sábado, 23 de março de 2013

Elementos do inadimplemento contratual

A inexecução da obrigação contratual tem dois elementos: um objetivo, que é o fato jurídico correspondente a conduta do devedor de não cumprir exatamente o que estava obrigado, e o outro subjetivo, significando a imputabilidade de tal fato ao sujeito que lhe deu causa jurídica.
Acerca do primeiro elemento, a doutrina clássica[4] conhecia três maneiras pelas quais o devedor pode deixar de cumprir a obrigação: a) a inexecução voluntária; b) o cumprimento tardio e c) o cumprimento defeituoso.
Modernamente, no entanto, a noção de adimplemento se alargou, em especial por força do princípio da boa-fé objetiva, que atualmente é considerado fonte autônoma de obrigações, independendo, portanto, de estar ou não inserido em alguma cláusula contratual[5].
O professor Gustavo Gazalle[6], em relevante síntese, elenca o seguinte rol de causas objetivas de inadimplemento obrigacional, ao qual se deve acrescentar apenas a inexecução integral e o cumprimento tardio para torná-lo completo, em face da doutrina contemporânea:
1)Hipóteses de mau cumprimento da obrigação (cumprimento imperfeito).
2)Descumprimento dos deveres anexos ou laterais, como o de informação, cooperação, esclarecimento, auxílio etc.
3)Recusa antecipada do devedor em cumprir a obrigação.
4)Descumprimento de obrigações negativas. O exemplo clássico é o dever de sigilo, p. ex., alguém contrata o desenvolvimento de um software, o devedor da obrigação principal entrega o produto, mas posteriormente divulga informações sigilosas.
5)Não cumprimento de obrigações singulares em contrato de fornecimento sucessivo, p. ex., um fornecedor de cerveja cumpre, via de regra, o contrato, mas, por vezes, manda o produto estragado.
Das referidas situações de fato, que, na essência, representam ofensa aos interesses envolvidos na relação jurídica, poderá decorrer, por consequência da responsabilidade contratual, o dever de indenizar, efeito do inadimplemento, caso tal inexecução possa ser ou não imputável ao devedor.
No que tange ao elemento subjetivo do inadimplemento, cumpre esclarecer que há doutos que preferem referir-se à culpabilidade como elemento estrutural necessário para o devedor responder pela inexecução[7]. Nesse sentido, Orlando Gomes[8] esclarece o seguinte:
Pode o inadimplemento resultar de fato imputável ao devedor ou evento estranho à sua vontade, que determine a impossibilidade de cumprir.
No primeiro caso, há inexecução culposa. Tomada a palavra culpa no sentido de violação de um dever jurídico, não pode haver dúvida quanto a caráter culposo de todo inadimplemento voluntário. Sempre que o devedor deixa de cumprir a obrigação sem a dirimente do caso fortuito ou de força maior configura-se procedimento culposo. Como, entretanto, o devedor inadimplente responde por perdas e danos, a doutrina tradicional funda sua responsabilidade no comportamento que tenha, referindo-o ao tipo abstrato do bom pai de família, eis que deve conduzir-se com diligência normal. Contra essa orientação levantam-se modernos civilistas, para os quais o devedor está adstrito a ressarcir o dano pelo exclusivo fato objetivo do inadimplemento ou da mora.
Os juristas contemporâneos, porém, combatem o elemento da culpabilidade, argumentando que há diversas situações em que o sistema jurídico o dispensa[9]. Ademais, o próprio Código Civil (CC) inverte o ônus de demonstrar o elemento subjetivo do inadimplemento no artigo 389[10]. Quanto ao tema, esclarece Gustavo Gazalle[11] da seguinte maneira:
A doutrina sempre lúcida, profunda e avançada de PONTES DE MIRANDA, já esclarecia o equívoco de se exigir a culpa no suporte fático do inadimplemento, para configurar-se a mora. Em dez páginas e com consistente fundamentação é rechaçada, com veemência, a necessidade de aferir-se a culpa do inadimplente para configurar a mora. Ao contrário, aponto o critério da imputação como o adequado para responsabilizar o inadimplente e considerá-lo em estado de mora. (...)
Exemplo basilar da inconveniência de considerar-se a culpa elemento essencial da mora é o citado por PONTES, do insolvente que contraiu a dívida antes de sua insolvência.
O aludido professor chama atenção para o fato de que apenas um artigo do Código Civil refere-se à culpa, quando trata da inexecução da obrigação, qual seja, o artigo 399[12], que cuida da impossibilidade da prestação do devedor que já se encontrava no período da mora, “quando, aí sim, o critério da culpa ganha importância e razoabilidade, pois se refere à isenção de culpa na causa da excludente, caso fortuito e força maior”[13].
Este segundo grupo de doutrinadores prefere a imputabilidade, ao invés da culpa, como elemento do inadimplemento, sustentando que os casos de força maior ou caso fortuito provocam o rompimento do nexo de causalidade, de modo que a conduta do devedor deixa de ser a causa da inexecução[14]. Já os que advogam o contrário, valendo-se do critério da culpabilidade, sustentam que em tais casos o resultado (a inexecução) não decorreu da vontade do devedor[15], de maneira que a ele não poderá ser imputado[16].
Seja de uma ou de outra maneira, o certo é que a partir do elemento subjetivo da inexecução é que é possível distinguir, por exemplo, o acontecimento fático descumprimento do instituto jurídico inexecução da obrigação. Por isso é que pode haver casos em que existe o descumprimento da obrigação, mas esse fato não poderá ser classificado juridicamente como inexecução contratual, por não existir, por exemplo, culpa do devedor. Assim é que, em havendo caso fortuito ou força maior, de regra o devedor não responderá pela situação fática de inadimplemento, salvo se expressamente houver por eles assumido previa e expressamente a responsabilidade (CC, art. 393[17]).
Por fim, merece destacar que “os modernos civilistas, tendo em vista, justamente, a teoria do risco, dividem o caso fortuito em interno e externo. O primeiro é o que se liga à empresa; o último, o que está fora dela, reservada a este a denominação força maior”[18]. Por essa razão, os doutrinadores nacionais que estiveram reunidos na V Jornada de Direito Civil decidiram que “o caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida”[19], ou seja, ainda que o dano decorra de um caso fortuito, como por exemplo uma falha do maquinário, a empresa responderá por ele, tendo em vista que tal imprevisto é inerente à atividade desempenhada.

