponibilização de ambulância, para o transporte de paciência cardíaco, leva a aplicação da perda da chance, além de representar descumprimento indevido do dever contratado em instrumento de prestação de serviço. 5. No entanto, devem ser minorados os valores indenizatórios fixados pelo juízo a quo, em homenagem ao princípio da razoabilidade. 6. Apelação provida, em parte. TJCE - Apelação Cível nº50728545200080600011. Relator: José Mário dos Martins Coelho. Órgão julgador: 6ª Câmara Cível. Data de registro: 15/06/2011.   (CEARÁ, 2010)
Observa-se na próxima decisão, que o Tribunal de Justiça do Amapá, se posiciona no mesmo sentido, quando condena o réu ao pagamento de indenização por dano moral.Após a morte do pai do autor devido à demora de atendimento que deveria ser prestado por plano de saúde, apesar de ser mencionada a perda da chance de sobrevivência da vítima, a concessão da indenização teve como fundamento o dano moral.
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. DANO MORAL. TEORIA DA PERDA DE CHANCE. INCÚRIA DA REDE PÚBLICA HOSPITALAR. NÃO REALIZAÇÃO DE EXAME ESSENCIAL PARA O DIAGNÓSTICO CORRETO, POR DEFEITO EM APARELHO MÉDICO DO ESTADO. NEXO CAUSAL COMPROVADO NO DESFECHO DO EVENTO FATAL. 1) Autoriza a indenização por dano moral o fato da perda de uma chance, concreta e realizável, de um diagnóstico preciso que certamente o exame de tomografia computadorizada recomendado pelos médicos permitiria ministrar no paciente, que foi a óbito sem sequer ter a oportunidade de ser tratado adequadamente, pela incúria estatal, demonstrada no descaso no conserto do aparelho de exame médico, e no entrave burocrático para autorizar o exame na rede médica particular. 2) Apelo provido para reformar a sentença recorrida e condenar o réu ao pagamento de indenização por dano moral. TJAP – Apelação Cível nº17893. Relator: Desembargador Edinardo Souza Órgão julgador: Câmara Única. Publicado no DJE N.º 14 em 25/01/2011. (AMAPÁ, 2011).
Observa-se que em alguns tribunais do país a jurisprudência faz menção à teoria da perda de uma chance, não restando dúvida quanto a sua aplicação. Entretanto, as indenizações, em sua grande maioria são concedidas com base em outros institutos, devido à inexistência de parâmetros para uma correta classificação. Em suma, como na doutrina não é pacífico o entendimento acerca da natureza jurídica do instituto, o mesmo fato vem a refletir na jurisprudência.
Em alguns estados não são encontrados julgados nesse sentido. Nos casos em que houve a aplicação da teoria, verifica-se que a concessão da indenização pele perda da chance encontra amparo em outros institutos. Em pouquíssimos casos a fixação do quantum indenizatório baseia-se em critérios específicos, concernentes ao instituto, cabíveis quando a perda da chance é vista como um dano autônomo.
Vale ressaltar que grande parte das demandas tem como objeto a reparação pela chance perdida de cura ou melhor tratamento de doença, bem como pela chance perdida de recorrer de uma decisão judicial pela desídia de advogado. Estas seriam as situações de maior incidência abraçadas pela teoria da perda de uma chance nos tribunais brasileiros.

NASCIMENTO, Silvia Renata Segatto Santos. Teoria da perda de uma chance . Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23709>. Acesso em: 15 fev. 2013.

