sexta-feira, 1 de março de 2013

STJ: Divergência quanto à vida financeira da família pode levar à alteração do regime de bens

A divergência conjugal quanto à vida financeira da família pode justificar a alteração do regime de bens. Com esse entendimento, a 4ª turma do STJ determinou o retorno, à primeira instância, de processo que discute alteração de regime de bens porque a esposa não concorda com o empreendimento comercial do marido. 

Em decisão unânime, o colegiado determinou o retorno dos autos à primeira instância com a finalidade de investigar a atual situação financeira do casal, franqueando-lhes a possibilidade de apresentação de certidões atualizadas que se fizerem necessárias. 

Os cônjuges ajuizaram ação de alteração de regime de bens, relatando que se casaram, em maio de 1999, em comunhão parcial. Entretanto, o marido iniciou atividade societária no ramo de industrialização, comercialização, importação e exportação de gêneros alimentícios, o que, na visão da esposa, constitui grave risco para o patrimônio do casal. 

Assim, para a manutenção da harmonia no casamento, o casal entendeu necessária a alteração do regime anterior para o da separação convencional de bens. O juízo de direito da 8ª vara de Família de Belo Horizonte/MG julgou procedente o pedido de alteração do regime de bens, decisão da qual o MP estadual apelou. 

O TJ/MG reformou a sentença para que o pedido de alteração não fosse acolhido. “Incabível a alteração do regime de bens dos casamentos contraídos na vigência do Código Civil de 1916, quando não incidente o artigo 1.639 do novo Código Civil”, decidiu o TJ/MG. 

Preservação do casamento
 
No STJ, o casal sustentou que os requisitos legais para a alteração do regime de bens estão presentes no pedido, que não deveria haver restrições exageradas e que a pretensão, em última análise, visa à preservação do casamento. 

Em seu voto, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, ressaltou que, muito embora na vigência do CC de 1916 não houvesse previsão legal para tanto, e também a despeito do que preceitua o artigo 2.039 do CC de 2002, a jurisprudência tem se mantido uniforme no sentido de ser possível a alteração do regime de bens, mesmo nos matrimônios contraídos ainda sob o código revogado. 

O ministro afirmou que a divergência conjugal quanto à condição da vida financeira da família é justificativa, em tese, plausível para a alteração do regime de bens. Segundo ele, essa divergência muitas vezes se manifesta ou se intensifica quando um dos cônjuges ambiciona nova carreira empresarial. 

Mostra-se razoável que um dos cônjuges prefira que os patrimônios estejam bem delimitados, para que somente o do cônjuge empreendedor possa vir a sofrer as consequências por eventual empreendimento malogrado”, destacou o relator. 

Assim, o ministro Salomão entendeu que é necessária a aferição da situação financeira atual do casal, com a investigação acerca de eventuais dívidas e interesses de terceiros potencialmente atingidos.
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Obs.: O número deste processo não é divulgado em razão de sigilo judicial.
http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI173401,51045-Divergencia+quanto+a+vida+financeira+da+familia+pode+levar+a

Considerações sobre a repercussão geral da paternidade socioafetiva perante o Supremo Tribunal Federal

Como é sabido, o direito, em regra, não acompanha com a mesma velocidade a dinâmica das relações sociais e familiares. Como ensina Miguel Reale, por outras palavras, a norma, para que surja no ordenamento jurídico, depende do surgimento de um fato que passa a ser valorizado pela sociedade. E, no direito de família, isto não é diferente.

O problema surge quando o fato, valorizado pela sociedade, não se converte em norma a tutelar as relações humanas. A omissão do legislador resulta em situações concretas sem o abrigo da lei. 

Com o intuito de suprir as omissões legislativas, o constituinte originário de 1988 estabeleceu inúmeros princípios que permitem ao operador do direito laborar em favor dos cidadãos que ficam à margem da lei. Atualmente, não se pode pensar o direito sem considerar os princípios constitucionais. 