FIGUEIREDO, César Augusto Carvalho de. O inadimplemento do contratado e suas espécies. Revisitando os conceitos de inadimplemento absoluto e relativo, total e parcial. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3551, 22 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24019>. Acesso em: 23 mar. 3913.

A sentença de interdição e os negócios jurídicos praticados anteriomente pela pessoa interditada

Inicialmente temos que enfrentar o questionamento acerca de ser a sentença de interdição declaratória ou constitutiva.
O disposto no artigo 1184, do Código de Processo Civil, traz:
“A sentença que declara a interdição produz efeitos desde logo, embora sujeita a recurso. ...” (grifos nossos)
Na prática, se considerada meramente declaratória, a sentença de interdição, surtirá efeitos “ex tunc” e, portanto, retroagirão. Já se considerada meramente constitutiva surtirá efeitos “ex nunc”, os efeitos da sentença de interdição serão somente para o futuro.
Para Moacyr Amaral Santos, (1994, p 33 e 34):
 “Sentenças Constitutivas. Assim, por exemplo, ..., as de interdição (Cód. Civil, art. 453 etc., etc.).”
 “As sentenças constitutivas, como regra, têm efeito ex nunc, isto é, para o futuro, seus efeitos produzem-se a partir da sentença transitada em julgado.” ... “Outras sentenças constitutivas têm efeitos especiais, como por exemplo, a sentença de interdição, cujos efeitos são ex nunc, a partir da sentença, ainda que não transitada em julgado (Cód. Civil, art. 452)”.
Para Pontes de Miranda (1977, p. 367):
 “O elemento declarativo é alto, porém não preponderante. O estado da pessoa é declarado e o que se constitui é a incapacitação.”
Em que pese verifica-se divergência sobre o tema é majoritário o entendimento de que os efeitos de tais sentenças são “ex nunc”, apesar do forte caráter declarativo da sentença de interdição.