Perda de uma chance : conceito e origem

Em épocas remotas, a forma de reparação do dano estava vinculada à pessoa daquele que o provocava. Atualmente, a reparação do dano é prestada forma bem diferente do que antigamente, extraindo-se a ideia de vingança, partindo para uma reparação pecuniária em face de um ato ilícito, ou seja, quem irá responder pelo prejuízo causado a outrem será o patrimônio daquele que ocasionou o dano. (DINIZ, 2003, p. 9).
Para que haja reparação é necessária a ocorrência do dano, podendo ser este de natureza moral ou patrimonial. Entende-se como conceito de dano, as palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2009, p.71),
[...] a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é a lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão entre dano patrimonial e moral.
No atual ordenamento jurídico brasileiro, é assegurado o direito de reparação por danos morais e patrimoniais decorrentes de ato ilícito. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, V, tutela o direito de resposta proporcional ao agravo e a devida indenização pelo dano causado como garantia fundamental. Já o Código Civil pátrio, prevê em seu artigo 186 c/c 927 a obrigação de reparar o dano causado a outrem decorrente de ato ilícito. A definição de ato ilícito é fornecida pelo art. 186:
Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, 2002).
Diante da definição de ato ilícito, somado à obrigação de que o consequente dano seja reparado, surge o instituto da responsabilidade civil, que consiste na reparação de um prejuízo causado a terceiro. Tal reparação tem o objetivo de fazer com que o lesado volte à situação anterior ao dano.
Sobre o conceito de responsabilidade civil, vários doutrinadores já expuseram em suas obras, tais como o ilustre Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 2),
A responsabilidade civil designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico preexistente. Daí é possível dizer que toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil.
Após um longo processo de evolução doutrinária, muitos foram os fundamentos da responsabilidade civil passando da fase subjetiva em que a culpa era a o fundamento principal do instituto, para a fase objetiva. Tal evolução é caracterizada pela ampliação de situações que possam dar ensejo à reparação por parte do responsável pelo dano, conforme ensina Maria Helena Diniz (2003, p.12),
A expansão da responsabilidade civil operou-se também no que diz respeito à sua extensão ou área de incidência, aumentando-se o número de pessoas responsáveis pelos danos, de beneficiários da indenização e de fatos que ensejam a responsabilidade civil.
Nesse sentido, o Judiciário, com o intuito de adequar-se às transformações oriundas desse desenvolvimento, buscando influência no Direito Francês, vem admitindo atualmente um direito que outrora não se podia cogitar no campo da responsabilidade civil, aplicando assim a chamada “teoria da perda de uma chance”, ou perte d’ une chance, podendo ser vista como um fator resultante dessa ampliação da responsabilidade, trazendo a possibilidade de indenização pela perda da oportunidade de se obter uma vantagem, ou de se evitar um prejuízo causado por ato ilícito de terceiro.
Contudo, para que haja a concessão de indenização pela perda de uma chance através do Judiciário, é necessário que tal oportunidade perdida ou prejuízo não evitado trate-se de fato sério e real. O objeto que dará ensejo à indenização será a chance perdida de se concretizar ou evitar algo e não a vantagem em si, já que esta era incerta. Para tanto, mister se faz a análise da situação, ou seja, do caso concreto, onde o magistrado irá apurar, com base em critérios específicos e vigentes, se é cabível a aplicação da teoria para a concessão de indenização à vítima por esta espécie de dano.
Segundo Rafael Peteffi da Silva (2012),
[...] para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. Devem ser analisados requisitos básicos como os de que as chances sejam sérias e reais, bem como a quantificação das chances perdidas, onde a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima.
Assim, a delimitação do valor a ser indenizado pela perda da chance não será equiparado à vantagem perdida, pois o objeto da reparação não é a vantagem em si, esperada pela vítima, já que não se pode afirmar que esta ocorreria caso não lhe fosse tirada a chance, mas sim a perda da oportunidade de obtê-la ou de se evitar um prejuízo decorrente da ação ou omissão do agente. Indeniza-se, portanto, o valor econômico da chance.