Nesse sentido, Ana Carolina Brochado Teixeira ensina que "a Carta constitucional trouxe em seu bojo inúmeros outros princípios que compõem os vetores interpretativos do ordenamento. É esta interpretação principiológica que constituirá o 'pano de fundo' para o estudo da autoridade parental na contemporaneidade. Sabe-se que princípios são normas e, por isso, traduzem comandos a serem obedecidos pelos cidadãos. Por serem normas com acentuada abertura semântica, cujo conteúdo é mais fluido e amplo, são facilmente adaptáveis aos mais diversos contextos sociais, ou seja, seu conteúdo pode ser construído de acordo com a época e com o contexto histórico então vivido"1

Os constitucionalistas tratam do tema denominando-o de mutação constitucional, segundo a qual consiste na alteração do significado e sentido interpretativo do texto constitucional, conforme a época em que vivemos. "A transformação não está no texto em si, mas na interpretação daquela regra enunciada. O texto permanece inalterado"2.

O Direito de Família, sob o enfoque constitucional, tem como valor fundante o princípio da "Dignidade da Pessoa Humana" (art. 1º, III, CF/88), ou seja, a pessoa é o vértice interpretativo da atual ordem constitucional. Maria Berenice Dias explica com maestria que é "um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade"3.

De fato, a dignidade da pessoa humana confere à família especial proteção, permitindo ao cidadão constituir família, ter filhos ou desfazê-la e, assim, buscar a felicidade da maneira como bem lhe aprouver. O que importa é o afeto.

A doutrina civilista voltada ao direito de família sofreu inúmeras alterações de conceitos, merecendo destaque o reconhecimento prático das relações socioafetivas, ou seja, aquelas que envolvem pessoas com distante parentesco sanguíneo ou nenhum, como a relação entre filhos e pais de criação ou, de maneira figurada, de coração. Trata-se da relação baseada no afeto e não apenas na origem biológica, a chamada paternidade socioafetiva. 

A afetividade, embora não conste expressamente da Constituição Federal, implicitamente consta do art. 227, par. 6º, segundo o qual determina que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Desnecessário dizer que a eficácia de referida norma é plena e imediata, não depende de norma infraconstitucional. 

Ao seu turno, o Código Civil, ao cuidar das relações de parentesco, prescreve que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem" (art. 1593). A expressão "outra origem" também abrange o parentesco por carinho, afeição, ainda que não exista relação sanguínea entre os envolvidos.
Assim, feita uma interpretação lógica, evolutiva e sistemática, podemos concluir que a afetividade é um princípio geral do ordenamento jurídico voltado ao direito de família.

Mais uma vez, Maria Berenice Dias aduz que "com a consagração do afeto a direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva. (...) O afeto não é fruto da biologia. Os laços de afeto e de solidariedade derivam da convivência familiar, não do sangue. (...) Na esteira dessa evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto"4.

É inegável que o afeto, hoje em dia, é a principal circunstância levada em consideração pelos magistrados quando se deparam com questões de direito de família, mormente as que dizem respeito à filiação, guarda e visitas.
Por conta disso, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão proferida no Plenário Virtual, reconheceu a repercussão geral em demanda que discute a prevalência ou não da paternidade socioafetiva sobre a biológica. Segundo o site do Supremo Tribunal Federal, "no processo, foi requerida a anulação de registro de nascimento feito pelos avós paternos, como se estes fossem os pais, e o reconhecimento da paternidade do pai biológico. Em primeira instância, a ação foi julgada procedente e este entendimento foi mantido pela segunda instância e pelo STJ" (cf. ARE 692186, rel. Min. Luiz Fux). 

O mérito recursal ainda não foi decidido, mas não se pode olvidar que a tendência é o prevalecimento do afeto, circunstância esta inerente às relações familiares contemporâneas, pois não é de hoje que a sabedoria popular diz que "pai é quem cria". De qualquer modo, o critério afetivo preponderando sobre o biológico em uma decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal demonstrará uma manifesta evolução, modernidade e harmonia com a realidade da sociedade brasileira.
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1In "Família, Guarda e Autoridade Parental", 2ª edição, Renovar, pags. 44/45.
2Lenza, Pedro. "Direito Constitucional Esquematizado", 12ª edição, Saraiva, pag. 68.
3In "Manual de Direito das Famílias", 7ª edição, RT, pág. 62.
4Idem, págs. 70/71 – negrito no original.
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* Henrique von Ancken Erdmann Amoroso é advogado do escritório Américo Angélico Sociedade de Advogados.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI173388,61044-Consideracoes+sobre+a+repercussao+geral+da+paternidade+socioafetiva