3. Sentença de interdição: efeito “erga omnes” somente com o atendimento da segunda parte do artigo 1184 do Código de Processo Civil

Tanto a jurisprudência, quanto a doutrina, na sua grande maioria têm preferido preservar os terceiros que contrataram com pessoas que foram, posteriormente, declaradas interditadas, dando mais relevância aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica em oposição aos interesses do incapaz, mesmo sendo certo que a ação de interdição tem como um de seus objetivos a proteção da pessoa interditada.
Tal questão tem grande relação com o fato de que a sentença de interdição somente tem efeitos “erga omnes” após cumprir as determinações contidas na segunda parte do “caput” do artigo 1184, do Código de Processo Civil, que passo a transcrever:
“A sentença de interdição produz efeitos desde logo, embora sujeita a apelação. Será inscrita no Registro de Pessoas Naturais e publicada pela imprensa local e pelo órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da curatela.” (grifo nosso)
Frize-se que mesmo com a Apelação a sentença de interdição já passa a ter efeitos, porém, para que tais efeitos atinjam terceiros não integrantes à lide, necessário se fará o procedimento determinado no artigo supra transcrito.
Sobre o tema, assim se manifestou Pontes de Miranda (1977, p. 392):
“Assim, hoje, a inscrição no Registro de pessoas Naturais e a publicação na imprensa local e no órgão oficial por três vezes, no intervalo de dez dias, é indispensável para a eficácia erga omnes. Mas, com a sentença, mesmo que advenha apelação, produz efeito típico, desde logo, de modo que só se apaga tal efeito se acontece o provimento da apelação, que o retira.”
O Tribunal de Justiça de São Paulo manifestou sobre o tema desta forma:
“Prestação de serviços educacionais - Ação monitoria - Inadimplemento de mensalidades - Nulidade do negócio jurídico firmado com interdito - Contrato celebrado antes do registro da sentença de interdição e da publicação de edital - Condição de incapaz que não era pública e, portanto, não oponível a terceiro de boa-fé - Efetiva prestação dos serviços; que exige a respectiva remuneração - Vedação ao enriquecimento sem causa – Recurso provido.
1.  O instituto da interdição visa a proteger o incapaz, e não a servir de escudo para o locupletamento indevido do interdito ou de seus familiares.
2. Ainda: o direito e Justiça não toleram e devem coibir, onde quer que se apresente o enriquecimento a dano de terceiro, mesmo que o beneficiário seja incapaz, amental, criança, órfão ou viúva desvalida.” (TJSP – 29ª Câmara de Direito Privado – Apelação n° 0002702-08.2009.8.26.0032 (990.09.244923-0) Relator: Reinaldo de Oliveira Caldas, Voto n° 3013, julg. 02/02/2011) (grifo nosso)
No mesmo sentido tem se manifestado o Superior Tribunal de Justiça:
“Reconheço que, buscando a preservação dos direitos de terceiros de boa fé, a sentença de interdição tem natureza constitutiva, com efeitos ex nunc, que estabelece uma nova situação jurídica em que se reconhece, a partir de então, a incapacidade de uma pessoa para a prática dos atos da vida civil, nomeando-se um curador para gerir os bens da pessoa interditada.” (STJ, Recurso Especial n° 1.141.465 – SC, Rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, julgado em 11/12/2012)
Assim, mesmo sendo o objetivo maior das Ações de Interdição a proteção do incapaz, frente aos dos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, como dito acima, não poderá a decisão de interdição atingir os negócios jurídicos praticados anteriormente ao cumprimento das determinações contidas na segunda parte do “caput” do artigo 1180, do Código de Processo Civil, pois só essas providências revestem tal decisão com o efeito “erga omnes”.