Sobre o conceito da teoria da perda de uma chance, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2007, p. 509), asseveram em sua obra que “entre o dano certo e o dano hipotético pode existir uma terceira via, com significado e efeitos próprios”.  Entende-se desta forma que para que tal dano tenha de fato efeitos próprios, é necessário, todavia, que o prejuízo seja composto de seriedade e realidade, não sendo objeto do direito à reparação meras conjunturas de cunho subjetivo daquele que se sentiu lesado. (FARIAS ; ROSENVALD, 2007, p. 509).
Para que seja caracterizada a teoria da perda de uma chance é necessário que desapareça a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, em virtude da conduta de outrem, como progredir de carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, e assim por diante. Deve-se, pois entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. (CAVALIERI FILHO, 2009, p.75).
Dentre outras possibilidades de aplicação da teoria da perda de uma chance, podem ser citados os casos de desídia do advogado, fazendo com que seu cliente perca a chance de vencer a demanda ou de recorrer de eventual sucumbência; o médico que não diagnostica corretamente o paciente com doença grave, retardando o tratamento; o concursando que é impedido de fazer a prova devido a acidente causado por terceiro durante o trajeto, etc.
Sua origem se deu em 1965, em uma decisão da Corte de Cassação Francesa, que pela primeira vez se utilizou tal conceituação. Tratava-se de um recurso acerca da responsabilidade de um médico que teria proferido o diagnóstico equivocado, retirando da vítima suas chances de cura da doença que lhe acometia. Seguindo essa nova posição, houveram outras decisões proferidas pela referida Corte que aplicaram a mesma teoria. Com isso, esse posicionamento passou a se consolidar perante a Corte de Cassação Francesa. (GODIM, 2005 apud BIONDI, 2008).
No Brasil, o primeiro julgado referente à perda de uma chance encontra-se na área médica, tratava-se de indenização em decorrência de erro médico, caso emblemático de aplicação da responsabilidade civil por perda de uma chance, em que uma paciente se submeteu a uma cirurgia para correção de miopia em grau quatro da qual resultou uma hipermetropia em grau dois, além de cicatrizes na córnea que lhe acarretou névoa no olho operado. O acórdão foi proferido em 1990 pelo então Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ruy Rosado de Aguiar Junior. Nesta ocasião, porém, o acórdão foi no sentido de concluir que a teoria não se aplicava àquele caso concreto. (SAVI, 2006, p. 45).
No tocante à natureza jurídica do dano ocasionado pela perda da chance, a doutrina oscila no que diz respeito à sua classificação. Parte dela classifica-a como lucro cessante, dano moral ou como um dano autônomo.
No que diz respeito ao conceito de lucros cessantes, consideram-se estes o reflexo futuro que deixou de fazer parte do patrimônio da vítima, sendo necessária neste caso a comprovação em juízo da existência de prejuízo futuro. (FARIAS E ROSENVALD, 2007, p. 509).
Entende-se por dano moral o prejuízo que afete o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. (VENOSA, 2008, p. 41). A Constituição Federal de 1988, tendo a dignidade da pessoa humana como um de seus fundamentos, trouxe em seu art. 5º, V e X a possibilidade de reparação pela violação do direito à dignidade, que pode ser entendido como o dano moral.
Conforme o entendimento de Silvio de Salvo Venosa (2008, p. 288), “[...] a denominada perda da chance pode ser considerada como uma terceira modalidade nesse patamar, a meio caminho entre dano emergente e lucro cessante”. Por este prisma, a perda de uma chance não poderia ser comparada ao dano moral, como entende parte da doutrina, mas sim estaria enquadrada na espécie de dano material.
Assim é o entendimento de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2007, p.509), quando explicam que a teoria da perda de uma chance tem sentido diverso do lucro cessante, pois neste há uma probabilidade objetiva de que o resultado em expectativa aconteceria se não houvesse o dano, já naquela, a expectativa é aleatória, sendo impossível afirmar que o fato aconteceria se o fato antijurídico não se concretizasse, mas havendo, inegavelmente a certeza da perda da oportunidade.
A problemática que envolve o tema está na divergência doutrinária acerca da classificação da perda da chance, e, por consequência, a grande dificuldade que o Judiciário enfrenta para enquadrar a perda da chance, fato este que pode vir a inviabilizar a procedência da demanda, dependendo de como esta for entendida pelo magistrado.