4. Da eficácia da sentença de interdição produzindo-se individualmente

Pontes de Miranda (1977, p. 393) considera a possibilidade de se direcionar a eficácia da sentença de interdição para determinadas pessoas, independentemente do cumprimento da segunda parte do “caput” do artigo 1184, do Código de Processo Civil, ensinado:
“Pode haver interesse do interdito em que a eficácia da sentença atinja alguma pessoa ou algumas pessoas que somente receberiam a eficácia da sentença após as providências registrarias e editais. Então, o curador nomeado, ou o próprio advogado do interditando que figurou até o fim do processo, ou outro legítimo interessado, pode requerer a intimação pessoal ou as intimações pessoais. O que dependia da eficácia erga omnes passou a produzir-se, individualmente.”
A questão ora apresentada tem relevante interesse na prática jurídica, pois não é incomum que o ingresso de uma Ação de Interdição, além de buscar o efeito “erga omnes”, esteja focada em alguma questão mais direta e pessoal de interesse do interditado, quando poderá o patrono tomar tal providência, para que se produza a mencionada eficácia individual.
Porém, ressalta-se, que sempre com efeito “ex nunc”, ou seja, para atos futuros.

5. Do litisconsórcio necessário para se pretender a anulação de um ato

Ademais, importante salientar que para se anular qualquer contrato mostra-se necessário, de início, a participação de todos os contratantes, por trata-se de litisconsórcio necessário, o que poderia, inclusive, tumultuar o próprio procedimento de interdição que deve se dedicar inteiramente ao seu objeto, inclusive, por ter rito especial.
Comentando o artigo 47, do Código de Processo Civil, que trata do litisconsórcio necessário, Humberto Theodoro Júnior, em Código de Processo Civil Anotado, ed.12ª, Ed. Forense, p. 60:
“O que procurou estabelecer a lei, malgrado a imperfeição de linguagem do art. 47, foi que o litisconsórcio será necessário:”
“b) quando, sendo vários os sujeitos envolvidos na relação jurídica material, por sua própria natureza, a lide tenha de ser decidida de modo eficaz para todos eles, sejam, autores ou réus (ex.: anulação der um contrato promovida por quem se sente vitima de simulação ou fraude praticada por duas ou mais pessoas; ou...”
Importante apontar, não sendo observadas as questões quanto ao litisconsórcio necessário haverá afronta aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, o que poderia, inclusive, gerar a nulidade daquele feito.

6. Da sentença de interdição que traz retroação em seu teor

Mas se mesmo assim, o Juízo fazer constar da sentença de interdição uma data para a fixação da incapacidade, determinando a retroação de seus efeitos, qual será a validade desta retroação?
Sobre essa questão já se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Interdição - Doença Mental – Sentença de natureza constitutiva, e não declaratória, de uma situação nova, a sujeição ao regime jurídico de curatela, e que tem como causa a anomalia psíquica – Embora usual a fixação da data da incapacidade, até com retroação, A PROVIDÊNCIA É INÓCUA, desde que não faz coisa julgada e nem tem retroeficácia para alcançar atos anteriores praticados pelo interdito, cuja invalidade reclama comprovação exaustiva de incapacidade em cada ação autônoma – Apela não provida.” LEX JTJ – 212/104 (grifo nosso)
Ainda, do teor do mencionado acórdão se destaca:
Quando o Juiz deixa preciso, na sentença o tempo em que começou a incapacidade, o efeito declarativo de modo nenhum é inerente à sentença (pode omiti-lo, como é freqüente), é o efeito declarativo da parte da sentença que a essa data se refere, tanto que pode esbarrar com a coisa julgada material de alguma sentença anterior e ação diferente, ou sobre a alegação, ou defesa, com elemento declarativo.” (grifo nosso)
Nem vale replicar que a retroeficácia de que se cogita precisamente consistiria na invalidação de atos praticados, antes da interdição, pelo incapaz. O argumento é tecnicamente falso, porque confunde o efeito da interdição com o efeito da alienação mental.” (grifo nosso)
E por fim, conclui:
 “... de maneira alguma estariam sujeitos a ela terceiros estranhos ao processo de interdição, em face dos quais se viesse a discutir a validade de atos praticados anteriormente pelo interdito.”(grifo nosso)
Assim, se o Juízo fizer constar da sentença de interdição, mesmo que na parte dispositiva, data para a incapacidade declarada com a finalidade de retroação de seus efeitos, tal providência será inócua, não devendo surtir qualquer efeito.

7. Da ação própria para anular atos passados praticados por pessoa interditada

Daí surge um questionamento: Diante do exposto acima, teria o interditado como pretender a anulação de ato que tenha praticado anteriormente à sentença de interdição?
Sobre essa questão assim, se manifestou Pontes de Miranda (1977, p. 393):
Quanto ao passado (o momento em que começou a anomalia psíquica), não tem eficácia a sentença de interdição, a despeito do elemento declarativo junto à força constitutiva. Isso não impede que em ação que não é a de interdição se alegue, por exemplo, que a pessoa estava louca quando assinou um cheque ou uma escritura particular ou mesmo pública.” (grifo nosso)
Desta forma, para ver anulado um ato praticado antes da sentença de interdição o interditado deverá ingressar com ação específica para tal finalidade, na qual todos os envolvidos no contrato em questão figurarão como partes, respeitando-se, assim, o litisconsórcio necessário.
Desta forma, já se manifestou o Tribunal de Justiça de São Paulo:
EXECUÇÃO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – NÃO EVIDENCIADA QUALQUER NULIDADE PREVISTA NO ART. 618 DO CPC - DECRETO DE INTERDIÇÃO QUE OPERA EFEITO EX NUNC, SEM ATINGIR ATOS E NEGÓCIOS PRATICADOS ANTERIORMENTE - INVALIDAÇÃO DO QUESTIONADO CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DEVE SER POSTULADA EM AÇÃO PRÓPRIA - INEXISTÊNCIA DE DUPLICIDADE DE GARANTIAS OU AMPLIAÇÃO INDEVIDA DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL - DESCABIDA APLICAÇÃO DE MULTA POR LITIGÃNCIA DE MÁ-FÉ - RECURSO DESPROVIDO. (TJSP – 31ª Câmara de Direito Privado – Agrav. Instr. n° 1.121.041-0/0  - Rel. Francisco Casconi – Voto n° 14.148 – julg. 19/02/2008) (grifo nosso)
E, ainda:
“INTERDIÇÃO – Doença mental – Fixação da data da incapacidade com retroação – providência inócua – Sentença que não faz coisa julgada e em tem retroeficácia para alcançar atos anteriores praticados pelo interdito – Natureza constitutiva e não declaratória- necessidade de comprovação exaustiva da incapacidade em cada ação autônoma – Recurso não provido” (grifo nosso) – LEX JTJ – 212/104
E não deixando dúvidas sobre a necessidade de ingresso de ação própria para questionar a validade de ato firmado anteriormente à sentença de interdição, assim se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
“Mais uma vez é oportuno salientar que, decretada a interdição da agravante em agosto de 1.999, esta passa a operar seus efeitos desde logo, conforme preconiza o disposto no artigo 1.773 do Código Civil. Ocorre, todavia, que os atos anteriores a sentença de interdição são apenas anuláveis, podendo ser invalidados desde que judicialmente demonstrado, em ação própria, o estado de incapacidade a época em que praticados.” (AgRg n° Ag n° 24.836-MG, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 31.05.1993, p. 10.670).(grifo nosso)
"DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO RELIGIOSO. EFEITOS CIVIS. INTERDIÇÃO. CÓDIGO CIVIL, 183, XI. FATO NOTÓRIO. CPC, ART. 334-1. RECURSO DESPROVIDO. I - SE INEXISTENTE PROVA DA INCAPACIDADE MENTAL DO VARÃO A ÉPOCA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO RELIGIOSO, VALIDOS OS EFEITOS CIVIS DECORRENTES DE POSTERIOR HABILITAÇÃO, MAXIME QUANDO INCONTESTE QUE A UNIÃO PERDUROU POR MAIS DE TRINTA ANOS. II - OS ATOS ANTERIORES A SENTENÇA DE INTERDIÇÃO SÃO APENAS ANULAVEIS, PODENDO SER INVALIDADOS DESDE QUE JUDICIALMENTE DEMONSTRADO, EM AÇÃO PRÓPRIA, O ESTADO DE INCAPACIDADE A ÉPOCA EM QUE PRATICADOS. III - NOTÓRIOS SÃO OS FATOS DE CONHECIMENTO GERAL INCONTESTE, A INDEPENDER DE PROVA." (STJ, AgRg no Ag 24836/MG, Rei. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/04/1993, DJ 31/05/1993, p. 10670). (grifo nosso)
“I – Para resguardo da boa-fé de terceiros e segurança do comércio jurídico, o reconhecimento da nulidade dos atos praticados anteriormente à sentença de interdição reclama prova inequívoca, robusta e convincente da incapacidade do contratante.” (STJ, Recurso Especial n° 9.077 – RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, julgado em 25/02/1992). (grifo nosso)
Portanto, a única forma para se anular atos praticados pelo interditado, anteriores à sua interdição, é por meio de ação especifica para essa finalidade, recaindo sobre o mesmo o ônus de provar as suas alegações e demonstrar a sua incapacidade à época de forma exaustiva, inequívoca e robusta.