NASCIMENTO, Silvia Renata Segatto Santos. Teoria da perda de uma chance . Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3515, 14 fev. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/23709>. Acesso em: 15 fev. 2013.

Não é preciso comprovar dano por uso de imagem sem autorização em campanha

O dano moral decorre da própria violação do direito de imagem e não é necessária, portanto, a comprovação de prejuízo para sua configuração. Esse foi o entendimento da 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo ao julgar favoravelmente um recurso de um recém-nascido, representado pelos seus pais, que pedia o pagamento de indenização ao município de Cubatão (SP), por exposição indevida de sua imagem.

A Prefeitura veiculou a imagem do bebê, abandonado com poucas horas de vida em uma sacola de feira, em um informativo. De acordo com o voto do relator, desembargador Marrey Uint, houve exposição da imagem do recém-nascido com fins exclusivamente econômicos e publicitários, em razão de campanha promovida pela Prefeitura de Cubatão e veiculada em revista de grande circulação e em outdoors espalhados pelo país.

Em primeira instância, o pedido de indenização foi julgado improcedente. Entretanto, na 3ª Câmara, a turma julgadora acompanhou de forma unânime o voto do relator. O desembargador afirmou caber indenização por dano moral pelo uso indevido da imagem. “Os sentimentos de uma família não podem ficar ao bel-prazer daqueles que desconhecem a proteção e os cuidados que um filho precisa”, escreveu o relator.

Com a decisão, o município de Cubatão deverá pagar R$ 20 mil em indenização, sendo R$ 10 mil ao menor e R$ 5 mil para cada um dos pais adotivos. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
Revista Consultor Jurídico, 14 de fevereiro de 2013
http://www.conjur.com.br/2013-fev-14/nao-preciso-comprovar-dano-uso-imagem-autorizacao-campanha

Mulheres podem compartilhar maternidade de criança


O Superior Tribunal de Justiça manteve a decisão que garantiu, dentro de uma união estável homoafetiva, a adoção unilateral de filha concebida por inseminação artificial por uma das companheiras para que ambas compartilhem a condição de mãe da criança. As informações são do Jornal do Brasil. 

Em seu voto, a ministra ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, considerou que a inseminação artificial — por doador desconhecido — foi planejada pelas duas companheiras, que já viviam em união estável. 

A ministra ressaltou que a situação em julgamento começa a fazer parte do cotidiano das relações homoafetivas e merece uma apreciação criteriosa. “Se não equalizada convenientemente, pode gerar (em caso de óbito do genitor biológico) impasses legais, notadamente no que toca à guarda dos menores, ou ainda discussões de cunho patrimonial, com graves consequências para a prole”, afirmou. 

Em termos legais, a união homoafetiva não se distingue da união estável heteroafetiva — o que está consolidado na jurisprudência brasileira. Assim, segundo a relatora, a circunstância de a união estável envolver uma relação homoafetiva não surpreende nem pode ser tomada como entrave técnico ao pedido de adoção. 

Para ela, o argumento do Ministério Público de São Paulo, de que o pedido de adoção seria juridicamente impossível — por envolver relação homossexual —impediria não só a adoção unilateral, mas qualquer adoção conjunta por pares homossexuais. 

A mulher que pretendia adotar a filha gerada pela companheira havia obtido sentença favorável já em primeira instância. O MP recorreu, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença por considerar que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente e da Constituição Federal, a adoção é vantajosa para a criança e permite “o exercício digno dos direitos e deveres decorrentes da instituição familiar”. O MP recorreu então ao STJ, que negou novamente o pedido para reformar esse entendimento. 
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Leia a íntegra em: http://www.conjur.com.br/2013-fev-14/mulher-compartilhar-guarda-crianca-gerada-companheira-stj