8. Conclusão

Concluí-se que o terceiro que praticou atos da vida civil com pessoa interditada não poderá ver esses atos declarados anulados no bojo da sentença de interdição, desde que praticados antes da vigência dos efeitos “erga omnes” da referida sentença ou de ter tido ciência daquele feito, restando necessário para se obter a invalidade de determinado ato o ingresso de ação própria com essa finalidade, na qual incumbirá ao interditado o ônus de provar de forma robusta e inequívoca a incapacidade quando da prática do ato que se pretende anular.

JESUS, Gilberto Andrade de. A sentença de interdição e os negócios jurídicos praticados anteriomente pela pessoa interditada. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3551, 22 mar. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/24031>. Acesso em: 23 mar. 3913.

Especialistas comentam publicidade infantil com nova regulamentação do Conar

Daqui a exatas duas semanas, em 1º de março, passa a vigorar nova redação dos incisos III, IV e V do artigo 37 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, de modo que ações de merchandising ou publicidade indireta direcionadas a crianças serão condenadas.
Acerca das alterações no código, o advogado José Eduardo Maya Ferreira, especialista em Direito da Publicidade e sócio do escritório Osorio e Maya Ferreira Advogados, aplaude a iniciativa desde que dirigida à publicidade irresponsável e antiética, “que se valha de subterfúgios para atingir, inconsequentemente, um público que ainda não tem capacidade plena de discernimento.”
Isabella Henriques, diretora do Instituto Alana, é crítica ao lembrar que, embora positiva a iniciativa no sentido de reforçar o impacto da discussão sobre o tema, o merchandising voltado ao público infantil já é proibido pelo ordenamento positivado (CDC) e “ações de merchandising raramente são repetidas o que faz com que o Conar não tenha muito a fazer se verificar algum merchandising voltado às crianças, mesmo porque não tem poder de polícia, não pode aplicar multa, só poderia pedir para que seja sustada a ação. Mas se ela já não será mesmo repetida, essa recomendação fica sem sentido.”

Proibição
O veto integral de propagandas voltadas para crianças é um ponto divergente na opinião dos especialistas. Maya Ferreira enaltece a via do meio termo na medida em que hábitos saudáveis, como escovar os dentes, praticar exercícios, tomar banho e se alimentar bem “também são incentivados pelos anunciantes, que têm nestas atividades a sua principal fonte de receita, sendo de seu interesse estimulá-las”. “Entendo que tachar a publicidade infantil de vilã quando o assunto é educação infantil é sofismar um problema que tangencia aspectos políticos e sociais, seja por falta de investimento, estrutura, planejamento, e até mesmo de interesse do governo, seja por um comportamento passivo, pouco efetivo e extremamente liberal de determinados pais”, pontua.
Em contrapartida, Isabella Henriques cita pesquisas científicas ao redor do mundo que apontam a publicidade de alimentos com altos teores de sódio, açúcar, gorduras saturadas e trans e de bebidas de baixo teor nutricional como fator responsável pela obesidade infantil: “É claro que a obesidade é multicausal e não é somente a publicidade sua responsável, mas é um fator importante e que se não existisse reduziria consideravelmente os índices no mundo todo. E isso acontece porque a criança é altamente influenciável, ela realmente acredita no que a publicidade diz, e infelizmente não existe nos meios publicidade de alimentação saudável, só de junk food. Até por isso o mercado, representado pelas maiores empresas do setor, fez compromissos coorporativos em todo o mundo no sentido de que não mais fará publicidade de produtos tais como os mencionados para crianças. A Coca-Cola chegou a comprometer-se a não fazer qualquer tipo de comunicação mercadológica às crianças de qualquer produto seu, mesmo dos sucos!” A preocupação da diretora do Instituto é a ausência de controle sobre o cumprimento desses chamados pledges.

Tendências globais
A comunicação mercadológica dirigida às crianças é objeto de ampla discussão levando-se em conta seu possível impacto no público infantil, tais como a contribuição para a obesidade, a violência e a erotização precoce.
Em outros países o tema tem sido tratado de diferentes formas. Na Suécia, por exemplo, não é permitida a publicidade para menores. Na Alemanha os programas infantis não podem ser interrompidos por publicidade e na Inglaterra o uso de efeitos especiais que confundam as crianças são proibidos, onde também desde 2006 está proibida a publicidade de alimentos com baixo teor nutricional na televisão em programação destinada a um público de até 16 anos de idade.
Já nos EUA, país que atualmente apresenta altos índices de obesidade infantil, o governo tem sofrido grande pressão por parte de defensores dos direitos das crianças para tornar mais rigorosas as suas regras de controle.

Avanços
Aqui no Brasil, Isabella Henriques pontua que para o Judiciário ainda é necessária uma norma específica sobre o tema, uma vez que o CDC e o ECA não seriam suficientes: “Por isso seria interessante que o país investisse nessa legislação mais detalhada sobre o tema”.
José Eduardo Maya Ferreira recomenda bom senso. Um exemplo citado pelo causídico: “Fabricantes de creme dental poderiam utilizar modelos do universo infantil para incentivar o hábito saudável de escovar os dentes. Estes mesmos fabricantes, porém, estariam infringindo princípios básicos de transparência e ética se usassem este mesmo modelo para afirmar que seu produto é o melhor, ou que torna os dentes mais claros e garante a prevenção de cáries, independentemente do consumo de açúcar”, afirma, como forma de garantir o interesse da criança, sem lhe tirar, porém, o direito de ser corretamente informada.

http://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI172554,21048-Especialistas+comentam+publicidade+infantil+com+nova+regulamentacao

Direito civil. Reconhecimento da paternidade biológica requerida pelo filho. Adoção à brasileira

É possível o reconhecimento da paternidade biológica e a anulação do registro de nascimento na hipótese em que pleiteados pelo filho adotado conforme prática conhecida como “adoção à brasileira”. A paternidade biológica traz em si responsabilidades que lhe são intrínsecas e que, somente em situações excepcionais, previstas em lei, podem ser afastadas. O direito da pessoa ao reconhecimento de sua ancestralidade e origem genética insere-se nos atributos da própria personalidade. A prática conhecida como “adoção à brasileira”, ao contrário da adoção legal, não tem a aptidão de romper os vínculos civis entre o filho e os pais biológicos, que devem ser restabelecidos sempre que o filho manifestar o seu desejo de desfazer o liame jurídico advindo do registro ilegalmente levado a efeito, restaurando-se, por conseguinte, todos os consectários legais da paternidade biológica, como os registrais, os patrimoniais e os hereditários. Dessa forma, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos do filho resultantes da filiação biológica, não podendo, nesse sentido, haver equiparação entre a “adoção à brasileira” e a adoção regular. Ademais, embora a “adoção à brasileira”, muitas vezes, não denote torpeza de quem a pratica, pode ela ser instrumental de diversos ilícitos, como os relacionados ao tráfico internacional de crianças, além de poder não refletir o melhor interesse do menor. Precedente citado: REsp 833.712-RS, DJ 4/6/2007. REsp 1.167.993-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/12/2012.